Honduras: o proletariado não tem que eleger campo em uma confrontação entre bandidos

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A crise política que tem se desenvolvido em Honduras com o golpe de estado ao presidente Manuel Zelaya no dia 28 de junho passado, não representa "um golpe a mais" nesta pobre e pequena "República das Bananas" de 7,5 milhões de habitantes. Este acontecimento tem repercussões geopolítica importantes e também a nível da luta de classes .

Os fatos

Zelaya, empresário e membro da oligarquia hondurenha, iniciou seu mandato no começo de 2006 como representante do Partido Liberal de Honduras, a direita. Desde o ano passado foi aproximando-se da "franquia" chavista do "Socialismo do Século 21"; em agosto de 2008, com o apoio do seu partido logrou que o Congresso aprovasse a incorporação de Honduras ao ALBA (Alternativa Bolivariana para América Latina e o Caribe), mecanismo criado pelo governo de Chávez para fazer frente à influência da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) promovida pelos Estados Unidos. Este acordo, que recebeu forte crítica de setores políticos e empresariais, facilitava ao estado hondurenho o pagamento da fatura do petróleo que tem um peso importante sobre a sua economia.

Ao ingressar na ALBA, Honduras contaria com um crédito de $400 milhões para compra de hidrocarbonetos da Venezuela a ser pagos em condições vantajosas; "ajuda importante para um país com um PIB de $10,8 milhões, segundo dados da CEPAL para 2006, cujos pagamentos por importações de hidrocarbonetos se estima que ultrapassam 30% do PIB, segundo a mesma fonte. Porém o "Socialismo do Século 21" não é uma simples franquia comercial, requer que os governantes que a adquiram, apliquem uma série de medidas populistas de fisionomia esquerdista; que o Executivo controle abertamente as instituições do Estado e os poderes públicos, e que ataque frontalmente as velhas "oligarquias" nacionais. É por esse motivo que Zelaya deu uma reviravolta política de 180º ao passar em poucos meses, de um liberal de direita para um esquerdista defensor dos pobres e do "socialismo".

Diante das proximidades das eleições de novembro deste ano, a partir de fevereiro do corrente ano Zelaya acelera a pressão sobre as instituições do estado para promover sua reeleição, o que gera conflitos entre o Executivo e os outros poderes públicos e inclusive com seu próprio partido. Em maio passado, apoiando-se em organizações populares e sindicais, pressiona as Forças Armadas para apoiar a realização de um plebiscito para emendar a constituição com vistas à reeleição; ação que é rechaçada pelo Alto comando militar. Em 24 de junho Zelaya destitui o chefe do Estado Maior Conjunto, que foi reconduzido de imediato pela Corte Suprema de Justiça, o que serve de detonante para o golpe de estado em 28 de junho, data prevista pelo Executivo para a realização da consulta popular. Nesse dia Zelaya é forçado pelas forças militares a sair de "Camisa e cueca" de Tegucigalpa (capital de Honduras) a São José (capital da Costa Rica). Com o apoio do Exercito e da Corte Suprema o Congresso nomeia Roberto Micheletti (presidente do Congresso) como novo presidente.

Nossa análise

É evidente que na raiz da crise política de Honduras estão as intenções imperialistas da Venezuela na região. Na medida em que o chavismo tem se consolidado, a burguesia venezuelana tem avançado no seu velho interesse geopolítico de fazer da Venezuela uma potencia regional; com este fim utiliza o projeto do "Socialismo do Século21", que se sustenta socialmente nas camadas mais depauperadas e utiliza o petróleo e suas receitas como arma de convencimento e coerção. O crescimento da pauperização, a decomposição das velhas classes dirigentes e a fragilização geopolítica dos Estados Unidos no mundo, tem permitido a burguesia venezuelana avançar de maneira progressiva com o seu projeto em vários países da região: Bolívia, Equador, Nicarágua, Honduras e alguns países do Caribe.

Por suas características populistas e o seu antiamericanismo "radical", o projeto chavista necessita do controle totalitário das instituições do Estado e a montagem de uma polarização política entre "ricos contra pobres", "oligarcas contra o povo", etc., o que o transforma em uma fonte permanente de ingovernabilidade para o próprio capital nacional. Para sua execução requer além do mais de mudar as Constituições através da criação de assembléias constituintes, que dão uma base legal às mudanças necessárias para avalizar as novas elites "socialistas" no poder, promovendo a reeleição presidencial, dentre outras medidas. O catecismo que é aplicado pelo chavismo é fartamente conhecido pelas burguesias da região.

Honduras é um desejado objetivo geoestratégico. do chavismo: lhe permitiria ter acesso no Atlântico centro-americano através do porto Cortés,  que também serve ao comércio exterior de El Salvador e Nicarágua; desta maneira a Venezuela disporia de um "canal" terrestre que  uniria o Atlântico com o Pacífico, através da Nicarágua e Honduras, e facilitaria seu controle sobre El Salvador; situação que dificultaria o desenvolvimento do Plano Puebla Panamá proposto pelo México e Estados Unidos.

De outro lado Honduras conta com as condições "naturais" para o desenvolvimento do projeto populista esquerdista de Chávez, pois é o terceiro país mais pobre da América depois do Haiti e da Bolívia. A massa de miseráveis que a crise inevitavelmente incrementa de forma acelerada, são os principais consumidores das falsas esperanças de sair da sua situação de miséria, esperanças que fazem parte do receituário do "Socialismo do Século 21". É para estas massas que se dirige a mensagem chavista, a qual necessita em permanente mobilização, com o apoio de sindicatos e partidos de esquerda e esquerdista, e das organizações sociais campesinas, indigenistas, etc.

O chavismo, resultado da decomposição da burguesia venezuelana e mundial, utiliza e adota as expressões de decomposição no seio das burguesias da região. Pela necessidade de polarizar a confrontação entre as frações burguesas, se transforma em um fator da ingovernabilidade que por si só tem a sua própria dinâmica pela decomposição. A recente crise em Honduras, que apenas se inicia, representa um agravante da situação nas "Repúblicas das Bananas" centro-americanas, que não conheciam crises como a atual desde os anos 80, quando os conflitos na Guatemala, El Salvador e Nicarágua, deixaram um saldo de quase meio milhão de mortos e milhões de exilados.

Evidências da Hipocrisia

Pouco antes do golpe de estado Chávez já havia posto em funcionamento sua maquinaria geopolítica, alertando aos presidentes "amigos", denunciando os militares "gorilas", etc. Consumado o golpe, convocou uma reunião de emergência na Nicarágua dos países integrantes da ALBA onde anunciava a suspensão do envio de petróleo para Honduras e ameaçava com o envio de tropas no caso de que a sede da embaixada venezuelana em Honduras fosse atacada. Além disso, colocou a disposição de Zelaya os recursos do Estado venezuelano: o Ministro de Relações Exteriores foi transformado em assistente pessoal do presidente deposto já que o acompanhava em seus périplos por vários países; os meios de comunicação do Estado, principalmente o canal internacional de TV Telesur, de forma massacrante transmitiram informações sobre Zelaya, vitimizando-o e colocando-o como um grande humanista e defensor dos pobres; o discurso de Zelaya na ONU foi transmitido na Venezuela em cadeia nacional de Rádio e TV.

Chávez faz insistentes chamados aos "povos da América" para defender a democracia ameaçada pelos "gorilas militares golpistas", possivelmente para fazer-nos esquecer o fato de que ele mesmo foi um deles ao encabeçar um golpe de estado na Venezuela contra o presidente social-democrata Carlos Andrés Perez em 1992. São precisamente esses "gorilas militares", a polícia do Estado chavista e tropas de choque que reprimem, não só as manifestações dos opositores ao regime, como também as próprias lutas dos trabalhadores na Venezuela, tal como Internacionalismo tem denunciado através de vários artigos em nosso Site (Ver El Estado "socialista" de Chavez nuevamente reprime y asesina proletarios, https://es.internationalism.org/node/2589).

Porém a montanha de hipocrisia abarca toda a "comunidade internacional". A OEA, a ONU, a CE e muitos outros países que têm condenado o golpe e pedido a recondução de Zelaya; muitos deles têm retirado seus embaixadores de Honduras. Porém isto não é mais que formalismos e consumo mediático para a mídia, para tentar tratar a doente democracia burguesa, e a essas organizações que cada vez mais perdem credibilidade.

Como explicar o comportamento dos Estados Unidos diante dessa crise?

Para surpresa da chamada "esquerda" e dos seus apêndices "esquerdistas", também os Estados Unidos tem condenado o golpe e tem pedido a recondução de Zelaya. Segundo a própria Secretária de Estado Hillary Clinton, a embaixada dos Estados Unidos em Honduras e Tom Shannon, subsecretário de Estado para o hemisfério ocidental, tiveram uma participação ativa nos meses que antecederam o golpe, segundo eles para evitar que se instalasse a crise. Devemos perguntar: Será que o problema escapou das mãos dos Estados Unidos? Tem tornado tão débil a diplomacia norte americana na região depois do governo Bush?

Não há que se descartar a possibilidade de que em efeito os Estados Unidos não tenham conseguido controlar as frações da burguesia hondurenha em disputa, o que refletiria o nível de decomposição nas filas da burguesia e das debilidades geopolíticas dos Estados Unidos no seu próprio "pátio traseiro", que o torna difícil controlar os efeitos do neo-populismo esquerdista de governos onde seus presidente são eleitos por vias democráticas (muitas vezes por ampla maioria), porém uma vez no poder tomam o Estado por assalto e se transformam em ditaduras abertas que com verniz democrático.

No entanto, vemos que não é assim. Ao condenar o golpe e exigir a recondução de Zelaya, os Estados Unidos utiliza a crise hondurenha para tentar "limpar a barra" na região que ficou bastante suja na administração Bush. De Obama ter atuado como Bush (quando, por exemplo, ele apoiou o golpe de estado contra Chávez em abril de 2002), havia dado argumentos para acender o antiamericanismo na região e debilitar a estratégia de abertura diplomática da nova administração.

Não há de descartar que os Estados Unidos tenham deixado que a crise hondurenha "seguisse seu curso" para utilizá-la no sentido de debilitar o chavismo na região. Ao atuar com o fez, os Estados Unidos obriga Chávez a ter que dar a cara para defender o seu "pupilo" Zelaya e mostrar seu real papel de incendiário na crise hondurenha. Por outro lado, permite que a OEA e outros dirigentes da região tentem solucionar uma crise, na qual os Estados Unidos seria "um a mais". Desta maneira, seria a "comunidade americana" a responsável pelo desenlace da crise, embora pouco a pouco vão surgindo as evidências que comprometem Chávez e Zelaya como responsáveis pela crise. O rechaço pelo novo governo hondurenho da decisão da OEA de repor Zelaya, o "fracasso" da gestão de Insulza na sua viagem de 13 de julho a Tegucigalpa e as ações do governo de Micheletti para impedir a aterrisagem do avião venezuelano que trazia Zelaya desde Washington no domingo 5 de julho, contribuíram para agravar a crise e desmascarar Chávez, que havia denunciado que por trás desses fatos está o "imperialismo Ianque" e convidou Obama, a "vitima do imperialismo" a intervir de maneira mais contundente em Honduras!!

Sem nenhuma dúvida a situação para os Estados Unidos é bastante complicada, pois de um lado necessita dar uma lição em Chávez e seus seguidores; por outro lado, a situação pode se tornar explosiva em momentos que tem outras prioridades geopolíticas como a intervenção no Afeganistão, a crise com a Coréia do Norte, etc. E ainda a decomposição da própria burguesia hondurenha e da burguesia da região incluída a venezuelana, pode gerar uma situação incontrolável.

Nas últimas horas foi dado conhecimento que Zelaya havia aceitado a mediação na crise do presidente Oscar Arias da Costa Rica, por solicitação da Secretária de Estado Hillary Clinton; o que indica o papel central que joga os Estados Unidos nessa crise.

Uma reflexão sobre a geopolítica regional

A crise em Honduras é de maior dimensão que a recente crise entre Colômbia, Equador e Venezuela com referência a questão da FARC, na qual também tiveram uma participação de primeiro plano o governo de Chávez. Nicarágua, aliada de Chávez, tem agendado um conflito com a Colômbia pelo arquipélago de Santo Andrés no Caribe.

Nestes conflitos se fala de mobilização de tropas, inclusive a Venezuela mobilizou suas tropas na fronteira com a Colômbia, quando do conflito com o Equador. Embora essas mobilizações cumpram um objetivo midiático para "distrair" o proletariado e a população, a realidade é que a burguesia, na sua entrada na crise e na decomposição utiliza cada vez mais a linguagem e os meios bélicos.

Como também a influência de Chávez e seus seguidores estão presentes nas últimas crises e confrontações na Bolívia, e na fraude eleitoral que a oposição denuncia nas eleições municipais passadas (prefeitos e conselheiros) na Nicarágua, e o governo peruano denuncia a intromissão da Bolívia e Venezuela nas confrontações em Bagua. O governo de Chávez, produto e fator da decomposição, não tem outra escolha senão prosseguir sua ofensiva para diante. Tem se associado a Estados e organizações que praticam o antiamericanismo de maneira radical: Iran, Coréia do Norte, Hamas, etc. . Por outro lado, na Venezuela há uma situação interna bastante grave como conseqüência da crise que afeta as receitas da venda do petróleo (que são fundamentais para a geopolítica do Estado venezuelano) e conseqüência também da emergência de lutas operárias, tudo isso pressionando o governo a manter um clima de tensão interno e externo.

Os Estados Unidos estão em desvantagem para colocar a ordem no seu pátio traseiro. Burguesias regionais como México, que poderiam conter a ação do chavismo e das crises políticas na sua área de influência natural como é a América Central, observamos que está envolvida na sua crise interna e nas confrontações contra o narcotráfico; um senador norte-americano chegou a dizer faz poucos meses que o Estado mexicano não existia. A Colômbia ponta de lança dos Estados Unidos na região, tem se limitado em conter a ofensiva de Chávez, com quem tem conseguido uma relação de equilíbrio bastante frágil. Brasil, que tem interesses econômicos na América Central (investimentos em agricultura para produção de bicombustíveis) e tem levado ações geopolíticas que o tem fortalecido como potência regional, parece que (de maneira idêntica aos outros países mencionados) não tem maior interesse em solucionar uma crise promovida por Chaves, seu competidor na região e possivelmente vai deixá-lo que se "cozinhe no seu próprio molho"; embora faça esforços para levar certa estabilidade na região, o faz como potencia que quer realizar seu próprio espaço e neste sentido também compete com os Estados Unidos.

As perspectivas para a região direcionam para um acirramento dos conflitos, o que sem dúvidas vai requerer fortes campanhas para ludibriar o proletariado. A polarização política se inscreve nessa perspectiva. Pensamos que a CCI e o meio internacionalista deveríamos debater com maior profundidade sobre esses aspectos, que se inscrevem na nossa visão das tensões inter imperialistas.

Quais são as conseqüências para o proletariado?

Não há dúvida que esta crise reforça a burguesia contra o proletariado. Volte ou não Zelaya, a polarização política já está instalada em Honduras e vai se ampliar. Nesse sentido é uma fonte de divisão e confrontação no seio da própria classe, tal como vemos na Venezuela, Bolívia, Nicarágua e no Equador.

Por outra parte, a burguesia utiliza a e vai utilizar a situação de Honduras para fortalecer a mistificação democrática; no sentido que esta seria capaz de fazer autocrítica para sanear as instituições do Estado. Nesse sentido, a mistificação eleitoral vai se fortalecer a nível regional com as próximas eleições em Honduras.

A crise vai acentuar a pobreza em um dos países mais pobres da América Central: as remessas que são enviadas pelos Hondurenhos que vivem fora do país, para suas famílias (que alcançam 25% do PIB) estão começando a escassear. De outro lado, a decomposição social que condena centenas de milhares de jovens a "viver" se integrando nas gangues, na criminalidade e nas drogas, inevitavelmente vai se acelerar com a crise e a decomposição política nas fileiras da burguesia. Essa massa de pobres forma um caldo de cultura para a emergência de outros Chávez, locais e regionais que semeiam esperanças nas massas despossuídas, porém que sabemos não representa nenhuma saída real.

É por isso que o proletariado hondurenho, regional e mundial e o meio internacionalista devem rechaçar de maneira clara qualquer apoio às forças burguesas nacionais ou regionais em disputa; devem rechaçar a polarização política induzida pelos conflitos inter-burgueses, que já tem ceifado muitas vidas na região, dentre elas vidas proletárias. A confrontação em Honduras é a expressão de que o capitalismo se afunda cada vez mais na decomposição, que leva a confrontações das frações burguesas a nível interno, das grandes, médias e pequenas potencias a nível regional; confrontações que a crise vai exacerbar.

Apesar da sua debilidade numérica, só a luta do proletariado hondurenho no seu terreno de classe, alavancado pela luta do proletariado regional e mundial poderá dar fim a toda essa barbárie.

Internacionalismo