A onda de violências e matanças de bandidos, de policiais e de pessoas que não têm nada a ver com os conflitos entre policiais e marginais, continua sacudindo algumas cidades do Brasil. Não é nosso objetivo comentar os eventos, mas tentar colocá-los num quadro mais amplo que não diz respeito só ao Brasil, e também situá-lo em um contexto histórico além do momento atual, o da decomposição do capitalismo, a fase final deste sistema.
A grande São Paulo é a que foi mais foi afetada: "260 pessoas assassinadas nos últimos 40 dias em um pico de violência que se alastrou pela capital e pela região metropolitana de São Paulo" [1]. Mas outras cidades, como Florianópolis onde a criminalidade é geralmente muito mais baixa, também foram atingidas pela onda de violência.
A amplitude da violência é inquestionável, como também suas consequências sobre a população: "A polícia está matando e os criminosos também. É uma guerra a que estamos assistindo todos os dias pela TV", disse Marcos Fuchs, diretor da ONG Conectas Direitos Humanos. "E quem sofre com tudo isso é a população" [2]. Para a população empobrecida por todas as consequências da crise, é uma calamidade a mais.
Entre as explicações mais radicais, encontram-se algumas culpando o sistema penitenciário que cria criminosos em lugar de favorecer a reinserção social. Mas o próprio sistema penitenciário é produto da sociedade e é feito à sua imagem e semelhança. Na realidade, nenhuma reforma, do sistema penitenciário ou de qualquer outra instituição, poderá conter o fenômeno do banditismo e da repressão policial, e, portanto da violência sob qualquer forma. O problema maior é que isso só vai piorar com o agravamento da crise mundial deste sistema. É fácil constatar isso a nível do Brasil. Há trinta anos, a São Paulo que aparece hoje como a capital do crime era vista como uma cidade relativamente tranquila deste ponto de vista.
O fenômeno está longe de ser uma especificidade brasileira. É só dar uma olhada para o México para perceber isso. Lá os grupos mafiosos e o próprio governo, na guerra que travam, arregimentam elementos dos setores mais pauperizados. Os confrontos entre estes grupos, que atiram indistintamente na população, deixam mortas centenas de vítimas que governo e as máfias chamam de "efeitos colaterais". O que está acontecendo hoje no México é um fenômeno que diz respeito a muitos países, especialmente da América latina: as máfias se aproveitam da miséria para fazer frutificar suas atividades ligadas à produção e o comércio da droga; em particular ao inserir camponeses pobres na produção da droga como foi o caso da Colômbia nos anos 1990. O conchavo entre as máfias e as instituições estatais permite às primeiras "proteger seus investimentos" e sua atividade em geral. No México, segundo estimativas, as máfias do narcotráfico empregam um número de pessoas superior em 25% aos empregados do McDonald’s no mundo inteiro.
Hoje em dia, a droga se tornou um novo setor da economia capitalista. Isso significa que a exploração existe nele como em qualquer outra atividade econômica. Mas, além disso, as condições de ilegalidade fazem com que a concorrência e a guerra pela conquista dos mercados tomam formas muito mais violentas. No México, desde 2006, quase 60 000 pessoas foram mortas, tanto por balas das unidades da máfia, quanto do exército oficial. Uma grande parte desses mortos resulta da guerra entre cartéis da droga, mas isso não diminui em nada a responsabilidade do Estado, seja qual argumento usado por este. Com efeito, cada grupo mafioso nasce sob a proteção de uma fração da burguesia.
Na realidade, o fenômeno da violência como o exemplificamos no Brasil ou México é um fenômeno mundial que não poupa nem a América do Norte nem a Europa.
Quando insistimos muito sobre o banditismo, obviamente não é para fazer dele um problema em si diante do qual existiria um remédio específico. Vamos ver que seu desenvolvimento vai de ombreado com o desenvolvimento de outros males sociais cuja amplitude e gravidade chegam até a constituir uma ameaça em grande escala para a vida das populações.
Nenhuma região do mundo é poupada por estas e as primeiras vítimas são geralmente trabalhadores. A causa destas não é o desenvolvimento industrial em si, mas o desenvolvimento industrial nas mãos do capitalismo em crise, onde tudo deve ser sacrificado aos objetivos da rentabilidade para enfrentar a guerra comercial mundial. Alguns exemplos:
Mas esses tipos de desastres foram quase ocultados pela sombra mórbida do desastre nuclear de Fukushima cuja gravidade superou Chernobyl (um milhão de mortes "reconhecido" entre 1986 e 2004). Na verdade, a burguesia é diretamente responsável pela magnitude mortal de Fukushima. Para os fins da produção, o capitalismo concentrou populações e indústrias de forma delirante. O Japão é uma caricatura desse fenômeno histórico: dezenas de milhões de pessoas estão reunidas numa pequena faixa de terra especialmente propensa a terremotos e, portanto, a tsunamis. Obviamente, as construções antitorremoto foram construídas para os edifícios mais ricos e de escritório; concreto simples teria sido suficiente para proteger de tsunami mas a classe trabalhadora, no entanto, teve que se contentar com casas precárias de madeira em lugares que todo mundo sabia que são altamente perigosos. O Japão é um país exportador e para maximizar o lucro, é melhor construir fábricas perto dos portos. Algumas fábricas também foram arrastadas pelas águas, fazendo que o desastre nuclear se incrementasse com um desastre industrial dificilmente imaginável. Neste contexto, uma crise humanitária afetou um dos centros do capitalismo mundial. Enquanto muitos equipamentos e infraestruturas estavam fora de uso, dezenas de milhares de pessoas foram abandonadas a seu destino, sem comida e sem água.
Certamente, não se pode culpar o capitalismo de estar na origem de um terremoto, um furacão ou da seca. No entanto, pode-se culpá-lo pelo fato de que todos estes cataclismos ligados a fenômenos naturais se tornam desastres sociais imensos, tragédias humanas enormes. Assim, o capitalismo tem forças tecnológicas que lhe permitem enviar homens à Lua, produzir armas monstruosas, capazes de destruir dezenas de vezes o planeta, mas ao mesmo tempo não cria os meios de proteger as populações do mundo expostas a desastres naturais. Isso poderia ser feito ao se construir represas, desviando rios, construindo casas que possam suportar terremotos ou furacões. Eis algumas ilustrações do fenômeno:
Se não fossem bem conhecidas, deveria-se falar também aqui das consequências da permanência do capitalismo em crise sobre o meio ambiente, consequências que poderiam se tornar letais para a humanidade.
Estas tragédias evidenciam a falência total do modo de produção capitalista que entrou, com a Primeira Guerra Mundial, na sua fase de decadência. Esta entrada em decadência significa que, após um período de prosperidade, durante o qual foi capaz de realizar um salto gigantesco nas forças produtivas e nas riquezas da sociedade através da criação e unificação do mercado mundial, este sistema alcançou, desde o início do século XX, seus próprios limites históricos. Resultado: duas guerras mundiais, a crise de 29 e novamente a crise aberta no final dos anos 1960, que desde então não deixa de mergulhar o mundo na pobreza.
O capitalismo decadente é a crise permanente, insolúvel, deste sistema que, por si só, constitui um enorme desastre para a humanidade, como o expressa em particular o fenômeno de pauperização crescente de milhões de seres humanos reduzidos à indigência, à extrema pobreza. A incapacidade do capitalismo decadente em integrar enormes massas sem trabalho no processo de produção não afeta apenas os países atrasados. No coração dos Estados desenvolvidos, a grande miséria na qual estão mergulhados dezenas de milhões de trabalhadores, cada dia revela mais a podridão deste sistema.
Ao se prolongar, a agonia do capitalismo dá uma nova qualidade às manifestações extremas da decadência: dá origem ao fenómeno de decomposição do sistema, um fenómeno visível nas últimas três décadas.
Esta decomposição não se limita apenas ao fato de que o capitalismo - apesar de sua tecnologia desenvolvida - encontra-se cada vez mais submetido às leis da natureza, na incapacidade de controlar os meios que utilizou para seu próprio desenvolvimento.
Esta decomposição atinge não só as bases econômicas do sistema, mas também se expressa em todos os aspectos da vida social, através de uma decomposição dos valores ideológicos da classe dominante. Estes valores, ao continuar seu declínio, carregam com eles um colapso de qualquer valor que permita a vida social.
Isso se pode constatar através de uma série de fenômenos:
A decomposição do capitalismo reflete a imagem de um mundo sem futuro, um mundo à beira do abismo, que tende a se impor à toda sociedade. É o reino da violência, do "cada um por si", que gangrena toda a sociedade, e particularmente suas camadas menos favorecidas, com o seu cotidiano de desespero e destruição: desempregados que cometem suicídio para escapar da pobreza, crianças sendo estupradas e assassinadas, idosos torturados e vítimas de latrocínio.
Enquanto, no passado, as relações sociais como também as relações de produção de uma nova sociedade em gestação podiam eclodir no seio da sociedade anterior em colapso (como era o caso para o capitalismo que pôde se desenvolver dentro da sociedade feudal em declínio), isto já não é mais possível hoje. A única alternativa possível só pode ser a construção, nas ruínas do sistema capitalista, de outra sociedade - a sociedade comunista - que poderá trazer uma plena satisfação das necessidades humanas graças a um florescer e uma dominação real das forças produtivas, que as leis do capitalismo faz impossíveis.
Até agora, os combates de classe que, durante quarenta anos, se desenvolveram em todos os continentes, foram capazes de impedir o capitalismo decadente de impor sua própria resposta ao impasse de sua economia: a explosão da última expressão de sua barbárie, uma nova guerra mundial. Porém, o proletariado ainda não é capaz de afirmar, através de lutas revolucionárias, a sua própria perspectiva.
Vivemos uma situação de impasse momentânea em que nem a alternativa burguesa, nem a alternativa proletária conseguem se afirmar abertamente. É justamente esta situação de impasse que constituiu a origem do fenômeno de decomposição da sociedade capitalista, que explica o extremo grau alcançado pela barbárie própria da decadência do capitalismo. E esta decomposição está para se ampliar mais ainda com o agravamento inexorável da crise econômica.
Frente à gravidade desta situação de apodrecimento do capitalismo, os revolucionários têm que alertar o proletariado contra o risco de destruição que o ameaça hoje. Na sua intervenção, eles têm que chamar a classe trabalhadora a achar em toda essa podridão que ela sofre diariamente, além dos ataques econômicos contra todas suas condições de vida, uma razão adicional, uma maior determinação para desenvolver e forjar sua unidade de classe.
As lutas atuais do proletariado mundial para a sua unidade e solidariedade de classe constituem a única perspectiva de esperança em meio deste mundo em apodrecimento total. Só elas são capazes de prefigurar algum embrião de comunidade humana. Da generalização internacional destes combates, poderão finalmente brotar as sementes de um novo mundo e poderão surgir novos valores sociais.
(29/11/2012)
[2] BBC Brasil. Na realidade, se pode dizer com mais detalhes: "policiais militares tenham se organizado em grupos de extermínio para agir sem fardas para não prejudicar a imagem da PM. (...) Esses grupos estariam realizando ações para matar indiscriminadamente criminosos, usuários de drogas e pessoas que frequentam os mesmos ambientes que os criminosos - em um ciclo de retaliação às mortes de colegas."