Os erros fatais de Trotsky

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Uma análise errada do ciclo

Contrariamente à atividade dos "trotskistas" depois de 1945, aquela da corrente trotskista de 1938, tal como derivava do programa de transição, estava ao menos relacionada com uma tentativa de apreciação da natureza do período (a agonia mortal do capitalismo, a ausência de desenvolvimento das forças produtivas, a próxima emergência do proletariado revolucionário). Ainda que esta análise tivesse sido correta, não teria justificado os desvios oportunistas e ativistas de Trotski. Porém, é ainda a preocupação que eles terão perdido: fundar sua atividade sobre uma compreensão da situação objetiva.

Todos os segmentos da obra teórica e política de Trotski estão ligados nesta época, por um só e mesmo fim: a convicção de uma ascensão revolucionária do proletariado. Trotski sempre percebeu o retrocesso mundial da revolução como um fenômeno temporário, resultado de uma interrupção momentânea do ciclo de lutas iniciado em 1917. Nesta perspectiva, as derrotas, longe de abrir todo um ciclo contrarrevolucionário, longe de arrebatar todas as aquisições organizacionais do ciclo anterior, não representavam ante seus olhos mais que uma pausa instável, prelúdio de novas explosões.

Nestas condições, não há de surpreender-se que tenha sido totalmente incapaz de perceber as implicações da profundidade do retrocesso do proletariado, em particular através o desenvolvimento do oportunismo no seio do que tinha sido a vanguarda, advogando ele mesmo as regressões políticas importantes que se manifestaram a partir do segundo congresso da Internacional comunista. Isso testemunha sua defesa das organizações pretensamente "operárias", que continuam sendo "conquistas" a defender apesar de seus chefes. Este é o fundamento de sua percepção da burocracia russa como uma "bola no topo de uma pirâmide", dos sindicatos, das "aquisições" de Outubro. Partindo destas premissas, Trotski cometeu mais um erro de grande importância, considerando o fascismo como uma reação a um perigo de revolução proletária, enquanto este tinha conseguido se desenvolver exclusivamente porque a curva da luta de classe já estava em queda. Isso levou Trotski a pensar nada menos que na Alemanha em 1933, a pressão da classe poderia "obrigar" o PC e a SD a organizar o contra-ataque!. É igualmente esta convicção que justificava aos olhos de Trotski, a criação de uma "Internacional" artificial, arcabouço apressado destinado a atrair a vanguarda, a qual ele estava persuadido que se mantinha como aquisição de lutas anteriores ao seio das organizações stalinistas e social-democratas.

Apenas semelhante visão pode explicar que em plena debandada do proletariado (1936) Trotski tenha logrado escrever sem duvidar: "Na França, os reformistas têm conseguido... canalizar e frear ao menos momentaneamente a torrente revolucionária. Nos Estados Unidos fazem tudo que podem para conter e paralisar a ofensiva revolucionária das massas" e enfim na Alemanha "os sovietes cobrirão o país antes que Weimar reúna uma nova assembléia constituinte..."

Trotski não tinha compreendido que desde o esmagamento da revolução alemã (1923), última esperança de uma recuperação do movimento, se havia imposto a contra-revolução, ou seja, o capital decadente, o que impõe sua lógica a todas as conquistas, a todas as organizações permanentes e que desviava para seus próprios fins as lutas. Crise, fascismo, New Deal, Frente Popular, guerras locais e logo guerra generalizada, divisão do mundo, guerra fria, reconstrução, não seriam mais que momentos da contra-revolução arrogante, segura dela mesma, que sobre o cadáver da revolução, adentra as aquisições anteriores do movimento e as esvazia de seu conteúdo proletário. No curso deste ciclo sangrento, bárbaro, inumano, todas as iniciativas de classe são desviadas até o terreno da defesa de uma fração do capital contra outra.

É verdade que em 1938 o capitalismo encontrava-se em um marasmo espantoso e que até 1947-49 jamais a miséria das massas havia sido tão aguda. Porém, o que importava compreender era o seguinte: quando o proletariado como classe autônoma, tinha sido eliminado da cena, era o capitalismo que tentava superar a crise por seus próprios meios. Nada será dispensado à classe operária: é com seu sangue e suas ilusões que será estabelecido o novo mapa do mundo, de Catalunha a Stalingrado e de Dresde a Varsóvia. E é com o suor dos trabalhadores que será "reconstruída" a economia capitalista mundial.

Nestas condições, o papel dos revolucionários não era correr atrás das massas desmoralizadas, deixando seus princípios de lado, e tomando parte em cada um dos episódios da luta interna do capital, nem ruminar a poção milagrosa "transitória" destinada a criar a "ponte" entre sua passividade e a revolução, mas entregar-se a um trabalho de estudo crítico das experiências passadas e de preparação teórica, defendendo os princípios de classe e resistindo a todas as tentações ativistas e impacientes.

Esse trabalho o tem cumprido algumas minúsculas frações saídas das "Esquerdas" italiana e alemã, bem ou mal, porém o têm cumprido. Que tenham sofrido elas mesmas a pressão do período, que tenham pegado no curso desta interminável travessia enfermidades sectárias e dogmáticas ou pelo contrário empiristas, não muda nada o fato que é graças a sua lucidez como nós podemos atualmente caracterizar o trotskismo.

A natureza da URSS

Desde a Segunda Guerra mundial a questão da natureza da URSS não é uma discussão aberta entre revolucionários, mas uma fronteira de classe para os internacionalistas. A caracterização do capitalismo russo como um Estado "operário" conduz à defesa de um imperialismo em um conflito armado. Ela reconhece de fato um papel progressista ao stalinismo e à acumulação nacional: em uma palavra, ao capital envolto com frases "socialistas". Conduz por outra parte à defesa das nacionalizações, ou seja, à tendência do capitalismo decadente ao capitalismo de Estado.

Esta semeadura da confusão entre os trabalhadores porque proclama, queira ou não, que não é possível para a classe operária sair do falso dilema em que tem sido encerrada por décadas e do qual apenas começa a sair: eleger entre o capital russo ou o capital ocidental.

Isto não é tudo, a teoria do "Estado operário degenerado" obscurece igualmente a compreensão do que é o capitalismo. Implícita ou explicitamente, a análise de Trotski que reduz o capitalismo a certo número de características, formais, jurídicas, parciais, fixas (a propriedade individual dos meios de produção, sua venda, o direito de herança, etc.). Proíbe-se a si mesma penetrar no coração das contradições do sistema. Não reconhece essas contradições na URSS porque na realidade não as reconhece tampouco nos países capitalistas tradicionais.

Caracterizar a URSS como um Estado operário, é de entrada e antes de tudo afirmar que na época da dominação do capital em escala mundial, seria possível para um Estado nacional escapar ao menos parcialmente às leis do modo de produção capitalista. Tal concepção monstruosa não pode descansar mais que sobre uma visão completamente falsa do capitalismo como que sistema histórico e mundial.

Consideremos um instante um caso puramente imaginário e absurdo. Imaginemos que a Rússia protegida por uma muralha impenetrável, viva na mais completa autarquia frente o mercado mundial. Suponhamos também que nenhuma das "categorias" aparentes do capitalismo possa ser descoberta; que o sistema considerado em si mesmo apresenta o aspecto de uma gigantesca sociedade de escravidão generalizada, sem intercâmbio exterior nem interior, sem dinheiro, sem capital. Suponhamos ainda que os escravos sejam remunerados em espécie e que o Estado "organiza" toda a economia até o último parafuso ou grão de trigo.

E então, ainda neste caso extremo e puramente hipotético, teríamos o direito de afirmar que sem assalariado, sem intercâmbio, sem capital, as LEIS da sociedade russa estariam inteiramente determinadas pelas do mercado mundial e que sem "valor" reconhecível, a LEI do valor constituiria a LEI que se oculta atrás de cada uma das manifestações desta economia.

A autarquia não é mais que uma forma de concorrência. Mesmo se a acumulação estatal não tivesse a forma capital/dinheiro, o excedente a forma mais-valia e os produtos do trabalho, a forma comercial, é a concorrência com o capital mundial que determinaria diretamente a taxa, o ritmo e a forma desta acumulação; é ela e somente ela, a que permitiria compreender as relações sociais de produção e sua dinâmica e não a "maldade", o "autoritarismo", o "parasitismo" ou o "burocratismo" dos "gerentes".

A simples necessidade de manter esta autarquia exigiria a exploração feroz, intensiva, taylorista, sem cessar, acrescentada dos trabalhadores. Mais a concorrência internacional capitalista se agrava, mais a produtividade do trabalho aumenta, mais novos procedimentos técnicos, novas armas apareceram, e mais a autarquia dependeria da capacidade dos "burocratas" de acrescentar a produtividade de sua parte, de inventar novos procedimentos, novas armas. Não é mais que seguindo passo a passo às necessidades impostas pela concorrência mundial que os faraós deste Estado imaginário poderiam edificar as muralhas que lhes deram a ilusão de "escapar" de suas leis. É por isto que estaríamos perfeitamente no direito de qualificar estes faraós como funcionários do capital, capitalistas, porque não seriam mais que os representantes no seio desta fortaleza da necessidade inelutável de acumular, necessidade que é totalmente imposta pelo CAPITAL, enquanto modo de produção mundial. Ainda vestindo o aspecto de uma negação aparente das "categorias" do capitalismo, tal Estado não seria mais que a personificação extrema do sistema, porque longe de exercer-se mediante tudo um jogo de oferta e demanda e de ser obstaculizadas por restos pré-capitalistas, as leis do capitalismo mundial se exerceriam diretamente por intermédio dos funcionários deste Estado, verdadeiros sátrapas do capital internacional.

Ainda nesse caso extremo seria completamente legítimo chamar os burocratas russos capitalistas tal como era legítimo para Marx chamar assim aos escravistas do sul dos Estados Unidos porque, dizia ele, não são escravistas mais do que num sistema capitalista (e relacionados a este). Em um mundo capitalista, ainda no país imaginário dos faraós modernos, o despotismo no seio da fábrica estaria subordinado à anarquia do mercado, e a "planificação" às leis cegas da concorrência.

Desgraçadamente para os sustentáculos da absurda teoria do "Estado operário degenerado", a realidade contradiz ainda mais implacavelmente os fundamentos de sua análise. Efetivamente, não somente a Rússia não vive na autarquia, mas, além disso, todas as manifestações essenciais do capitalismo se acham abertamente estabelecidas na Rússia mesma, não somente no sentido tomado mais acima, mas igualmente sob uma forma "interna" facilmente reconhecível. Os trabalhadores russos são remunerados sob a forma de salário-dinheiro. Este fato por si só implica a existência do intercâmbio, da produção mercantil, da lei do valor, da dominação do trabalho morto sobre o trabalho vivo, do lucro capitalista e da baixa de sua taxa. Ainda para os míopes trotskistas que analisariam a Rússia isoladamente!

Porém os herdeiros da "revolução traída" se mostram incapazes de compreender a identidade das tarefas sociais dos proletários russos ou americanos, chineses ou franceses, polacos ou alemães. Os dos países chamados "socialistas" não devem deixar-se enganar pelas consignas "reformistas" ("democracia", "redução dos privilégios", "autogestão"...) e os dos países capitalistas tradicionais pelos discursos sonoros contra os "trustes" e as -especulações- ou os "parasitas". As tarefas dos operários dos dois blocos se confundem: destruir o Estado burguês primeiramente em escala mundial e em seguida destruir a forma valor dos produtos do trabalho (ou seja, o fato que sejam trocados por intermédio de um equivalente geral, segundo o tempo de trabalho social necessário para sua fabricação) abolindo em escala global a separação dos trabalhadores dos meios de produção e toda concorrência, nacional ou internacional. Destruindo a relação salarial de trabalho (intercâmbio da mercadoria força de trabalho por um salário) e a produção mercantil (intercâmbio de mercadorias). Isto é levar à morte o capital, que não é nem o "poder dos monopólios", nem de "duzentas famílias" senão uma relação social. Todo o resto: "nacionalizações", "controle operário sobre os lucros" não são mais que propostas para administrar melhor o capitalismo.

Nos países do Leste, o trotskismo se apresenta como uma corrente reformista que luta pela revolução "política" que deixaria intactas as relações de produção capitalistas acrescentando simplesmente mais palavras: "controle operário" e "democracia operária". Como não chega a compreender que o capitalismo de Estado não é mais que a realização das tendências intimas do capitalismo tradicional na época de seu declive, se revela incapaz de superar mediante o pensamento e a prática o marco destas tendências e não faz mais que avançar um programa máximo que se mantém aquém da destruição das relações capitalistas.

Na hora em que o capital submete a toda a humanidade a suas próprias necessidades, não é possível ser revolucionário em Paris e reformista em Gdansk, ou internacionalista em Turim e chauvinista em Moscou.

A guerra da Espanha

A tomada de posição de Trotski a respeito da guerra da Espanha devia revelar a profundidade de sua regressão em relação aos princípios comunistas e internacionalistas. Por crítico que foi, seu apoio à Frente Popular, ao Estado burguês democrático e à guerra imperialista que travavam, constituía o signo precursor do afundamento da 4ª Internacional no chauvinismo no curso da segunda guerra mundial.

A posição de Trotski durante a chamada guerra "civil" é uma obra mestra de centrismo. Começa partindo em maltratar com violência a "democracia burguesa" e declarando que só a ação independente do proletariado pode assegurar sua própria vitória. Critica ferozmente não somente o papel contra-revolucionário dos stalinistas, mas também o dos anarquistas, do POUM, qualificado a justo título de "ala esquerda da frente popular". No entanto, o grande ex-revolucionário russo declara aceitar o comando oficial, enquanto "não sejamos bastante fortes para derrubá-lo" e põe em guarda o proletariado contra toda tentativa de destroçar atualmente o governo de Négrin... o que "não serviria mais que ao fascismo". (Tomo II de seus Escritos). De um extremo belicismo na verdade, preconiza "delimitar-se claramente das traições e dos traidores, sem deixar de ser os melhores combatentes da frente". (Idem)

A posição de Trotski se fundava sobre uma análise completamente falsa das relações de classe na Espanha. Considerava que no seio da classe "republicana" se desenvolvia "uma revolução híbrida, confusa, meio cega e meio surda", que se tratava de transformar em revolução socialista. Descrevia a luta entre as duas frentes como luta entre duas classes sociais, subjugadas, uma pela democracia burguesa, outra pelo "fascismo". Em suma para Trotski, o exército proletário com chefes burgueses: "se à frente dos operários e camponeses armados, ou seja da Espanha republicana, tivesse existido revolucionários e não agentes covardes da burguesia..." (Idem). Se houvesse revolucionários à frente do Estado burguês...! Não é Louis Blanc quem fala, é o homem que um dia esteve à frente do soviete de Petrogrado!

Na época, a fração da "Esquerda Italiana" reagrupada ao redor da revista "Bilan" teve um diagnóstico radicalmente diferente ao que estava na base desta visão fantasmagórica de uma revolução "meio consciente" (?) que avançava em batalhões compactos para o massacre sob as ordens dos "agentes covardes da burguesia". De fato, como o mostraram os camaradas de Bilan, se o levantamento de julho de 36 contra os facciosos havia constituído uma primeira emergência do proletariado sobre suas próprias bases de classe (greve, armamento autônomo dos operários, milícias...), no entanto, "a fração democrática dos representantes do capital havia conseguido encerrar o proletariado em um terreno antifascista de guerra civil, alistar os operários em um exército permanente burguês e substituir completamente as frentes de classe por frentes territoriais".

O ataque frontal não havia tido êxito, porém a burguesia democrática ia conseguir fixar a classe operária sobre uma base em que não poderia mais se afirmar como força autônoma.

Desde então a guerra "republicanos - nacionalistas" não era mais que um conflito inter-capitalista, onde os operários totalmente submetidos ao Estado burguês se faziam massacrar por interesses que não eram os seus. Além disso, como todo conflito entre dois Estados burgueses, a carnificina espanhola se voltou imediatamente numa expressão da guerra imperialista mundial onde os diferentes países tomaram mais ou menos clara posição, evidentemente sob o manto de "fascismo" ou "antifascismo", e onde os operários e os camponeses pobres regaram seu sangue ao som dos canhões franceses, alemães, russos, etc.

Em tais condições, a única oportunidade, por ínfima que fosse de ver abrir-se um processo revolucionário, era opor às frentes imperialistas as frentes da luta de classe sem nenhum medo de debilitar a frente republicana e chamando os operários a serem os "melhores combatentes" da frente de classe que eles mesmos deviam instituir no seio das duas frentes imperialistas e não do "heróico" vencedor exército burguês. Os eternos "realistas" gritaram que ele havia favorecido a Franco, porém a única oportunidade de combater Franco era levar a luta de classe às regiões que ocupava e para ele fazia falta para começar que esta emergira sem nenhum compromisso, ali onde se encontravam as frações mais avançadas do proletariado, nas chamadas zonas "livres". Ainda que se declarasse em geral de acordo com esta verdade elementar de que os operários deviam cumprir a revolução social contra Caballero e Franco, Trotski foi conduzido por sua visão superficial das coisas a tomar partido de maneira "crítica" por um exército imperialista.

Até o final da guerra em 1938-39 Trotski radicaliza sua linguagem ao ponto de retomar as teses da "Esquerda Italiana", porém sem romper jamais com sua catastrófica concepção segundo o qual no interior de uma guerra conduzida por um Estado capitalista pode desenvolver-se um processo revolucionário que não transtorne completamente a disposição das frentes e que sob a direção de um exército burguês permanente podia caminhar uma "revolução inconsciente".

Desta capitulação até aquela do conjunto do movimento trotskista durante a Guerra de 1940-45, não havia mais que meio passo.

O programa de transição

O programa de transição é a continuação direta da estratégia da Internacional Comunista a partir de seus 2º e 3º Congressos. A discussão sobre a tática "transitória" é de uma importância fundamental. Esta traz à luz a divergência infranqueável que separa os revolucionários dos trotskistas. Não podemos aqui esgotar a riqueza da questão que é a da relação dialética entre lutas econômicas e políticas, o movimento e o fim, a classe e o programa, etc... Porém podemos tentar demarcar o nó do problema e mostrar ao mesmo tempo que Trotski não o aborda tampouco e se contenta com acomodar os velhotes social-democratas em um molho"radicalizado".

Um programa mínimo na época que não pode havê-lo

Trotski pretende "superar" a tradicional separação entre programa mínimo e máximo, estabelecendo um programa de reivindicações transitórias suscetíveis de ligarem as demandas imediatas com a revolução. Este objetivo de ir mais além da ruptura herdada do século XIX é louvável. Mas precisamente, Trotski cai exatamente no defeito que denuncia. Ao estabelecer um programa que não é o programa comunista, Trotski reconhece a necessidade de que se houvesse dois programas comunistas! Porém o segundo se quer tem uma razão de ser, deve estar composto de reivindicações que não superem o marco burguês (senão, faria parte do programa comunista), portanto de reivindicações "mínimas". Ao reconhecer que pudesse existir na hora do declive do capitalismo, outro programa diferente ao da revolução comunista, Trotski divide novamente o processo proletário e seu curso em duas etapas: atualmente as reivindicações imediatas, amanhã o programa revolucionário. Que pretenda que as primeiras conduzam ao segundo não muda nada: Os social-democratas o afirmavam também!

Há que ser coerente: Ou bem existe um só programa e este é o programa máximo, ou bem existem dois e então se recai na velha dicotomia programa máximo / programa mínimo.

Por tanto, longe de estabelecer a relação entre o movimento elementar e o objetivo final, o programa de transição os dissocia. A melhor prova do fato que o programa de transição não é mais que um programa mínimo coberto com uma capa de fraseologia "radical", é que abunda em demandas reformistas e que o programa comunista se acha totalmente ausente (mesmo se Trotski reconhecia aqui é ali a necessidade da revolução).

É assim que se encontra o "controle operário" (sobre o capital), o governo "operário e camponês", a reivindicação das "grandes obras públicas", a expropriação de certos (?) ramos da indústria entre as mais importantes para a existência nacional (!) ou de certos grupos da burguesia entre os mais parasitas (!!!)", "um sistema único de crédito, segundo um plano racional que corresponde aos interesses de toda a nação (?!)", "um banco estatal único" e outras sandices menos dignas ainda do programa comum da esquerda. Em nenhuma parte se encontra a destruição do Estado burguês, a ditadura do proletariado, a destruição da concorrência, das nações, do intercâmbio e da forma valor dos produtos do trabalho, do assalariado. Trotski deseja modernizar, estatizar o capital e generalizar o assalariado, Marx, em troca, desejava destruir o capital e abolir o assalariado."

"Porém" nos responderão os trotskistas, "nós estamos de acordo, somente que é o programa final e, entretanto, queremos outro programa para mobilizar as massas", bem, porém então deixem de andar hipocritamente pelos ramos e reconheçam que têm necessidade de dois programas, um "mínimo" e outro "máximo", um para a luta e outro para os discursos, um para os dias de semana e outro para o domingo! E por favor, deixem de zombar dos social-democratas, que pelo menos eles o reconhecem abertamente.

Um esquema utópico e burocrático

Os comunistas não têm um programa para a sociedade capitalista. Porém é óbvio que lhe concedem uma importância decisiva às lutas elementares que surgem espontaneamente de seu solo. Não compartilham o desdém acadêmico dos intelectuais burgueses por essas questões "quantitativas". Sabem que a crise social produz lutas de resistência às condições sociais de existência tais como se manifestam cotidianamente para os trabalhadores, levando à tomada de consciência da necessidade de transformar a sociedade. Porém é justamente porque conhecem as formidáveis possibilidades de ampliação, de desenvolvimento dos combates econômicos sobre o terreno revolucionário, que não os encerram por adiantado em reivindicações rígidas. Todo catálogo de reivindicações fixado ao inicio de um movimento de classe obstaculiza o aprofundamento desse movimento o fixando sobre aspectos parciais antes que tenha tempo de expandir-se, de alcançar sua amplitude.

Os revolucionários se guardam como da peste de aprisionar como Trotski a riqueza, a força e as potencialidades da luta em um programa de reivindicações rígidas e em um esquema doutrinário.

Não somente o programa de transição é reformista pelo conteúdo de suas demandas, mas, além disso, porque toda sua lógica consiste em encerrar o movimento no saco estreito de suas consignas, mesmo antes que comece a desdobrar suas gigantescas possibilidades de crescimento.

Trotski não se contenta em desejar fixar o processo da luta de classe sobre aspectos parciais. Tem, além disso, a pretensão de "programar" a sucessão de formas de luta, desde a greve até a insurreição. Trotski deseja fazer avançar o movimento em uma espécie de jogo da oca saído de sua imaginação dogmática. Acredita que a luta vai primeiro a tal espaço, imediatamente sob o impulso de tal consigna passa ao espaço seguinte. E por fim, depois de haver "transitado" docilmente nos passos previstos, chega ao objetivo final.

O movimento real não segue nenhum esquema burocrático. Greves, lutas econômicas, lutas políticas, comitês de greve, iniciativas informais, ocupações, Sovietes: a luta não se desenvolve segundo um plano preconcebido, senão que suas formas se engendram mutuamente, se interpenetram, se sucedem, desaparecem e voltam no momento menos esperado.

Marx escrevia que os comunistas não têm princípios particulares sobre os quais pretenderiam modelar o movimento prático da luta da classe. Esta frase é mais profunda do que se pensa. Significa que não corresponde à organização de revolucionários definir de maneira idealista as formas e as reivindicações por antecipação. Isso o fará o proletariado mesmo no fogo da ação, segundo as circunstâncias.

Em nossa época uma grande parte dos movimentos de classe parte sem reivindicações precisas e não é mais que após certa relação de forças que se coloca o problema de fixar objetivos precisos, negociar, etc. É esta ausência de limites a priori que implica a possibilidade da extensão do movimento, de seu aprofundamento, de sua radicalização.

Movimento e programa

Os revolucionários não condenam nem fetichizam nenhuma forma da luta de classe. Seu papel não é modelar o movimento, senão fecundá-lo expressando seu sentido geral, portanto fazendo tudo para impedir que os sindicatos e esquerdistas limitem suas potencialidades e ocultem sua significação e sua direção.

Devemos ser ao mesmo tempo extremamente flexíveis e extremamente firmes. Flexíveis para que como membros da classe, saibamos nas circunstâncias mais diversas retomar, amplificar as formas, as reivindicações que surgem espontaneamente da massa, formular o que as massas sentem, lançar consignas unificadoras porque vão no sentido da extensão e da radicalização do movimento. Firmes para que como organização defendamos o programa comunista. Tal é nossa função especifica, porque é em torno deste programa que se reagrupam os trabalhadores mais conscientes que atraem aos outros e é a partir desta visão do objetivo que destacamos do movimento as tendências revolucionárias.

Trotski está pela flexibilidade no programa e o abandono do objetivo final e pelo dogmatismo rígido frente ao movimento! O comunismo é o sentido do movimento. Abandonar o comunismo é trair a essência mesma do movimento, é impedir sua única realização: o comunismo.

 (Adaptação do texto original de Março de 1973)