Dois aniversários recentes vêm dar testemunho das lutas heróicas das gerações passadas para transformar radicalmente o mundo:
O primeiro evento constitui o início de uma onda revolucionária mundial, em reação à Primeira Guerra mundial, para a derrubada do capitalismo e a instauração de uma sociedade sem classes sociais, sem exploração, sem fronteiras, sem guerras.
Resultado de uma série de derrotas da classe operária em diversos países, na Alemanha principalmente, seis anos depois, a dinâmica revolucionária mundial se tinha esgotado.
Assim a insurreição de Xangai constituiu o ultimo sobressalto da onda revolucionária.
O esgotamento da onda revolucionária desembocou progressivamente na pior das contra-revoluções que o proletariado tinha sofrido.
Esta apresentação tem como objetivo o destaque dos ensinamentos que se pode tirar do que constituiu a maior experiência do proletariado mundial, até hoje[1].
As questões seguintes merecem em particular (não só estas!) a nossa atenção:
A fase imperialista do capitalismo no século XIX correspondeu ao seu maior desenvolvimento. Mas, ao mesmo tempo, continha os limites de tal desenvolvimento.
No final do século XIX, o conjunto do mundo não capitalista já estava partilhado entre as antigas nações burguesas. Doravante, o acesso duma nação a novos territórios só podia se realizar em detrimento de seus rivais.
A Primeira Guerra mundial resultou da tentativa de uma nova partilha do mundo pelas potencias menos favorecidas deste ponto de vista, a Alemanha em primeiro lugar. Esta guerra foi a primeira manifestação, brutal, do fato que o capitalismo enfrentava contradições crescentes[2], arrastando a humanidade no horror de uma barbárie desconhecida na historia da humanidade.
A Guerra Mundial exprimiu o caráter mundial das contradições do capitalismo que a produziram. Ela significou que, a partir daí, este sistema passou a constituir uma ameaça para a civilização humana.
Assim, o capitalismo não era mais capaz de assumir um papel progressista de desenvolvimento das forças produtivas, pois tal desenvolvimento estava doravante travado por obstáculos crescentes e acompanhado pelo desencadeamento de uma barbárie desconhecida na história humana.
Para a vanguarda do movimento operário à época, tal mudança na vida da sociedade significava que o sistema tinha alcançado seu apogeu e entrava na sua fase de declínio histórico, ou de decadência.
Esta mudança na vida do capitalismo, passando de uma fase progressista de ascendência para uma fase de declínio histórico não era uma especificidade do capitalismo, mas uma característica comum de todas as sociedades de exploração que o antecederam.
Tal fenômeno expressava o conflito entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção, colocando na ordem do dia a necessidade de instauração de novas relações de produção.
Qual podia ser a classe social capaz de instaurar esta nova sociedade?
O marxismo já tinha identificado o proletariado como classe revolucionária na sociedade. Suas experiências no século XVIII já comprovaram esta potencialidade.
Pouco antes da Guerra Mundial, em 1905, o proletariado na Rússia reeditou de maneira mais explicita ainda. Surgiu na cena social como uma força autônoma na sociedade, organizada em conselhos operários, capaz de lutar contra a burguesia pelo poder.
A indignação profunda suscitada pela barbárie da Primeira Guerra Mundial se materializou sob a forma de uma onda revolucionária, colocando na ordem do dia da história a derrubada da burguesia.
A tomada do poder na Rússia demonstrou aos proletários do mundo inteiro que o estabelecimento da paz era impossível sem derrubar a classe dominante.
Pela primeira vez na historia, a classe operária tinha conseguido tomar o poder num país. Essa tomada do poder vitoriosa teve repercussões poderosas na classe operária dos outros países e constituiu um sinal da sublevação na Áustria, na Europa central, mais particularmente na Alemanha.
Assim esta época de decadência do capitalismo abria também a possibilidade material da revolução para a derrubada mundial do capitalismo. É a razão pela qual a Internacional Comunista (IC), no seu congresso de fundação, a chamou de "época das Guerras e das revoluções".
O surgimento dessa nova forma de organização, os conselhos operários, criados espontaneamente pela classe operária nas suas tentativas insurrecionais, reveste-se de uma grande importância.
Com efeito, os conselhos operários permitem assumir conjuntamente o caráter econômico e político da luta contra o capitalismo nas condições da nova época.
Em que consistem essas novas condições?
A evolução do capitalismo, com o conjunto das suas contradições, não permite mais, como antes, em satisfazer as reivindicações operárias por meio de reformas ou melhorias duradouras. Ao fazer isso, correria o risco de dificuldades enormes, em particular diante das necessidades das rivalidades econômicas e imperialistas.
Doravante, toda luta conseqüente, inclusive a base de reivindicações econômicas, tem como dinâmica uma confrontação, não com um só patrão, mas com o conjunto da burguesia organizada atrás do estado capitalista.
Tal luta precisa de um organismo que, ao contrario dos sindicatos, seja capaz de agrupar o conjunto da classe operária, e de unificá-la alem das diferenças entre categorias e setores.
A forma de organização em conselhos operários, com seu sistema de delegados eleitos pelas assembléias e revocáveis por elas, é a única a permitir o exercício do poder pela classe operária. Ela é a única que permite que, num período revolucionário, a evolução rápida da consciência das massas operárias se expresse na composição e orientação de suas instancias de centralização.
Outra característica importante: o surgimento dos conselhos operários nunca foi - nem pode ser - o produto de um trabalho anterior dos revolucionários para organizar os operários, como acontecia com a luta sindical.
Este traço reflete precisamente a aquisição pela classe operária de uma maturidade que não existia no século XIX no qual se constituira em classe. Este surgimento é o produto de uma situação de crise aberta do capitalismo fertilizada pela propaganda revolucionária.
Tudo isso não significa que os conselhos operários podem, na nova época de declínio do capitalismo, surgir em qualquer momento. Com efeito, a decadência do capitalismo, embora seja a "época das guerras e das revoluções", não apresenta permanentemente as condições da revolução. Como tivemos a possibilidade de constatá-lo, desde a primeira onda revolucionária mundial, não houve outra onda revolucionária.[3]
Mas o fato dos conselhos operários não poderem surgir no período atual não significa que tenha de esperar passivamente que cheguem as condições favoráveis, nem que tenha de voltar a utilizar os sindicatos.
Quando entram em luta, os operários se organizam em assembléia geral, salvo quando os sindicatos conseguem fazer com que não tenha nenhuma assembléia ou que tenha só um simulacro de assembléia abafada por eles.
Essa forma básica de luta, com eleição de delegados, é nada menos que a prefiguração dos futuros conselhos operários. Ela é perfeitamente adaptada para centralizar a luta e estendê-la.
O que a experiência histórica demonstra também é que a capacidade dos operários de se organizar em conselhos operários, não significa automaticamente que estes órgãos, quando nascem, sejam automaticamente dotados dum conteúdo revolucionário. O melhor exemplo disso é dado justamente pelo processo revolucionário de 1917 na Rússia, com o combate dos bolcheviques dentro dos conselhos a favor de uma orientação revolucionária.
O que aconteceu com a luta sindical depois dos conselhos operários terem feito seu aparecimento?
Em 1905, ao mesmo tempo em que surgiram os conselhos operários, a classe operária criou um número muito importante de sindicatos que não existiam até então neste país. Foram arrastados pelo movimento e ficaram constantemente sob a dependência dos soviets.
Este posicionamento dos sindicatos "dentro do movimento da classe operária" foi quase uma exceção em relação ao que ia acontecer nessa nova época da vida do capitalismo. Esta exceção se reproduziu sob uma forma atenuada na revolução de 1917, na qual já alguns sindicatos, como o dos ferroviários, jogaram um papel reacionário.
A evolução real do sindicalismo se observa na maior parte dos países ocidentais desenvolvidos, como Alemanha, Grã-bretanha, França. Acontecia, nestes países, uma tendência dos sindicatos se inserir cada dia mais na gestão da sociedade através da sua participação em organismos vários.
A explosão da guerra conferiu a essa tendência seu caráter decisivo, colocando os sindicatos na obrigação de escolher explicitamente seu campo. Todos o fizeram nos países citados, traindo a classe operária, inclusive o sindicato sindicalista-revolucionário CGT na França.
Assim, durante a guerra mundial, os sindicatos foram encarregados de arregimentar o proletariado para o esforço de guerra, tanto nas fábricas como nos campos de batalha.
Tal traição dos interesses do proletariado se repetiu diante da onda revolucionária contra a qual os sindicatos se opuseram com toda sua energia.
Assim, não somente a classe operária fez surgir novos órgãos de luta adaptados às necessidades da sua luta no período de decadência do capitalismo, porém, doravante, o proletariado tinha de enfrentar os sindicatos integrados ao estado capitalista.
O Primeiro congresso da IC tinha apontado esta realidade, notadamente através das intervenções dos delegados da Alemanha e da Suíça. Estas surpreenderam bastante os delegados russos que, no final das contas, reconheceram que o caso da Rússia não podia ser generalizado.
Mas, na realidade, provavelmente poucos delegados entenderam a causa da exceção russa: O absolutismo do Estado russo, por conta de seu caráter atrasado, anacrônico, não permitia os sindicatos integrar-se no seu seio, a serviço da classe dominante, contrariamente ao que ocorria nos países ocidentais.
É assim que uma ferramenta da luta de classe no século XIX, não somente perdeu toda utilidade para o proletariado, nas novas circunstanciais do declínio do capitalismo, porem se tornou um instrumento da classe dominante para enfrentar a luta de classe.
Tal implicação da mudança de período histórico afetou também o parlamentarismo.
A questão parlamentar foi claramente analisada pela IC no contexto da evolução do capitalismo, da sua fase ascendente à sua fase decadente. As Teses do Segundo Congresso são tão claras que vale pena citá-las:
Aí vem uma pergunta.
Porque esta caracterização clara do sindicalismo e do parlamentarismo não se impõe ainda hoje diante do movimento operário?
A resposta reside na dinâmica de refluxo da onda revolucionária mundial e suas implicações sobre o conjunto da classe e de sua vanguarda.
Quais foram, nessas circunstâncias, os partidos que realmente defenderam os interesses da classe operária?
Este período, entre o início do século XX e os anos 1920, deu lugar a um conjunto de fenômenos desconhecidos até então quanto a evolução das organizações políticas da classe operária.
Da mesma maneira que para os sindicatos, os partidos da Segunda internacional foram colocados, diante da Primeira Guerra mundial, na obrigação de escolher explicitamente seu campo.
A ala direita da social-democracia, corrompida pelo oportunismo, traiu abertamente enquanto a ala marxista ficou fiel ao marxismo e o internacionalismo, e encabeçou a luta revolucionária em todos os países.
A maioria dos partidos social-democratas, incluindo os mais importantes deles, traiu na primeira hora do conflito[4].
Os partidos social-democratas, passados ao campo da burguesia, como os qualificava Lênin, constituíram a ponta de lança da ofensiva da burguesia contra os revolucionários e as tentativas crescentes do proletariado de reagir diante da barbárie da Guerra.
Uma vez passados para o campo da burguesia, foi em todas circunstancias que, a partir de então, se empenharam a defender o sistema.
A Social-democracia contra a revolução na Rússia
Assim que surgiram, os soviets na Rússia foram investidos pelos socialista-revolucionários e os mencheviques. Estes últimos, na sua maioria, tinham traído durante a guerra. Entretanto beneficiavam ainda da confiança de setores importantes da classe operária. Por conta disso, conseguiram serem eleitos na direção do executivo dos sovietes. A partir desta posição estratégica, tentaram por todos os meios sabotar os sovietes, destruí-los.
Diante disso, a atividade dos bolcheviques consistia em desenvolver a consciência da classe operária tornando explicito o que as massas já estavam fazendo e qual era a perspectiva de seu movimento. Graças a este trabalho dos bolcheviques, todos os "falsos amigos" da classe operária, os traidores, os defensores do capital nacional, foram desmascarados, abrindo assim o caminho para a insurreição vitoriosa.
A Social-democracia contra a revolução na Alemanha
Pode-se dizer que a social-democracia alemã salvou a dominação capitalista, neste país e no mundo inteiro, por conta do papel central do proletariado alemão.
Pela primeira vez na historia, em outubro de 1918, a burguesia chamou um partido originário da classe operária, que recentemente tinha passado ao campo da burguesia, para assumir, diante de uma situação revolucionária, a proteção do estado capitalista contra a luta de classe.
Assim que a social-democracia chegou ao poder, proclamou "A república livre de Alemanha". Sua estratégia era baseada sobre a compreensão de que só poderia vencer o movimento o enfraquecendo por dentro. Para isso, ela criou seu próprio conselho operário e de soldados, formado por funcionários da Social-democracia. A tática funcionou, dividindo os operários, semeando a desorientação nas suas fileiras até o momento propício da repressão. Esta foi liderada pelo social-democrata, Noske à cabeça do "corpos francos". Parte destes participará mais tarde das milícias do fascismo. Na repressão em Berlin de janeiro 1919, mataram Rosa Luxemburgo, Karl Liebnecht e Leo Jogishe mais tarde, decapitando assim o movimento.
A partir deste momento, o proletariado assumiu ainda lutas importantes como na Alemanha novamente e na Itália. Entretanto a dinâmica da onda revolucionária tinha se revertido, deixando cada vez mais espaço para a contra-revolução se desenvolver.
O desenvolvimento desta contra-revolução em escala mundial se expressou na Rússia através da degeneração do Estado que tinha surgido apois a revolução. O aparelho estatal constituiu a nova forma da burguesia encarregada de explorar a classe operária e de gerir o capital nacional.
O partido bolchevique, depois de ter sido a vanguarda da revolução em 1917, se identificou progressivamente com o Estado e se transformou em um fator ativo de sua degeneração.
No seu seio, os melhores combatentes da revolução foram progressivamente descartados das suas funções de responsabilidade, excluídos, exilados, prisioneiros, e finalmente executados por uma câmara de burocratas.
Esta encontrou em Stalin seu melhor representante. Sua razão de ser não era defender os interesses da classe operária, mas, ao contrário, preservar e consolidar a nova forma de capitalismo que era instaurada na Rússia. Por isso, exerceu sobre ela, através da mentira e da repressão, a mais ignóbil das ditaduras.
Os outros partidos da Internacional, os partidos "comunistas", seguiram o mesmo caminho.
O Estado Russo cada vez menos se identificava com a ditadura do proletariado, e a IC (Internacional comunista) deixava de servir a luta internacional pelo comunismo e se tornava um instrumento deste estado no mundo.
Assim, por conta da mudança progressiva de sua função e do refluxo da onda revolucionária mundial, a IC podia cada vez menos constituir um instrumento de clarificação política.
Enquanto seus dois primeiros congressos permitiram avanços reais sobre questões cruciais como os sindicatos, o parlamentarismo e o eleitoralismo, já no terceiro podia se perceber uma mudança explícita de dinâmica.
Os Terceiro e Quarto congressos da Internacional Comunista começaram a deslizar pela perigosa ladeira da política da "frente única". Segundo essa, em certas circunstanciais, o proletariado e suas minorias comunistas deveriam se aliar com a social-democracia. Que regressão oportunista enquanto há pouco a vanguarda revolucionária dizia, com toda razão, que social-democracia tinha se passado para o campo da burguesia!
É assim que a maior clareza da IC regrediu para finalmente erigir como ensinamentos os piores erros da revolução. São esses que foram - e são ainda hoje - transmitidos às gerações de proletários.
Quanto às verdadeiras lições da onda revolucionária, coube às minorias revolucionárias que lutaram contra a degenerescência dos partidos comunistas de formular e transmiti-las.
Começamos esta apresentação falando da insurreição de Xangai em 1927. Um fator da sua derrota foi justamente a política oportunista da IC, de aliança com frações nacionalistas da burguesia de certos países. Em particular, houve uma tentativa deste tipo iniciada em 1922 na China, entre o Partido Comunista Chinês e o Kuomintang. Disso resultaram ilusões por parte dos operários chineses sobre esta fração nacionalista da burguesia, enquanto todas as frações burguesas são igualmente seu inimigo. Foi o que comprovou tragicamente o esmagamento do proletariado chinês pelo Kuomintang, cinco anos depois.
Trotsky denunciou em termos muito claros esta política da IC. Entre os primeiros combateu também a tese de Stálin do socialismo num só país.
Entretanto, o seu apego às pressupostas aquisições operárias do novo estado russo o impediu de assumir realmente um papel de oposição à degeneração dos partidos comunistas. Pior, a corrente trotskista apoiou à política de Frente única.
Acabou, por sua vez, traindo o internacionalismo proletário através da defesa de um campo imperialista na Segunda guerra mundial, o da Rússia e dos aliados, contra o da Alemanha.
Este papel de continuidade do marxismo foi assumido pelas frações das Esquerdas comunistas russa, alemã, holandesa, italiana, etc. Não sobrou nada de aquisições operárias na Rússia depois da vitória da contra-revolução, enquanto a contribuição destas esquerdas comunistas à historia da classe operária constitui um aporte insubstituível à preparação dos futuros combates da classe.
(Março de 2007)[1] A classe operária é, na história, a única classe revolucionária cujo caminho para a vitória é marcado por derrotas. Uma responsabilidade essencial é de fazer com que estas derrotas, como também todas suas experiências, traguem ensinamentos que permitirão vencer numa próxima tentativa revolucionária.
[2] Neste contexto, assistimos depois dos anos 20 a uma tendência crescente à saturação dos mercados solváveis, contexto no qual a queda da taxa de lucro se manifesta plenamente.
[3] Neste contexto, assistimos depois dos anos 20 a uma tendência crescente à saturação dos mercados solváveis, contexto no qual a queda da taxa de lucro se manifesta plenamente.
[4] Isso tomou varias formas segundo os países. Na França, por exemplo, houve um governo de união sagrada incluindo socialistas. Alguns raros partidos social-democratas se mantiveram valorosamente sobre posturas internacionalistas, como o partido social-democrata sérvio.
Como se pode constatar na leitura do texto introdutivo, a apresentação foi essencialmente histórica, o que se justifica pelo fato que existe uma responsabilidade dos revolucionários em suscitar nas novas gerações, estas que terão um papel insubstituível nos futuros combates de classes, a vontade de reapropriação das experiências das gerações passadas para transformar radicalmente o mundo.
Deste ponto de vista, a reação dos participantes fortaleceu nossa convicção que a maturação da situação, determinada pelo agravamento da crise do capitalismo e a tendência a erosão de algumas mistificações burguesas como a mentira sobre um futuro possível no seio do capitalismo, originam um processo ainda embrionário de politização dentro de uma minoria do proletariado assim como uma tendência de certas lutas em exprimir características significativas dos grandes movimentos da classe operária: solidariedade, surgimento de assembléias massivas abertas a todos os operários, existência de assembléias soberanas, capazes de preservar a independência da luta.
Uma maioria das intervenções refletiu uma vontade real de conhecer e compreender o passado da nossa classe enquanto outras demonstraram um interesse para entender como o desenvolvimento da situação atual poderia resultar num processo revolucionário. Relatamos em seguida alguns questionamentos que se expressaram nestas duas reuniões, sem a pretensão nem a possibilidade de sermos exaustivos[1].
Os conselhos operários são o produto da luta de massa do proletariado. Assim, ao contrario da forma sindical de luta, é a luta que cria a organização geral dos operários e não o inverso. Por sua vez, quando criados, os conselhos operários constituem um fortalecimento da luta, pois aumentam assim sua força de atração sobre o conjunto do proletariado, e permitem a centralização e a unidade do movimento.
À diferença da maioria das lutas sindicais do século XIX, as do século XX não encaram um patrão isolado que tem muito receio da ocorrência de uma luta duradoura paralisando a sua produção, mas têm diante delas a potencia do conjunto do estado capitalista. A partir deste momento, não é mais a luta dentro de um setor isolado que constitui uma ameaça real para o estado e a burguesia mais a união crescente dos proletários além das divisões corporativistas, setoriais, ... no seio de uma luta massiva. Por conta disso, a paralisação da produção não joga o mesmo papel de que no século XIX. Alem disso, não é cada setor da classe operária que detêm esta arma do bloqueio da produção, como o ilustra, por exemplo, o caso dos desempregados cuja luta é também essencial. Estas considerações não significam que o bloqueio da produção não constituía mais uma arma do proletariado na sua luta contra a burguesia; continua sendo, mas dentro de condições diferentes como o ilustra a luta recente dos estudantes na França, na primavera européia de 2006. As jovens gerações, já proletarizadas pois trabalhando para assumir sua sobrevivência, ou futuros proletários, se mobilizaram contra uma reforma do governo destinada a acentuar a precariedade das condições de trabalho do conjunto da classe operária. Durante quase dois meses, a luta suscitou expressões de solidariedade por parte de um número crescente de proletários participando em manifestações de ruas massivas. Finalmente o governo recuou, não por conta da paralisação das universidades, mas por medo que a classe operária, e notadamente a classe operária industrial, entrasse em massas em luta e paralizasse assim a produção. Entretanto não é sempre e em todas circunstancias que o proletariado deve paralisar a atividade social como o ilustra o fato que o comitê de greve na luta massiva em Polônia 1980 insistiu para que os transportes não parassem para não travar o desenvolvimento da luta.
A apresentação tinha colocado em evidência como a onda revolucionária mundial, depois da tomada do poder pelo proletariado na Rússia, não tinha conseguido o mesmo êxito nos países em que aconteceram sublevações proletárias. Cada uma destas tentativas foi esmagada pela burguesia, e a primeira derrota importante que sofreu o proletariado na Alemanha em janeiro de 1919 foi decisiva, dando um golpe na dinâmica revolucionária mundial que, a partir deste momento, se inverteu, apesar das outras batalhas que livrou novamente o proletariado na Alemanha. Na realidade, o devir da revolução mundial não se decidia na Rússia, mas na sua capacidade de estender a outros países. Nossa resposta desenvolveu o que já tinha sido dito na apresentação, colocando em evidencia que a derrota na Alemanha resultou da capacidade da social-democracia, depois de ter traído o internacionalismo proletário frente à Primeira Guerra mundial, de enganar novamente uma fração significativa do proletariado ao encabeçar o movimento de revolta contra a sociedade burguesa. Podemos acrescentar que, dentro de um período tão curto, o proletariado não foi capaz de assimilar todas as conseqüências de uma traição por parte de partidos originários da classe operária, em particular o fato que tal traição era irreversível. De maneira mais geral, são todas as conseqüências da nova época de decadência do capitalismo que proletariado não tinha conseguido assimilar, se iludindo sobre o fato de que o fim desta guerra, provocada em toda consciência pelos principais países em guerra para eliminar uma causa essencial de extensão da revolução, poderia ter significado o fim das guerras e da barbárie.
Será que existe uma tendência espontânea dos partidos à traição dos interesses operários do proletariado?
Esta questão é legitima visto que, como o sublinhamos na apresentação, os partidos socialistas traíram o internacionalismo proletário e a classe operária diante da Primeira Guerra mundial. Os partidos comunista degenerescentes fizeram a mesma coisa quando foram os primeiros em preparar ideologicamente o proletariado para a Segunda Guerra mundial, e a corrente trotskista igualmente quando se alinhou, nesta guerra, ao campo imperialista da Rússia e das potencias democráticas contra o campo da Alemanha. Quando um partido originário da classe operária trai, isso significa uma vitória do inimigo de classe, a burguesia. Tal traição resulta essencialmente do peso da ideologia dominante no seio das organizações do proletariado se expressando por um desenvolvimento do oportunismo dentro delas. Pode-se dizer que existe uma tendência "natural" das idéias, no seio da sociedade burguesa onde domina a ideologia desta classe, a ser influenciadas pela ideologia burguesa. A teoria do proletariado, baseando-se sobre o marxismo consiste justamente em um esforço teórico para definir os fundamentos, as perspectivas e os meios da luta para uma sociedade sem classes, livrando-se da influencia da ideologia burguesa como de todos os preconceitos herdados das sociedades de exploração do passado. Se a traição de um partido proletário significa sua derrota diante do oportunismo, a vitória deste último não é total, pois sempre houve minorias de esquerda que combateram a degenerescência dos partidos proletários e, ao mesmo tempo, contribuíram muito para o desenvolvimento da teoria revolucionária e da preparação dos futuros combates de classe. Foi o caso da esquerda dos partidos social-democratas com militantes como Rosa Luxemburgo, Lênin, Pannekoek, Gorter, ... Foi o caso das esquerdas comunistas italianas, alemãs, holandesas, ... que se destacaram da degenerescência dos partidos da IC e seu trabalho constitui um aporte essencial ao programa revolucionário.
Trata-se de uma questão muito ampla que, no contexto de uma reunião pública, só é possível dar uma resposta limitada. Pode-se dizer que há duas épocas do anarquismo. Uma primeira em que constituía uma corrente operária ao lado de outros (blanquismo, marxismo) no seio da primeira internacional, por exemplo. Nesta primeira fase, participou também de uma certa maneira em animar sindicatos sindicalista-revolucionários - muito embora com fraquezas corporativistas importantes - como a CGT na França ou a CNT na Espanha. Uma parte dos militantes anarquistas participou ativamente da primeira onda revolucionária mundial e geralmente se tornaram marxistas, aderindo à Terceira internacional. Mas não foi o caso de todos, pois uma parte significativa dos anarquistas, diante da primeira guerra mundial, fez como os social-democratas, apoiando à burguesia nacional e traindo o internacionalismo proletário. A traição aberta da CNT espanhola não aconteceu diante da Primeira Guerra mundial que não tinha afetado a Espanha, mais diante dos acontecimentos de 1936 e 1937. Em Julho 1936, os operários se sublevaram espontaneamente contra o golpe de Franco, assaltando de mãos vazias os quartéis do exercito e se armando deste jeito, sem que os soldados de Franco opusessem uma resistência real, eles também operários ou camponeses. Na realidade, a força que impediu os operários sublevados a continuarem sua ofensiva contra o estado burguês era constituída pelos traidores social-democratas, stalinistas e os anarquistas, estes últimos argumentando que este Estado não tinha nada a ver com um Estado clássico, e que combatê-lo só enfraqueceria a luta necessária contra o fascismo, e também que seria muito mais subversivo desenvolver o movimento de coletivização das empresas. Em maio de 37, quando o proletariado de Barcelona se sublevou, ele não tinha mais a mesma força como em Julho de 36 por conta da desorientação ideológica resultando da propaganda dos social-democratas, dos stalinistas e dos anarquistas, e foi sem dificuldade real que o governo de frente popular pôde massacrá-lo. Assim, os anarquistas se destacaram como os servidores mais radicais e enganadores da classe:
Quando a CCI critica a política de Frente única, falta a contextualização, notadamente a necessidade de fazer alianças contra o desenvolvimento do perigo fascista
A política de frente única constitui uma forma do oportunismo que se desenvolveu no seio da vanguarda revolucionária com o refluxo da onda revolucionária mundial. Para não se distanciar das massas que tendiam a se afastar da revolução, a IC promoveu a política de "ir à massas" através de alianças com partidos como a social-democracia. Um outro argumento a favor desta política invocava a necessidade de constituir uma frente ampla incluindo partidos democratas burgueses, diante do desenvolvimento do fascismo. Isso foi uma política desastrosa porque pregava uma aliança com um inimigo mortal do proletariado: a social-democracia; esta tinha traído a classe operária diante da guerra mundial, tinha derrotado o movimento revolucionário na Alemanha e mandado assassinar os lideres operários como Rosa Luxemburgo, Karl Liebnecht e Leo Joguishes, salvando neste país a dominação capitalista diante da revolução. Pior ainda, ao designar o fascismo como o pior inimigo da classe operária, esta política tendia a substituir a luta de classes com a luta pela defesa da democracia contra o fascismo. Tal política desembocou no alistamento de uma fração significativa dos proletários no campo dos aliados contra o campo imperialista oposto, o da Alemanha e do Japão. Todos os antifascistas justificam tal abandono pelo proletariado de seu terreno clássico de luta de classes, internacionalista e contra todas as frações da burguesia como na primeira onda revolucionária mundial, pelas atrocidades que cometeu o fascismo e seu caráter ditatorial. Nenhuma entre estas duas características pode ser negada, mas também nenhuma vale, pois a democracia é uma forma da ditadura do capital sobre os explorados e não há uma fração da burguesia que escape da dinâmica bárbara do capitalismo decadente. Os crimes do nazismo durante a Segunda Guerra mundial são muito conhecidos, os das grandes democracias muito menos. Os campos de concentração foram uma expressão dos primeiros. Mas pouco se divulga que as grandes potências democráticas conheceram a existência destes campos desde o início e nada fizeram para impedir sua utilização, como poderiam ter feito, por exemplo, pelo bombardeio das vias de comunicação dando acessos a estes. Mais ainda. Sob iniciativas de organizações judiais para conseguir que presos judeus dos campos de concentração fossem trocados por caminhões americanos, negociações tiveram lugar entre representantes dos campos alemão e americano. Não resultaram em nada, pois não somente a burguesia americana não queria entregar caminhões, mas também não queria acolher dezenas de milhares de judeus, inclusive sem ter que dar nada em compensação. Quanto aos bombardeios americanos e ingleses das cidades alemãs, quando a guerra já estava perdida para a Alemanha, eles tiveram cada vez mais como objetivo de aterrorizar a população, de exterminá-la e, no seu seio, a classe operária, para evitar que aconteçam sublevações operárias. Assim, em pouco tempo morreram centenas de milhares de pessoas nas cidades de Hamburgo e Dresde por conseqüência das bombas incendiarias dos aliados.
A fundação das três primeiras internacionais sempre correspondeu a um movimento de desenvolvimento da luta de classe. Cada uma destas internacionais correspondeu também a progresso na concepção da luta política do proletariado. Assim, a segunda, se dedicava ao aspecto político da luta do proletariado, ao contrario da primeira que assumia ao mesmo tempo luta política e luta econômica. A terceira soube se adaptar às novas condições da luta revolucionária com um partido minoritário de vanguarda enquanto os partidos da segunda internacional eram partidos de massas.
As "leis" que orientaram à constituição da quarta Internacional, em 1938, não têm nada a ver com as das três primeiras Internacionais. Foi um ato totalmente voluntarista por parte de Trotsky e de seus seguidores, num período que não tinha nada de revolucionário, mas muito pelo contrario de derrota profunda da classe operária com um peso ideológico cada vez mais importante da contra-revolução, o que se materializou pouco depois pelo desencadeamento da Segunda Guerra mundial. Alem disso, foi um ato totalmente dogmático, incapaz de se basear sobre o que de melhor orientou fundação da terceira internacional, e que resultou de uma concepção alheia ao marxismo atribuindo as dificuldades do movimento operário à "crise de sua direção revolucionária". Assim, para o trotskismo, só bastava colocar a direção correta para que o movimento operário se encaminhe para a revolução.
Até que ponto a luta para as reformas participa ou não do processo para a revolução
Em qualquer período da vida do capitalismo, a classe operária teve de se defender contra uma tendência natural do capitalismo em ampliar suas condições de exploração. A diferença se situa no resultado desta luta. Enquanto na fase de ascendência do capitalismo, tal luta podia desembocar na obtenção de reformas duradouras, já não é mais o caso na fase de decadência na qual toda luta conseqüente da classe operária coloca em questão, pelo menos de maneira embrionária, a existência do sistema. É assim que, nesta época, as maiores manifestações desta luta de defesa de suas condições pela classe operária a levaram a enfrentar o conjunto da burguesia representada pelo estado capitalista e a obrigaram a se organizar para esta tarefa, como foi ilustrado através do surgimento dos conselhos operários em 1905 na Rússia. Neste contexto, a responsabilidade dos revolucionários é de colocar em evidência que não há mais possibilidade de melhoria das condições de vida sob o capitalismo, e que , diante da crise mortal do capitalismo, a classe operária não vai ter outra alternativa, senão desenvolver cada vez mais suas lutas. Diante da única perspectiva de barbárie que este sistema decadente pode oferecer a humanidade, os revolucionários devem também evidenciar que a única classe na sociedade capaz de derrubar o capitalismo para instaurar uma outra sociedade é o proletariado.
O que fazer com o sindicalismo e o parlamentarismo para impedi-los de travar a luta de classe?
O proletariado mundial não se submete à lei da deterioração constante de suas condições de vida, resultando do agravamento da crise mundial. Por conta disso, ele vai necessariamente ampliar suas lutas. É óbvio que a burguesia não ficará de braços cruzados diante disso como o demonstram todas suas manobras contra a luta de classe, desde que o proletariado voltou a lutar em escala internacional a partir de maio de 68. Contra esta, ela vai continuar utilizando todos os meio à sua disposição e em particular os órgãos do estado capitalista que são os sindicatos e a mistificação eleitoral que vão constituir ainda travas ao desenvolvimento da luta e da consciência. Entretanto, ao serem utilizadas repetidamente contra a classe operária, essas armadilhas da burguesia vão inelutavelmente perder progressivamente sua eficácia enquanto a classe operária vai desenvolver a confiança na suas próprias forças. Nesse processo, os revolucionários têm a papel da maior importância.
No último relatório que fizemos de uma reunião pública numa universidade brasileira[2] notamos: "um interesse crescente das novas gerações para um futuro de luta de classe que recusa a miséria material, moral e intelectual deste mundo em decomposição". Estas duas últimas reuniões não desmentiram tal tendência que se fortalece por um interesse crescente para a história da luta da nossa classe e dos ensinamentos que podem ser tirados deste combate.
[1] Por exemplo, não vamos falar de novo de questões como "a natureza de classe dos movimentos altermundialistas", "o papel do sindicato Solidarnosk na Polônia em 1980" que são tratadas em diversos textos de nosso site em português