Há aproximadamente três anos, certos indivíduos ou grupos anarquistas e a CCI tem derrubado as barreiras que os separam, atrevendo-se a discutir de forma aberta e fraternal. Rompendo com a indiferença ou o rechaço recíproco, a priori e sistemático, de anarquismo para marxismo e vice-versa, deram lugar a uma vontade de discutir, de compreender as posições do outro e de delimitar honradamente os pontos de convergência e de divergência.
No México, este novo estado de espírito permitiu a redação comum de um panfleto assinado por dois grupos anarquistas (o GSL e o PAM)[1] e uma organização da Esquerda Comunista (a CCI). Na França, recentemente, a CNT-AIT de Toulouse convidou a CCI para realizar uma apresentação em uma das suas reuniões públicas [2]. Na Alemanha também, os laços começam a desenvolver-se.
Sobre a base dessa dinâmica, a CCI tem iniciado um trabalho de fundo sobre a questão da história do Internacionalismo dentro do movimento anarquista. Publicamos ao longo do ano de 2009 toda uma série de artigos intitulados Os anarquistas e a guerra [3]. Nosso objetivo foi mostrar que em cada conflito imperialista, uma parte dos anarquistas tem tratado de evitar a armadilha do nacionalismo e defender o internacionalismo proletário. Também mostrar que esses camaradas estavam dispostos a continuar lutando pela revolução e pelo proletariado internacional embora ao seu redor se desencadeava o chauvinismo e a barbárie guerreira.
Quando se conhece a importância que a CCI atribui ao Internacionalismo, verdadeira fronteira que delimita os revolucionários que lutam realmente pela emancipação da humanidade dos que traem o combate do proletariado, esses artigos são a evidência não somente de uma crítica sem concessões dos anarquistas belicistas, que apoiaram a guerra, mas, sobretudo, uma saudação aos anarquistas internacionalistas!
Entretanto nossa intenção não tem sido bem percebida. Esta série foi recebida momentaneamente com uma certa frieza. De um lado, os anarquistas viram um ataque em série contra seu movimento. Do outro, os simpatizantes da Esquerda Comunista e da CCI não têm compreendido nossa vontade de "aproximação aos anarquistas" [4].
Para além dos deslizes cometidos nos nossos artigos, que podem ter "ofendido" alguns entre eles [5], estas críticas aparentemente contraditórias têm de fato a mesma raiz. Revelam a dificuldade de ver, além das divergências, os elementos essenciais que aproximam os revolucionários.
Os que se reclamam da luta pela revolução são tradicionalmente classificados em duas categorias: os marxistas e os anarquistas. Há, com efeito, divergências muito grandes que os separam: centralismo / federalismo; materialismo / idealismo; "período de transição" ou "abolição imediata do estado"; reconhecimento ou denúncia da Revolução de Outubro de 1917 e do Partido Bolchevique...
Todas essas questões são efetivamente muito importantes. É nossa responsabilidade não escamoteá-las e debatê-las abertamente. Porém, por outro lado, não delimitam dois campos. Concretamente, nossa organização que é marxista, considera que luta pelo proletariado ao lado dos militantes anarquistas internacionalistas e frente aos chamados partidos "comunistas" e maoístas (que, no entanto, se proclamam também marxistas). Por quê?
Dentro da sociedade capitalista, existem dois campos fundamentais: o da burguesia e o da classe operária. Nós denunciamos e combatemos todas as organizações políticas que pertencem ao primeiro. E discutimos, às vezes vivamente, mas sempre fraternalmente, e tratamos de colaborar com os membros do segundo. Desse modo, sob o rótulo de "marxista" se escondem organizações autenticamente burguesas e reacionárias; do mesmo modo sob o rótulo de "anarquista"!
Não se trata de pura retórica. A história está repleta de exemplos de organizações "marxistas" ou "anarquistas" que tem jurado defender a causa do proletariado para imediatamente apunhalar pelas costas. A social-democracia alemã se dizia marxista em 1919, ao mesmo tempo que assassinava Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e milhares de operários. Os partidos stalinistas abateram sanguinariamente as insurreições operárias em Berlim em 1953 e na Hungria em 1956 em nome, também, do "comunismo" e do "marxismo" (na realidade pelo interesse do bloco imperialista dirigido pela URSS). Na Espanha, em 1937, os dirigentes da CNT participando do governo, serviram de garantia aos verdugos stalinistas que massacraram e reprimiram sanguinariamente milhares de revolucionários... anarquistas! Atualmente na França, por exemplo, a mesma denominação "CNT" abriga duas organizações anarquistas, uma com posições autenticamente revolucionárias (CNT-AIT) e outra puramente "reformista" e reacionária (CNT Vignoles [6]).
Descobrir os falsos amigos que se escondem atrás dos "rótulos" é vital.
Porém não temos de cair na armadilha contrária e acreditar-se os únicos no mundo, os detentores exclusivos da "verdade revolucionária". Os militantes comunistas são atualmente pouco numerosos e não há nada pior que o isolamento. Faz falta também lutar contra a tendência ainda muito grande da defesa do "feudo", da "família" (anarquista ou marxista) e contra o espírito concorrencial que nada tem a desempenhar no campo da classe operária. Os revolucionários não competem entre si. As divergências, os desacordos, por mais profundos que sejam, são uma fonte de enriquecimento para a consciência de toda a classe operária quando se discutem aberta e sinceramente. Criar laços e debater em escala internacional é uma necessidade absoluta.
Mas por tudo isso é necessário saber distinguir os revolucionários (aqueles que defendem a perspectiva da derrubada do capitalismo pelo proletariado) dos reacionários (aqueles que, de uma maneira ou de outra, contribuem com a perpetuação desse sistema), sem focar sobre o único rótulo "marxismo" ou "anarquismo".
Para a CCI existem critérios fundamentais que distinguem as organizações burguesas e proletárias.
Apoiar o combate da classe operária contra o capitalismo significa ao mesmo tempo lutar de forma imediata contra a exploração (quando das greves, por exemplo) sem perder de vista o desafio histórico desse combate: a derrubada desse sistema de exploração pela revolução. Para isso, as organizações que se reclamam desse combate, não devem jamais dar seu apoio, da maneira que for (de forma "crítica", por "tática", ou em nome do "mal menor"...), a um setor da burguesia: nem a burguesia "democrática" contra a burguesia "fascista": nem à esquerda contra a direita; nem à esquerda contra a direita; nem a burguesia palestina contra a burguesia israelense; etc. Tal política tem duas implicações concretas:
Esses critérios, expostos aqui muito brevemente, explicam porque a CCI considera certos anarquistas como camaradas de combate, porque deseja discutir e colaborar com eles enquanto denuncia paralelamente com virulência outras organizações anarquistas.
Por exemplo, nós colaboramos com o KRAS (secção da AIT anarcosindicalista na Rússia), publicando e saudando suas tomadas de posição internacionalistas frente à guerra, sobretudo a da Chechênia. A CCI considera esses anarquistas, apesar das divergências, como pertencente de verdade ao campo do proletariado. Eles se demarcam claramente de todos esses anarquistas e de todos esses "comunistas" (como os partidos "comunistas" ou maoístas ou trotskistas) que defendem em teoria o internacionalismo, mas que se opõem a ele na prática, defendendo em cada guerra um campo beligerante contra o outro. Isso não nos faz esquecer que em 1914, ante a deflagração da Primeira Guerra Mundial, e em 1917, ante a Revolução Russa, a maior parte de "marxistas" da social-democracia se colocaram do lado da burguesia contra o proletariado enquanto a CNT espanhola denunciara a guerra imperialista e apoiou a revolução! Quando dos movimentos revolucionários no final dos anos 1910, os anarquistas e os marxistas que atuam sinceramente em favor da causa do proletariado se encontraram ombro a ombro no combate, apesar dos seus desacordos. Neste período, houve uma tentativa de colaboração de grande amplitude entre os revolucionários marxistas (os bolcheviques, os espartaquistas alemães, os tribunistas holandeses, os abstencionistas italianos, etc), que tinham rompido com uma Segunda Internacional em degeneração, e numerosos grupos que se reivindicavam do anarquismo internacionalista. Um exemplo desse processo é o fato de uma organização como a CNT estudou a possibilidade, finalmente rechaçada, de integrar-se na Terceira Internacional [8].
Para mostrar um exemplo mais recente, por todo o mundo e diante dos acontecimentos atuais, existem grupos anarquistas e secções da AIT que não somente mantém uma posição internacionalista como também lutam pela autonomia do proletariado diante de todas as ideologias e todas correntes da burguesia;
Em outras palavras, são partidários dos princípios formulados pela Primeira Internacional: "A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores". Aqueles agem desse jeito para o combate pela revolução e por uma comunidade humana mundial.
A CCI pertence ao mesmo campo que os anarquistas internacionalistas que defendem realmente a autonomia operária. Sim, nós os consideramos como camaradas com os quais desejamos debater e colaborar! Sim, nós também pensamos que esses militantes anarquistas tem mais em comum com a Esquerda Comunista que com os que, sob o mesmo rótulo anarquista, defendem na realidade posições nacionalistas ou "reformistas" e que são de fato, defensores do capitalismo, reacionários.
Pouco a pouco está se desenvolvendo entre todos os elementos e grupos revolucionários e internacionalistas do planeta debates vivos e animados. Haverá erros, mal entendidos e verdadeiros desacordos. Porém as necessidades da luta do proletariado contra um capitalismo cada vez mais desumano e bárbaro, a perspectiva indispensável da revolução proletária mundial, condição para garantir a sobrevivência da humanidade e do planeta, exigem este esforço. Trata-se aqui de um dever. E atualmente quando emergem novamente minorias revolucionárias em numerosos países, que se reivindicam do marxismo ou do anarquismo (ou que estejam abertas aos dois), o dever de debater e colaborar deve encontrar uma adesão determinada e entusiasta.
Tradução de Révolution Internationale (publicação da CCI na França).
[1] GSL: Grupo Socialista Libertário (https://webgsl.wordpress.com/; [1] PAM: Proyecto Anarquista Metropolitano (https://proyectoanarquistametropolitano.blogspot.com [2]).
[2] Um ambiente caloroso reinou ao longo dessa reunião. Ler artigo intitulado "Reunião CNT-AIT de Toulouse de 15 de abril de 2010: para a constituição de um crisol de reflexão no meio internacionalista" [https://fr.internationalism.org/node/4256] [3].
[3] Os anarquistas e a guerra (I) (RI nº 402): [https://es.internationalism.org/ap2000s/2009/208_anarguerra] [4]. A participaçao dos anarquistas na Segunda Guerra Mundial (II) (RI nº 403): [https://es.internationalism.org/ap2000s/2009/209%3Aanar2] [5]. Da Segunda Guerra Mundial até hoje (III) (RI nº 404): [https://es.internationalism.org/ap/2009/210_anartres] [6]. O Internacionalismo, uma questão crucial (IV) (RI nº 405): [https://es.internationalism.org/ap/2009/210_anartres] [6].
[4] Em particular, os camaradas ficaram em um primeiro momento contrariados pela realização de um panfleto em comum GSL-PAM-CCI. Tratamos de explicar nossa atitude em um artigo em espanhol intitulado "¿Cuál es nuestra actitud frente a los camaradas que se reclaman del anarquismo?" [https://es.internationalism.org/node/2715 [7]].
[5] Alguns camaradas anarquistas tem salientado com toda razão os erros, as formulações imprecisas e também os erros históricos. Voltaremos sobre isso posteriormente. Temos, no entanto, que retificar de imediato dois erros mais grosseiros:
[6] "Vignoles" é o nome da rua onde se situa seu local principal.
[7] É necessário mencionar também os elementos ou grupos que apesar disso conseguiram romper com organizações que se passaram para o campo da burguesia, por exemplo, a tendência de Munis ou a que deu origem a "Socialismo ou Barbárie" no seio da "IV Internacional" trotskista. [https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/As-rupturas_em_reacao_a_d... [9]
[8] Ler Historia del movimiento obrero: la CNT frente a la guerra y a la revolución (1914-1919), segundo artigo de uma série sobre a história da CNT, na Revista Internacional nº 129: [https://es.internationalism.org/rint129cnt] [10].
Na primeira parte dessa série de artigos, tentamos evidenciar quais pontos de acordo fundamentais aproximam os anarquistas internacionalistas e a Esquerda Comunista. Para a CCI, sem negar que existam divergências importantes, o aspecto crucial é que defendemos com determinação a autonomia da classe operária rechaçando "dar apoio ou suporte de qualquer espécie (que seja "crítico", "tático",ou em nome de qualquer "mal menor") a qualquer setor da burguesia: nem à burguesia "democrática" contra a "fascista"; nem à esquerda contra a direita; nem à burguesia palestina contra a burguesia israelense etc.". Trata-se, pois, concretamente de:
Todos os que defendem teórica e praticamente essas posições essenciais devem ser conscientes de que pertencem ao mesmo campo: o da classe operária, o da revolução.
No seio desse campo há, necessariamente, diferenças de opinião e de posição entre os indivíduos, grupos, tendências. É através do debate em escala internacional, aberto, fraternal, mas também sem falsas concessões, que os revolucionários conseguirão participar da melhor maneira, no desenvolvimento geral da consciência proletária. Para conseguirem terão de compreender a origem das dificuldades que ainda hoje entorpecem este debate.
Essas dificuldades são fruto da história. A onda revolucionária que, a partir de 1917 na Rússia e 1918 na Alemanha, acabou com a Primeira Guerra Mundial foi vencida pela burguesia. A partir de então, uma terrível contrarrevolução se abateu sobre a classe operária de todos os países e da qual as expressões mais monstruosas foram o stalinismo e o nazismo; implantados justamente nos países onde o proletariado tinha sido a vanguarda da revolução.
A instauração, através de um partido que se reivindicava do "marxismo", de uma aterradora ditadura militar no país da Revolução de Outubro de 1917 tem sido considerada pelos anarquistas como uma confirmação das críticas que eles haviam mantido durante muito tempo contra as concepções marxistas. A crítica a essas concepções era seu "autoritarismo", seu "centralismo", o fato de que não chamem a abolição imediata do Estado desde o dia seguinte da revolução, o fato de não ter como princípio fundamental a liberdade. Ao findar-se o século XIX, o triunfo do reformismo e do "cretinismo parlamentar" nos partidos socialistas foi considerado pelos anarquistas como a confirmação da validade do seu rechaço a qualquer participação nas eleições. [1] É um pouco o que se produziu depois do triunfo do stalinismo: para o movimento anarquista este regime não era nada mais que a conseqüência lógica do "autoritarismo congênito" do marxismo. Em particular, existiria uma "continuidade" entre a política de Lênin e a de Stálin, considerando que a polícia e o terror político se desenvolveram quando o primeiro ainda estava vivo e até pouco depois da revolução.
Evidentemente, um dos argumentos empregados para exemplificar esta "continuidade" é o fato de que desde a primavera de 1918 alguns grupos anarquistas da Rússia foram reprimidos e sua imprensa amordaçada. Entretanto, há um argumento que consideram "decisivo": o massacre sangrento da insurreição de Kronstadt, em março de 1921, pelos bolcheviques, com Lênin e Trotsky encabeçando. O episódio de Kronstadt é sem dúvida muito significativo já que os marinheiros e operários dessa base naval constituíam, em outubro de 1917, uma das vanguardas da insurreição que derrubou o governo burguês e facilitou a tomada do poder pelos sovietes (Conselhos de operários e soldados). E é justamente este setor, dos mais avançados da revolução, quem se rebelou em 1921 com a consigna: "o poder para os Sovietes, sem os partidos"
No seio da Esquerda Comunista há um total acordo, entre suas diferentes tendências, em torno dos pontos que são evidentemente essenciais:
Sobre esses pontos decisivos a Esquerda comunista está de acordo com os anarquistas internacionalistas, porém se opõe totalmente ao trotskismo que considera o Estado stalinista como um "Estado operário degenerado" e os partidos "comunistas" como "partidos operários" e que na sua grande maioria alistou seus seguidores na Segunda Guerra Mundial (concretamente nas fileiras da Resistência).
Há, no entanto, no próprio seio da Esquerda Comunista, notáveis diferenças na compreensão do processo que levou a revolução de Outubro de 1917 a desembocar no stalinismo.
Por exemplo, a corrente da Esquerda Holandesa (os "comunistas de conselhos" ou "conselhistas") considera que a Revolução de Outubro foi uma revolução burguesa cuja função era substituir o regime czarista feudal por um Estado burguês, melhor adaptado para desenvolver uma economia capitalista moderna. Consideram o Partido bolchevique, que estava à cabeça dessa revolução, como um partido burguês de tipo particular encarregado de dirigir a instauração de um capitalismo de Estado, embora seus militantes e dirigentes não fossem verdadeiramente conscientes disso. Para os "conselhistas" há realmente uma continuidade entre Lênin e Stálin, sendo este último, de alguma maneira o "executor testamentário" do primeiro. Neste sentido, podemos dizer que existe certa convergência entre os anarquistas e os conselhistas, mas não é por isso que esses últimos têm rechaçado sua referência com respeito ao marxismo.
A outra grande tendência da Esquerda Comunista, a vinculada à Esquerda Comunista italiana, considera que a Revolução de Outubro e o Partido bolchevique eram de natureza proletária. [2] O marco no qual esta tendência insere sua compreensão do triunfo do stalinismo é o do isolamento na Rússia da Revolução de Outubro; por causa, fundamentalmente, da derrota das lutas revolucionárias em outros países, em primeiro lugar na Alemanha. Pouco antes da Revolução de Outubro, o conjunto do movimento operário, e os anarquistas não eram uma exceção, considerava que se a revolução não se estendesse em escala mundial seria derrotada. O fato histórico fundamental que exemplifica o trágico destino da Revolução russa foi que esta derrota não veio do "exterior" (os exércitos brancos apoiados pela burguesia mundial foram derrotados), mas do "interior", através da perda do poder pela classe operária, especialmente do controle sobre o Estado surgido no dia seguinte da revolução; e também através da degeneração e da traição do partido que, após ter liderado a revolução, acabou integrado nesse Estado.
Neste marco, os diferentes grupos que se consideram da Esquerda Italiana não compartilham as mesmas análises sobre a política dos bolcheviques nos primeiros anos da revolução. Para os "bordiguistas", o monopólio do poder por um partido político, a instauração de certo monolitismo neste partido, o emprego do terror, inclusive a repressão sangrenta da sublevação de Kronstadt, não são criticáveis; muito pelo contrário, ainda hoje assumem plenamente isso. Por isso, durante muito tempo, na medida em que a corrente da Esquerda Italiana era conhecida em escala internacional essencialmente através do "bordiguismo", esse tem atuado como repelente, entre os anarquistas, como repelente das posições e princípios da Esquerda Comunista.
Todavia, a corrente da Esquerda Italiana não se reduz ao "bordiguismo". A Fração de Esquerda do Partido Comunista da Itália (mais tarde Fração Italiana da Esquerda Comunista) iniciou nos anos 1930 todo um trabalho de balanço da experiência russa (Bilan - que significa balanço em francês - era então o nome da sua revista nesta língua). Entre 1945 e 1952 a Esquerda Comunista da França (que publicava Internationalism) prossegue este trabalho e a corrente que se constituiu em 1975, a CCI, recolheu esta tocha desde 1964 na Venezuela e em 1968 na França.
Esta corrente (e, em parte, também a que se relaciona com o Partito Comunista Internazionalista na Itália) considera necessária a crítica de alguns aspectos da política dos bolcheviques após a revolução. Em particular, a de muitos aspectos que denunciam os anarquistas: a tomada do poder por um partido, o terror e, especialmente, a repressão de Kronstadt são considerados por nossa organização (em continuidade com Bilan e a GCF) como erros, falhas cometidas pelos bolcheviques que podem ser criticados perfeitamente no marco do marxismo e mesmo das concepções de Lênin; especialmente as que são expressas na sua obra O Estado e a revolução, redigida em 1917. Esses erros podem ser explicados por numerosas razões que não podemos desenvolver aqui, porém que fazem parte do debate geral entre a Esquerda Comunista e os anarquistas internacionalistas. Diremos simplesmente que a razão essencial é o fato de que a revolução Russa constituiu a primeira (e única até hoje) experiência histórica de uma revolução proletária momentaneamente vitoriosa. Cabe aos revolucionários tirar os ensinamentos dessa experiência; como fez, desde os anos 1930, Bilan para quem "o conhecimento profundo das causas da derrota" era uma exigência primordial: "E este conhecimento não pode tolerar nenhuma proibição nem nenhum ostracismo. Fazer o balanço dos fatos do pós-guerra é, portanto, estabelecer as condições para a vitória do proletariado em todos os países" (Bilan nº1, Novembro de 1933, tradução nossa).
Os períodos de contrarrevolução realmente não favorecem a unidade, nem a cooperação entre forças revolucionárias. A confusão extrema e a dispersão que afetam o conjunto da classe operária repercutem também nas fileiras dos seus elementos mais conscientes. Da mesma maneira que não foi fácil o debate no seio dos grupos que haviam rompido com o stalinismo e que apesar disso reivindicavam a Revolução de Outubro, nem durante os anos 20 nem ao longo dos anos 30; também foi particularmente difícil o debate entre anarquistas e Esquerda Comunista ao longo de todo período da contrarrevolução.
Como vimos acima, devido ao fato de que o destino da revolução parecia levar água ao moinho de suas críticas ao marxismo, a atitude no seio do movimento anarquista foi a de rechaçar qualquer discussão com os marxistas, "ferozmente autoritários", da Esquerda Comunista; E isto crescia à medida que a popularidade desse movimento, nos anos 1930, era muito superior à dos pequenos grupos da Esquerda Comunista, graças, fundamentalmente, ao papel de primeiro plano que chegaram a desempenhar os anarquistas em um país, Espanha, onde teve lugar um dos acontecimentos históricos mais decisivos deste período.
Reciprocamente, ao fato de que, de maneira quase unânime, o movimento anarquista considerava que os acontecimentos da Espanha constituíam uma espécie de confirmação da validade das suas concepções e que a Esquerda Comunista os vira sobretudo como a prova de seu fracasso, constituiu durante muito tempo um obstáculo para a colaboração desta com os anarquistas. Há, não obstante, que assinalar que Bilan se negou a incluir todos anarquistas no mesmo saco e publicou, após seu assassinato pelo stalinismo em maio de 1937, uma homenagem ao anarquista italiano Camilo Berneri, que havia realizado uma crítica sem concessões da política levada a cabo pela direção da CNT espanhola.
Mais significativo ainda é o fato de que se celebrara em 1947 uma conferência que reuniu a Esquerda Comunista Italiana (Grupo de Turim), a Esquerda Comunista da França, a Esquerda Comunista Holandesa e certo número de anarquistas internacionalistas. Um dos quais copresidiu esta Conferência. Isto mostra que, inclusive durante a contrarrevolução, certo número de militantes da Esquerda Comunista e do anarquismo internacionalista era animado por um verdadeiro espírito de abertura, uma vontade de debater e uma capacidade para reconhecer os critérios fundamentais que unem os revolucionários mais além das suas divergências.
Esses camaradas de 1947 nos dão uma lição e uma esperança para o futuro [3].
É evidente que as atrocidades cometidas pelo stalinismo, usurpando o nome do marxismo e do comunismo, ainda pesam hoje. Atuam como uma barreira emocional que obstaculiza, sempre e poderosamente, o debate sincero e a colaboração leal.
"A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebrodos vivos" (Karl Marx - O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann - Ed. Paz e Terra, 4ªed., pg17;) Este muro que nos impede atuar não pode ser demolido de um dia para o outro, porém começa a se fissurar. Devemos cultivar o debate que nasce pouco a pouco diante de nossos olhos, animados por um espírito fraternal, tendo sempre na mente que todos tentamos sinceramente trabalhar para o advento do comunismo, de uma sociedade sem classes.
CCI (agosto 2010)
[1] Para Lênin,"Na Europa ocidental o sindicalismo revolucionário apareceu em numerosos países como o resultado direto e inevitável do oportunismo, do reformismo, do cretinismo parlamentar." (prólogo à brochura de Bóinov (A.V. Lunacharski); "Sobre a atitude do partido diante dos sindicatos" (1907). Obras completas Tomo XIII, página 156. Akal Editor) (Tradução nossa). O anarquismo, que existia antes do sindicalismo revolucionário, mas que lhe é próximo, tem se beneficiado também desta evolução dos partidos socialistas.
[2] É necessário ressaltar que na Rússia existiam muitos vários grupos, desgarrados do partido bolchevique, que compartilhavam suas análises. Ver sobre esse isso nosso folheto A Esquerda Comunista na Rússia (disponível em inglês e logo em francês).
[3]Com efeito, o debate, a cooperação e o respeito recíproco entre anarquistas internacionalistas e comunistas não era naquele tempo nenhuma novidade.
Além de outros exemplos, pode-se citar o que escrevia a anarquista americana Emma Goldman na sua autobiografia (publicada em 1931, dez anos depois de Kronstadt): "... o bolchevismo era uma concepção social sustentada pelo espírito brilhante de homens animados pelo ardor e a coragem dos mártires. (...) era da maior urgência que os anarquistas e outros autênticos revolucionários se implicassem resolutamente na defesa desses homens difamados e da sua causa, nos acontecimentos que se precipitaram na Rússia." (Living my life).
Outro anarquista muito conhecido Victor Serge, em um artigo redigido em agosto de 1920 "Os anarquistas e a experiência da Revolução russa" tem uma opinião muito semelhante embora ao continuar considerando-se anarquista e criticando alguns aspectos da política do Partido Bolchevique, continuou dando seu apoio a este partido.
Por outro lado, os bolcheviques convidaram uma delegação da CNT espanhola anarco-sindicalista ao Segundo Congresso da Internacional Comunista. Juntos mantiveram com debates realmente fraternais e a convidaram para ingressar na Internacional.
Esta série de artigos se deu como objetivo demonstrar que os membros da Esquerda Comunista e os anarquistas internacionalistas têm o dever não só de discutir, também de colaborar. A razão é simples: apesar das nossas divergências - às vezes, importantes - compartilhamos posições revolucionárias essenciais: o internacionalismo, o rechaço de qualquer colaboração ou compromisso com forças políticas burguesas, a defesa de que "os operários se apoderem das suas lutas" [1].
Apesar dessa evidência, durante muito tempo, as relações entre estas duas correntes revolucionárias têm sido quase nulas. Justo agora e após muitos anos começamos a esboçar um debate e uma colaboração. Sem dúvida, isto é resultado da dolorosa história do movimento operário. A atitude da maioria do Partido bolchevique durante os anos 1918-1924 (proibição sem distinções de toda imprensa anarquista, enfrentamento com o Exército de Makhno; massacre dos marinheiros insurgentes de Kronstadt...) abriu um abismo entre os revolucionários marxistas e os anarquistas. Mas acima de tudo, o stalinismo, que massacrou milhares de anarquistas [2] em nome do "comunismo", causou um autêntico traumatismo que durou décadas [3].
Ainda hoje persistem, de uma parte e de outra, certos medos para debater e colaborar. Para superar estas dificuldades, é necessário estar totalmente convencidos, apesar das divergências, de pertencer ao mesmo campo: o da revolução e o do proletariado. Mas isso não pode ser suficiente. Deveremos fazer um esforço consciente para cultivar a qualidade dos nossos debates. "Alçar do abstrato para o concreto" tendo em conta que é sempre a etapa mais arriscada. É por isso que, através deste artigo, a CCI procura precisar com qual estado de espírito aborda esta possível e necessária relação da Esquerda Comunista e o anarquismo internacionalista.
Em nossa imprensa temos afirmado numerosas vezes e de diferentes formas, a afirmação segundo a qual o anarquismo carregava com si a marca original da ideologia pequeno-burguesa. Esta crítica, efetivamente radical, é freqüentemente taxada de inaceitável pelos militantes anarquistas, inclusive pelos mais habitualmente abertos à discussão. E ainda hoje, mais uma vez, este qualificativo de "pequeno-burguês" agregado ao termo "anarquismo" é motivo suficiente para que alguns não queiram nem ouvir falar da CCI. Recentemente em nosso foro na internet, um participante que se diz anarquista tem definido essa crítica de autêntica "injúria". Não é nosso ponto de vista.
Por mais profundos que sejam os desacordos recíprocos, não devem fazer perder de vista que os militantes da Esquerda comunista e do anarquismo internacionalistas debatem entre revolucionários. Por outro lado, os anarquistas internacionalistas, por sua vez, também dirigem numerosas críticas ao marxismo, começando pelo que eles chamam inclinação natural dos marxistas pelo autoritarismo e pelo reformismo. O site da CNT-AIT na França, contém múltiplas passagens dessa índole:
"Os marxistas se converteram progressivamente (desde 1871) em adormecedores dos explorados e assinaram a ata de nascimento do reformismo operário" [4].
"O marxismo é responsável pelo desvio da classe operária para o parlamentarismo (...). Só quando tenha se compreendido isso se poderá ver que a via da libertação social nos leva ao mundo venturoso do anarquismo, passando por cima do marxismo" [5].
Não se trata de "injúrias", mas de críticas radicais... com as quais estamos evidentemente, em total desacordo. Assim sendo, também é no sentido da crítica aberta que deve ser entendida nossa análise da natureza do anarquismo . Portanto, vale a pena recuperar aqui esta análise, aportando algumas citações, curtas. Em um capítulo intitulado "O núcleo pequeno burguês do anarquismo", escrevemos em 1994: "O crescimento do anarquismo na segunda metade do século XIX foi produto da resistência das camadas pequeno burguesas (artesões, intelectuais, pequenos comerciantes, pequenos camponeses) à marcha triunfal do capital, resistência ao processo de proletarização que os privava da sua "independência" social original. Mais forte naqueles países onde o capital industrial chegou tarde, nos países da periferia no Leste e Sul da Europa, o anarquismo expressava tanto a rebelião dessas camadas contra o capitalismo, como sua incapacidade para ver, mais adiante, o futuro comunista. Pelo contrário, o anarquismo expressava assim o anseio por um passado semimítico de comunidades locais livres e produtores estritamente independentes sem o estorvo da opressão do capital industrial ou da centralização do Estado burguês. O "pai" do anarquismo, Pierre-Joseph Proudhon, era a encarnação clássica dessa atitude, com seu ódio feroz não só ao Estado e aos grandes capitalistas como ao coletivismo em todas as suas formas, incluindo os sindicatos, as greves e expressões similares de coletividade da classe operária. O ideal de Proudhon, contra todas as tendências que se desenvolviam na sociedade capitalista, era uma sociedade "mutualista" fundada na produção artesanal individual e unida pelo livre intercâmbio e o livre crédito " [6].
Também em "Anarquismo e comunismo: Carta aberta aos militantes do Comunismo de Conselhos (Esquerda comunista libertária)", redigido em 2002, dizíamos: "Na gênese do anarquismo o que se expressa é o ponto de vista do operário recém proletarizado e que rechaça com todas as suas forças a proletarização. Esses operários, recém saídos do campesinato e do artesanato, geralmente metade operários metade artesãos (no caso dos relojoeiros do Jura Suíça) expressavam a nostalgia do passado diante do drama que para eles era ter caído na condição operária. Sua aspiração social era que fosse dada marcha a ré à roda da história No miolo dessa concepção está a nostalgia da pequena propriedade. Por isso é que, seguindo Marx, nós analisamos o anarquismo como a expressão da penetração da ideologia pequeno burguesa no proletariado." [7]
Dito em outras palavras, reconhecemos que, desde seu nascimento, o anarquismo se caracteriza por um profundo sentimento de revolta contra a barbárie da exploração capitalista, porém, também, que herda a visão dos "artesões, comerciantes, granjeiros,..." que fora sua origem. Isto não significa absolutamente que, hoje, todos os grupos anarquistas sejam "pequenos burgueses". É evidente que a CNT-AIT, o KRAS [8] estão animados pela chama revolucionária da classe operária. Indo mais longe ainda, ao largo dos séculos XIX e XX numerosos operários abraçaram a causa anarquista e lutaram autenticamente pela abolição do capitalismo e a chegada do comunismo, desde Louise Michel a Durruti, passando por outros como Volin ou Malatesta. Inclusive, durante a onda revolucionária de 1917, grande número de anarquistas formaram, nas fileiras operárias, batalhões dos mais combativos.
Sempre houve no movimento anarquista uma batalha contra a tendência originária de se deixar influenciar pela ideologia da pequena burguesia radicalizada. Por isso, em parte, é que há profundas divergências entre anarquistas individualistas, mutualistas, reformistas, comunistas nacionalistas e comunistas internacionalistas (só os últimos pertencem realmente ao campo revolucionário). Porém inclusive os anarquistas internacionalistas sofrem a influência das raízes históricas do seu movimento. Esta é a causa da sua tendência a substituir a "luta da classe operária" pela "resistência popular autônoma", por exemplo.
Para a CCI é uma responsabilidade expor honestamente à luz do dia todos esses desacordos para contribuir da melhor maneira ao fortalecimento geral do campo revolucionário. De igual maneira, que deve ser uma responsabilidade dos anarquistas internacionalistas expressarem suas críticas ao marxismo. Isso não tem porque ser um obstáculo para desenvolver nossos debates de maneira fraternal nem tem porque ser um freio a futuras colaborações, muito pelo contrário [9].
Todas suas críticas aos anarquistas internacionalistas, a CCI não as dirige do modo que um professor corrige os erros de seu aluno. Entretanto, intervenções em nosso fórum têm se queixado do tom "professoral" da nossa organização. Deixando de lado o gosto por um ou outro estilo literário, entendemos que o que se oculta por trás desses comentários é uma questão teórica. Será que o papel da CCI com respeito a CNT-AIT e em geral o papel da Esquerda comunista com relação ao anarquismo internacionalista é o de "guia" ou de "modelo" ? Será que pensamos ser uma minoria iluminada cuja tarefa é de incutir a verdade, a boa consciência?
Tal concepção estaria em total contradição com a própria tradição da Esquerda comunista. É ligada mais profundamente ao que une os revolucionários comunistas com a sua classe.
Marx nos afirma em uma carta a Ruge: "não vamos ao encontro do mundo de modo doutrinário com um novo princípio: "aqui está a verdade, todos de joelho!" Desenvolvemos novos princípios para o mundo a partir dos princípios para o mundo a partir dos princípios do mundo. Não dizemos a ele: "Deixa de lado esssas tuas batalhas, pois é tudo bobagem; nós é que proferiremos o verdadeiro mote para a luta". Nós apenas lhes mostramos o porquê de ele estar lutando e a consciência é algo de que ele terá de apropriar-se, mesmo que não queira." [10]
Os revolucionários, marxistas ou anarquistas internacionalistas, não se colocam acima da classe operária, mas sãoparte integrante dela, à qual estão unidos por milhares de laços. Sua organização é o produto coletivo do proletariado.
A CCI jamais se considerou uma organização com vocação de impor seu ponto de vista à classe operária ou a outros grupos revolucionários. Assumimos plenamente os seguintes parágrafos do Manifesto comunista de 1848: "Os comunistas não são nenhum partido particular face aos outros partidos operários. Não têm nenhuns interesses separados dos interesses do proletariado todo. Não estabelecem nenhuns princípios particulares segundo os quais queiram moldar o movimento proletário." [11]. Este mesmo princípio é o que Bilan, órgão da Esquerda comunista italiana, manteve vivo em toda sua obra desde o aparecimento do seu primeiro número em 1933: "efetivamente nossa fração se considera parte de um longo passado político, de uma tradição enraizada no movimento italiano e internacional, de um conjunto de posições políticas fundamentais. Porém não faz prevalecer seus predecessores políticos para pedir a adesão às soluções políticas que preconiza para a situação atual. Pelo contrário, convida os revolucionários a submeter à verificação dos acontecimentos as posições que defende atualmente assim como as posições políticas contidas nos seus documentos básicos".
Desde seu nascimento, nossa organização tenta cultivar este mesmo estado de espírito quanto à abertura e essa mesma vontade de debater. Assim já em 1977, escrevemos:
"Nas nossas relações com [os outros grupos revolucionários] próximos a CCI, mas exteriores, nossa intervenção é clara; tentamos estabelecer com eles uma discussão fraternal e aprofundada sobre as diferentes questões com às quais se defronta a classe operária."
"Não poderemos assumir realmente nossa função (...) com respeito a eles se não formos ao mesmo tempo capazes:
Para nós, trata-se de uma norma de conduta. Estamos convencidos da validade das nossas posições (embora abertos a uma crítica fundamentada), porém não as consideramos como "a solução para os problemas do mundo". Para nós, se trata de um aporte ao debate coletivo da classe operária. Por isso é que concedemos uma importância muito particular à cultura do debate. Em 2007, a CCI dedicou todo um texto de orientação somente a esse tema: "A cultura do debate: uma arma da luta da classe": "Se as organizações revolucionárias querem cumprir seu papel fundamental de desenvolvimento e de extensão da consciência de classe, a cultura da discussão coletiva, internacional, fraterna e pública é absolutamente essencial" [13]
Portanto, o leitor atento terá percebido que todas as citações contêm também a idéia da necessidade de debater, a afirmação de que a CCI deve defender firmemente suas posições políticas. Não se trata de uma contradição. Querer discutir abertamente não significa acreditar que todas as idéias são iguais, que todas as posições têm validade. Como assinalávamos em nosso texto de 1977: "Longe de se excluírem, firmeza nos princípios e abertura na atitude caminham de mãos dadas: não temos medo de discutir, precisamente porque estamos convencidos da validade das nossas propostas."
Tanto no passado como no futuro, o movimento operário teve e terá necessidade de debates francos, abertos e fraternais entre suas diferentes tendências revolucionárias. Esta multiplicidade de pontos de vista e de abordagens será uma riqueza e um aporte indispensável para a luta do proletariado e para o desenvolvimento da sua consciência. Nós reiteramos, porém no interior do território comum dos revolucionários pode haver divergências profundas. Essas devem ser expressas e debatidas na sua totalidade. Não pedimos aos anarquistas internacionalistas que renunciem seus próprios critérios nem ao que consideram ser seu patrimônio teórico; pelo contrário, lhes exortamos vivamente que o exponham com clareza, em resposta às questões que nós colocamos, e que aceitem a crítica e a polêmica, da mesma maneira que nós não consideramos nossas posições como "a última palavra", mas como uma contribuição aberta a argumentos contraditórios. Não dizemos a esses camaradas: "ajoelhe-se diante da superioridade proclamada do marxismo".
Respeitamos profundamente a natureza revolucionária dos anarquistas internacionalistas, sabemos que combateremos ombro a ombro quando os movimentos de lutas massivas se farão presentes; porém defenderemos firmemente e com convicção (desejamos por sua vez ser convincentes) nossas posições sobre a revolução russa e o partido bolchevique, a centralização, o período de transição, a decadência do capitalismo, o papel antioperário do sindicalismo,... Isso não é se colocar numa relação mestre-aluno ou aguardar a que, convertidos, alguns anarquistas se somem as nossas fileiras mas participar plenamente do necessário debate entre revolucionários.
Como vêem, camaradas, este debate "corre o risco" de ser animado e apaixonante!
Concluiremos esta série de três artigos sobre a Esquerda comunista e o anarquismo internacionalista com essas palavras de Malatesta:
CCI, Setembro de 2010
[1] Leia a primeira parte desta série: "O que temos em comum": pt.internationalism.org/ICConline/2010/A_Esquerda_comunista_e_o_anarquismo_internacionalista
[2] Como milhares de marxistas e milhões de proletários em geral também;
[3] Leia a segunda parte desta série: "Sobre as nossas dificuldades para debater e os meios de superá-las [11]"
[4] cnt-ait.info/article.php3?id_article=472&var_recherche=r%E9formisme+marxisme
[5] Trata-se concretamente de uma citação de Rudolf Rocker que a CNT-AIT faz sua.
[6] Em "O comunismo não é um belo ideal, mas uma necessidade material"; Revista Internacional nº102, 2002.
[7] "Anarquismo y comunismo - Carta abierta a los militantes del comunismo de consejos (Izquierda comunista libertaria) [12]"; Ver. Revista Internacional nº102, 2002.
[8] Trata-se da secção na Rússia da AIT com quem mantemos muito boas relações de camaradagem e que temos publicado várias tomadas de posição na nossa imprensa.
[9] Dito isso, durante o debate que temos mantido nesses últimos meses, companheiros anarquistas protestaram, com justiça, contra os termos exagerados que sentenciam definitiva e injustificadamente a respeito do anarquismo. Repassando nossos antigos textos temos encontrado passagens que não escreveríamos hoje. Por exemplo:
[10] Carta de Marx a Ruge, setembro de 1843. In: Marx, K.Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.
[11] Marx e Engels. Manifesto Comunista. Fonte: https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista... [15]
[12] "Os grupos políticos proletários" na Revista Internacional nº11, out/dez 1977
[13] Consultar: Revista Internacional nº 131, 2007. -"La cultura del debate: un arma de la lucha de la clase [16]"
[14] Quando Malatesta escreve este artigo, o partido socialista italiano agrupava também, juntamente com os reformistas, os elementos revolucionários que fundaram o PCI em janeiro de 1921 no congresso de Livorno.
Ligações
[1] https://webgsl.wordpress.com/;
[2] https://proyectoanarquistametropolitano.blogspot.com
[3] https://fr.internationalism.org/node/4256]
[4] https://es.internationalism.org/ap2000s/2009/208_anarguerra]
[5] https://es.internationalism.org/ap2000s/2009/209%3Aanar2]
[6] https://es.internationalism.org/ap/2009/210_anartres]
[7] https://es.internationalism.org/node/2715
[8] https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/A_licao_dos_acontecimentos_na_Espanha_Bilan_36.htm]
[9] https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/As-rupturas_em_reacao_a_degeneracao_do_Trotskismo]
[10] https://es.internationalism.org/rint129cnt]
[11] https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/Sobre_as_nossas_dificuldades_para_debater_e_os_meios_de_supera_las
[12] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200602/773/anarquismo-y-comunismo-carta-abierta-a-los-militantes-del-comunismo
[13] https://es.internationalism.org/node/771
[14] https://fr.internationalism.org/ri321/anarchisme.htm
[15] https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap2.htm
[16] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200711/2088/la-cultura-del-debate-un-arma-de-la-lucha-de-la-clase