Resposta a uma contribuição da OPOP criticando a teoria da acumulação de Rosa Luxemburgo (CCI)

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Ao mesmo tempo em que reconhece "o respeito muito grande que todos os revolucionários do mundo devem a Rosa Luxemburgo, por sua coragem, seu valor, a denúncia do reformismo, sua capacidade política e revolucionária e sua incansável atitude militante", a contribuição da OPOP conclui também que "Rosa Luxemburgo apresentou a maior parte do tempo uma imagem contrária de uma realidade que ela foi incapaz de compreender quando tratou das relações econômicas do capitalismo".

É com o mesmo estado de espírito que criticaremos a contribuição da OPOP, com respeito e fraternidade, mas também sem concessão no plano teórico.

Na realidade, este debate traz à luz duas explicações econômicas da crise do capitalismo que muitas vezes foram consideradas, de maneira incorreta segundo nossa opinião, como opostas e até antinômicas (visto que muitas vezes ambas foram açambarcadas por defensores tanto sectários como acadêmicos):

  • - A queda da taxa de lucro: devido aos progressos na indústria, é empregada uma quantidade cada vez maior de capital constante (máquinas e matérias-primas) em relação ao capital variável (o salário dos operários). Dado que só a exploração da classe operária pode criar lucro, a venda das mercadorias vai gerando uma quantidade cada vez menor de lucro em relação a valor de troca;
  • - A superprodução: ela é o resultado da incapacidade do mercado de crescer ao mesmo ritmo da produção, já que esta não tem nenhum outro limite a não ser o mercado. Ela resulta fundamentalmente de que no seio das relações de produção capitalista, o poder de consumo da classe operária é limitado pelas necessidades da exploração, que mantêm o salário do operário ao mínimo social necessário à reprodução da força de trabalho.

A primeira tese, geralmente, é associada com a ideia de que a superprodução não seria uma contradição intrínseca do modo de produção, mas unicamente a conseqüência de uma situação em que a produção, ao não poder gerar bastante lucro (pois realizada na base de uma taxa de lucro insuficiente), gera como conseqüência o fechamento de fábricas, demissões e grande quantidade de mercadorias não vendidas. Em contrapartida, a segunda tese reconhece plenamente a realidade da queda da taxa de lucro como contradição do capitalismo, sem por isso lhe dar a supremacia, e identifica o fato de que as duas contradições se fortalecem mutuamente em detrimento da acumulação capitalista [1].

A polêmica da qual toma parte o texto da Revista Germinal não é nova, pois tem sua origem quando da publicação em 1912 da obra de Rosa Luxemburgo, A acumulação do capital, que suscitou críticas violentas, muitas delas em reação à ideia de que a conquista do mundo pelas relações de produção capitalistas iria afundar este sistema dentro de contradições insuperáveis [2].

A crítica do esquema da acumulação desenvolvido por Marx

Como assinalado pela contribuição da OPOP, o esquema da acumulação capitalista do livro II de O capital abrange, segundo Rosa Luxemburgo, um problema. Para ela, não se pode explicar o mecanismo da acumulação ampliada sem que haja uma demanda adicional, isto é, uma demanda adicional em relação às necessidades da reprodução simples do capital, e que esta demanda adicional não pode ser originada do seio das relações de produção capitalistas. Ela deve, portanto, situar-se na esfera extracapitalista.

Em relação a isso, segundo nossa opinião, a contribuição da OPOP passa muito rapidamente pelo episódio da elaboração teórica por Marx do esquema da acumulação ampliada. Com efeito, não fala das hesitações e reflexões expressas por Marx neste capítulo de O Capital, nem sequer explica que estas estão relacionadas à mesma problemática daquela colocada por Rosa em A acumulação do capital. A propósito disso, Irène Petit, na sua introdução à tradução em francês desta obra [3], resume magistralmente o problema nestes termos:

  • "... Marx enfrentou-se com uma dificuldade no curso de sua exposição: Tinha colocado a questão das "fontes de dinheiro" adicionais necessárias à continuação da acumulação. Em última instância, fazia intervir o produtor de ouro. Esta solução não satisfaz Rosa Luxemburgo, que considera o problema de maneira diferente, perguntando, não de onde provém o dinheiro necessário para produção ampliada, mas de onde provém a demanda adicional, dito de outra maneira, qual é o objetivo que leva os capitalistas a ampliarem sempre a produção por um lado, e por outro, para quem será que a ampliam indefinidamente. A resposta à primeira questão é obviamente o lucro, mas para ter lucro precisa-se de compradores para a produção ampliada" (Tradução nossa).

Considerando este problema colocado por Rosa, a contribuição da OPOP se expressa nestes termos: "Marx demonstrou que essas trocas [com os mercados extracapitalistas] não são necessárias para compreender a acumulação ampliada; nem são verdadeiramente indispensáveis, senão na fase da acumulação primitiva, "da gênese do capital"; e que a crise, a "tendência à superprodução", não advém, de modo algum, da insuficiência dos mercados extracapitalistas, mas, antes de tudo, "da relação imediata do capital" no seio do capitalismo puro". Existe pelo menos uma falta de explicação. Onde Marx realizou tal demonstração? Por que não é fornecida nenhuma citação de Marx para apoiar esta afirmação? Porque nada foi dito do questionamento de Marx que o leva a fazer intervir, em última instância, o produtor de ouro capaz de fornecer a fonte de dinheiro adicional.

Para os oponentes atuais da tese de Rosa Luxemburgo sobre a acumulação, é o próprio capitalismo que cria seu mercado: "Pois é a própria acumulação do capital que resolve o problema do necessário dinheiro adicional e faz desaparecer as dificuldades de realização em meio de diversas técnicas de financiamento" (Paul Mattick; Crise e teoria das crises; Tradução nossa), o que supõe que a produção capitalista seja efetuada por si mesma, sem que para isso haja necessidade de uma demanda para financiá-la. A ideia segundo qual a produção criaria a demanda é só uma ficção que Marx descarta.

  • "Há uma circulação contínua entre capitais constantes (mesmo abstraindo a acumulação acelerada) que, em primeira instância, é independente do consumo individual, à medida que jamais entra nele; no entanto, é definitivamente limitada por ele, pois a produção de capital constante jamais ocorre por si mesma, porque mais dele é necessitado nas esferas da produção cujos produtos entram no consumo individual" (O Capital, Volume III Tomo 1 Ed. Abril Cultural 1984; Capítulo XVIII A rotação do capital comercial p 229).

Chegamos agora a outro problema colocado pela contribuição. Porque não menciona neste lugar de seu desenvolvimento que Marx desenvolve explicitamente, em diferentes lugares de seus escritos, uma ideia contraditória com aquela da OPOP, isto é, que o capitalismo precisa, para se desenvolver, de um mercado que não seja aquele constituído pelos operários :

  • "A produção mesma, com efeito, cria uma demanda, ao empregar novos operários no mesmo ramo industrial e ao criar novos ramos nos quais os novos capitalistas empregam por sua vez novos operários e ao mesmo tempo, correlativamente, transforma-se em mercado para os velhos ramos produtivos..." Porém, acrescenta imediatamente depois da citação, aprovando neste caso o que disse Malthus: "... a demanda criada pelo próprio trabalhador produtivo nunca pode ser uma demanda adequada, posto que não abarque a magnitude total do que produz. Se o fizesse não haveria benefício algum e, portanto, nenhum motivo para empregá-lo. A própria existência de um lucro sobre uma mercadoria qualquer pressupõe uma demanda exterior à do trabalhador que produziu...". (Tradução nossa) (Gründrisse, chapitre du Capital : 225, édition 10/18 ; Ed La Pléyade II, p 268)

A contribuição da OPOP tem todo direito de pensar que esta ideia de Marx não merece constituir o objeto de um desenvolvimento perante o leitor, pois não seria significante, até incorreta, mas neste caso, o método científico de apreensão da realidade exige que o leitor seja avisado e igualmente sejam apresentados os argumentos comprovando que Marx se equivocou.

As condições e implicações da venda aos mercados extracapitalistas

A contribuição continua do mesmo modo argumentando porque Marx exclui categoricamente os mercados extracapitalistas de sua análise: "Com efeito, se o capitalismo vende suas mercadorias fora de sua esfera vai dispor do dinheiro correspondente àquelas vendas, mas deixa de dispor dos meios materiais necessários para a sua expansão (bens de consumo, máquinas, meios de transporte, etc.). Esses não estariam mais disponíveis, pois seriam consumidos ou incorporados na esfera não capitalista".

Devemos confessar humildemente que não nos lembramos que Marx tenha desenvolvido tal argumentação e, mais uma vez, teria sido útil ao debate a possibilidade de dispor de citações de Marx explicitando esta ideia. Isso teria confirmado o que já evidenciamos considerando a existência de contradições no seio de O capital, sendo essas essencialmente em conseqüência de que esta obra não foi concluída. É efetivamente o que Rosa tinha percebido antes de nós considerando o problema que nos preocupa:

  • "Mas é exatamente a análise global da reprodução simples em Marx, bem como a característica do processo capitalista total, que, com suas contradições internas e a evolução das mesmas (descritas no volume III de Das Kapital), contém implicitamente uma solução para o problema da acumulação, em conseqüência com as demais partes da doutrina marxista, com a experiência histórica e com a práxis cotidiana do capitalismo, oferecendo assim a possibilidade de se completarem as insuficiências do esquema". (Rosa Luxemburgo - A Acumulação do Capital - Vol. II - Cap. XXV - A Reprodução do Capital e seu Meio - pg.19 Ed. Abril Cultural.)

Dito isso, devemos dedicar uma atenção particular a esta questão pertinente da contribuição segundo a qual, ao privar a acumulação das mercadorias produzidas, a venda aos mercados extracapitalistas poderia constituir um obstáculo à acumulação. Rosa baseia sua resposta a este problema sobre a capacidade do capitalismo de produzir em excesso em relação a suas próprias necessidades, notadamente graças a um constante aumento da produtividade. Ela argumenta longamente da maneira seguinte:

  • "É, pois, possível imaginar dois casos distintos [considerando a mais-valia realizada fora dos assalariados e dos capitalistas]. A produção capitalista fornece meios de consumo acima das próprias necessidades (ou seja, as dos operários e a dos capitalistas), cujos compradores pertencem às camadas ou países não-capitalistas. Por exemplo: a indústria algodoeira inglesa forneceu durante os primeiros 2/3 do século XIX (e ainda fornece, em parte, atualmente) tecidos de algodão ao campesinato e à pequena burguesia urbana do continente europeu, como também ao campesinato da Índia, da América, da África etc. Nesse caso foi o consumo dessas camadas sociais e de países não-capitalistas que forneceu a base para a enorme expansão da indústria algodoeira, na Inglaterra. Em função dessa indústria algodoeira   desenvolveu-se, na própria Inglaterra, uma vasta indústria mecânica, fornecedora de fusos e teares e, em conexão com esta, desenvolveram-se também a indústria metalúrgica e a carbonífera. Nesse caso, o Departamento II (dos meios de consumo) realizava em escala crescente seus produtos em camadas sociais não-capitalistas, gerando por sua vez, uma demanda crescente de produtos nacionais do Departamento I (dos meios de produção), devido a sua própria acumulação; auxiliou dessa forma este último na realização da mais-valia e em sua acumulação crescente.

Examinemos agora o caso inverso. Neste a reprodução capitalista produz meios de produção que excedem as necessidades próprias e encontra compradores em países não capitalistas. Por exemplo: a indústria inglesa forneceu, na primeira metade do século XIX, material de construção para ferrovia em países americanos e australianos. A ferrovia por si só não significa que haja domínio do modo de produção capitalista em um país. Efetivamente, as ferrovias constituíram, no caso, apenas um dos primeiros pressupostos da penetração da produção capitalista. Outro exemplo é o da indústria química alemã, que fornecia meios de produção, como tintas, de grande saída em países de produção não-capitalista, como os da Ásia, África etc. Nesse caso, o Departamento I da produção capitalista realiza seus produtos em círculos extracapitalistas. A ampliação crescente do Departamento I que daí resulta provoca, no país de produção capitalista, uma ampliação correspondente do Departamento II. Este fornece meios de consumo para um contingente enorme de operários do Departamento I, departamento que se encontra em constante aumento." (Rosa Luxemburgo - A Acumulação do Capital - Vol. II - Cap. XXV - A Reprodução do Capital e seu Meio - pg.19 e 20 Ed. Abril Cultural.)

Assim, longe de constituir um obstáculo à acumulação, a venda aos setores extracapitalistas é um fator que a favorece. Já que as vendas para a esfera extracapitalista não faltam à acumulação (pelo fato do dinamismo deste modo de produção que por sua própria natureza sempre tende a produzir um excedente); e também que essas vendas permitem dispor, no seio das relações de produção capitalistas, dos meios de pagamento (o produto da venda) para sustentar uma demanda solvente passada (e paga a crédito) ou futura. É toda a diferença entre uma economia desenvolvendo-se sobre bases sãs, como era o caso até o inicio do século 20, e uma economia que não tem outra solução além de acumular dívidas, pois não dispõe de outros meios que se endividar para estimular a demanda, como acontece plenamente desde o fim dos anos 1950.

Entretanto, a seguinte passagem de Rosa, citada pela contribuição da OPOP, parece limitar as virtudes econômicas dos mercados extracapitalistas:

  • "Se supusermos, no entanto, que a mais-valia se realiza fora da produção capitalista, podemos deduzir daí que sua forma material não tem nada a ver com as necessidades da produção capitalista em si mesma. Sua forma material corresponderá às necessidades daqueles círculos não-capitalistas, que auxiliam na realização desta" (Rosa Luxemburgo - A Acumulação do Capital - Vol. II - Cap. XXV - A Reprodução do Capital e seu Meio - pg.21 Ed. Abril Cultural.)

Isso é só uma ilusão de ótica que desaparece assim que lemos a frase seguinte da obra, a qual só faz resumir a exposição de Rosa sobre este tema:

  • "A mais-valia capitalista pode vir ao mundo, pois em função disso, sob a forma de meios de consumo, por exemplo, de tecidos de algodão, ou sob a forma de meios de produção, como material ferroviário. Que a mais-valia realizada sob a forma de produtos de um departamento (devido à ampliação da produção daí resultante) não modifica em nada o fato de a mais-valia social, como um todo, realizar-se, em parte diretamente, em parte indiretamente, fora de ambos os departamentos. (Idem)" (Rosa Luxemburgo - A Acumulação do Capital - Vol. II - Cap. XXV - A Reprodução do Capital e seu Meio - pg.21 Ed. Abril Cultural.)

É a razão pela qual não é necessário que as mercadorias vendidas pelo capitalismo à esfera extracapitalista voltem para a esfera capitalista sob a forma de produtos para participar da acumulação. Dessa vez concordamos totalmente com a contribuição da OPOP: "Nenhum fato econômico, nenhum processo histórico, nenhuma passagem nem de Marx nem de Rosa atestam, de resto, qualquer movimento de retorno dessas mercadorias inicialmente vendidas na esfera extracapitalista de volta ao "capitalismo puro" a fim de lhe assegurar os meios materiais necessários ao seu desenvolvimento".

As condições e implicações da venda ao capitalismo pelas economias extracapitalistas

Como acabamos de ver acima, não é indispensável que o dinheiro das vendas efetuadas em direção aos mercados pré-capitalistas seja utilizado para comprar mercadorias provenientes destes mercados. A contribuição da OPOP se engana quando atribui a ideia contrária à obra de Rosa: "o dinheiro proveniente da venda de mercadorias sobre esses mercados serviria então para comprar os meios materiais necessários para a ampliação do capitalismo puro."

Rosa Luxemburgo coloca o problema de maneira diferente. Em primeiro lugar, ela evidencia que não é indispensável, para permitir a acumulação, que os meios de produção e de consumo todos sejam de origem capitalista, ao contrário da hipótese de base colocada por Marx no seu esquema da acumulação:

  • "A crise do algodão que ocorreu na Inglaterra devido à interrupção da cultura extensiva quando da Guerra de Secessão americana, bem como a crise da indústria europeia de linho, ocasionada pela interrupção do abastecimento das planícies russas, durante a guerra do Oriente, demonstram quanto a acumulação capitalista depende dos meios de produção que são produzidos de modo não-capitalista. Além do mais, basta lembrar o papel que representou  para a alimentação da grande massa operária industrial da Europa (ou seja, que essa alimentação representou como elemento do capital variável) o abastecimento camponês de cereais - do cereal que fora produzido de modo não-capitalista - para perceber quanto a acumulação capitalista está vinculada efetivamente, no tocante aos respectivos elementos materiais, a círculos não capitalistas. O próprio caráter da produção capitalista exclui, além do mais, a produção dos meios de produção que se restrinja ao modo capitalista" (Rosa Luxemburgo - A Acumulação do Capital - Vol. II - Cap. XXV - A Reprodução do Capital e seu Meio - pg.23 Ed. Abril Cultural.)

Além disso, existem, segundo ela, fatores que favorecem a utilização, pelo capitalismo, de produtos originários de economias pré-capitalistas: de um lado, a necessidade do capitalismo tentar aumentar permanentemente a taxa de lucro; por outro lado, o fato que, no momento em que Rosa escreveu sua obra, a imensa maioria das riquezas naturais do planeta e da produção pré-capitalista ainda estava situada fora das zonas dominadas economicamente pelo capitalismo e que faz parte da natureza deste tentar abarcá-los por todos os meios.

  • "Um dos meios essenciais de que o capital individual dispõe para elevar a taxa de lucro encontra-se em sua tendência de baratear os elementos do capital constante. Sendo o método mais importante de elevação da taxa de mais-valia, o aumento incessante da produtividade do trabalho implica e se vincula, por outro lado, à utilização ilimitada de todas as matérias e condições que a Natureza e a terra põem a sua disposição. Nesse sentido e em função de sua natureza e de sua forma de existência, o capital não admite nenhuma limitação. Depois de vários séculos de desenvolvimento, o modo de produção capitalista propriamente dito abrange, até o momento, apenas uma facção da produção total da terra, tendo por sede preferencialmente a pequena Europa, sem ter conseguido apossar-se, até o momento, de amplas áreas desta, como a economia camponesa, o artesanato autônomo e grandes extensões da terra; abrange ainda grande parte da América do Norte e algumas faixas territoriais no resto do mundo, em outros continentes. Em termos gerais, o modo de produção capitalista limitou-se até agora, principalmente, às manufaturas dos países da zona temperada, enquanto no Oriente e no Sul, por exemplo, só acusou, comparativamente, progressos mínimos. Se ele dependesse, pois, exclusivamente dos elementos de produção disponíveis no âmbito determinado por limites tão estreitos, jamais teria alcançado o nível a que chegou e seu desenvolvimento teria sido impossível. Não condizente à sua forma de atuar e às leis que a regem, a produção capitalista é considerada, no mundo inteiro e desde o início, o próprio depósito dos tesouros das forças produtivas. Em sua ânsia de apropriação das forças produtivas com vistas à exploração, o capital esquadrinha o mundo inteiro, procura obter em qualquer lugar e os tira ou os adquire de todas as culturas dos mais diversos níveis, bem como qualquer forma social. (Rosa Luxemburgo - A Acumulação do Capital - Vol. II - Cap. XXV - A Reprodução do Capital e seu Meio - pg.23 e 24 Ed. Abril Cultural.)

Rosa Luxemburgo nos fornece acima um resumo da economia mundial tal como se apresentava no início do século XX. Salvo se isso for inexato, e neste caso esperamos uma crítica construtiva para retificar a nossa visão, a seguinte afirmação da contribuição da OPOP, bastante aproximativa, tende a refletir uma imagem pouco fiel do estado do mundo na mesma época: "Sem dúvida é inegável que o capitalismo encontrou certos bens úteis à sua ampliação: matérias-primas, bens de consumo e, sobretudo, a mão-de-obra adicional. Entretanto, contrariamente ao que pensava Rosa, numerosos bens foram rapidamente produzidos localmente por empresas capitalistas empregando assalariados".

Se o processo de integração ao capitalismo das zonas pré-capitalistas é efetivamente o produto do estabelecimento de relações comerciais do capitalismo com estas, tal processo está ainda longe de ser concluído no início do século XX.

Quais seriam os erros de Rosa Luxemburgo quanto à compreensão da dinâmica do capitalismo?

Os mercados extracapitalistas freiam a acumulação em lugar de estimulá-la?

Isto seria verificado nas taxas de crescimento do PIB por habitante das potências coloniais entre 1870 e 1913, mais fracas do que nos países sem colônias. Antes de examinar os dados fornecidos, convém destacar três erros no método utilizado para verificar empiricamente se os mercados extracapitalistas constituíram ou não um fator positivo da acumulação:

1) O método identifica mercados extracapitalistas e colônias, enquanto os mercados extracapitalistas incluem tanto os mercados internos como as colônias, ainda não submetidos às relações de produção capitalistas. Assim, o dinamismo do desenvolvimento dos Estados Unidos deve-se à exploração de seu mercado interno durante o período considerado.

2) O recurso aos mercados extracapitalistas por parte da esfera das relações exclusivamente capitalistas coloca-se a nível mundial e não isoladamente em cada país. Isso significa, por exemplo, que as vendas dos produtos de consumo efetuadas pela França direcionadas para seus setores extracapitalistas (internamente ou coloniais), poderiam beneficiar indiretamente à Alemanha através de suas exportações de meios de produção direcionadas à França.

3) Antes da Primeira Guerra Mundial, um país como a Alemanha podia comerciar, ainda que com dificuldades crescentes, com as colônias francesas e inglesas.

Destas considerações, no nosso entendimento, decorre que os dados fornecidos pela contribuição não prestam em nada para apoiar a tese defendida. Por enquanto, esses dados nos dão a oportunidade de examinar mais detidamente o caso dos Estados Unidos, país que conheceu a maior expansão durante o período considerado, diretamente ligada aos mercados extracapitalistas, internos, anexados (uma forma radical de colonização) ou coloniais.

Depois da destruição da economia escravista dos Estados do Sul pela Guerra Civil (1861-1865), o capitalismo expandiu-se durante os trinta anos seguintes para o Oeste americano através de um processo contínuo que pode ser resumido da seguinte forma: massacres e limpeza étnica da população indígena; estabelecimento de uma economia pré-capitalista através da venda e da concessão de territórios, anteriormente anexados pelo governo, a colonos e pequenos criadores; destruição desta economia extracapitalista por meio da dívida, da fraude e da violência; extensão da economia capitalista. Em 1890, o Órgão Americano do recenseamento proclamou "a Fronteira" interna fechada. Em 1893, os Estados Unidos conheceram uma forte depressão e, durante os anos 1890, a burguesia americana estava cada vez mais preocupada com a necessidade de expandir suas fronteiras nacionais. Em 1898, um documento do Departamento de Estado americano explicava: "Parece existir um acordo geral sobre o fato que, se quisermos manter o emprego dos operários e artesãos americanos, todos os anos iremos nos encontrar com um excedente crescente de produtos manufaturados destinados aos mercados estrangeiros. A expansão do consumo nos mercados estrangeiros dos produtos das nossas fábricas e oficinas torna-se um sério problema comercial, como também político[4]. Isso foi acompanhado de uma rápida expansão imperialista: Cuba (1898), Havaí (1898), Filipinas (1899), a zona do canal do Panamá (1903). Em 1900, Albert Beveridge (um dentre os principais defensores da política imperialista americana) declarou no Senado: "As Filipinas são nossas para sempre (...). E atrás das Filipinas, há os mercados ilimitados da China (...) O Pacifico é nosso oceano (...). Onde encontrar os consumidores para nossos excedentes? A geografia nos dá a resposta. A China é o nosso cliente natural[5].

Com o que são feitas, realmente, as trocas com as zonas extracapitalistas?

Pode-se afirmar, como faz a contribuição, que "os países desenvolvidos exportam principalmente bens de produção ao Terceiro Mundo, bens manufaturados, e importam os bens de consumo"?

Aqui nos deparamos novamente com o problema do método que é duplo:

1) Devemos reconhecer: não sabemos se a esfera das relações de  produção unicamente capitalistas exportou em direção da esfera pré-capitalista, mais ou menos produtos do setor I (meios de produção) ou de produtos do setor II (meios de consumo). Não sabemos também qual era a opinião de Rosa sobre esta questão. Não conseguimos também encontrar em A acumulação do capital uma só passagem afirmando a ideia que a contribuição da OPOP atribui à autora desta obra: "Todo o raciocínio de Rosa conduz a um "déficit dos meios de produção" e a um "excedente invendável dos meios de consumo"". Na realidade, encontramos duas frases com termos idênticos, mas que não têm nada a ver com esta ideia da citação da contribuição da OPOP. Estão localizadas nas seguintes passagens:

  • "Se a acumulação procedesse dessa forma, haveria no segundo ano, um déficit de 16 nos meios de produção, de 45 no terceiro, de 88 no quarto e, igualmente, um excedente de 16 em meios de consumo no segundo ano, de 45 no terceiro e de 88 no quarto" (Rosa Luxemburgo - A Acumulação do Capital - Vol. II - Cap. XXV - As contradições do esquema da reprodução ampliada - pg.10 Ed. Abril Cultural.);
  • "A mesma circunstância aponta, ainda, para um excedente muito maior de meios de consumo invendáveis, maior que o decorrente da soma de valor desse excedente" (Idem, pg.11).

Com efeito, estas duas frases são relativas aos comentários de Rosa depois de ela ter feito alterações no esquema de Marx pelas necessidades de uma polêmica com Tougan Baranowsky. Trata-se de hipóteses de trabalho totalmente alheias ao assunto considerado pela contribuição da OPOP. Como o autor da referida contribuição pôde se enganar a tal ponto?  Parece que estava distraído, que pensava em outra coisa quando redigiu essa passagem.

2) O segundo problema é relativo à utilização do termo "Terceiro Mundo" em lugar de "esfera extracapitalista". Com efeito, este termo foi cunhado, para designar um conjunto de países "subdesenvolvidos", em 1952, isto é, no início dos 10 últimos anos em que os mercados extracapitalistas se esgotaram totalmente. Por conta disso, a afirmação da contribuição considerando as importações e exportações entre estes países e a esfera das relações capitalistas parece pouco representativa e pertinente do ponto de vista considerado.

Uma grave subestimação da lei da queda da taxa de lucro e dos ciclos econômicos para explicar as crises?

Por parte de Rosa haveria "uma grave subestimação da lei da baixa tendencial da taxa de lucro e dos ciclos econômicos para explicar as crises".

O que comprova esta pretendida subestimação da queda da taxa de lucro? Será que é o fato de que Marx ter escrito que "É de todas as leis da economia política moderna, a mais importante." (Princípios de uma crítica da economia política (1857-1858); II O Capital - Queda da taxa de lucro; Ed La Pléyade II, p 271 y 272). (Tradução nossa).

Encontramos aqui o mesmo problema já evocado que consiste em reter de Marx unicamente o que vai em direção da tese defendida. Quando na realidade, Marx não diz só isso. Em Teorias da Mais-valia, ele considera a superprodução de mercadorias como o problema fundamental das crises: "... o modo de produção burguês contenha limite para o livre desenvolvimento das forças produtivas, limite que vem à tona nas crises e em outras manifestações como a superprodução - o fenômeno fundamental das crises" (Teorias da Mais-Valia. São Paulo: DIFEL, 1980, Cap. XVII, 14, p. 962).

Dito isso, nosso objetivo não é de participar de um duelo de citações, mas, ao tomá-las em conta, como expressões reais de ideias significativas do autor, tentar abraçar de maneira não dogmática o conjunto das condições reais do desenvolvimento do capitalismo. Sobre esta questão, os argumentos que já demos e que destacam a importância do mercado, constituem, segundo nossa opinião, uma reposta.

Continuemos com a questão do caráter cíclico das crises a propósito da qual a contribuição explicita: "Na verdade, é o peso do capital fixo que está na base dos ciclos decenais e estes no seio de sua análise da acumulação e das crises". Em seguida dessa vem uma outra citação de Marx apoiando tal afirmação. Quando, como Rosa, consideramos que a abertura da crise depende essencialmente dos mercados e que, como Marx, considerou que "o mercado e a produção são fatores não idênticos" (Matériaux, Les crises. La Pléiade - Economie II, p. 489 - Tradução nossa), assim, temos  de associar a irrupção da crise à saturação do mercado e não exclusivamente ao ciclo de renovação do capital fixo:

  • "O mercado expande-se menos rapidamente que a produção; dito de outra maneira, no ciclo de sua reprodução - um ciclo em que não há só reprodução simples, mas ampliada - o capital descreve não um círculo, mas uma espiral: ocorre um momento em que o mercado parece estreito demais para a produção. É o que acontece no final do ciclo. Mas isso significa simplesmente que o mercado está supersaturado. A superprodução é explícita." (Idem - Tradução nossa)

A duração dos ciclos da crise não pode ser periódica visto que a saturação momentânea do mercado não obedece a nenhuma lei.

Quanto à duração observada do ciclo de surgimento das crises, Engels necessitou fazer correção, quando se encarregou de publicar O capital, da ideia seguinte exposta por Marx no livro III: "Esse ciclo industrial é de tal natureza que o mesmo ciclo, uma vez dado o primeiro impulso, tem de reproduzir-se periodicamente" (O Capital, Volume III Tomo I, Pg. 28 Ed. Abril Cultural, 1984).

Engels efetua esta correção dentro de uma nota que vale a pena citar na íntegra, visto que ela traz muitos elementos da realidade concreta da época, nem sempre percebidos neste debate:

  • " ... desde a última grande crise geral ocorreu aqui uma mudança. A forma aguda do processo periódico, com seu ciclo até então de 10 anos, parece ter cedido lugar a uma alternância mais crônica, mais prolongada, que se distribui entre os diversos países industriais em tempos diferentes, de melhoria relativamente curta e débil dos negócios e pressão relativamente longa e indecisa. Mas talvez trate-se apenas de uma expansão da duração do ciclos. Na infância do comércio mundial, de 1815 a 1847, pode-se comprovar ciclos de cerca de 5 anos; de 1847 a 1867, os ciclos são decididamente de 10 anos: será que nos encontramos no período preparatório de uma nova crise mundial de veemência inaudita? Há alguns indícios disso." (O Capital, Volume III Tomo I, Pg. 28 Ed. Abril Cultural, 1984)

É importante assinalar que Engels justifica o fim das crises periódicas baseando-se em considerações não relativas à produção, mas aos mercados, a concorrência, etc.

  • "Desde a última crise geral de 1867, houve grandes mudanças. A expansão colossal dos meios de transporte - navios a vapor transatlânticos, ferrovias, telégrafos elétricos, canal de Suez - criou o mercado mundial pela primeira vez de fato. Tomaram lugar ao lado da Inglaterra, que antes monopolizava a indústria, uma série de países industriais competidores, ao investimento do capital europeu excedente abriram-se, em todas as partes do mundo, campos infinitamente mais extensos e diversificados de modo que ele se distribui muito mais amplamente e a superespeculação local é superada com mais facilidade. Por tudo isso a maioria dos focos de crises e das oportunidades de formação de crises de antes foi eliminada ou muito debilitada. Ao mesmo tempo, a concorrência no mercado interno retrocede diante dos cartéis e trustes, enquanto é limitada no mercado externo pelas tarifas protecionistas, com que se criam todos os grandes países industriais, exceto a Inglaterra. Mas essas tarifas protecionistas mesmas são apenas o armamento para a campanha final e geral da indústria que deverá decidir o domínio do mercado mundial. Assim cada um dos elementos que se opõem à repetição das velhas crises traz dentro de si o germe de uma crise futura muito mais violenta." (Idem)

Apoiando-se em um gráfico que permite analisar a correlação entre a evolução e a ocorrência das recessões da economia americana no período 1948-2007 [6], a contribuição da OPOP conclui esta parte da maneira seguinte: "Como Marx havia analisado, a vida do capitalismo é bem ritmada por uma sucessão de ciclos mais ou menos regulares; cada um deles é composto por uma fase de alta e depois de baixa da taxa de lucro, em meio à qual estoura uma nova crise. Isso também desmente de maneira formal a tese de Rosa que faz depender as crises e a evolução da taxa de lucro essencialmente da saturação dos mercados".

Não sabíamos que Rosa condicionava a evolução da taxa de lucro à saturação dos mercados! Na realidade, é a quantidade de mais-valia realizada que é prejudicada ao mesmo tempo pela insuficiência dos mercados e da taxa de lucro, esta última sendo totalmente independente da situação do mercado. Segundo nossa opinião, a contribuição da OPOP é muito precipitada em concluir que a teoria que defende seria verificada pela realidade demonstrada através do gráfico.

Contra esta conclusão, queremos apresentar as seguintes objeções:

1) O período não abrangido pelo gráfico incluído na contribuição não corrobora esta conclusão:

  • Como vimos anteriormente, segundo os escritos de Engels, não é de maneira periódica que a crise reaparece no século XIX;
  • Não pode ser a evolução da taxa de lucro nos Estados Unidos da América que permite explicar o surgimento da crise de 29, pois este alcançou aquele ano um valor claramente superior às duas décadas anteriores. Sua orientação é certamente de declínio imediatamente antes da crise, porém esse declínio é muito limitado em intensidade e no tempo.

2) Ao examinar o gráfico da contribuição, pode-se encontrar elementos contrários à conclusão da contribuição;

  • A recessão de 2001 está situada no início de uma fase de elevação da taxa de lucro; igualmente considerando a recessão de 1990. Quanto às outras recessões, parece melhor dizendo, que se situam entre o final do declínio da taxa de lucro e começo de sua elevação;
  • Da mesma maneira, não consideramos que o gráfico reflita uma periodicidade das recessões. De fato, entre 1969 e 1973, passam 4 anos; entre 1973 e 1980, 7 ou 8 anos; entre 1981 e 1990, 9 anos; entre 1990 e 12001, 11 anos.

Será que a realidade refutou as teses de Rosa Luxemburgo quanto à entrada do capitalismo em decadência?

"Rosa Luxemburgo retomou a questão da entrada em decadência do capitalismo na sequência da fase imperialista para a partilha das "zonas do mundo ainda não capitalistas", durante o último terço da fase ascendente do capitalismo. Em consonância com essa análise, muitas correntes e frações políticas se sentiram inspiradas para anunciar o fim do sistema capitalista após a Primeira Guerra Mundial"

A questão não é de saber como é interpretada a teoria de Rosa Luxemburgo, mas o que ela diz realmente.  Rosa nunca disse que o capitalismo ia desaparecer depois da Primeira Guerra Mundial.

O que ela realmente disse a partir de 1913? Que a sociedade ia entrar numa nova fase, aquela de seu declínio histórico, expressando-se através de convulsões sociais, colocando na ordem do dia a alternativa "socialismo ou barbárie". Constatação essa feita pelo conjunto dos revolucionários quando da fundação da Internacional Comunista em 1919, qualquer que fosse sua análise do imperialismo. Rosa se expressava nesses termos:

  • "Depois de a expansão do capital ter submetido, durante quatro séculos, a existência e a cultura de todos os povos não-capitalistas da Ásia, África, América e Austrália a convulsões ininterruptas e abandonado os mesmos à sua destruição em massa, passou agora a criar, para os próprios povos civilizados da Europa, uma série de situações catastróficas cujo resultado final só poderá significar o fim da cultura europeia, ou a transição para o modo de produção socialista. À luz dessa concepção a posição do proletariado em face do imperialismo assume a forma de confronto com o domínio do capital. A linha tática das atitudes que ele deve assumir é dada pela alternativa histórica oferecida." (Rosa Luxemburgo - A Acumulação do Capital - Vol. II - Anticrítica  - pg.179 Ed. Abril Cultural);

Não se deve confundir o estágio mundial quando as diferentes potências do mundo concluíram a partilha dos territórios extracapitalistas (antes da Primeira Guerra Mundial), visto que essa parcela "Geograficamente [..] abrangem, mesmo hoje, vastas regiões da Terra[7] e este outro estágio mundial, quando a esfera extracapitalista acabou de ser integrada na sua quase totalidade às relações capitalistas (final dos anos 1950).

O primeiro estágio é diretamente o causador da Primeira Guerra Mundial, análise sobre a qual convergiram Rosa Luxemburgo e Lênin. O segundo, abre um período sem volta de endividamento crescente por parte do capitalismo (para compensar a ausência de mercados solventes extracapitalistas) para sobreviver, mas que só faz adiar o fim.

Entre os dois, encontra-se um período de convulsões (crise de 1929, depressão dos anos trinta e Segunda Guerra Mundial) que diretamente é a conseqüência de uma insuficiência dos mercados extracapitalistas em relação às necessidades da produção. Durante a fase de depressão dos anos 1930, estes mercados foram relativamente pouco conquistados pelas relações capitalistas. Sua participação na prosperidade do período pós Segunda Guerra Mundial é essencialmente devida aos progressos da indústria capitalista que permitiu obter mais lucro decorrente de sua exploração [8]. A fase de prosperidade dos anos 1950 e 60 [9], que aparece como uma exceção na decadência do capitalismo [10], por um lado, corresponde a um  desenvolvimento "sadio" apoiando-se sobre a exploração dos últimos mercados extracapitalistas; por outro lado, significa um desenvolvimento artificial, uma transgressão à lei do valor, mas para o qual, um dia, deverá ser pago a um preço devastador [11]. O capitalismo mundial já se engajou num período de reajuste brutal.

A nosso ver, não tem nada nesta análise que constitua "uma bela confissão de que grande parte das previsões luxemburguistas anteriores se revelaram falsas".  Na realidade, sem dúvida, não é nada menos que a barbárie que reina sobre o mundo desde o fracasso da onda revolucionaria de 1917-23. É essa situação que faz do século XX o século mais bárbaro nunca conhecido pela humanidade.

Há uma perspectiva sobre a qual Rosa Luxemburgo se enganou efetivamente, quando previu que um mundo privado de mercados extracapitalistas (e, pois, conforme o esquema da acumulação desenvolvido por Marx) significaria a quebra das relações de produção (e não a fatalidade de sua destruição pelo proletariado revolucionário):

  • "No momento em que o esquema marxista corresponde, na realidade, à reprodução ampliada, ele acusa o resultado, a barreira histórica do movimento de acumulação, ou seja, o fim da produção capitalista. A impossibilidade de haver acumulação significa, em termos capitalistas, a impossibilidade de um desenvolvimento posterior das forças produtivas e, com isso, a necessidade objetiva, histórica, do declínio do capitalismo. Daí resulta o movimento contraditório da ultima última fase, imperialista, como período final da trajetória histórica do capital." (Rosa Luxemburgo - A Acumulação do Capital - Vol. II - Cap. XXIX  - A luta contra a economia camponesa - pg. 63)

Tal erro na previsão da revolucionária não é conseqüência de uma insuficiência intrínseca da sua teoria, mas resultado da dificuldade de prever até que ponto a burguesia seria capaz de transgredir as próprias leis de seu sistema, como a de um endividamento sem reembolso possível com a finalidade de manter a acumulação e adiar o momento do naufrágio.

Mas a maior perspicácia de seu julgamento político reside no fato de que ela foi capaz de evidenciar que a revolta das forças produtivas aconteceria antes do último estágio do imperialismo, ou seja, a integração da última parcela de mercado extracapitalista às relações de produção capitalistas:

  •   "... na medida em que se impõe essa tendência, o referido processo também acaba acentuando os contrastes entre as classes e a anarquia econômica e política internacionais de tal maneira que, muito antes mesmo de atingida a consequência última do desenvolvimento econômico - o domínio absoluto e indiviso da produção capitalista neste mundo -, o mesmo processo irá acarretar necessariamente a revolta do internacional contra a existência do domínio do capital.[12] "O imperialismo hodierno representa (...) um simples prelúdio  da expansão do capital, mas constitui a última fase de um processo histórico de desenvolvimento: é o período da concorrência  geral e mundial mais acirrada dos Estados capitalistas, da luta pela conquista do que sobrou das regiões não-capitalistas ainda existentes neste mundo."[13]

Antes de concluir, devemos examinar uma última crítica segundo a qual o método de Rosa Luxemburgo defendido em A acumulação do capital e sua visão da decadência teriam levado ao desaparecimento de organizações revolucionárias ou a previsões totalmente defeituosas como teria sido o caso de Internationalisme (Esquerda comunista da França) em 1952. Segundo a passagem a seguir, colhida a partir de citações de Internationalisme n° 46, publicado em 1952, os mercados extracapitalistas estando esgotados, o sistema viveria uma situação de crise permanente com a perspectiva de iminência da Guerra Mundial.

  • "O desaparecimento dos mercados extracapitalistas provoca, por conseguinte, uma crise permanente do capitalismo [...]. O mundo capitalista entrou em sua crise permanente: ele não pode mais ampliar a sua produção. Veremos a retumbante confirmação da teoria de Rosa: a restrição dos mercados extracapitalistas leva a uma saturação dos mercados propriamente capitalistas. [...] Na realidade as colônias pararam de representar um mercado extracapitalista para as metrópoles, pois elas se tornaram novos países capitalistas. Elas perderam então a sua característica de mercados [...]. "Nós vivemos num estado de guerra iminente..."

Isso é uma deformação das posições de Internationalisme. Na realidade, Internationalisme não considerava, nessa época, os mercados extracapitalistas como esgotados e, sobretudo, não fazia decorrer mecanicamente a perspectiva de guerra desta situação. Na realidade, a contribuição da OPOP recuperou na Internet, sem se dar conta disso, um parágrafo que é nada menos que uma contrafação destinada a desnaturar o pensamento de Internationalisme através de uma manipulação grosseira [14]. Achamos importante, em relação à clareza da discussão, evitar se inserir em falsos debates.

Nossa conclusão

A conclusão da contribuição da OPOP termina com essas palavras: "A raiz dessa incompreensão [de Rosa Luxemburgo] está nos seus pressupostos teóricos, tema que será tratado e analisado num momento posterior". É com uma grande satisfação que tomaremos conhecimento desta futura publicação que, esperamos, seja publicada brevemente e, que desejamos, responda nossas críticas.


[1] A queda da taxa de lucro obriga o capitalista a procurar permanentemente compensar a redução do lucro extraído de cada mercadoria pela venda de um maior número delas, favorecendo assim o esgotamento dos mercados. Reciprocamente, o mercado, quando estiver esgotado, não vai mais permitir tal compensação, o que implica na impossibilidade de aliviar os efeitos da queda da taxa de lucro.

[2] Um número importante de contribuições sobre este tema já foi publicado desde a saída de A acumulação o capital. Elas são essencialmente provenientes do meio revolucionário e de inúmeras "personalidades de cultura marxista", militantes de organizações da esquerda do capital e que muitas vezes são motivadas por sua glória pessoal ou por estarem a serviço de uma ideologia entre as numerosas do capitalismo: democrática, reformista ou capitalista de estado (stalinista ou trotskista). Duas boas obras (escritas por revolucionários) permitem uma boa visão geral das contribuições essenciais sobre este assunto e de suas especificidades e diferenças: A Anticrítica de Rosa Luxemburgo (1913) e Crise e teoria das crises de Paul Mattick (1974 ; Cap Os epígonos), defensor da tese da queda da taxa de lucro. Os textos em defesa da tese de Rosa Luxemburgo são menos conhecidos que aqueles em defesa da tese da queda da taxa de lucro. Entre eles existem alguns escritos da Esquerda Comunista da França (em que coexistiam as duas teses) e o elogio ao método empregado por Rosa Luxemburgo feito por Georg Lukács em História e consciência de classe durante o curto período em que foi um militante revolucionário, antes de ter renegado sua obra na sua submissão ao stalinismo. Citamos uma passagem desta obra: "Esta rejeição de todo o problema está estreitamente ligada ao fato dos críticos de Rosa Luxemburgo terem passado distraidamente à margem da parte decisiva do livro (As condições históricas da acumulação) e, coerentes consigo mesmos, puseram a questão sob a seguinte fórmula: serão aceitas as fórmulas de Marx, que se baseiam no princípio isolador, de uma sociedade composta unicamente por capitalistas e por proletários, princípio esse admitido por preocupação metodológica? E qual a melhor interpretação delas? Esse princípio não era mais do que uma hipótese metodológica de Marx, a partir da qual se devia progredir para pôr a questão quanto à totalidade da sociedade, e foi isso que escapou completamente aos críticos. Escapou-lhes que o próprio Marx transpôs esse passo no primeiro volume d'O Capital a propósito daquilo a que se chama a acumulação primitiva. Ocultaram - consciente ou inconscientemente - o fato de, justamente em relação a esta questão, O Capital ser só um fragmento interrompido precisamente no ponto em que este problema deve ser levantado, e que, consequentemente, Rosa Luxemburgo se limitou a levar até ao fim, no mesmo sentido, este fragmento, completando-o em conformidade com o espírito de Marx." (História e Consciência de Classe; Elfos editora, 1989, 2ed. p. 45)

[3] L'accumulation du capital. Tome I. Edt. François Maspero.

[4] Citado em Howard Zinn, History of American People. Tradução nossa.

[5] Idem

[6] Gráfico disponível através do link.

[7] Rosa Luxemburgo - A Acumulação do Capital - Vol. II - Cap. XXXI  - Tarifas protecionistas e Acumulação - pg. 83

[8] Um território ainda não conquistado pelas relações de produção capitalistas constitui um mercado potencial, mas não necessariamente imediatamente lucrativo. Neste caso, sua exploração será adiada até que estejam presentes condições mais favoráveis para a lucratividade de sua exploração. Essas condições consideram os custos de produção das mercadorias, dos transportes ou ainda o modo de administração do território considerado (supressão da forma colonial de dominação, muito dispendiosa).

[9] Esta fase foi precedida pela reconstrução das economias europeias e japonesas destruídas pela guerra. Seu financiamento foi assumido pelas doações e empréstimos consentidos pelo Estado americano (o plano Marshall) que, para isso, teve que subtrair fundos das suas reservas. São aquelas reservas que chamamos "fundo de guerra" no seio do texto de uma reunião pública, talvez de maneira não adaptada.  É óbvio que esta poupança do Estado americano, produto de ciclos anteriores de acumulação, não tinha nada de premeditada para futuramente servir de estímulo à atividade econômica, ao contrário da interpretação irônica feita pela contribuição da OPOP.

[10] É preciso assinalar que os períodos de decadência das formações sociais anteriores ao capitalismo conheceram, elas também, fases de estagnação (até recuperação) devidas aos esforços da classe dominante para resistir ao declínio.

[11] Sobre esta questão, ler os vários artigos do debate interno da CCI, publicados na Revista internacional N° 133, 135, 136, 138 e 141.

[12] (Rosa Luxemburgo - A Acumulação do Capital - Vol. II - Anticrítica  - pg.113 Ed. Abril Cultural.)

[13] (Idem pg.178)

[14] A nota 1 da contribuição da OPOP avisa que esta é "produto de uma troca de ideias e opiniões com um militante de outro continente". Será que este militante tem um laço com as passagens citadas que são resultado de recortes "sem escrúpulos" efetuados sucessivamente nas páginas 9, 11, 17 e 1 no seio de diferentes exposições apresentadas nesta revista?

A primeira passagem citada, "O desaparecimento dos mercados extracapitalistas provoca, por conseguinte, uma crise permanente" é imediatamente seguida, em Internationalisme, pela frase seguinte que lhe confere todo seu sentido, mas que não é citada na passagem considerada: "Rosa Luxemburgo demonstra por outro lado que o ponto indicativo de abertura desta crise se inicia bem antes que este desaparecimento se torne absoluto". Em outros termos, pela teoria de Rosa Luxemburgo como para Internationalisme, a situação de crise que prevalece no momento da redação deste artigo não implica em nada o esgotamento dos mercados extracapitalistas, "pois a crise tem início bem antes deste prazo".

A ideia segundo a qual "o caráter inevitável e iminente da guerra que decorreria do esgotamento dos mercados extracapitalistas" na realidade não é uma ideia do grupo Internationalisme como tal, mas de alguns companheiros no seu interior com os quais a discussão tinha se iniciado. É o que demonstra a passagem seguinte de Internationalisme reproduzido na sua integralidade, incluindo assim as passagens que foram intencionalmente eliminados (assinalados em negrito) e que são os mais importantes em tamanho e pelo significado: "Para alguns de nossos camaradas, de fato, a perspectiva da guerra, que nunca deixaram de considerar como iminente, está chegando à sua realização. Nós vivemos num estado de guerra iminente e a questão que é colocada para analisar não é de estudar os fatores que empurrariam à conflagração mundial - esses fatores já estão presentes e atuando - mas, pelo contrário, examinar porque a guerra mundial ainda não foi deflagrada em escala mundial" Esta alteração do pensamento de Internationalisme tende a desprestigiar a posição defendida por Rosa Luxemburgo e Internationalisme, visto que a Terceira Guerra Mundial, que deveria ser a conseqüência da saturação dos mercados, não ocorreu.