A fim de estimular a discussão sobre a formação do futuro partido mundial da revolução, publicamos abaixo dois capítulos de um artigo na Internationalisme no. 7 de janeiro de 1946, intitulado "À propos du 1er congrès du Parti communiste internationaliste d'Italie" (Sobre o Primeiro Congresso do Partido Comunista Internacionalista da Itália). A revista Internationalisme era o órgão teórico da Fração Francesa da Esquerda Comunista (Fraction Française de la Gauche Communiste), ou seja, o grupo mais claro politicamente no período imediatamente após a Segunda Guerra Mundial. No final de 1945, a Fração transformou-se na Esquerda Comunista da França (Gauche Communiste de France) para evitar confusão com uma cisão formada por militantes franceses que a haviam abandonado e que tinham tomado o mesmo nome (FFGC- bis).
Este artigo desenvolve, a partir das lições da degeneração da Terceira Internacional, os critérios que devem reger a constituição de um futuro partido mundial. Os dois capítulos publicados nosso site em português - o primeiro "A Fração de Esquerda" e o sexto "Método de Formação do Partido" - oferecem uma visão geral das questões políticas que surgiram a partir da fundação da Terceira Internacional com uma argumentação coerente. São como uma ponte entre o período do primeiro pós-guerra e o do segundo, baseados na avaliação feita pela Fração Italiana nos anos 30, enquanto os outros capítulos são bastante dedicados à polêmica com posições e correntes mais específicas dos anos 40, como o RKD (Revolutionäre Kommunisten Deutschlands, ex-trotsquistasaustríacos) e Vercesi (estes capítulos também são muito interessantes, e tentaremos traduzi-los mais tarde).
Resumindo brevemente, os critérios para a fundação do Partido são, por um lado, um caminho aberto para a retomada da luta ofensiva do proletariado e, por outro, a existência de uma sólida base programática para o novo Partido.
Naqueles anos, após a reunião do primeiro congresso do Partido Comunista Internacionalista da Itália em Turim, no final de dezembro de 1945, a CGF considerou que a primeira condição tinha sido cumprida: um novo rumo favorável. Portanto, com base nisso, saúda a transformação da Fração de Esquerda Italiana "dando à luz o novo Partido do Proletariado" (capítulo "A Fração de Esquerda"). Mas, um pouco mais tarde, em 1946, a GCF percebeu que o período da contrarrevolução não tinha terminado e que, portanto, as condições objetivas para a formação do Partido não existiam. Deixou, portanto, de publicar sua revista de agitação L'Étincelle ( A centelha ), acreditando que a perspectiva de uma retomada histórica da luta de classes não estava em pauta. A última publicação de L'Étincelle data de novembro de 1946.
Além disso, o GCF critica severamente o método usado para formar o partido italiano, "adicionando correntes e tendências" sobre uma base programática heterogênea (capítulo "Método de Formação do Partido"), da mesma forma que criticou (no mesmo capítulo) o método de formação da IC, fazendo uma "amálgama em torno de um programa deliberadamente inacabado" e oportunista[1], voltando assim suas costas para o método de construção do Partido Bolchevique.
O mérito do artigo da Internationalisme é que ele insistiu no rigor necessário no programa, um rigor ausente no partido recém-formado na Itália. O artigo, escrito cerca de 25 anos após a fundação do Comintern, e algumas semanas após o congresso do PCInt é, sem dúvida, a crítica mais consistente do método do Partido Bolchevique de fundar a Internacional Comunista. A Internationalisme foi também a única publicação do então movimento de esquerda comunista que destacou o método oportunista do PCInt.
A GCF é, neste sentido, um exemplo de continuidade com o método de Marx e Engels quando o Partido Social Democrata Alemão foi fundado em Gotha em 1875 (ver Crítica ao Programa de Gotha), um método que rejeitou as bases confusas e oportunistas sobre as quais o SAPD foi fundado[2]. Continuidade também com a atitude de Rosa Luxemburgo em relação ao oportunismo do revisionista Bernstein na social democracia alemã 25 anos depois, mas também continuidade com a atitude de Lênin em relação aos mencheviques no que diz respeito aos princípios organizativos. Finalmente, continuidade com a atitude de Bilan em relação ao oportunismo da corrente trotskista durante a década de 1930. Foi graças a esta intransigência na defesa de posições programáticas e princípios organizativos que as pessoas das correntes trotskistas (como a RKD) foram capazes de se orientar para a defesa do internacionalismo durante e após a Segunda Guerra Mundial. Portanto, manter a bandeira do internacionalismo elevada contra os "partisanos", defender a intransigência contra o oportunismo era uma condição para que as forças internacionalistas encontrassem uma bússola política.
Nesta apresentação devemos especificar uma formulação sobre a luta do Spartakusbund (Liga Espártaco) durante a Primeira Guerra Mundial. O artigo diz no capítulo 6: "A experiência de Spartakusbund é esclarecedora a este respeito. Sua fusão com os Independentes não levou, como esperado, à criação de um partido de classe forte, mas terminou na asfixia de Spartakusbund pelos Independentes e no enfraquecimento do proletariado alemão. Rosa Luxemburgo, antes de ser assassinada, e outros líderes da Spartakusbund pareciam ter percebido este erro de fusão com os Independentes e tentaram corrigi-lo. Mas esse erro não só foi mantido pela IC na Alemanha, como se tornou o método praticado, imposto pela IC, em todos os países para a formação de partidos comunistas." Não é verdade que teria havido uma fusão entre a Spartakusbund e a USPD. O USPD foi fundado pelo SAG (Sozialistische Arbeitsgemeinschaft, Grupo de Trabalho Socialista); o grupo "Die Internationale" (Spartakusbund) passou a fazer parte dele. Mas não se tratou de uma fusão enquanto tal, uma vez que tal implicaria na dissolução da organização resultante da fusão. De fato, os espartaquistas mantiveram sua independência organizativa e sua capacidade de ação enquanto perseguiam o objetivo de atrair a esquerda daquela formação para suas posições. Muito diferente foi o método da IC através da fusão de diferentes grupos num único partido, "abandonando" a seleção necessária a uma "adição", "sacrificando princípios por causa da quantidade".
Um erro factual também deve ser corrigido neste artigo. Diz-se: "Na Inglaterra, a IC vai forçar os grupos comunistas a se juntar ao Partido Trabalhista Independente para formar uma oposição revolucionária maciça dentro desse partido reformista". Na realidade, o que a IC exigiu era nada menos do que a pura e simples integração dos comunistas no Partido Trabalhista. Este erro menor não altera a substância do argumento da Internationalisme.
(14 de maio de 2019)
No final de 1945 foi realizado o Primeiro Congresso do recém-formado Partido Comunista Internacionalista da Itália.
Este novo Partido do proletariado não surgiu espontaneamente do nada. É o resultado de um processo que começa com a degeneração do antigo Partido Comunista e da Internacional Comunista. Esta degeneração oportunista deu origem dentro do próprio partido à resposta histórica da classe: a Fração de Esquerda.
Como todos os partidos comunistas formados depois da Primeira Guerra Mundial, o Partido Comunista da Itália foi composto por correntes oportunistas e correntes revolucionárias no momento de sua formação.
A vitória revolucionária do proletariado russo e do Partido Bolchevique de Lênin, em outubro de 1917, através de sua influência decisiva sobre o movimento operário internacional, acelerou o processo, concluindo-o e precipitando a diferenciação organizativa e política e a delimitação entre revolucionários e oportunistas vivendo lado a lado nos velhos partidos socialistas da Segunda Internacional. A guerra de 1914 quebrou essa unidade impossível que existia nos antigos partidos.
A Revolução de Outubro teve de acelerar a constituição dos novos partidos do proletariado. Mas esta influência positiva da Revolução de Outubro também continha elementos negativos.
Ao acelerar a formação de novos partidos, impediu-se que a construção se desse com base em princípios e num programa revolucionário claro. Estes só podem ser elaborados após uma luta política franca e inflexível para eliminar as correntes oportunistas e os remanescentes da ideologia burguesa.
Uma vez que um programa da revolução não tinha sido concluído, os antigos partidos comunistas, construídos muito precipitadamente com base numa ligação sentimental à Revolução de Outubro, ofereceram demasiadas fendas à penetração do oportunismo nos novos partidos do proletariado.
Além disso, a IC e os partidos comunistas dos diferentes países verão, desde sua fundação, como a luta entre revolucionários e oportunistas ressurge novamente. A luta ideológica (que deveria ter sido feita previamente e deveria ter sido a condição para a construção do partido, que só pode ser protegida da gangrena oportunista através da formulação de princípios e da construção do programa) só teve lugar depois da constituição dos partidos. Na verdade, os velhos partidos comunistas não só introduziram a semente do oportunismo em seu meio por causa de sua própria constituição, mas também tornaram mais difícil para as correntes revolucionárias lutar contra o oportunismo sobrevivente e camuflado dentro do próprio novo partido. Cada derrota do proletariado, ao modificar a relação de forças entre as classes contra o proletariado, promoveu inevitavelmente o fortalecimento de posições oportunistas no Partido, o que por sua vez se tornou um fator adicional nas derrotas subsequentes do proletariado.
Se o desenvolvimento da luta entre as correntes do Partido rapidamente alcançou um nível tão grande de agudeza, isso se deve ao período histórico em que vivemos. A revolução proletária saiu das esferas da especulação teórica. De ser ontem um ideal distante tornou-se hoje um problema de atividade prática e imediata.
O oportunismo já não se manifesta mais em elucubrações teóricas livres que atuam como um lento veneno nos cérebros dos proletários. No atual momento de aguda luta de classes, o oportunismo tem repercussão imediata e é pago com milhões de vidas proletárias e derrotas sangrentas da Revolução. O oportunismo que emergiu e se fortaleceu na IC e em seus partidos foi o truque e principal auxiliar do capitalismo contra a revolução para ser a extensão do inimigo de classe dentro do órgão tão decisivo do proletariado.
Os revolucionários não poderiam se opor ao Partido se não consolidando sua Fração e proclamando a luta aberta e mortal contra ele. A constituição da Fração significa que o Partido se tornou o palco onde as expressões das classes opostas e antagônicas se confrontam.
Significava o grito de guerra dos revolucionários para salvaguardar o Partido de e para a classe, contra o capitalismo e seus agentes oportunistas e centristas, que tendiam a tomá-lo e a transformá-lo em um instrumento contra o proletariado.
A luta entre a Fração Comunista da Esquerda e as frações central e de direita pelo Partido não é uma luta pela direção”do aparelho, mas essencialmente programática; é um aspecto da luta geral entre revolução e contrarrevolução, entre o capitalismo e o proletariado.
Esta luta segue o curso objetivo das situações, mudanças no equilíbrio de poder entre as classes e é condicionada por elas.
A única alternativa é: ou o programa da Fração de Esquerda triunfa e o oportunismo é eliminado, ou, se não, é a traição aberta do Partido posto a serviço do capitalismo que vence. Mas qualquer que seja o resultado dessa alternativa, o surgimento da Fração significa que a continuidade histórica e política da classe passou definitivamente do Partido para a Fração e que esta é a única que, desde então, expressa e representa a classe.
Da mesma forma que o antigo Partido só podia ser salvo pelo triunfo da Fração; assim como a alternativa à traição do antigo Partido, que determinou seu curso irremediável sob a direção do centrismo, o novo Partido de classe só pode ser formado sobre as bases programáticas da Fração.
A continuidade histórica da classe é realizada através da sucessão Partido-Fração-Partido. Esta é uma das noções fundamentais da Esquerda Comunista Internacional. Esta posição foi durante muito tempo um postulado teórico. A formação do PCInt italiano e seu Primeiro Congresso confirmam historicamente a exatidão deste postulado.
A Fração da Esquerda Italiana, depois de 20 anos de luta contra o centrismo, completou sua função histórica transformando-se e dando origem ao novo Partido do Proletariado.
(...)
Embora seja verdade que a constituição do Partido é determinada por condições objetivas e não pode ser o resultado da vontade individual, o método usado para tal constituição depende mais diretamente de um "subjetivismo" dos grupos e militantes que participam dela. São eles que sentem a necessidade da constituição do Partido e a traduzem em suas ações. O elemento subjetivo também se torna um fator determinante no processo e o segue; e fornece uma orientação para o desenvolvimento futuro do Partido. Sem cair no fatalismo impotente, seria muito perigoso ignorar as graves consequências do modo como os homens desempenham e realizam as tarefas cuja necessidade objetiva se deram conta.
A experiência nos ensina a importância decisiva do problema do método de formação do Partido. Só os ignorantes ou os desmiolados, aqueles para quem a história começa apenas com sua própria atividade, podem se dar ao luxo de ignorar toda a rica e dolorosa experiência da Terceira Internacional. E não é menos grave do que ver militantes muito jovens, que mal entraram no movimento operário e na Esquerda Comunista, não só se contentarem com a sua ignorância e a ela se acomodarem, mas fazer dela a base da sua arrogância pretensiosa.
O movimento operário após a primeira guerra mundial imperialista está em estado de extrema divisão. A guerra imperialista quebrou a unidade formal das organizações políticas que se reivindicam do proletariado. A crise do movimento operário, que já existia antes, atingiu seu auge por causa da guerra mundial e das posições que tiveram que ser adotadas em resposta a ela. Todos os partidos e organizações anarquistas, sindicais e marxistas foram violentamente abaladas. As divisões se multiplicaram. Novos grupos surgiram. Houve uma delimitação política. A minoria revolucionária da Segunda Internacional representada pelos bolcheviques, a esquerda alemã de R. Luxemburgo e os tribunistas holandeses, já de per si não muito homogênea, deixou de estar diante de um bloco oportunista, porque entre ela e os oportunistas havia um arco-íris de grupos e tendências políticas mais ou menos confusos, mais ou menos centristas, mais ou menos revolucionários, que representavam um deslocamento geral das massas que se separavam da guerra, rompendo com a união sagrada, com a traição dos velhos partidos socialdemocratas. Assistimos então ao processo de liquidação dos antigos partidos, cujo colapso deu origem a uma multiplicidade de grupos. Esses grupos não eram tanto a expressão do processo de formação do novo Partido, mas sim o processo de deslocamento, liquidação e morte do antigo Partido. Esses grupos certamente continham elementos para a formação do novo Partido, mas não eram de modo algum a base para tal formação. Essas correntes expressavam essencialmente a negação do passado e não a afirmação positiva do futuro. A base do novo Partido de classe não foi outra senão a da velha esquerda e seu trabalho crítico e construtivo, nas posições teóricas, nos princípios programáticos que elaborou durante os 20 anos de sua existência e sua luta fracionária dentro do antigo Partido.
A revolução de outubro de 1917 na Rússia despertou entusiasmo entre as massas e acelerou o processo de liquidação dos antigos partidos da traição. Ao mesmo tempo, levantou, de forma ardente, o problema da constituição do novo Partido e da nova Internacional. A velha esquerda, os bolcheviques, os espartaquistas, foram dominados pelo rápido desenvolvimento da situação objetiva, pelo impulso revolucionário das massas. Sua precipitação na construção do novo Partido correspondeu e foi o resultado da precipitação dos eventos revolucionários no mundo. É inegável que uma das causas históricas da vitória da revolução na Rússia e sua derrota na Alemanha, Hungria e Itália reside na existência do Partido revolucionário no momento decisivo daquele país e na sua ausência ou inexistência nestes últimos. Por isso, os revolucionários tentaram preencher a lacuna entre a maturidade da situação objetiva e a imaturidade do fator subjetivo (a ausência do Partido) através de uma ampla confluência de grupos e correntes politicamente heterogêneas, proclamando tal agrupamento como um novo Partido.
O método "estreito" (seleção baseada nos princípios mais precisos, sem olhar os sucessos numéricos imediatos) tinha permitido aos bolcheviques construir o Partido que, no momento decisivo, foi capaz de integrar em seu seio e assimilar todas as energias revolucionárias e militantes das outras correntes e, finalmente, levar o proletariado à vitória. O método "amplo", por outro lado, preocupado sobretudo em reunir imediatamente o maior número de membros à custa de precisão programática e de princípios, acabaria por conduzir à constituição dos partidos de massas, gigantes com pés de barro que acabariam caindo, diante da primeira derrota, nas mãos do oportunismo. A formação do Partido de classe é infinitamente mais difícil nos países capitalistas avançados - onde a burguesia sabe mil maneiras de corromper a consciência do proletariado - do que na Rússia.
A IC acreditava que podia contornar as dificuldades recorrendo a métodos diferentes daquele que tinha ganho na Rússia. A construção do Partido não é um problema de habilidades, mas essencialmente um problema de solidez programática.
Contra a maior força ideológica corruptora do capitalismo e seus agentes, a única coisa que o proletariado pode opor é uma maior severidade e intransigência dos princípios de seu programa de classes. Por mais lento que o caminho para a construção do Partido possa parecer, os revolucionários não têm outro, como a experiência tem mostrado, a não ser o que queiram ir em direção à falência.
A experiência de Spartakusbund é esclarecedora sobre esse assunto. Sua fusão com os Independentes não levou, como eles esperavam, à criação de um Partido de classe forte, mas terminou na asfixia de Spartakusbund pelos Independentes e no enfraquecimento do proletariado alemão. Rosa Luxemburgo, antes de ser assassinada, e outros líderes da Spartakusbund pareciam ter percebido este erro de fusão com os Independentes e tentaram corrigi-lo. Mas esse erro não só foi mantido pela IC na Alemanha; se tornou o método praticado, imposto pela IC, em todos os países para a formação de partidos comunistas.
Na França, a IC vai "fazer" um partido comunista através da fusão e união de grupos impostos de sindicalistas revolucionários, grupos internacionalistas do Partido Socialista e a tendência centrista, corrupta e podre dos parlamentares, liderados por Frossard e Cachin.
Na Itália, a IC também exigirá que a Fração Abstencionista de Bordiga funde uma única organização com as tendências centristas e oportunistas de Ordine Nuovo e Serrati.
Na Inglaterra, a IC vai forçar os grupos comunistas a se juntar ao Partido Trabalhista Independente para formar uma oposição revolucionária de massa dentro desse partido reformista.
Em suma, o método que a IC usará para "construir" os partidos comunistas será o oposto ao método usado e testado na construção do Partido Bolchevique.
Não é mais a luta ideológica em torno do programa, a eliminação progressiva de posições oportunistas que, através do triunfo da coerente Fração Revolucionária, servirá como base para a construção do Partido, mas a soma de diferentes tendências, uma amálgama em torno de um programa deliberadamente inacabado que servirá como base. A seleção será abandonada em favor da soma, e os princípios serão sacrificados em nome da quantidade.
Como poderiam os bolcheviques e Lênin tomar o caminho que eles mesmos condenaram e contra os quais lutaram durante 20 anos na Rússia? Como explicar a mudança no método de formação do Partido para os bolcheviques entre antes e depois de 1917? Lênin não tinha ilusões sobre líderes oportunistas e centristas, sobre a conversão dos Frossards e outros Ledebour para a revolução, sobre o valor dos revolucionários de última hora. Lênin não podia ignorar o perigo representado pela admissão de toda essa escória nos partidos comunistas. Se ele decidiu admiti-los, é porque estava sujeito à precipitação dos eventos, porque acreditava que esses elementos, no próprio desenvolvimento dos eventos, seriam gradual e definitivamente eliminados do Partido. O que permitiu a Lênin inaugurar o novo método foi que ele estava baseado em dois fatos novos que, em sua opinião, ofereciam uma garantia suficiente: a preponderância política do Partido Bolchevique na IC e o desenvolvimento objetivo do curso revolucionário. Desde então, a experiência tem mostrado que Lênin cometeu um erro colossal ao subestimar o perigo de uma degeneração oportunista, sempre possível, de um partido revolucionário e ainda mais favorecido quando a formação do Partido não se baseia na eliminação das tendências oportunistas, mas em camuflá-las, acrescentando-as, incorporando-as como elementos constituintes do novo Partido.
Contra o método "amplo" de agregar, que triunfou na IC, a esquerda recordou energicamente o método de selecionar que era de Lênin antes da Revolução de Outubro. E é um dos maiores méritos de Bordiga e da sua fração ter lutado com a maior energia contra o método da IC e ter destacado o erro do método de formação do Partido e as graves consequências que teve para o desenvolvimento dos partidos comunistas. Se a fração Bordiga finalmente concordou em formar o Partido Comunista da Itália junto com a fração "Ordine Nuovo", o fez submetendo-se à decisão da IC, depois de ter formulado as críticas mais severas e ter mantido suas posições, posições que a fração manteve na esperança de fazê-las triunfar nas crises inevitáveis dentro do Partido e depois de sua própria experiência histórica viva e concreta.
Pode-se dizer hoje [1946] que assim como a ausência de partidos comunistas durante a primeira onda revolucionária de 1918-20 foi uma das causas do seu fracasso, o método de formação dos partidos em 1920-21 foi também uma das principais causas da degeneração dos PCs e da IC.
Não é de se admirar que hoje, 23 anos após a discussão entre Bordiga e Lênin, o mesmo erro seja repetido na própria formação do PCInt da Itália. O método da IC, tão violentamente combatido pela Fração de Esquerda (de Bordiga) e cujas consequências foram catastróficas para o proletariado, é hoje assumido pela própria Fração para a construção da PCInt da Itália.
Muitos camaradas da Esquerda Comunista Internacional parecem estar sofrendo de amnésia política. E, caso se lembrem das posições críticas da esquerda sobre a constituição do Partido, talvez agora pensem que posam superá-las. Eles acreditam que o perigo desse método é circunscrito e até totalmente anuladoporque é aplicado pela Fração de Esquerda, ou seja, o organismo que foi capaz de resistir à degeneração oportunista da IC durante 25 anos. Assim, voltamos a cair nos argumentos dos bolcheviques. Lênin e os bolcheviques também acreditavam que, como eram eles que aplicavam tal método, ele estava garantido. A história demonstra que não há infalibilidade. Nenhum partido, seja qual for o seu passado revolucionário, é imune à degeneração oportunista. Os bolcheviques tinham pelo menos tantos títulos revolucionários a afirmar como a Fração Italiana da Esquerda Comunista. Não só tinham resistido ao oportunismo da Segunda Internacional, à traição da guerra imperialista, não só tinham formado o Partido, como também tinham conduzido o proletariado à vitória. Mas todo esse passado glorioso - que nenhuma outra fração ainda possui - não imunizou o Partido Bolchevique. Cada erro é uma brecha na armadura do Partido através da qual a influência da classe inimiga se infiltra. Os erros têm as suas consequências lógicas.
O Partido Comunista Internacional da Itália foi "construído" através da fusão, a adesão de grupos e tendências politicamente tão opostas entre si como eram a Fração Abstencionista de Bordiga e a "Ordine Nuovo" quando o PC foi fundado em 1921. No novo Partido ocupam seus lugares, em pé de igualdade, a Fração Italiana e a Fração Vercesi, a qual tinha sido excluída por causa de sua participação no Comitê da Coligação Antifascista. Já não se trata apenas de uma repetição do erro metodológico de há 25 anos atrás, mas de uma repetição agravada.
Ao formular nossa crítica ao método de criação do PCInt italiano, simplesmente adotamos a posição da fração italiana, que agora abandona. E assim como Bordiga seguiu Lênin contra o próprio erro de Lênin, tudo o que fazemos é seguir a política de Lênin e Bordiga antes do abandono de suas posições pela Fração Italiana.
O novo Partido não é uma unidade política, mas um conglomerado, uma soma de tendências que inevitavelmente surgirão e colidirão entre si. A trégua atual será muito temporária. A eliminação de uma ou outra corrente é inevitável. Mais cedo ou mais tarde, será necessária uma delimitação política e organizativa. Novamente, como há 25 anos, o problema é: quem sairá vencedor?
Há oitenta anos, um dos acontecimentos mais importantes do século XX chegou ao fim: a guerra na Espanha. Este acontecimento altamente significativo esteve no centro da situação mundial na década de 1930. E permaneceu no centro da atualidade política internacional durante muitos anos. Foi uma prova de fogo para todas as tendências políticas que se apresentavam como proletárias e revolucionárias. Por exemplo, foi na Espanha que o estalinismo pôde ser visto em ação, pela primeira vez fora da URSS, no seu papel de executor do proletariado. Foi também em torno da questão espanhola que houve uma decantação entre as correntes que tinham lutado contra a degeneração e traição dos partidos comunistas nos anos 20: por um lado, aqueles que permaneceram numa posição internacionalista durante a Segunda Guerra Mundial; por outro, aqueles que apoiaram esta carnificina, como a corrente trotskista[1]. E ainda hoje, os acontecimentos de 1936-1939 na Espanha continuam presentes nas posições e na propaganda das correntes que afirmam ser parte da revolução proletária. Este é o caso, em particular, das diferentes tendências do anarquismo e do trotskismo que, além de suas diferenças, concordam que houve uma "revolução" na Espanha em 1936. Uma revolução que, segundo os anarquistas, teria ido muito além da de 1917 na Rússia devido à constituição das "coletivizações" promovidas pela CNT, a confederação sindical anarco-sindicalista. Uma análise que à época foi rejeitada pelas diferentes correntes da esquerda comunista, pela esquerda italiana e também pela esquerda germano holandesa.
A primeira pergunta que devemos responder é: houve uma revolução na Espanha em 1936?
Antes de responder a esta pergunta, temos obviamente de concordar sobre o que queremos dizer com "revolução". Este é um termo que é irritante porque é usado tanto pela extrema esquerda (por exemplo, Mélenchon[2] com sua "Revolução Cidadã") quanto pela extrema direita (a "Revolução Nacional"). Mesmo Macron intitulou "Revolução" o livro em que ele fez seu programa conhecido.
O certo é que, para além de todas as suas interpretações fantasiosas, este term "Revolução" qualifica na história uma violenta mudança de regime político que expressa uma ruptura da relação de forças entre classes sociais que beneficia aqueles que representam progresso para a sociedade. Esses foram os casos da Revolução Inglesa de 1640 e da Revolução Francesa de 1789. Ambos significaram um ataque ao poder político da aristocracia em favor da burguesia.
Ao longo do século XIX, os avanços políticos da burguesia em prejuízo da nobreza representaram um progresso para a sociedade. E isto porque naquela época o capitalismo era um sistema em plena prosperidade, lançado para conquistar o mundo. Mas esta situação mudou radicalmente no século XX. Os poderes burgueses acabaram de dividir o mundo. Qualquer nova conquista, colonial ou comercial, tinha de ser feita atacando os domínios de uma potência rival. Vimos então um aumento do militarismo e um surto de tensões imperialistas que levaram à Primeira Guerra Mundial. Este foi o sinal de que o capitalismo já havia se tornado um sistema decadente e obsoleto. As revoluções burguesas já não têm validade. A única revolução que está na agenda é aquela que deve derrubar o sistema capitalista e estabelecer uma nova sociedade liberada da exploração e da guerra, o comunismo. O ator histórico desta revolução é a classe dos trabalhadores assalariados que produz a maior parte da riqueza social, o proletariado.
Há diferenças fundamentais entre as revoluções burguesas e a revolução proletária. Uma revolução burguesa, ou seja, a tomada do poder político pelos representantes da classe burguesa de um país é o resultado de todo um período histórico durante o qual a burguesia adquiriu peso decisivo na esfera econômica através do desenvolvimento do comércio e técnicas produtivas. A revolução política, isto é, a abolição dos privilégios da nobreza, constitui um passo importante (embora não indispensável) no controle crescente da burguesia sobre a sociedade que lhe permite facilitar e acelerar este processo de controle.
A revolução proletária não se situa de modo algum no final do processo de transformação económica da sociedade, mas, pelo contrário, no início. A burguesia foi capaz de construir ilhotas da economia burguesa no interior da sociedade feudal, as cidades mercantis, as redes comerciais, ilhotas que gradualmente se expandiram e fortaleceram. Mas este não é o caso do proletariado. Não pode haver ilhas de comunismo numa economia mundial dominada pelo capitalismo e pelas relações mercantis. Este era o sonho de socialistas utópicos como Fourier, Saint-Simón ou Owen. Mas, apesar de sua boa vontade e de sua análise muitas vezes muito inteligente das contradições do capitalismo, seus sonhos colidiram e desapareceram diante da realidade da sociedade capitalista. O que é certo é que a primeira etapa da revolução comunista consiste na tomada do poder político pelo proletariado em escala mundial. É graças a este poder político que a classe revolucionária será capaz de transformar gradualmente toda a economia socializando-a, abolindo a propriedade privada dos meios de produção e a troca de mercadorias.
E há duas outras diferenças fundamentais entre as revoluções burguesas e a revolução proletária:
Em 18 de julho de 1936, diante do golpe militar perpetrado contra o governo da Frente Popular, o proletariado se armou. Ele conseguiu derrotar a empresa criminosa liderada por Franco e seus acólitos na maioria das grandes cidades. Aproveitou-se desta situação, da sua posição de força, para atacar o Estado burguês? Um Estado burguês que, desde o estabelecimento da República em 1931, já tinha se distinguido na repressão sangrenta da classe trabalhadora, particularmente nas Astúrias, em 1934, com 3 000 mortos. Absolutamente não!
A resposta dos trabalhadores foi, sem dúvida, inicialmente uma ação coletiva, que impediu o golpe de Estado de triunfar. Mas, infelizmente, a energia dos trabalhadores foi rapidamente canalizada e ideologicamente recuperada pela força mistificadora do "antifascismo" da Frente Popular. Em vez de atacar e destruir o Estado burguês como aconteceu em outubro de 1917 na Rússia, os trabalhadores foram desviados e recrutados para a defesa do Estado republicano. Nesta tragédia, a CNT anarquista, a mais poderosa confederação sindical, de fato desempenhou um papel capital, desarmando os trabalhadores, levando-os a abandonar o terreno da luta de classes para capitular e enganando-os, entregando-os de pés e mãos atados ao Estado burguês. Em vez de atacar o Estado para destruí-lo, como sempre haviam prometido fazer, os anarquistas ocuparam ministérios declarando, pela palavras de Federica Montseny, ministro anarquista do governo republicano: "Hoje, o governo, como instrumento de controle dos órgãos do Estado, deixou de ser uma força de opressão contra a classe trabalhadora, assim como o Estado já não representa uma organização que divide a sociedade em classes. Ambos vão oprimir as pessoas ainda menos agora que os membros da CNT participam neles." Os anarquistas, que se vangloriaram de serem os maiores "inimigos do Estado", foram assim capazes, usando este tipo de retórica, de arrastar os proletários espanhóis para a defesa pura e simples do Estado democrático. A classe trabalhadora foi desviada de seus próprios objetivos políticos para se dedicar a apoiar a facção "democrática" contra a facção "fascista" da burguesia. Isto dá a medida da extensão da falência política, moral e histórica do anarquismo. Sendo a força politicamente dominante na Península Ibérica, o anarquismo mostrou a sua total incapacidade de levar a cabo uma política de classe de emancipação de classe do proletariado. Em vez disso, ele empurrou este último para defender a burguesia democrática, o Estado capitalista. Mas a falência do anarquismo não para por aí. Quando ele afirmou que estava realizando a revolução ao privilegiar "ações locais" como as "coletivizações" de 1936, ele estava realmente prestando um valioso serviço ao Estado burguês:
E se o proletariado tomou as ruas em julho de 1936, menos de um ano depois já estava subjugado pela coalizão de forças políticas republicanas. Em 3 de maio de 1937, ele fez uma última tentativa de se opor a essa submissão. Nesse dia, os "Guardas de Assalto", unidades policiais do Governo da Generalitat de Catalunha, na verdade os instrumentos dos estalinistas que tinham tomado o controle deles, queriam ocupar o edifício da Telefônica em Barcelona, que estava nas mãos da CNT. A parte mais combativa do proletariado respondeu a esta provocação tomando as ruas, levantando barricadas e declarando uma greve quase geral. O proletariado estava bem mobilizado, certamente tinha armas, mas permaneceu, no entanto, sem perspectiva. O Estado democrático permaneceu intacto. Ele sempre esteve presente e na ofensiva e, ao contrário do que os anarquistas queriam fazer crer, não tinha de forma alguma desistido de reprimir as tentativas de resistência proletária. Enquanto as tropas de Franco pararam voluntariamente sua ofensiva na Frente, os estalinistas e o governo republicano esmagaram os mesmos trabalhadores que, em julho de 1936, haviam derrotado o golpe de Estado fascista. Foi nesse momento que Federica Montseny, a mais proeminente ministra anarquista, pediu aos trabalhadores que parassem com a luta, que depusessem suas armas! Então foi uma verdadeira facada nas costas do proletariado, uma verdadeira traição e uma derrota esmagadora. Foi o que a revista Bilan, a publicação da esquerda comunista italiana, escreveu nesta ocasião: "Em 19 de julho de 1936, os proletários de Barcelona, com punhos desarmados, esmagaram o ataque dos batalhões de Franco armados até os dentes. Em 4 de maio de 1937, esses mesmos proletários, armados, deixaram nas ruas muito mais vítimas do que em julho quando tiveram que repelir Franco, e é o governo antifascista (incluindo a CNT-FAI e ao qual o POUM apoia indiretamente) que liberta a escória das forças repressivas contra os proletários.
Na repressão geral que se seguiu à derrota da revolta de Maio de 1937, os estalinistas trabalharam arduamente para eliminar fisicamente os "elementos perturbadores". Foi o caso, por exemplo, do militante anarquista italiano Camilo Berneri, que teve a lucidez e a coragem de fazer uma verdadeira crítica à política da CNT e à ação dos ministros anarquistas em uma "Carta aberta à camarada Federica Montseny".
Dizer que o que aconteceu na Espanha em 1936 foi uma revolução de nível "superior" ao que ocorreu na Rússia em 1917 não só vira as costas à realidade, mas constitui um importante ataque à consciência do proletariado ao evacuar e rejeitar as experiências mais preciosas da revolução russa: especialmente a criação dos Conselhos operários (Sovietes); a destruição do Estado burguês e o internacionalismo proletário, uma vez que esta revolução foi concebida como a primeira fase da revolução mundial e promoveu a constituição da Internacional Comunista. Um internacionalismo proletário que, apesar de suas afirmações, era estranho ao movimento anarquista, como veremos abaixo[5].
O primeiro elemento que nos permite afirmar que a Guerra na Espanha foi apenas um prelúdio para a Segunda Guerra Mundial, e não uma revolução social, é a própria natureza da luta entre as diferentes frações burguesas do Estado - republicanos e fascistas - e entre as nações. O nacionalismo da CNT levou-a a apelar explicitamente a uma guerra mundial para salvar a "nação espanhola": "A Espanha livre cumprirá o seu dever. E perante esta atitude heroica, o que farão as democracias? É de esperar que o inevitável não se prolongue por muito tempo. A atitude provocadora e rude da Alemanha já está se tornando insuportável. (...). Todos sabem que, em última análise, as democracias terão de intervir com os seus esquadrões e exércitos para bloquear o caminho destas hordas de loucos...". (Solidariedade dos Trabalhadores, jornal CNT, 6 de janeiro de 1937, citado por Revolução Proletária No. 238, janeiro de 1937). As duas facções burguesas em luta procuraram imediatamente apoio externo: não só houve uma intervenção militar maciça por parte dos Estados fascistas que trouxe a aviação e um exército blindado moderno para os franquistas, mas também a URSS se envolveu muito ativamente no conflito através de seus carregamentos de armas e seus "conselheiros militares". Houve apoio político e da mídia mundial para um ou outro lado da burguesia - exatamente o oposto do que aconteceu na Revolução Russa em 1917, quando não só nenhuma das nações capitalistas a apoiou, mas todas elas se prepararam para isolá-la e combatê-la militarmente, tentando afogá-la em sangue![6]
Uma das ilustrações mais espetaculares do papel desempenhado pela guerra espanhola na preparação para a Segunda Guerra Mundial é a atitude de muitos militantes anarquistas em relação a ela. Assim, muitos deles se envolveram na Resistência, ou seja, na organização que representava o campo imperialista anglo-americano no território francês ocupado pela Alemanha. Alguns até se alistaram no exército regular francês, particularmente na Legião Estrangeira ou na 2ª Divisão Blindada do General Leclerc, o mesmo Leclerc que continuaria sua carreira na guerra colonial indochinesa. É por isso que os primeiros tanques de guerra que entraram em Paris em 24 de agosto de 1944 foram conduzidos por motoristas espanhóis e içaram o retrato de Durruti, o líder anarquista que liderou a famosa "coluna Durruti", e que morreu nos arredores de Madri em novembro de 1936.
Todos aqueles que, mesmo reivindicando a revolução proletária, tomaram o partido da República, do “lado democrático”, fizeram-no em geral invocando o “mal menor” e contra o "perigo fascista". Os anarquistas têm sido os promotores desta ideologia democrática em nome dos seus princípios "antiautoritários". Segundo eles, embora admitam que a "democracia" é uma das expressões do capital, consideram-na um "mal menor" em relação ao fascismo porque, obviamente, é menos autoritário. Mas isso é cegueira total! A democracia não é um "mal menor". Pelo contrário! Precisamente porque é capaz de criar mais ilusões do que regimes fascistas ou autoritários, constitui a arma de escolha da burguesia contra o proletariado.
Além disso, a democracia não é abandonada quando se trata de reprimir o proletariado. Foram os "democratas", juntamente com os "socialdemocratas", Ebert e Noske, que assassinaram Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, bem como milhares de trabalhadores, durante a revolução alemã de 1919, abrandando assim a propagação da revolução mundial. Quanto à Segunda Guerra Mundial, as atrocidades cometidas pelo "campo fascista" são bem conhecidas e mediadas, mas as do "campo democrático" não ficam para trás: não foi Hitler quem enviou duas bombas atômicas contra a população civil, mas o "democrata" Truman, presidente da grande "democracia" americana.
E se olharmos para o caso da guerra espanhola, devemos recordar o acolhimento dado pela República Francesa, campeã dos "direitos humanos" e da "Liberté-Égalité-Fraternité", aos 400 000 refugiados que fugiram do território espanhol no Inverno de 1939, no final da guerra civil. A maioria deles foram mantidos como gado nos campos de concentração, rodeados de arame farpado, sob a guarda armada dos gendarmes da democracia francesa[7].
Corrente Comunista Internacional, Junho 2019
[1] Ver nosso livro España 1936: Franco y la República massacran al proletariado [3]
[2] O político francês Mélenchon juntou-se ao Partido Socialista em 1976 para terminar, após outras experiências políticas, como fundador do movimento "La France insoumise".
[4] Veja a série O que são Conselhos operários? [5]
[5] Munis, um revolucionário de origem trotskista que, no entanto, conseguiu durante toda a sua vida manter-se fiel ao proletariado, sustentou essa "teoria": não só que houve uma "revolução" na Espanha, mas que esta teria sido "mais profunda" do que a revolução de 1917 na Rússia. Criticamos esta análise na crítica ao livro JALONES DE DERROTA PROMESAS DE VICTORIA [6] e em ¿Una revolución más profunda que la revolución rusa de 1917? [7]
Na América do Sul, estamos vivenciando uma ofensiva completa dos EUA para subjugar os estados ao sul do Rio Grande à sua coligação imperialista. Diante das tentativas da China de estabelecer posições econômicas e até militares no continente, apoiadas pela Rússia, os EUA fecham suas fileiras e tentam restabelecer a antiga doutrina Monroe de "América para os norte-americanos".
Dois episódios são especialmente significativos nesta ofensiva: o Brasil e a Venezuela.
No Brasil, a ascensão de Bolsanaro, a prisão de Lula, significam claramente que os EUA impõem sua lei, retomam o controle de um Estado que, com os governos Lula e Rousseff, tentou fazer seu próprio jogo imperialista[1].
Quanto à Venezuela, a proclamação - apoiada pelo Estado americano e seus partidários entusiastas (Colômbia, Chile) - de um presidente "alternativo" (Mister Guaidó) representa um claro desafio ao regime de Chávez que há muito se voltou para a China e a Rússia [2].
Esta disputa entre os abutres imperialistas é ideologicamente acompanhada por uma reivindicação dos regimes gorilas que proliferaram nos anos 60 e 70 na América do Sul, o que provoca a reação de seus rivais "democráticos" e esquerdistas que acenam com o "perigo fascista".
Como acontecido inúmeras vezes ao longo dos séculos XX e XXI (séculos de decadência capitalista), os projetos imperialistas sedentos de sangue dos vários capitais nacionais em jogo assumem trajes fortemente mistificadores: fascismo - antifascismo, ditadura - democracia, etc. A realidade, porém, é outra: o ataque às condições de vida, a guerra, a repressão, o crime …. são uma engrenagem infernal do capitalismo em que participam TODOS os regimes de todas as cores.
Diante desse barulho mistificador, o proletariado precisa lembrar o que eram os regimes militares dos anos 60 e 70 e, acima de tudo, afirmar-se em sua autonomia de classe: não escolher entre um suposto "mal menor" (democracia, os "liberais" e os "Progressistas") e um "mal maior" encarnado por fascistas, militares, populistas etc. Para o proletariado e para o futuro da humanidade, tudo é pior.
No contexto da confrontação imperialista entre o bloco americano e o bloco russo, os anos 60 e 70 testemunharam o estabelecimento, na maioria dos países sul-americanos, de ditaduras militares brutais que foram erigidas como bastiões do imperialismo norte-americano em face das tentativas de seu rival russo por estabelecer pontes que expandiriam a posição obtida em Cuba em 1961[3].
Os regimes que foram estabelecidos no Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, etc., exerceram uma ditadura brutal baseada na tortura, repressão e terror generalizado. No contexto do agravamento da crise capitalista, muito acentuada nesses países, as condições de trabalho se deterioraram rapidamente, o desemprego cresceu e logo as lutas operárias eclodiram: as grandes greves na Argentina em 1969 e 1972; Da mesma forma, as grandes lutas no Brasil em 1978-79. Essas lutas faziam parte do renascimento histórico do proletariado que surgiu em 1968 com o maio francês e se estendeu por todo o mundo com experiências como o "Outono quente" italiano (1969) ou as greves bálticas na Polônia (1970)[4].
Nesse contexto, o capital entendeu que era uma prioridade enfrentar a luta operária e que a feroz repressão e o terrorismo de Estado dos militares não eram apenas insuficientes, mas também poderiam ser contraproducentes ao levar o proletariado à luta pela solidariedade e determinação coletiva. Era necessário dividir, enganar e dispersar a luta usando plenamente a arma da democracia, com seus sindicatos e seus partidos que abalam as ilusões eleitorais, enfraquecer a luta dos trabalhadores e finalmente reprimi-la. Na América do Sul, essa orientação foi impulsionada pela presidência de Carter (1976-1980), que levantou a bandeira mistificadora dos "direitos humanos" e gradualmente se traduziu em "mudanças democráticas" que começaram a descartar os regimes dos gorilas como lixo porque inadequados para novas condições. Assim, a "democracia" foi restaurada no Peru em 1980, na Argentina em 1983, no Brasil em 1985 e, mais tarde, em um "plebiscito histórico", o clímax da barbárie militarista Pinochet caiu no Chile em 1988.
Da mesma forma, a restauração da democracia nesses países não foi graças a qualquer boa vontade ou aos "desejos de liberdade" do "povo"; nem ao paternalismo bem pensado dos patrocinadores americanos. Eram uma manobra do capital para equipar-se com ferramentas mais eficazes para enfrentar as lutas dos trabalhadores e desviá-las para becos sem saída da "defesa da democracia", a ilusão vã de que através da pressão ou pressão "popular" poderiam mudar de governo
Quando se faz um balanço hoje, 30 anos depois, se pode compreender que essas "mudanças esperançosas" levaram a uma grande decepção. A miséria não desapareceu, mas piorou consideravelmente. Desemprego ou subemprego são generalizados, a habitação é para milhões de pessoas quatro muros sujos em bairros ultra degradados, repressão é tão brutal ou mais do que com os regimes militares, o crime é galopante e numerosas cidades sul-americanas ou mexicanas estão entre as mais violentas do mundo onde tráfico de drogas, gangues etc., semeiam o terror renovando a barbárie dos militares. Milhões de pessoas são forçadas a emigrar para a Europa ou os Estados Unidos.
Tal é o sinistro balanço que pode ser feito do "renascimento democrático" na América Latina. Sem jamais desaparecer o terror dos latifundiários no campo, os trabalhadores e todos os latino-americanos explorados, passaram da brutalidade arrogante e desavergonhada dos militares à brutalidade hipócrita, disfarçada de consultas eleitorais e promessas cínicas, dos governos democráticos, enquanto a vida tornou-se insuportável, não só pela exploração, desemprego, precariedade, etc., mas também pela barbárie acrescida de gangues de traficantes de droga, etc. que, em combinação com o Estado democrático, aplicam a lei do mais forte nos bairros mais pobres das cidades superpovoadas da América Latina.
Para ressuscitar a fé na democracia, na primeira década do século XXI numerosos governos de esquerda subiram ao poder: Lula e sua “esperança dos pobres” no Brasil, Chávez e sua "revolução bolivariana", Morales na Bolívia, o Sandinismo na Nicarágua, Correa e sua "revolução cidadã" no Equador, a família Kirchner na Argentina, etc.
Não podemos fazer aqui um estudo da decepção monumental e do terrível desapontamento que esses "governos do povo" supunham. Referimo-nos a diferentes artigos que publicamos sobre esse novo engano.[5]
Nos últimos dois anos, os ventos parecem mudar. O governo corrupto de "fragrâncias anti-imperialistas" da família Kirchner na Argentina foi substituído pela extrema direita de Maccri; No Equador, a "revolução cidadã" de Correa deu lugar ao servilismo pró-EUA de Lenin Moreno. Mas a mudança mais brutal ocorreu no Brasil com a eleição de Bolsonaro.O governo Bolsonaro nega que houve uma ditadura entre 1964-85, quer rever a análise condenatória do golpe militar nos livros escolares e até quer que o golpe militar de 31 de março de 1964 seja comemorado como feriado nacional. O governo está cheio de generais que reivindicam abertamente a ditadura militar e o ministério da educação declarou guerra a tudo que cheira a "vermelho".Qual é o propósito dessa "nova política"? Como analisamos no artigo citado na nota 1, o governo Bolsonaro tem amificações populistas e tem forte apoio nos quartéis, no entanto, o motor fundamental de sua entronização tem sido o interesse do imperialismo dos EUA para recuperar o controle de todos os seus "quintais" e neste, Brasil é uma peça fundamental, porque é o país mais industrializado e ao mesmo tempo mais extenso e povoado da América do Sul.
No entanto, juntamente com este programa imperialista, o governo Bolsonaro tem uma clara vocação para atacar trabalhadores e isso não resulta em nada de novo: um de seus principais objetivos é acertar um golpe sangrento nas aposentadorias. Nisso está em clara continuidade com os governos que o precederam e faz o mesmo que outros governos, qualquer que seja sua cor, da Argentina, México, Chile, etc. Governos da direita e governos de esquerda, democratas e gorilas, populistas e "progressistas", TODOS COINCIDEM no corte de aposentadorias, em medidas precárias e anti-imigrantes, no ataque aos salários e a todas as condições de vida. O novo campeão do "progressismo", AMLO no México, tem o mesmo programa disfarçado de palavreado nacionalista e indigenista.
Os partidos da esquerda e da extrema esquerda, o coro de democratas, liberais e progressistas, estão jogando até a borda: o episódio Bolsonaro serviu de incentivo para chamar a mobilização antifascista, lembrando suas antigas mobilizações contra os ditadores dos anos 70-80. Os atos "antifascistas" se multiplicam no Brasil, Chile, Equador, Argentina, México ... No Peru, um movimento anarco-punk colocou seus dois centavos na campanha organizando um evento sobre Fujimori.
Frente a este reaparecimentoda histeria antifascista, o proletariado deve preservar sua autonomía de classe, tirando as lições de su experiência histórica.
A história desde os anos 30 do século passado mostrou claramente o perigo, para o proletariado, da mistificação antifascista em suas duas variantes complementares:
- formar uma frente antifascista onde o proletariado teria que unir sua luta às frações supostamente mais "liberais" ou “progressistas” da burguesia contra o "perigo fascista";
- escolher um "mal menor" que seria a democracia ou as frações "liberais" da burguesia contra o Mal Maior, que seriam os fascistas, os autoritários, os ditadores, etc.
Com esse veneno criminoso, o proletariado foi arrastado para a carnificina da Segunda Guerra Mundial, a barbárie da Guerra Civil Espanhola de 1936 ou o massacre de Pinochet em 1973[6].
Nossa plataforma em seu ponto 9 dedicou a essa lição histórica que o proletariado pagou com montanhas de cadáveres, a denúncia categorica da mentira antifascista, enfatizando especialmente que:
"Na decadência capitalista, quando só a revolução proletária constitui um passo adiante na História, não pode existir nenhuma tarefa comum, inclusive momentânea, entre a classe revolucionária e qualquer fração da classe dominante, por muito "democrática", "progressista" ou "popular" que esta se apresente."
"De fato, desde a Primeira Guerra Mundial, a "democracia" se revelou como uma das piores drogas contra o proletariado. É em seu nome que, depois desta guerra, foi esmagada a revolução em vários países europeus. Também em seu nome e contra o "fascismo" foram mobilizados dezenas de milhões de proletários na Segunda guerra imperialista mundial. Ainda hoje, em seu nome, o capital tenta desviar as lutas proletárias para alianças "contra o fascismo", "contra a reação", "contra a repressão", "contra o totalitarismo", etc. "
"o fascismo não detém o monopólio da repressão. Compartilha-a com todas as demais opções burguesas. Se as forças políticas democráticas ou de esquerda identificam fascismo com repressão, é porque tentam ocultar que elas mesmas utilizam a repressão com determinação, até tal ponto que a elas incumbe o essencial do esmagamento dos movimentos revolucionários da classe operária."
"A autonomia do proletariado frente às demais classes da sociedade é a condição essencial para o desenvolvimento de todas suas lutas para seu objetivo revolucionário. Todas as alianças inter-classistas particularmente com frações da burguesia, só podem resultar em seu desarmamento perante o seu inimigo, a lhe fazer abandonar o único terreno onde pode acumular suas forças: seu terreno de classe. Toda corrente política que tente apartar o proletariado desse terreno pertence necessariamente ao campo burguês. "
Contra todos aqueles que procuram desviar o proletariado para as falsas alternativas democracia / fascismo; populismo / antipopulismo; etc., que o tornam bucha de canhão da barbárie capitalista, o proletariado em todos os países tem a mesma tarefa: defender sua autonomia política de classe para combater a exploração capitalista com o objetivo de aboli-la em todos os países
C.Mir 29-4-19
[1] Ver O Brasil entra em turbulência [10]
[2] Ver Crisis en Venezuela: ¡Ni Guaidó ni Maduro¡ Los trabajadores no deben apoyar a ninguna de las facciones burguesas en pugna [11]
[3] Há de se destacar que Fidel Castro, em um famoso discurso em Nova York em 1960, afirmou que "ele não era um comunista". O imperialismo dos EUA não ofereceu as vantagens esperadas, que empurraram os "cubanos barbudos" para os braços da URSS, tornando-se "comunistas" a toda pressa.
[4] Para estudar este renascimento histórico do proletariado ver Hace 50 años mayo 68 [12].
[5] Ver, entre otros, Brasil: ¿Es Lula una 'esperanza' para los trabajadores? [13] ; Evo al desnudo [14] ; La burguesía ecuatoriana nadando en el pozo de su descomposición [15] ; El abril sangriento de Nicaragua: Sólo la lucha autónoma del proletariado puede acabar con la explotación y la barbarie represiva [16],
[6] Nossa organização publicou numerosos documentos sobre as 3 experiências mencionadas. Podemos recomendar : Internationalisme 1945 - Las verdaderas causas de la Segunda Guerra Mundial, [17] ; nosso livro [17]1936: Franco y la República masacran al proletariado [3], y Hace 30 años, la caída de Allende: dictadura y democracia son las 2 caras de la barbarie capitalista [18],
Há 100 anos, em março de 1919, foi realizado o primeiro congresso da Internacional Comunista, o congresso de fundação da Terceira Internacional.
Se as organizações revolucionárias não tivessem a vontade de celebrar esse evento, a fundação da Internacional seria esquecida no porão da história. A burguesia tem o maior interesse em manter silêncio sobre este evento, enquanto promove celebrações de todo tipo, como o centenário do final da Primeira Guerra Mundial. A classe dominante se se empenha no sentido de que a classe trabalhadora esqueça a sua primeira grande experiência revolucionária internacional de 1917-1923. A burguesia gostaria de finalmente enterrar o espectro daquela onda revolucionária que deu origem a IC. Essa onda revolucionária foi a resposta do proletariado internacional à Primeira Guerra Mundial, aos quatro anos de confrontos entre os estados capitalistas pela partilha do mundo através da carnificina militar.
A onda revolucionária tinha começado com a vitória da Revolução Russa em outubro de 1917. Ela havia se manifestado em motins de soldados nas trincheiras e na insurreição do proletariado na Alemanha em 1918.
Esta primeira onda revolucionária atravessou a Europa, chegando até a países do continente asiático (especialmente a China em 1927). E essa onda revolucionária mundial também inundou os países do continente americano, o Canadá e os Estados Unidos, a América Latina.
Não devemos esquecer que foi o temor da extensão internacional da revolução russa que forçou a burguesia das grandes potências europeias a assinar o armistício para pôr fim à Primeira Guerra Mundial.
Neste contexto, a fundação da Internacional Comunista em 1919 foi o ponto culminante dessa primeira onda revolucionária.
A Internacional Comunista foi fundada para dar uma clara orientação política às massas trabalhadoras. O objetivo era mostrar ao proletariado o caminho para a derrubada do Estado burguês e a construção de um novo mundo sem guerras ou exploração. Podemos recordar aqui o que os Estatutos (adotados em seu 2º Congresso, em julho de 1920) afirmam:
"A 3ª Internacional Comunista se constituiu no final do massacre imperialista de 1914-1918, durante o qual a burguesia dos diferentes países sacrificou 20 milhões de vidas.
Lembre-se da guerra imperialista! Eis a primeira palavra que a Internacional Comunista dirige a cada trabalhador, quaisquer que sejam sua origem e a língua que ele fala. Lembre-se que, pelo fato de existir o regime capitalista, um punhado de imperialistas teve, durante quatro longos anos, a possibilidade de forçar os trabalhadores a se matarem mutuamente! Lembre-se que a guerra burguesa jogou a Europa e o mundo inteiro na fome e na miséria! Lembre-se que sem a derrota do capitalismo a repetição dessas guerras criminosas não é apenas possível, mas inevitável!"
A fundação da IC exprimiu, acima de tudo, a necessidade de os revolucionários se unirem para defender o princípio do internacionalismo proletário. Um princípio básico do movimento operário que os revolucionários tinham de preservar e defender contra todas as probabilidades!
Para entender a importância da fundação da IC, devemos lembrar que esta 3ª Internacional está em continuidade histórica com a 1ª Internacional (AIT) e a 2ª Internacional (Internacional dos partidos socialdemocratas). É por isso que o Manifesto da IC diz o seguinte: "Nós comunistas, reunidos na Terceira Internacional, nos consideramos os continuadores diretos dos esforços e do heroico martírio de uma longa série de gerações revolucionárias, de Babeuf a Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. A Primeira Internacional anunciou o futuro curso de eventos e indicou o caminho, a II reuniu e organizou milhões de trabalhadores, mas a III é a internacional da ação de massa aberta, a internacional da realização revolucionária, a internacional da ação".
Portanto, é claro que a IC não surgiu do nada. Seus princípios e programa revolucionário foram o resultado de todo acúmulo da história do movimento operário. E em particular da Liga dos Comunistas e da publicação do Manifesto escrito por K. Marx e F. Engels em 1848. Foi no Manifesto Comunista eles propuseram a famosa consigna do movimento operário: "Os proletários não têm pátria. Trabalhadores de todos os países, uni-vos".
Para compreender o significado histórico da fundação da IC, devemos lembrar que a Segunda Internacional morreu em 1914. Por quê? Porque os principais partidos da Segunda Internacional, os partidos socialistas, haviam traído o internacionalismo proletário. Os líderes desses partidos traidores votaram por créditos de guerra no Parlamento. Em cada país, eles chamavam os proletários para uma união sagrada com seus próprios exploradores. Eles foram chamados a matar uns aos outros em uma matança mundial em nome da defesa da pátria, enquanto o Manifesto Comunista afirma que “os proletários não têm pátria”.
Diante do vergonhoso desmoronamento da II Internacional, apenas alguns partidos socialdemocratas resistiram à tempestade, os partidos italiano, sérvio, búlgaro e russo. Em outros países, apenas uma pequena minoria de militantes, muitas vezes isolados, permaneceram fiel ao internacionalismo proletário. Denunciaram a sangrenta orgia da guerra tentando se agrupar. Na Europa, essa minoria de revolucionários internacionalistas formaram a esquerda, particularmente ao redor de Rosa Luxemburgo na Alemanha, Pannekoek e Gorter na Holanda e, claro, a facção bolchevique do partido russo ao redor de Lenin.
Dois anos antes da guerra, em 1912, foi realizado o Congresso da Basileia da Segunda Internacional. À medida que as ameaças de uma guerra mundial no coração da Europa se aproximavam, o Congresso da Basileia adotou uma resolução sobre a questão da guerra e da revolução proletária. Aquela resolução dizia: "Os governos burgueses não devem esquecer que a guerra franco-alemã (de 1870) deu origem à insurreição revolucionária da Comuna de Paris e que a guerra russo japonesa pôs em movimento as forças revolucionárias da Rússia. Para os proletários, é um crime matar-se uns aos outros em favor do lucro capitalista, da rivalidade dinástica e da multiplicidade dos tratados diplomáticos"
Foi também no seio da Segunda Internacional que os mais consistentes teóricos marxistas, especialmente Rosa Luxemburg e Lenin, foram capazes de analisar a mudança no período histórico da vida do capitalismo. Rosa Luxemburgo e Lênin demonstraram claramente que o modo de produção capitalista havia atingido o seu auge no início do século XX. Eles entenderam que a guerra imperialista na Europa só poderia ter um objetivo: a divisão do mundo entre as principais potências rivais na disputa pelas colônias. Lenin e Rosa Luxemburgo entenderam que a eclosão da Primeira Guerra Mundial marcou ruidosamente a entrada do capitalismo no seu período de decadência, de declínio histórico. Mas muito antes do início da guerra, a ala esquerda da Segunda Internacional teve que lutar duramente contra a direita, contra os reformistas, os centristas e os oportunistas. Esses futuros renegados teorizaram que o capitalismo ainda tinha um futuro brilhante pela frente e que, no final, o proletariado não precisaria fazer a revolução e derrubar o poder da burguesia.
Em setembro de 1915, por iniciativa dos bolcheviques, se celebrou na Suíça a "Conferência Internacional Socialista de Zimmerwald". Foi seguido por uma segunda conferência em abril de 1916 em Kienthal, também na Suíça. Apesar das difíceis condições de guerra e repressão, delegados de 11 países participaram (Alemanha, Itália, Rússia, França, etc.). Mas a maioria dos delegados eram pacifistas e se recusaram a romper com os socialistas chauvinistas que tinham ido para o campo da burguesia votando os créditos de guerra em 1914.
Havia então uma ala esquerda na conferência de Zimmerwald, reunida atrás dos delegados da facção bolchevique, Lênin e Zinoviev. Esta "esquerda de Zimmerwald" defendia a necessidade de romper com os traidores dos partidos socialdemocratas. Esta esquerda afirmou a necessidade de construir uma nova e Terceira Internacional. Contra os pacifistas, afirmou, nas palavras de Lênin, que "a luta pela paz sem ação revolucionária são palavras vans e falsas". A esquerda de Zimmerwald retomou a consigna de Lênin: "transformar a guerra imperialista em guerra civil!". Uma consigna que já tinha aparecido nas resoluções da II Internacional votadas no Congresso de Stuttgart em 1907 e especialmente no Congresso de Basileia em 1912.
A esquerda de Zimmerwald seria, assim, o "primeiro núcleo da Terceira Internacional em gestação" (como diria o companheiro de Lenin, Zinoviev, em março de 1918).
Os novos partidos que foram criados, em ruptura com a socialdemocracia, começaram a adotar o nome de "Partido Comunista". Foi a onda revolucionária aberta pela Revolução Russa de outubro de 1917 que deu um forte impulso aos militantes revolucionários para a fundação da IC. De fato, os revolucionários tinham compreendido que era absolutamente essencial e vital fundar um partido mundial do proletariado para a vitória da Revolução em escala mundial.
Por iniciativa do Partido Comunista (Bolchevique) da Rússia e do Partido Comunista da Alemanha (KPD, anteriormente a Liga Espártaco), o primeiro Congresso da Internacional foi convocado em Moscou em 2 de março de 1919.
A plataforma da IC foi baseada no programa dos dois principais partidos comunistas, o Partido Bolchevique e o Partido Comunista da Alemanha (fundado em 29 de dezembro de 1918).
Esta plataforma da IC começa afirmando claramente que "surgiu uma nova era. A era da decomposição do capitalismo, do seu desmoronamento interno A era da revolução comunista do proletariado". E, retomando o discurso sobre o programa de fundação do Partido Comunista Alemão, proferido por Rosa Lexemburg, a Internacional destacará claramente "o dilema que a humanidade enfrenta hoje: mergulhar na barbárie ou salvar-se através do socialismo". Em outras palavras, entramos na era das guerras e das revoluções. A única alternativa para a sociedade desde então era: revolução proletária mundial ou destruição da humanidade; socialismo ou barbárie. Esta posição é solidamente afirmada no primeiro ponto da Carta de Convite ao Primeiro Congresso de fundação da Internacional Comunista (escrito em janeiro de 1919 por Trotsky).
Para a Internacional, o ingresso do capitalismo em seu período de decadência significou que a luta revolucionária do proletariado tomava uma nova forma. Era o período durante o qual se desenvolve a greve de massa; o período em que os Conselhos Operários são a forma da ditadura do proletariado anunciada pelo surgimento dos sovietes na Rússia em 1905 e 1917.
Mas há uma contribuição fundamental da Internacional: ter compreendido que o proletariado deve destruir o Estado burguês para construir uma nova sociedade. A partir dessa questão (a necessária destruição do estado burguês), o primeiro congresso da Internacional adotou suas Teses sobre a democracia burguesa e a ditadura do proletariado (redigidas por Lênin). As teses iniciam denunciando a falsa oposição entre democracia e ditadura "porque, em nenhum país capitalista civilizado, não há "democracia em geral", mas apenas uma democracia burguesa".
A Internacional afirmava assim que defender a democracia "pura" no capitalismo significa defender, na prática, a democracia burguesa, a forma por excelência da ditadura do capital.
Contra a ditadura do capital, a Internacional afirmou que só a ditadura do proletariado em escala mundial pode derrubar o capitalismo, abolir as classes sociais e oferecer um futuro à humanidade.
Portanto, o partido mundial do proletariado deve dar orientações claras às massas proletárias para que possam alcançar seu objetivo final. Devia defender em toda parte a consigna bolchevique de 1917: "Todo o poder para os sovietes". Esta era a "ditadura" do proletariado: o poder dos sovietes ou conselhos operários.
Há de se lamentar que a Internacional, fundada em março de 1919, tenha sido fundada com atraso, numa época em que a maioria das revoltas revolucionárias do proletariado na Europa haviam sido violentamente reprimidas. A IC foi fundada, de fato, dois meses após a sangrenta repressão do proletariado alemão em Berlim. O Partido Comunista da Alemanha tinha acabado de perder seus principais líderes, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, brutalmente assassinados pelo governo socialdemocrata durante a sangrenta semana de Berlim em janeiro de 1919. E foi assim que, na época de sua constituição, a Internacional havia sofrido sua primeira derrota. Com o sufocamento da revolução na Alemanha, essa derrota foi também e acima de tudo uma terrível derrota para o proletariado internacional.
Deve se reconhecer que os revolucionários da época estavam em uma situação de urgência quando fundaram a Internacional. A Revolução Russa estava completamente isolada, sufocada e sitiada por toda a burguesia de todos os países (para não mencionar os ataques contrarrevolucionários dos Exércitos Brancos na Rússia). Os revolucionários estavam aflitos. Foi necessário agir rapidamente para construir o partido mundial. Devido a esta situação de urgência, os principais partidos fundadores da Internacional, em particular o Partido Bolchevique e o KPD, não conseguiram esclarecer as suas diferenças e confusões. Essa falta de esclarecimento foi um fator importante no desenvolvimento do oportunismo na Internacional assim que o refluxo da maré revolucionária começou.
E mais tarde, então, por causa da gangrena do oportunismo, essa nova Internacional acabou morrendo por sua vez. Ela também sucumbiu à traição do princípio do internacionalismo pela ala direita dos partidos comunistas. Em particular, o principal partido da Internacional, o Partido Bolchevique, após a morte de Lênin, começou a defender a teoria da construção do socialismo num só país. E Stálin, depois de assumir a liderança do partido bolchevique, foi o organizador da repressão ao proletariado que havia feito a revolução na Rússia. Ele impôs uma feroz ditadura contra os antigos camaradas de Lenin, que lutaram contra a degeneração da Internacional e denunciaram o que pensavam era o retorno do capitalismo na Rússia.
Mais tarde, nos anos 1930, será em nome da defesa da "pátria soviética" com a qual os partidos comunistas de todos os países pisotearam a bandeira da Internacional, apelando aos proletários para que cortassem suas gargantas mutuamente, mais uma vez, nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial. Como a Segunda Internacional em 1914, a IC, faleceu, ela também vítima da gangrena do oportunismo e de um processo de degeneração.
Mas, como na Segunda Internacional, a IC também segregou uma minoria de esquerda entre os militantes que permaneceram fiéis ao internacionalismo e a consigna "Os proletários não têm pátria. Proletários de todos os países, uni-vos". Estas minorias de esquerda (Alemanha, França, Itália, Holanda ...) realizaram uma luta política dentro da Internacional durante o processo de degeneração para tentar salvá-la. Stálin acabou excluindo da Internacional os militantes da esquerda e acabou liquidando-os fisicamente (lembre-se dos julgamentos de Moscou, do assassinato de Trotsky por agentes da GPU e também dos gulags stalinistas).
Os revolucionários excluídos da Terceira Internacional também tentaram se agrupar, apesar de todas as dificuldades da guerra e repressão. Apesar de sua dispersão em diferentes países, essas pequenas minorias de internacionalistas militantes foram capazes de fazer um balanço da onda revolucionária de 1917-1923 para extrair dela as principais lições para o futuro.
Esses revolucionários que lutaram contra o stalinismo não pretendiam fundar uma nova internacional antes, durante ou depois da Segunda Guerra Mundial. Eles entenderam que era a "meia-noite no século": o proletariado havia sido fisicamente esmagado, alistado em massa sob as bandeiras nacionais do antifascismo e vítima da mais profunda contrarrevolução da história. A situação histórica não era mais favorável ao surgimento de uma nova onda revolucionária contra a Guerra Mundial.
No entanto, ao longo desse longo período de contrarrevolução, as minorias revolucionárias continuaram a manter uma atividade, muitas vezes clandestina, para preparar o futuro, mantendo a confiança na capacidade do proletariado de se levantar, levantar a cabeça e, um dia, derrubar o capitalismo.
Queremos lembrar que o CCI reivindica as contribuições da Internacional Comunista. Nossa organização também está ligada à continuidade política com as frações de esquerda excluídas da Internacional nas décadas de 1920 e 1930, em particular a Fração da Esquerda Comunista Italiana. Portanto, este centenário é uma oportunidade para saudar a inestimável contribuição da IC na história do movimento operário, mas também para aprender com essa experiência, a fim de armar o proletariado para suas futuras lutas revolucionárias.
Mais uma vez, devemos compreender plenamente a importância da fundação da Internacional Comunista como a primeira tentativa de constituir o partido mundial do proletariado. Acima de tudo, devemos sublinhar a importância da continuidade histórica, do fio comum que une os revolucionários de hoje com os do passado, com todos aqueles militantes que, por causa de sua fidelidade aos princípios do proletariado, foram perseguidos e selvagemente assassinados pela burguesia, especialmente por aqueles que tinham sido seus antigos companheiros e traíram: os Kautsky, Noske, Ebert, Scheidemann, Stalin. Também devemos prestar homenagem a todos esses militantes exemplares (Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht, Leo Jogishes, Trotsky e muitos outros) que pagaram com a vida a lealdade ao internacionalismo.
Para poder construir o futuro partido mundial do proletariado, sem o qual a derrubada do capitalismo será impossível, as minorias revolucionárias devem se reagrupar, hoje como no passado. Eles devem esclarecer suas diferenças pela confrontação das ideias e das posições, a reflexão coletiva e a discussão mais ampla possível. Eles devem ser capazes de aprender com o passado para entender a situação histórica atual e permitir que as novas gerações abram as portas para o futuro.
Confrontada com a decomposição da sociedade capitalista, com a barbárie da guerra, a exploração e crescente miséria do proletariado, hoje a alternativa continua sendo a que a Internacional Comunista claramente identificou há 100 anos: socialismo ou barbárie, revolução proletária mundial ou destruição da humanidade em um caos cada vez mais sangrento.
O que aconteceu no Chile pode ser deduzido da crise econômica internacional que se evidencia no déficit fiscal que o Estado chileno vem registrando há vários anos. Organizações multilaterais como o Banco Mundial, o FMI e a CEPAL apontam para uma redução gradual do crescimento nos últimos 3-4 anos. Apesar dos esforços para diversificar a economia, o Chile é essencialmente dependente do cobre e, como expressão do agravamento da crise, os preços caíram drasticamente. As medidas para aumentar as tarifas do metrô foram uma tentativa de responder à situação deficitária do Estado chileno. Em escala mundial, estão sendo dados os primeiros passos de uma grande turbulência econômica e, como em outros episódios da crise capitalista, os países mais fracos são os primeiros a serem afetados: Brasil, Turquia, Argentina, Equador e agora Chile.
A ideia de que o Chile é uma "exceção" na América do Sul por causa de sua situação econômica, do suposto "bem-estar" do proletariado etc., é negada pelas evidências. Piñera teve que engolir suas afirmações triunfalistas de que o Chile é "um oásis de paz e prosperidade na América do Sul".
O que está por detrás desta cortina de fumaça são os salários de 368 euros, a precariedade geral, o alto custo da alimentação e dos serviços, a precariedade na educação e na saúde, o sistema de pensões que condena os aposentados à pobreza. Uma realidade que mostra a crescente deterioração das condições de vida do proletariado e de toda a população.
O governo Piñera subestimou o grau de agitação social. Um ataque aparentemente pequeno, o aumento da tarifa do metrô em Santiago desencadeou a revolta geral. No entanto, a resposta não surgiu no terreno de classe do proletariado, mas em outro desfavorável e perigoso para ele: a revolta popular e até possivelmente favorecida pelo Estado, a violência minoritária e a do lúmpen.
Aproveitando dessa fragilidade na resposta social, o governo lançou uma brutal repressão que, segundo dados oficiais, causou 19 mortes. O estado de sítio foi decretado por mais de uma semana e a "ordem" foi confiada aos militares. A tortura reapareceu como nos piores dias de Pinochet, demonstrando que a democracia e a ditadura são duas formas do Estado capitalista.
A erupção do lúmpen com seu vandalismo, pilhagens, incêndios, violência irracional e minoritária, típica da decomposição capitalista[1], têm sido utilizados pelo Estado para justificar a repressão, colocar medo na população e intimidar o proletariado, desviando suas tentativas de luta para o terreno da violência niilista sem nenhuma perspectiva[2].
No entanto, a burguesia chilena entendeu que a brutalidade repressiva não foi suficiente para acalmar o descontentamento. Por isso, o governo de Piñera expressou a mea culpa, o presidente arrogante adotou uma postura "humilde", disse "entender" a "mensagem do povo", retirou "provisoriamente" as medidas e abriu as portas para a "concertação social". Vamos traduzir: os ataques serão impostos através da "negociação", através da "mesa de diálogo" onde os partidos da oposição, os sindicatos, os empregadores, todos juntos "representando a nação", tenham assento.
Por que esta mudança de cenário? Porque a repressão não é eficaz se não for acompanhada pela ilusão democrática, pela armadilha da unidade nacional e pela dissolução do proletariado na massa amorfa do "povo". O ataque econômico exigido pela crise necessita da ofensiva repressiva, mas sobretudo da ofensiva política.
O proletariado, embora passando por uma situação de grande debilidade no Chile e no mundo, continua sendo a ameaça histórica à exploração e à barbárie capitalista, portanto, o do Chile é um dos mais concentrados da América do Sul e com certa experiência política, já que, por exemplo, participou da tendência à greve em massa em 1907 (Iquique)[3][4] [23] e sofreu o terrível golpe da decepção de Allende (1970-73) que abriu caminho para a brutal ditadura de Pinochet (1973-90).
A ofensiva política da burguesia teve uma primeira etapa com as mobilizações sindicais pedindo uma "greve geral" mais de uma semana depois. Que cinismo! Quando o governo adotou o aumento do Metro, os sindicatos não pediram nada. Quando o governo enviou o exército para as ruas, eles foram cúmplices no silêncio. Quando as tropas do exército e os carabineiros intervieram, não mexeram um dedo. E agora chamam "mobilização".
Quando os trabalhadores precisam lutar, os sindicatos paralisam-os. Quando os trabalhadores se lançam na luta, os sindicatos os bloqueiam. E quando os trabalhadores já não têm forças ou estão desorientados, os sindicatos chamam-lhes "a luta". Os sindicatos agem sempre contra os trabalhadores. Tanto quando se opõem a uma greve espontânea como quando apelam à luta em momentos em que os trabalhadores estão debilitados, confusos ou divididos. Os sindicatos desmobilizam a mobilização do proletariado e se mobilizam para lograr a desmobilização do proletariado.
Os grupos esquerdistas de orientação trotskista, estalinista ou maoísta encabeçam a armadilha com sua proposta de "manter a greve geral até o fim", sua paródia de "auto-organização dos trabalhadores", onde em vez de assembleias e comitês eleitos e revogáveis há uma "coordenadoria" de sindicalistas e grupos esquerdistas. A sua "alternativa política" é expulsar o Piñera. Para quê, para o substituir por Bachelet que, nos seus dois mandatos, fez o mesmo ou pior? Para eleger uma "assembleia constituinte"? Com radicalismo de fachada, com apelos à "Classe Operária", os esquerdistas defendem o capitalismo porque aprisionam os proletários no terreno da democracia e nos métodos sindicais de "luta".
A segunda etapa da ofensiva foi a entrada em cena dos partidos da oposição (Nova Maioria, PC e Frente Ampla) que pediram "negociação" e "consenso" e saudaram como uma "vitória" as migalhas miseráveis que Piñera concedeu. Em conjunto com o governo e o exército[4], a burguesia chilena forneceu um marco político adequado para atacar ideologicamente o proletariado, dissolver qualquer tendência a agir como classe, ligá-lo à engrenagem da Nação, ligá-lo às ideologias inimigas, em particular à democracia. Grandes mobilizações foram organizadas no final de semana de 25-27 de Outubro com os seguintes eixos:
Denunciamos esta manobra política da burguesia que tem como quadro a democracia. A democracia é a forma mais perversa e distorcida de dominação capitalista. Em nome da democracia, foram perpetrados os piores massacres de trabalhadores. Para nos limitarmos ao caso do Chile, devemos lembrar que na greve massiva de Iquique em 1907, 200 trabalhadores foram mortos apenas no massacre da Escola Santa Maria. Em maio-junho de 1972, os mineiros se mobilizaram novamente: 20 000 entraram em greve nas minas de El Teniente e Chuquicamata. O "campeão da democracia", Salvador Allende, reprimiu brutalmente as lutas dos mineiros contra o aumento das taxas e a queda dos salários. "Em maio-junho de 1972, os mineiros se mobilizaram novamente: 20 000 pessoas entraram em greve nas minas El Teniente e Chuquicamata. Os mineiros de El Teniente exigiram um aumento salarial de 40%. Allende colocou as províncias de O'Higgins e Santiago sob controle militar, pois a paralisação de El Teniente "ameaçava seriamente a economia". Os executivos "marxistas" da União Popular expulsaram os trabalhadores e colocaram fura-greves em seu lugar. Quinhentos carabineiros atacaram os trabalhadores com gás lacrimogéneo e jatos de água. Quatro mil mineiros marcharam até Santiago para se manifestarem em 11 de junho, a polícia atirou neles sem hesitação. O governo tratou os mineiros como "agentes do fascismo". O PC organizou desfiles em Santiago contra os mineiros, convocando o governo a mostrar firmeza"[5]. [24]
Todas as frações da burguesia e especialmente a esquerda cerraram fileiras em defesa do Estado capitalista "democrático". "Em novembro de 1970, Fidel Castro veio ao Chile para reforçar as medidas anti-proletárias de Allende. Castro reprovou os mineiros, tratando-os como agitadores e "demagogos". Na mina de Chuquicamata, declarou que "cem toneladas a menos por dia significa uma perda de $36 milhões por ano" (Ibid.).
Allende enviou o exército para reprimir os trabalhadores, mas pior ainda, em um comício em frente ao Palácio La Moneda em junho de 1972, pediu que Pinochet fosse aplaudido como "um militar leal à Constituição".
O restabelecimento da democracia desde 1990 não melhorou as condições de vida no trabalho. Os diferentes presidentes (de Alwyn a Bachelet, passando por Lagos e pelo primeiro mandato de Piñera) preservaram e reforçaram a política econômica promovida pela Escola de Chicago imposta pela ditadura de Pinochet. Não tocaram em nada o sistema previdenciário que condena a aposentadoria abaixo do salário mínimo e obriga o trabalho precário até a idade de 75 anos ou mais. Um sistema que nega qualquer pensão futura aos muitos jovens condenados ao trabalho precário. O Chile é hoje um dos países mais desiguais do mundo e a desigualdade foi agravada pela democracia: "Quando recuperamos a democracia, o governo militar, que também tinha sido ruim na economia, deixou uma taxa de pobreza de 4,7%. Hoje, o nosso PIB mais do que duplicou, somos várias vezes mais ricos do que então. Mas a porcentagem de pobres sobe para 35%"[6]
A esquerda, atuando como porta-voz privilegiada da burguesia, nos chama a apoiar a democracia e ver a ditadura como o mal supremo: ela teria o monopólio da repressão e saquearia os trabalhadores, seu lema é "Ditadura não, democracia parlamentar sim". Tudo isso fere mortalmente a classe operária, porque a faz acreditar que "são livres", que "podem escolher", que com o voto "teriam poder" e, sobretudo, atomiza e individualiza os trabalhadores, tenta apagar a solidariedade e a unidade neles, confundindo-os em uma engrenagem de competição, de "ver quem pode fazer mais", de "tomar sua roupa para me vestir".
Os trabalhadores e suas minorias mais conscientes devem rejeitar essa armadilha da burguesia e preparar metodicamente o terreno para a emergência de verdadeiras lutas operárias. Esta perspectiva está ainda muito distante e não surgirá de uma soma de processos em cada país, mas de uma dinâmica internacional na qual será fundamental o papel das grandes concentrações de trabalhadores na Europa Ocidental[7].
A classe operária no Chile e em todo o mundo deve reapropriar-se dos métodos autênticos de luta operária que demonstraram em numerosas lutas ao longo da história (maio de 68 na França, Polônia 1980, o movimento anti-CPE na França 2006, o movimento de indignação na Espanha 2011). São métodos de luta e organização radicalmente opostos aos do sindicalismo:
Há que tirar conclusões claras:
Sabemos que esta perspectiva de luta vai custar muito caro. Muitas lutas, muitas derrotas, muitas lições dolorosas serão necessárias. No entanto, temos as lições dos três Séculos de utas operárias que, elaboradas pela teoria marxista, nos dão os meios teóricos, organizacionais e políticos para contribuir para o combate. O órgão que defende esta continuidade histórica do proletariado é a organização comunista internacional. Seus princípios programáticos, políticos, organizacionais e morais são a síntese global crítica dessa experiência histórica mundial de 3 séculos de luta de classes. Construir a organização, defendê-la, fortalecê-la, é a melhor contribuição para o combate do proletariado, hoje contra a corrente de toda a campanha da União Nacional em torno da Democracia e amanhã a favor do renascimento da luta de classes do proletariado.
Corrente Comunista Internacional 01-11-19
[1] Ver nossas Teses sobre Decomposição - La descomposicion, fase ultima de la decadencia del capitalismo [25]
[2] O proletariado precisa da violência, da sua violência de classe, mas esta não tem nada a ver e é antagônica ao terror da burguesia, ao terrorismo da pequena burguesia e ao vandalismo selvagem do lumpen. Ver Terror, Terrorismo e violência de Classe, Terror, terrorismo y violencia de clase [26]
[3] Ver O movimento operário no Chile no início do século XX - El movimiento obrero en Chile a principios del siglo XX [27]
[4] O chefe da Defesa Nacional, o militar Iturriaga del Campo, negou ao chefe de estado, que tinha dito que estava "em guerra", afirmando que "sou um homem feliz, a verdade é que não estou em guerra com ninguém".
[5] Ver, há trinta anos, a queda de Allende: ditadura e democracia são as duas faces da barbárie capitalista. Hace 30 años, la caída de Allende: dictadura y democracia son las 2 caras de la barbarie capitalista [18].
[6] Ver o artigo em espanhol Crisis en Chile: es la desigualdad, estúpido [28]
Publicamos abaixo o panfleto que, desde 13 de janeiro, nossa organização está divulgando nas manifestações que estão ocorrendo na França contra os ataques do governo Macron aos trabalhadores, particularmente a reforma das aposentadorias.
Esta é de fato o terceiro panfleto que produzimos, que está em continuidade com os que divulgamos anteriormente no início de dezembro - "Unamos as nossas lutas contra os ataques dos nossos exploradores" - e pelas manifestações do dia 15 do mesmo mês - "Solidariedade na luta de todos os trabalhadores, de todas as gerações". Este último panfleto também é publicado na última edição (mês de janeiro) de nosso jornal - Révolution Internationale, órgão da CCI ne França – dedicado em grande parte a analisar o significado desses movimentos sociais.
Este esforço de intervenção da nossa organização responde, em primeiro lugar, à própria importância que damos a este movimento de luta que, como analisamos, representa o ressurgimento da combatividade do proletariado num país extremamente importante para a luta de classes como é a França. Além disso, estes movimentos têm demonstrado a existência de uma imensa solidariedade nas fileiras da classe trabalhadora. Esta solidariedade tem promovido significativamente um sentimento de dignidade no proletariado e na sua luta contra a exploração capitalista.
Mas também este esforço de intervenção da CCI é, pensamos nós, uma amostra da responsabilidade inerente às organizações revolucionárias da classe trabalhadora, para ajudar a compreender cada momento dessa luta em função da perspectiva revolucionária de todo o movimento operário. Não se trata, naturalmente, de uma análise "de fora", mas como parte integrante presente no próprio movimento de luta, apontando os aspectos nos quais a classe deve se apoiar para ganhar unidade e consciência (solidariedade intergerações, fazer da rua um lugar de confluência e fraternidade, etc.); e também as dificuldades que nos enfraquecem (como, por exemplo, o fato de deixar a organização da luta nas mãos dos sindicatos, a ausência de assembleias, etc.).
Através destes panfletos e da nossa intervenção em geral, procuramos catalisar o movimento de reflexão que se traduziu, por exemplo, nos trabalhadores que tentaram ficar no final das caminhadas para discutir, para tentar compreender como continuar a luta, como ganhar unidade e determinação para as lutas futuras. Deve também servir para garantir que, após o previsível refluxo da combatividade que se manifestou nas manifestações de dezembro e janeiro, esse esforço de reflexão e discussão persista em comitês de luta para que se possam tirar lições para as lutas que virão.
Como sempre, certamente encorajamos todos os leitores que se interessem em discutir ou disseminar estas folhas em seu redor a fazê-lo.
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Depois de anos de inércia, o movimento social contra a reforma das aposentadorias[1] mostra um despertar da combatividade do proletariado na França. Apesar de todas as suas dificuldades, a classe trabalhadora começou a erguer a cabeça. Diferente de um ano atrás onde todo o terreno social era ocupado pelo movimento interclassista dos Coletes Amarelos, hoje os explorados de todos os setores e gerações aproveitaram os dias de ação organizados pelos sindicatos para tomar as ruas, determinados a lutar em seu próprio terreno de classe contra esse ataque frontal e maciço do governo a todos os explorados.
Durante aproximadamente dez anos os funcionários dos setores público e privado permaneceram paralisados, totalmente isolados no seu próprio setor de trabalho, nas últimas semanas conseguiram encontrar o caminho de volta, o caminho da luta coletiva.
As aspirações de unidade e solidariedade na luta mostram que os trabalhadores na França começam a reconhecer-se novamente como parte de uma mesma classe com os mesmos interesses a defender. Assim, em várias caminhadas, especialmente em Marselha, podia-se ouvir: "A classe trabalhadora existe!" Em Paris, grupos de manifestantes que não estavam marchando atrás das faixas sindicais estavam cantando "Estamos aqui, estamos aqui pela honra dos trabalhadores e por um mundo melhor". Na manifestação de 9 de janeiro, mesmo os espectadores que caminhavam pelas calçadas à margem do desfile sindical cantaram a velha canção do movimento operário: "A internacional", enquanto estudantes do ensino médio e superior cantavam, atrás de suas próprias faixas: "Os jovens em precariedade, os velhos na miséria!"
É evidente que, ao se recusar a manter-se curvada e abatida, a classe trabalhadora na França está recuperando a sua dignidade.
Outro elemento, muito significativo de uma mudança na situação social, foi a atitude e o estado de espírito dos " usuários" na greve dos transportes. Pela primeira vez desde o movimento de dezembro de 1995 uma greve dos transportes não se torna "impopular", apesar de todas as campanhas midiáticas orquestradas pelos meios de comunicação social a propósito da grande dificuldade dos usuários para ir trabalhar, ir para casa ou ir de férias durante folgas de Natal. Em nenhum lugar, exceto na mídia chapa branca e, foi possível ouvir que os trabalhadores ferroviários da SNCF (empresa de transportes por trem) ou da RATP (empresa de transporte por metrô) estavam fazendo os usuários "reféns". Nas plataformas ou nos trens apinhados e no RER (tipo de trem), as pessoas esperavam pacientemente. Para circular pela capital, as pessoas conseguiram se virar sem queixar-se dos ferroviários em greve..., em carona solidária e compartilhada, bicicletas, lambretas... Mas, mais do que isso, o apoio e a estima pelos trabalhadores ferroviários assumiu a forma de numerosas doações aos fundos de solidariedade para os grevistas, que fizeram o sacrifício de mais de um mês de salário (mais de três milhões de euros foram arrecadados em poucas semanas!), lutando não só por si mesmos, mas também pelos outros.
No entanto, após um mês e meio de greve, após manifestações semanais que reuniram centenas de milhares de pessoas, este movimento não conseguiu que o governo desistisse.
Desde o início, a burguesia, o seu governo e os seus "parceiros sociais" tinham orquestrado uma estratégia para estes aprovarem o ataque às pensões. À reforma inicial foi acrescida por uma nova medida segundo qual, embora a idade mínima de se aposentar (62 anos) não mudaria, a idade (chamada idade "eixo") em que se receberia uma pensão completa seria os 64 anos. Na realidade, essa nova medida era uma carta que eles tinham mantido na manga para sabotar a riposta da classe operária (pois todos os sindicatos eram contra essa medida enquanto uma parte deles eram a favor da reforma) e aprovar a "reforma" através da estratégia clássica de dividir a "frente sindical" após de ter retirado a questão da idade "eixo".
Além disso, a burguesia blinda o seu estado policial em nome da manutenção da "ordem republicana". O governo alucinadamente mobiliza as suas forças repressivas para nos intimidar. Os polícias continuam a atirar gás e a bater cegamente nos trabalhadores (incluindo mulheres e aposentados) apoiados pelas mídias, que misturam a classe explorada, os "black blocs"[2] e outros "quebradores". Para evitar que os trabalhadores se reúnam no final das manifestações para discutir, os coortes de CRS[3] os dispersam, sob as ordens da Prefeitura, com granadas "dispersantes"[4]. A violência policial não é de forma alguma o resultado de simples "erros" individuais de alguns CRS excitados e incontroláveis. Eles anunciam a repressão implacável e feroz que a classe dominante não hesitará em desencadear contra os proletários no futuro (como fez no passado, por exemplo, durante a "semana sangrenta" da Comuna de Paris em 1871).
Para poder enfrentar a classe dominante e fazer o governo recuar, os trabalhadores devem tomar sua luta em suas próprias mãos. Não devem confiá-lo aos sindicatos, a estes "parceiros sociais" que sempre negociaram nas suas costas e no segredo dos gabinetes ministeriais.
Se continuarmos a pedir aos sindicatos que nos "representem", se continuarmos a esperar que eles organizem a luta por nós, então sim, estamos "fodidos"!
Para poder tomar em mãos a nossa luta, para ampliá-la e unificá-la, devemos, nós mesmos, organizar assembleias gerais maciças, soberanas e abertas a toda a classe trabalhadora. É nestas assembleias gerais que podemos discutir juntos, decidir coletivamente sobre as ações a serem tomadas, formar comitês de greve com delegados eleitos que podem ser destituídos a qualquer momento.
Os jovens trabalhadores que participaram do movimento contra o "Contrato de Primeiro Emprego" na primavera de 2006, quando ainda eram estudantes dos ginásios ou do ensino superior, devem se recordar e transmitir essa experiência aos seus colegas de trabalho, jovens e idosos. Como conseguiram fazer o governo Villepin recuar, forçando-o a retirar o seu "CPE"(Contrato do Primeiro Emprego)? Graças à sua capacidade de organizarem eles próprios a sua luta nas suas assembleias gerais maciças em todas as universidades, e sem qualquer sindicato. Estas assembleias gerais não eram fechadas. Pelo contrário: os estudantes tinham convocado todos os trabalhadores, ativos e aposentados, para virem discutir com eles em suas AG e participarem do movimento em solidariedade com as jovens gerações que enfrentam o desemprego e a precariedade. O governo Villepin teve de retirar o CPE sem qualquer "negociação". Estudantes, jovens trabalhadores precários e futuros desempregados não foram representados por "parceiros sociais" e ganharam.
Os trabalhadores ferroviários que lideraram esta mobilização não podem continuar sua greve sozinhos sem que os outros setores se engajem na luta com eles mesmos. Apesar da sua coragem e determinação, eles não podem lutar "no lugar" de toda a classe trabalhadora. Não é a "greve por procuração" que pode fazer o governo recuar, por mais determinado que seja.
Hoje, a classe trabalhadora ainda não está pronta para se engajar maciçamente na luta. Ainda que muitos trabalhadores de todos os setores, de todas as categorias profissionais (principalmente dos funcionários públicos), de todas as gerações estiveram presentes para protestar nas manifestações organizadas pelos sindicatos desde 5 de dezembro. O que precisamos para conter os ataques da burguesia é desenvolver uma solidariedade ativa na luta e não apenas alimentando os fundos de solidariedade para permitir que os grevistas continuem a luta.
A retomada do trabalho já iniciados no sector dos transportes (especialmente na SNCF) não é uma capitulação! Fazer uma "pausa" na luta é também uma forma de não se esgotar num ataque longo e isolado, que só pode levar a um sentimento de impotência e amargura.
A grande maioria dos trabalhadores mobilizados sente que se perdermos essa batalha, se não conseguirmos forçar o governo a retirar sua reforma, estamos "fodidos". Isto não é verdade! A mobilização atual e a rejeição massiva deste ataque são apenas o começo, uma primeira batalha que anuncia outras para o amanhã. Pois a burguesia, o seu governo e os seus empregadores continuarão a explorar-nos, a atacar o nosso poder de compra, a mergulhar-nos na pobreza e na miséria crescentes. A raiva só pode crescer até levar a novas explosões, novos movimentos de luta.
Mesmo que a classe trabalhadora tenha perdido aquela primeira batalha, não perdeu a guerra. Não deve ceder à desmoralização!
A "guerra de classes" é feita de avanços e recuos, momentos de mobilização e pausas para que possa recomeçar ainda mais forte. Nunca é em uma luta em linha reta que se ganha imediatamente na primeira tentativa. Toda a história do movimento operário tem mostrado que a luta da classe explorada contra a burguesia só pode levar à vitória depois de uma série de derrotas.
A única maneira de fortalecer a luta é aproveitar os períodos de recuo em boa ordem para refletir e discutir juntos, reunindo-se em todos os lugares, em nossos locais de trabalho, em nossos bairros e em todos os lugares públicos.
Os trabalhadores mais combativos e determinados, sejam ativos ou desempregados, aposentados ou estudantes, devem tentar formar "comités de luta" interprofissionais abertos a todas as gerações para se prepararem para as lutas futuras. Será necessário aprender as lições deste movimento, para compreender quais foram as suas dificuldades, de modo a poder superá-las nas próximas lutas.
Este movimento social, apesar de todas as suas limitações, fraquezas e dificuldades, é já uma primeira vitória. Após anos de paralisia, desordem e atomização, permitiu que centenas de milhares de trabalhadores saíssem às ruas para expressar a sua vontade de lutar contra os ataques do Capital. Esta mobilização permitiu-lhes expressar a sua necessidade de solidariedade e unidade. Também lhes permitiu experimentar as manobras da burguesia para fazer com este ataque passe.
Só através de luta e em luta é que o proletariado poderá perceber que é a única força na sociedade capaz de abolir a exploração capitalista para construir um novo mundo. O caminho para a revolução proletária mundial, para a derrubada do capitalismo, será longo e difícil. Será cheio de armadilhas e derrotas, mas não há outra maneira.
Mais do que nunca, o futuro pertence à classe trabalhadora!
Corrente Comunista Internacional, 13 de janeiro de 2020
[1] Para passar para um regime por pontos que vai implicar uma deterioração muito importantes das condições de vida dos futuros aposentados.
[2] Grupos muito violentos que, nas manifestações, costumam quebrar tudo que simboliza a riqueza dos exploradores.
[3] Companhia Republicana de Segurança
[4] Para remover os manifestantes que cercam policiais
Nas últimas semanas, assistimos um novo exemplo de cobertura midiática capitalista de uma catástrofe ambiental relacionada com os incêndios na Amazônia: bombardeio de imagens e estatísticas, longa aparição midiática dos líderes mundiais, proliferação de chamamentos abstratos para "fazer alguma coisa"... ; e ao mesmo tempo uma verdadeira cortina de fumaça - infelizmente, não se poderia dizer melhor - para mascarar as suas verdadeiras causas: - é o sistema capitalista como tal que é responsável por tal catástrofe, como o fato de que a única saída é a libertação da humanidade e do planeta deste sistema cada vez mais incompatível com a vida, com qualquer forma de vida.
Por mais sincera que seja a indignação provocada pela extinção dos recursos do planeta, por mais lógica que seja a preocupação com o futuro da natureza - que inclui a própria espécie humana -, o que devemos afirmar categoricamente é que sem nos concentrarmos na verdadeira origem do crescente desastre ambiental, sem dirigir nossa luta para suprimir o jugo capitalista que pesa sobre o planeta, sem estabelecer uma nova organização social, uma comunidade humana livre das leis da exploração e da mercadoria, esses desejos, ainda que justos, desaparecerão como cinzas.
Nesta campanha, os incêndios amazônicos foram apresentados como algo circunstancial. Na sua versão mais crua - a de Bolsonaro e também, recorde-se, a do próprio Evo Morales - os fogos são apresentados como uma fatalidade e algo "tradicional". Na versão mais "sofisticada" dessa campanha, os incêndios são explicados como como produto de manobras e dos interesses obscuros dos lobies agrícolas e pecuários dos lobistas agrícolas e pecuários.
Tudo isso é rigorosamente verdade, mas completamente parcial. E não há pior mentira do que meia verdade. Na realidade, o capitalismo de hoje é um sistema que queima as florestas. Só em 2018, desapareceram da face da terra 12 milhões de hectares de árvores de copa, dos quais 3,6 milhões eram florestas tropicais úmidas. O sistema tradicional de "queima" da floresta para obter terras para cultivos de subsistência e autoconsumo das comunidades rurais, deu lugar ao desmatamento e aos incêndios em escala industrial, como vimos em 2015 nas selvas de Bornéu e Sumatra para generalizar as plantações de palmeiras com as quais obter seu óleo para biodiesel. Vemos o mesmo hoje no Brasil e em toda a América do Sul para facilitar a penetração das operações de mineração e exploração madeireira, para obter pastagens com as quais alimentar uma pecuária extensiva a baixo custo e para uma produção massiva de soja e palma, essencialmente para exportação para explorações pecuárias na Europa e na América do Norte ou para a produção de biocombustíveis.
Os líderes europeus ou americanos que derramam lágrimas de crocodilo quando veem a queima da Amazônia defendem a competitividade da sua própria indústria alimentar. É por isso que o "compassivo" Macron (a quem voltaremos mais tarde) pôde ameaçar pôr fim aos acordos UE-Mercosul, que incluem, naturalmente, a importação de soja, milho e algodão do Brasil, ao menor custo possível.
A prova de que não é circunstancial nem característico" do estilo populista de Bolsonaro é que esta política de desmatamento brutal também foi praticada sob os governos de Lula, Rousseff e Temer, e está sendo seguida no Paraguai, Peru e pelo "revolucionário bolivariano" Morales, que não vai cessar suas invocações à "pachamama" (a Mãe Natureza)[1], nem se disfarçar de índio aymara, mas a verdade é que ele também diminuiu os controles ambientais e perdoou multas às empresas desmatadoras. Como resultado, até este ano, desapareceram na Bolívia 400 mil hectares de árvores em áreas como Chiquitanía (20 mil incêndios) e Pantanal.
O regime do Maduro também não deve ser menosprezado. A destruição da Amazônia venezuelana resultou no chamado "Arco Mineiro", com o qual esta vasta região é explorada sem controle não só pela negligência do Estado, mas também promove a extração de ouro e outros minerais que são depois vendidos principalmente à Turquia, permitindo aos líderes civis e militares do Chavismo manter uma certa renda no poder. Desde o tempo de Chávez, este arco mineiro está sob o controle de uma camarilha militar. Os guerrilheiros do ELN colombiano também atuam neste campo da exploração de recursos mineiros, com o qual a dupla Chavez-Maduro tem na prática concedido o controle de grandes segmentos desta área a verdadeiras máfias controladas por soldados e civis que ocupam altos cargos em seu governo e que também se beneficiam da exploração ilegal (cujas atividades cobrem um território muito maior do que no Brasil, no Equador e no Peru), que opera minas de ouro, diamantes e coltan[2] que causaram destruição real de plantas e alta poluição dos rios.
E o mesmo está a acontecer em África (em Angola, governada pelo MPLA, já ocorreram 130 mil incêndios este ano, quase o dobro do que no Brasil). O mesmo no Alasca e na zona árctica. Ou na própria Sibéria, onde Putin também tomou medidas para permitir que as florestas ardessem a menos que, do ponto de vista da rentabilidade econômica, fizesse sentido extingui-las. Consequentemente, 1,3 milhões de hectares queimaram em um ano e cidades como Novosibirsk ou Krasnoiarsk viram nuvens de fumaça levando milhares de pessoas a emergências hospitalares. Antes de Putin decidir que já não era rentável deixar arder a floresta, o custo dos incêndios na Sibéria ascendia a 100 milhões de euros, cinco vezes o montante da ajuda da UE ao Governo brasileiro para limitar os incêndios na Amazônia!
O que acontece com esta maré de incêndios é que, em última análise, é também facilitada pelo aquecimento global do planeta. Nem é este um fator que é de todo "natural", nem o resultado de um domínio da "espécie errada" como afirmam os "anti-espécies"[3]. É o resultado de uma forma de organização social dessa espécie que coloca o benefício de uma minoria social acima da sobrevivência da humanidade como um todo.
Portanto, a onda de fogo que hoje abala o planeta é, como dizemos, consequência e agravante desde o desastre ambiental. A fumaça dos incêndios já é responsável por 30% das emissões de gases responsáveis pelo conhecido "efeito estufa" - a indústria agroalimentar é hoje mais poluente que as empresas petrolíferas. E quem sofre em primeiro lugar e acima de tudo com as consequências desta degradação ambiental já não é a biodiversidade, mas a própria espécie humana. E dentro delas não só um punhado de comunidades indígenas nas selvas, mas sobretudo as massas de trabalhadores e a população empobrecida que se aglomeram nas grandes cidades. A poluição do ar (como a que ocorreu viu na Sibéria ou a que causou o escurecimento do céu em São Paulo às 15 horas da tarde, após os incêndios) é uma das principais causas de mortes prematuras. Um estudo recente da ONU estima que 8,8 milhões de pessoas por ano são vítimas dessa poluição, e essa taxa é comparativamente maior nos países mais "desenvolvidos". É um círculo vicioso maldito: o aquecimento favorece os incêndios, facilitando desmatamento, que por sua vez permite a propagação dos incêndios, liberando mais carbono, o que aumenta o aquecimento, numa espiral infernal.
Para cortar o nó górdio desta desta espiral é preciso pôr fim ao capitalismo, em todas as suas variantes, em todas as suas formas, em todo o mundo.
Para os exploradores é uma questão de negar que é o sistema que mantém seus privilégios que ameaça a sobrevivência da humanidade. Como a Internacional Comunista denunciou em 1919, se os líderes mundiais realmente quisessem descobrir quem foi o responsável pela carnificina da Primeira Guerra Mundial, eles só tinham que se olhar no espelho. Pelo contrário, eles se dedicaram a atribuir a culpa desta ou daquela expressão de sua barbárie (o militarismo prussiano ou a barbárie eslava, segundo o lado), a fim de esconder o fato de que a guerra imperialista é o resultado da evolução do capitalismo. Vimos também os estragos de uma crise que levou à miséria de bilhões de seres humanos e acentuou a competição entre capitais nacionais para se manterem à tona no mercado mundial, ainda que para isso tenham que atacar mais os recursos naturais (seja a China ou o Brasil[4]). Também foram responsabilizados por um punhado de capitalistas gananciosos (Lehman Brothers ou Merkel) que colocam seu egoísmo acima das necessidades da humanidade, quando a realidade é que a causa das crises são as contradições inerentes ao sistema capitalista, e que quanto mais tempo sobreviver, mais duros e devastadores serão os episódios de recessão e suas supostas "recuperações". E agora vemos a mesma coisa em termos da crise ambiental. A "mídia", os governantes "responsáveis" apontam o dedo para um punhado de "irresponsáveis", "lunáticos" ou "populistas" por causar as catástrofes que estão devastando o planeta. Tão gordo é o dedo acusador de alguns que vale a pena parar para examinar o seu comportamento para perceber o tamanho real do seu cinismo.
Tomemos por exemplo Evo Morales que, como já dissemos, pratica as mesmas medidas que Bolsonaro, exceto que em vez de ser fotografado com os grandes latifundiários, correu para tirar sua foto com uma mangueira, como se quisesse apagar o fogo, o muito hipócrita. Tomemos o exemplo do representante desta nova forma de governar "pelo povo", Andrés Manuel López Obrador (AMLO), com um discurso nos antípodas ideológicos de Bolsonaro, mas que em defesa da competitividade do capital nacional mexicano se prepara para realizar novos ataques sociais e "ecológicos" (como o Trem Maia que degrada a chamada Amazônia Mesoamericana, ou a refinaria de Dos Bocas, ambas inscritas no plano pomposamente denominado a Quarta Transformação). Levar o caso de Macron, levantado na recente cimeira de Biarritz, ao porta-estandarte do capitalismo "amigo do ambiente", mas que não hesitou em responder com repressão brutal aos protestos contra a construção de um aeroporto em Notre-Dame-des-Landes (na região dos Pays de la Loire) em 2018. Recorde-se que a França é um país amazônico (Guiana), é de facto o detentor da única floresta tropical "propriedade" europeia. E qual é a sua política? Facilitar o estabelecimento de operações mineiras de multinacionais francesas, russas, holandesas e canadenses (do Betide Trudeau!) para a exploração selvagem da chamada Golden Mountain, que provocará enormes custos energéticos (mais do que toda a capital da Guiana Francesa) e enormes quantidades - 300 milhões de toneladas - de resíduos tóxicos (arsênio, cianeto, etc.).
Não podemos escolher entre, por um lado, os métodos brutais e a linguagem grosseira de um Bolsonaro, um Trump ou os negadores da mudança climática que descrevem isso como uma "trama marxista" para impedir o desenvolvimento econômico do país; e, por outro lado, o cinismo dos governantes que se dizem preocupados com o aquecimento e o clima, que são fotografados sorrindo com as novas "estrelas" do movimento ambientalista que culpam uma parte da humanidade (os mais velhos, os ocidentais) pelo desastre ambiental, mas que estão dispostos a nos esmagar quando lutamos contra os próprios fundamentos do sistema que o provoca. Ambos acabam por provocar sufocamento de desgosto e angústia para o futuro.
Aqueles que querem que vejamos pessoas como Bolsonaro como as únicas responsáveis por catástrofes como os incêndios na Amazônia, os acusam de dar prioridade a benefícios particulares sobre qualquer outra consideração humanitária ou ambiental. Mas essa é a lógica básica do sistema capitalista. É a mesma lógica criminosa que subjaz a tantos outros crimes como guerras, miséria ou milhares de mortes nos naufrágios de migrantes no Mediterrâneo, por exemplo. Estão tentando nos fazer engolir uma mentira envenenada: seria possível ter um sistema onde, por exemplo, a Amazônia não seria mais considerada como um negócio, mas como uma "reserva ambiental" do planeta, enquanto ainda estaria baseada na exploração por uma minoria de uma grande maioria e na divisão da humanidade em classes, cuja força motriz é a transformação dos recursos naturais e dos seres humanos em mercadorias para acumular capital e que ficaria dividida por uma concorrência morta entre as nações até a guerra. Afirmar isto é mostrar cumplicidade fechando os olhos ou o cinismo criminoso.
É verdade que o desastre ambiental é grande demais para ficar à mercê das “nações soberanas”, que todo o planeta deve deixar de ser prisioneiro da ditadura das leis de lucro e acumulação que caracterizam o capitalismo, que a natureza deve ser emancipada de sua condição de mercadoria. Mas isso só pode ser feito libertando a humanidade e o planeta do capitalismo. E isso só é possível através do estabelecimento de uma nova ordem em todo o planeta: o comunismo resultante da revolução internacional da classe operária.
Como assinalamos no panfleto que estamos distribuindo nas mobilizações pelo planeta que estão ocorrendo nessas semanas: "A saída de um sistema que não pode existir sem a exploração de uma classe por outra só pode acontecer relançando a luta de classes, começando pela defesa dos interesses mais elementares do proletariado, contra os ataques às suas condições de vida e trabalho que todos os governos e todos os patrões descarregam contra eles em resposta à crise econômica. Ataques que são cada vez mais executados invocando a defesa do meio ambiente. Essa é a única maneira de a classe trabalhadora desenvolver o sentido de sua própria existência, contrariando todas as mentiras que querem que acreditemos que se trata de uma "espécie extinta" E é a única maneira de a luta de classes fundir as dimensões econômica e política, estabelecendo o vínculo entre a crise econômica, a guerra e as catástrofes ecológicas, e reconhecendo que só uma revolução proletária pode superá-las.
Valerio em 30 de agosto de 2019.
[1] A Mãe Terra como Mãe Terra nutritiva segundo a cosmogonia andina, que é objeto de um culto ritual tradicional.
[2] Minério estrategicamente muito cobiçado formado por dois minerais (colombite e tantalita), extraído pela sua elevada resistência à corrosão e utilizado, nomeadamente, na fabricação de componentes eletrônicos (telefonia móvel), mas também na aeronáutica e, em especial, no fabrico de reatores. (Nota do tradutor)
[3] Essa corrente política define a espécie humana - sem distinção entre as classes sociais em que está dividida e a evolução dos diferentes modos de produção por que passou a humanidade - como a causa da destruição da Natureza.
[4] A recente evolução do desmatamento na Amazônia segue um curso paralelo à degradação da posição do capital brasileiro no mercado mundial. Se ele foi contido entre 2004 e 2012, foi em parte porque o Brasil sonhou naquele momento em se tornar uma espécie de novo "dragão" da economia mundial (lembre-se quando os BRICs foram falados como um oásis diante da recessão, sendo o Brasil o B!). Esse sonho desapareceu e, a partir de 2014, o Brasil, mesmo com Dilma Rousseff no governo, debaixo da terra e redirecionado para a economia extrativista, em especial a pecuária e a soja. Como resultado, o desmatamento e os incêndios voltaram a aumentar.
Crise econômica, perspectiva de agravamento da repressão, acentuação da pobreza, aumento do medo e da insegurança, ataques contra o proletariado em previsão, ameaças de guerra, risco de caos ligado à própria personalidade do novo presidente, Bolsonaro, que tomou posse em 1º de janeiro de 2019.
Além da pessoa de Bolsonaro, que por si só simboliza o que o período em que vivemos pode produzir de mais sinistro e repugnante, há uma lei que podemos ter certeza que ainda será cumprida: qualquer que seja o rótulo político do novo presidente e seus ministros, qualquer que seja sua personalidade, ele não deixará de fazer os explorados pagar, ainda mais que seus antecessores, pela crise do capitalismo que só está se aprofundando.
Diante de todos esses perigos, só a classe operária, através de suas lutas de resistência, é capaz de se opor à lógica de morte do capitalismo e abrir outra perspectiva. Ao compartilhar as dificuldades do proletariado mundial para se reconhecer como uma classe com interesses antagônicos aos do capitalismo, o proletariado terá, no entanto, que, com base em experiências de luta de um passado por vezes recente, responder a ataques ao que tudo indica muito drásticos e isto no contexto social muito difícil de uma sociedade em decomposição[1]. Porém quanto mais a consciência do proletariado for libertada de todos os enganos e mistificações da classe burguesa, tanto à direita quanto à esquerda, mais seu combate se fortalecerá, e mais será possível, no futuro, reafirmar explicitamente o objetivo desta luta, a criação de uma outra sociedade sem classes ou exploração.
A delinquência e o crime são obviamente, fundamentalmente, a consequência da miséria econômica e moral da sociedade, produto do apodrecimento da sociedade capitalista. Seus níveis atuais tornam a vida diária insuportável em alguns países latino-americanos, como Honduras e Venezuela; eles são muitas vezes a principal causa de emigração em massa e selvagem. A situação no Brasil deteriorou-se dramaticamente nos últimos anos, impulsionando o país, e algumas de suas cidades em particular, a um nível muito alto no ranking mundial de criminalidade. As estatísticas seguintes dão uma ideia concreta do inferno cotidiano a que estão expostas as camadas mais desfavorecidas da população.
"O Brasil é uma das capitais mundiais de homicídios, com 60 mil homicídios por ano em uma população de quase 208 milhões de habitantes. Todos os anos, 10% das pessoas mortas no mundo são brasileiros. Quase 50 milhões de brasileiros com 16 anos ou mais - quase um terço da população adulta - conhecem alguém que foi assassinado, segundo pesquisa realizada pelo Instinto de Vida.[...] Quase 5 milhões de pessoas foram feridas por armas de fogo e cerca de 15 milhões conhecem alguém que foi morto pela polícia, uma das forças mais mortíferas do mundo". (Brazil’s biggest problem isn’t corruption — it’s murder [31])
"Segundo outro estudo, a taxa de homicídios em 2017 é de 32,4 por 100.000, com 64.357 homicídios. Em 2016, o Brasil registrou um recorde de 61.819 homicídios, ou uma média de 198 homicídios por dia, ou uma taxa de homicídios de 29,9 por 100.000 habitantes. Sete das vinte cidades mais violentas do mundo estão no Brasil devido ao aumento da violência nas ruas." (Crime in Brazil [32]).
O aumento da criminalidade e da insegurança está mergulhando cada vez mais vastas camadas da população num impasse total, no mais profundo desespero. Este flagelo que atormenta a sociedade não tem solução possível sob o capitalismo, nem sequer a menor possibilidade de mitigação[2].
Na campanha eleitoral de Bolsonaro, a luta contra a violência e a corrupção foi uma prioridade entre suas promessas. Ele se comprometeu a "combatê-las radicalmente", através de medidas que ostentam a marca registrada do personagem. Por trás de suas promessas eleitorais de declarar guerra ao crime, a verdadeira perspectiva é, na verdade, de um aumento da barbárie. Fazendo uma avaliação crítica das políticas seguidas até agora, ele disse: "a violência não pode ser combatida com políticas de paz e amor", então é necessário "aumentar o desempenho da polícia", "dobrar o número de pessoas mortas pela polícia". Podemos imaginar a carnificina em perspectiva quando, "de 2009 a 2016, 21,9 mil pessoas perderam a vida como resultado das ações policiais. Quase todas são homens entre 12 e 29 anos, três quartos são negros". (Guaracy Mingardi, em entrevista com HuffPost Brasil, ex-investigador da polícia e Secretário Nacional de Segurança Pública).
De fato, não só a criminalidade não será reduzida, como as vítimas da polícia aumentarão. E as primeiras vítimas serão, em primeiro lugar e acima de tudo, aqueles que, nos bairros pobres, já são os primeiros a sofrer de delinquência[3].
Há também uma forte preocupação de que o aumento da violência não seja apenas perpetrado por criminosos ou pela polícia, mas também deste sinistro e clássico apêndice da extrema-direita, as bandas recrutadas do lúmpen, que existem no Brasil há tempos.
No que diz respeito à luta contra a corrupção, Bolsonaro deu um "passo forte" ao nomear como ministro da Justiça o antigo juiz anticorrupção Sérgio Moro, formado pela CIA para a Operação Lava Jato (2014-2016), que visou particularmente certas figuras políticas, poupando outras que são tão ou mais corruptas.
A eleição de Bolsonaro faz parte da dinâmica global, que se verifica a nível internacional, da ascensão de “líderes fortes e retórica belicosa”, como ilustrado, por exemplo, pela eleição de Duterte nas Filipinas. Esta é uma consequência da decomposição do capitalismo, enredado em suas contradições inextricáveis. O fenômeno é muito palpável no Brasil, através da insegurança e do crime, e os medos que gera são a base para a ascensão ao poder de personagens como Bolsonaro.
No entanto, por importante que seja, esse fator não foi determinante na eleição de Bolsonaro. E a prova é que outro candidato, que foi o melhor político a serviço do capital brasileiro desde Vargas, teria sido eleito, segundo todas as pesquisas, no primeiro turno das eleições, se tivesse concorrido, apesar da acusação de corrupção contra ele. Estamos falando do ex-presidente Lula, que foi preso e mantido encarcerado para impedi-lo de se candidatar.
Como podemos explicar a persistência de tal popularidade de Lula? Simplesmente porque não parecia ser tão desonesto como todos os outros políticos que concorreram nas eleições e que vêm de todas as direções. O que realmente emergiu mais precisamente, e que está de acordo com a realidade, é que a acusação e a pena contra ele foram particularmente duras em relação às acusações que lhe foram feitas, principalmente quando se compara com o destino de outros políticos imersos nos escândalos e que saíram muito bem desta situação, como Michel Temer, do PMDB, e Aécio Neves, do PSDB, por exemplo.
Os altos índices de aprovação de Lula nas pesquisas, não significam que sua imagem não tenha sido corroída com o tempo, particularmente dentro da classe trabalhadora, devido aos ataques contra os trabalhadores que ele realizou durante seus dois mandatos sucessivos[4]. Mas ele parecia amplamente ser um mal menor, dada a sua estatura, em face de todos os outros candidatos. Sua popularidade foi maior inclusive do que seu próprio partido, o PT, o que afetou o candidato indicado por este partido assim que Lula foi incapacitado de se candidatar. De fato, enquanto Lula teria vencido Bolsonaro no primeiro turno, Haddad, o candidato do PT, foi claramente derrotado por Bolsonaro no segundo turno. Essa diferença entre Lula e o PT não é surpreendente, já que, durante três mandatos sucessivos, o partido esteve envolvido em muitos casos de corrupção, mas também apoiou todas as políticas de austeridade: as dos dois mandatos de Lula e as de Dilma, ainda mais drásticas, durante seu primeiro mandato e os poucos meses de seu segundo mandato antes de ser afastada[5].
O contraste é impressionante entre a capacidade política de Lula, por um lado, e a notória incapacidade que parece afetar Bolsonaro, por outro. Por que a burguesia reserva tal destino para um dos seus quando aparece atualmente como o que foi o ator principal (durante seus dois mandatos de 2002 a 2010) na emergência do Brasil na cena internacional e do segundo milagre brasileiro[6]? De fato, o impedimento de Lula foi parte de uma estratégia em que os Estados Unidos desempenharam um papel de primeira importância visando trazer o Brasil de volta à sua influência direta, enquanto a sétima maior economia do mundo estava afastando-se deles desde precisamente o início do primeiro mandato de Lula. Desde então, ele promoveu um distanciamento efetivo quando os governos que o antecederam eram completamente subservientes aos EUA.
Muito antes da formação dos dois blocos antagônicos rivais após a Segunda Guerra Mundial, o americano e o russo, a América Latina tinha sido o quintal dos Estados Unidos até que, com o colapso do bloco do Leste, o bloco ocidental desapareceu por sua vez. Até 1990, o tio Sam foi capaz de defender eficazmente a sua reserva privada contra qualquer tentativa de intrusão por parte do bloco imperialista rival. Da mesma forma, integrou os vários países do continente sul-americano em redes de acordos comerciais bilaterais ou multilaterais que beneficiaram principalmente os Estados Unidos. Para servir seus interesses, o tio Sam fez e derrotou governos como ele desejava, por exemplo, estabelecendo ditaduras de extrema direita para lutar contra qualquer tentativa de estabelecer governos de esquerda que pudessem transmitir a influência do bloco oposto. Esse foi particularmente o caso da Argentina, Chile e Brasil nas décadas de 1960 e 1970. Da mesma forma, quando tal ameaça se afastou, os Estados Unidos também puderam apoiar o processo democrático para acabar com uma ditadura. Este foi o caso do Brasil em 1984 para conseguir que um governo democrático pusesse fim à excessiva rigidez na gestão do capital nacional pelo Estado liderado pelo exército, tornando-o assim mais propício à penetração americana[7]. Foi esta gestão do Estado pelo exército que inspirou Bolsonaro quando, no ano de 2000, defendeu o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso pelas privatizações, que agora é uma das medidas norteadoras do seu governo.
Após a dissolução do bloco ocidental, o Brasil, como outros países da América do Sul ou do mundo, aproveitou o alívio da pressão dos Estados Unidos para jogar suas próprias cartas geopolíticas. Como resultado, conseguiu distanciar-se econômica e politicamente dos Estados Unidos. Com efeito, durante todo o período da presidência Lula (2003–2006; 2007-2010), o país distinguiu-se por um desenvolvimento econômico significativo, mas também por certas posições políticas opostas às dos Estados Unidos. Em particular, a oposição do governo Lula foi crucial para o aborto em 2005 do projeto norte-americano da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), um acordo multilateral de livre comércio que cobria todos os países do continente americano, exceto Cuba. Essa oposição também se manifestou através da promoção de países não alinhados aos Estados Unidos, na América Latina e outros países. Assim, em 2010, o Brasil se opôs aos Estados Unidos sobre a questão do Irã. Ao mesmo tempo, estabeleceu relações econômicas internacionais (BRICS) que reforçaram a sua independência em relação aos Estados Unidos. Como destaque dessa trajetória de distanciamento dos Estados Unidos, a China tornou-se o maior parceiro comercial do Brasil em abril de 2009, substituindo os Estados Unidos[8]. Ao fazê-lo, o Brasil ganhava uma posição cada vez mais hegemônica em todo o continente sul-americano, graças ao seu poder econômico e diplomático. Como resultado, durante o governo Lula, o Brasil tornou-se o principal concorrente dos Estados Unidos na região. Concorrente mas não inimigo declarado. De fato, Lula conseguiu estabelecer uma relação tanto com os Estados Unidos quanto com a China, mas claramente favorecendo a China, ainda mais porque esse poderoso "parceiro" estava geograficamente distante, ao contrário dos Estados Unidos.
Como expressão e fator da ascensão econômica do Brasil, as grandes empresas brasileiras, impulsionadas pelos investimentos dos bancos estatais[9], estavam se estabelecendo no cenário internacional, particularmente nos setores de energia, construção, alimentos, construção naval, armamentos, serviços, etc.
Entre estas se incluíam a Petrobras (produção de petróleo e derivados), JBS (produção de proteínas animais, carnes e derivados), Odebrecht (construção pesada, armamento e serviços à Petrobras), etc. Por exemplo, graças a um intenso financiamento público, a JBS tornou-se a maior produtora e exportadora mundial de proteína animal, com presença em mais de 30 países. A multinacional brasileira Odebrecht (12ª no mundo), com atividades em quase todos os países da América do Sul, em algumas ex-colônias portuguesas na África e até além dela, foi certamente um importante veículo para a penetração econômica do Brasil fora de suas fronteiras na América do Sul.
Além disso, medidas protecionistas também estavam sendo tomadas para impor a presença de empresas brasileiras em diferentes circunstâncias: em cooperação com empresas estrangeiras vindas ao Brasil para extrair petróleo; qualquer fornecimento no Brasil de bens de capital deve necessariamente incluir componentes fabricados no Brasil, assim que existissem ou pudessem existir no catálogo.
Outra medida protecionista em favor de grandes empresas brasileiras também foi implementada, mesmo que "ilegal", mas também praticada em todo o mundo. A Odebrecht, por exemplo, tinha um departamento especializado na concessão de subornos para grandes contratos em todos os países onde operava. Esta empresa, assim como outras, incluindo a OAS, organizaram-se em um Cartel na indústria da construção especialmente de grandes estruturas, pagando aos executivos do grupo petrolífero público Petrobras e aos políticos cúmplices, através de um sobrefaturamento estimado entre 1% e 5% do valor dos contratos. Foi instaurado um sistema de desvio de vários bilhões de Reais para financiar partidos políticos e/ou enriquecimento pessoal ("Brésil : tout comprendre à l’opération "Lava Jato" [33]" - Brasil: entendendo tudo na operação "Lava Jato". Le Monde, publicado no 26 de março 2017, atualizado no 4 de abril 2018).
Nenhum dos rivais econômicos dos Estados Unidos pode, evidentemente, opor-se ao fato de a primeira potência mundial tirar vantagem econômica da sua posição no mundo em detrimento de todos os seus concorrentes, tanto mais que a sua moeda é também a moeda de troca internacional. Por outro lado, os Estados Unidos estão particularmente vigilantes para garantir que qualquer país culpado de descumprimento das leis da concorrência seja severamente punido. Assim, a trapaça brasileira tem sido usada como um pretexto e um alvo para uma vasta ofensiva destinada a demolir toda a organização econômica em que se baseava. As represálias foram tanto mais draconianas quando se destinavam não apenas a impor sanções econômicas por violações da lei de concorrência, mas, acima de tudo, condenar todas as medidas protecionistas na economia brasileira (quer sejam legais ou não como a atribuição sistemática de subornos), e para suavemente trazer o Brasil de volta à influência exclusiva americana, neutralizando suas forças políticas mais influentes e hostis para tal orientação. Isso se reflete no tratamento do político mais popular do Brasil, Lula, condenado a 12 anos de prisão após um procedimento sumário e sem provas significativas de suposto enriquecimento pessoal. Não é insignificante que esta seja a acusação mais difícil de consubstanciar, a de enriquecimento pessoal, que, no entanto, foi feita contra Lula, porque ela estava na melhor posição para desacreditá-lo entre seu eleitorado, enquanto outras acusações - atestadas por muitas testemunhas - relativas a irregularidades em benefício do Estado brasileiro parecem não ter sido levadas em conta.
O nome "Lava Jato" fez sua primeira aparição pública em março de 2014 e foi logo seguido por vazamentos relacionados às confissões de um ex-diretor da Petrobras, concedidas na esperança de uma redução da pena, sobre a existência de um vasto sistema de subornos pagos aos executivos desta empresa, assim "subornados" para adjudicação de contratos. Como resultado, o semanário de oposição "Veja" mencionou os nomes de cerca de 40 supostos funcionários eleitos da coalizão governista de centro-esquerda, principalmente membros do PMDB, do PT e do Partido Socialista Brasileiro.
Eventos de corrupção que remontam a 2008 tinham motivado a mobilização de órgãos de controle do Estado burguês. Ela dará origem à Operação "Lava Jato", cujo grupo de trabalho era composto por agentes da polícia federal, membros do Ministério Público e juízes. Para o seu trabalho, este grupo recorreu aos tribunais responsáveis pela auditoria das contas do Estado, ao poder judiciário, ao Ministério Público e à polícia federal, com a criação de grupos especiais destes últimos para "combater" o crime organizado nas suas diversas formas.
Há fortes indícios de que essa mobilização judicial tem sido realizada em estreita interação com as mais altas autoridades dos Estados Unidos, ou mesmo que seja produto de uma interferência aberta por parte destas últimas. Assim, os documentos divulgados pelo Wikileaks relatam a realização de um seminário de cooperação no Rio de Janeiro em outubro de 2009 com a presença de membros selecionados da Polícia Federal, Justiça, Ministério Público e representantes das autoridades norte-americanas[10]. De fato, tal seminário não é surpreendente, uma vez que, por um lado, os Estados Unidos tinham interesse nele, mas também o fato de que, desde a década de 1960, as principais figuras do Judiciário e do Ministério Público brasileiro têm se mostrado ardentes defensores das instituições americanas que lhes oferecem cursos, treinamento, conferências, assistência em investigações... Tal cooperação não é negada pelo Procurador-Geral da República, à época, Rodrigo Janot, uma das figuras centrais da "Lava Jato", quando explica que "os resultados brasileiros também são consequência de uma troca intensa com os Estados Unidos, que forneceram ao Brasil treinamento e atualização aos investigadores brasileiros, além de tecnologia e técnicas de planejamento de investigação"[11]. Caso houvesse alguma dúvida em contrário sobre a relação com os Estados Unidos! Não podemos resistir a citar aqui o título de outro artigo: "FBI atua na "lava jato" desde o seu começo e se gaba da operação pelo mundo"[12].
No contexto desta pressão dos Estados Unidos sobre o Brasil, vale também a pena destacar o episódio de gravações da NSA em 2011 de conversas presidenciais, de alguns ministros, de um diretor de banco central, diplomatas, líderes militares[13].
Não é de surpreender que os primeiros resultados da "Lava Jato" tenham sido divulgados em 2014, sobre a existência de um sistema de subornos pagos a executivos da Petrobras. De fato, estes "vêm no momento oportuno" para enfraquecer Dilma e o PT na campanha pela reeleição incerta da presidente em final de mandato, quando, no período incriminado pelos primeiros resultados em questão, Dilma era presidente do conselho de administração da Petrobras, assim como havia o envolvimento do PT, através de alguns de seus membros, na gestão dessa empresa estatal.
No entanto, essa primeira explosão de revelações da "Lava Jato" não foi suficiente para retirar Dilma e o PT da condução política do país. A presidente é reeleita na disputa contra um candidato do PSDB, Aécio neves, que depois também teve sua reputação política manchada por esse mesmo caso. No entanto, o fato de ter sido reeleita neste contexto testemunha a confiança que uma parte significativa da burguesia ainda tinha nela para defender os interesses do capital nacional. Com efeito, para esta disputa eleitoral, tal como para as anteriores, pôde se beneficiar de um nível significativo de recursos financeiros de grandes empresas industriais, financeiras e de serviços.
No entanto, rapidamente se desacreditou ainda mais profundamente por causa das severas medidas anti-proletárias que então tomou (renegando assim suas promessas eleitorais), como a série de medidas para restringir o acesso ao seguro desemprego. Ela também foi novamente desafiada nas ruas nos primeiros meses de 2015 através de manifestações iniciadas por organizações de direita que evitaram parecerem partidos políticos. Nestas manifestações, que reuniram milhões de pessoas, havia conservadores, liberais e apoiantes da tomada do poder pelos militares. Vale a pena notar aqui que estas manifestações servirão de trampolim para promover um discurso em defesa da candidatura do notoriamente homofóbico e igualmente misógino, capitão da reserva do exército, Bolsonaro.
Os então "aliados" de Dilma, sem ela e sem o PT, constituem uma nova e esmagadora maioria parlamentar, aliando-se aos partidos da oposição, em particular o PSDB e setores de partidos como o PMDB, o PDT, o PSB, todo o DEM e os outros partidos menores. Dilma foi impedida em agosto de 2016 por votação do Senado após um controverso processo de Impeachment (impedimento).
Todos os grandes grupos políticos brasileiros foram afetados pelas revelações da "Lava Jato". Grandes figuras da burguesia brasileira foram alvo de suas investigações, até mesmo humilhadas (especialmente a Odebrecht) pelas revelações flagrantes de suspeitas, de provas contra elas imediatamente jogadas na imprensa que as retransmitiu. Os noticiários televisivos e os programas especiais tornaram-se o cenário de "deliberações judiciais populares" para as quais o espectador foi convidado. O poder judicial "todo-poderoso" parecia ser o chefe do Estado, capaz de subjugar qualquer pessoa (nenhum líder empresarial, executivo ou cacique partidário poderia se sentir seguro).
Mas longe de reforçar a imagem das instituições e da democracia, a "Lava Jato" desacreditou-as ainda mais. Se a corrupção e a podridão foram de fato entregues publicamente à vergonha, os meios utilizados para esse fim eram pelo menos também questionáveis: a institucionalização e a banalização da denúncia[14]. Além disso, rapidamente se tornou claro que nem todos os réus eram iguais perante os tribunais de "Lava Jato", e que as sanções mais pesadas eram aplicadas àqueles que deviam ser retirados do poder. Só o exemplo de Lula resume esta situação.
A mesma "injustiça" pode ser encontrada em relação às sanções impostas às empresas brasileiras que "falharam". Neste caso, são os Estados Unidos que "punem", eventualmente aceitando acordos "generosos" para evitar algumas das colossais "multas". Assim, por exemplo, o governo dos EUA exigiu que a JBS (J&F) transferisse o seu controlo operacional constituindo-se numa empresa americana se quisesse evitar sanções. A Odebrecht foi fortemente sancionada. No mesmo sentido a Petrobrás é sancionada pelo governo americano.
Durante sua campanha eleitoral, Bolsonaro enviou um sinal muito forte aos Estados Unidos e à China de que iria romper com esta última se fosse eleito, fazendo uma visita oficial a Taiwan. Assim, ele afirmou claramente as orientações que o "candidato de Washington", apoiado por parte da burguesia brasileira, iria implementar após a sua eleição, que se tornou certa após Lula ser impossibilitado de se candidatar. Assim foi o fim da posição do Brasil em um equilíbrio desigual, mas relativamente confortável, entre os Estados Unidos e a China[15].
A "Lava Jato", que foi um elo essencial na "recuperação" do Brasil pelos Estados Unidos, desmantelou todas as proteções econômicas - legais e ilegais - e os subsídios estatais a favor das empresas brasileiras. As consequências serão muito graves para o Brasil. De fato, a remoção dessas proteções já começou a expor perigosamente as empresas brasileiras à concorrência dos Estados Unidos. Isto só irá piorar com o reforço da "cooperação" econômica entre ambos os países. Além disso, em um contexto econômico global cada vez mais difícil, também será necessário pagar pela adição das consequências devastadoras da política de dívida do país sob Lula e Dilma.
Em termos de relações internacionais, como um cachorrinho submisso, Bolsonaro seguiu os passos de Trump e sua diplomacia delirante ao decidir, como sinal de apoio a Israel, transferir a embaixada brasileira para Jerusalém. Mais recentemente, o secretário de Estado norte-americano Mike Pompeo, que viajou ao Brasil para a posse de Bolsonaro, conversou com o novo presidente sobre uma "oportunidade de trabalhar juntos contra regimes autoritários", aludindo a Cuba e à Venezuela, e velou a referência à necessidade de conter o expansionismo chinês. O Brasil encontra-se no turbilhão imperialista global, como este tweet da ex-embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley, ilustra ainda mais claramente: "É bom ter um novo líder pró-americano na América do Sul, que se junte à luta contra as ditaduras na Venezuela e em Cuba e que veja claramente o perigo da crescente influência da China na região" ("Brasil, Bolsonaro e Estados Unidos para uma relação "transformada"").
Por meio de um vasto empreendimento espalhado por vários anos, mobilizando recursos próprios significativos (para não mencionar os mobilizados no Brasil pela "Lava Jato"), os Estados Unidos finalmente chegaram ao fim, ou seja, à plena reintegração do Brasil à sua influência. É, portanto, um sucesso da diplomacia americana e de todos os serviços que a acompanham: a magistratura, o FBI, a espionagem... porém, o sucesso talvez ainda não esteja completo.
O último passo na manobra foi prover o Brasil de um candidato que seria o portador da nova orientação. O candidato foi encontrado, ganhou as eleições[16] graças às manobras que conhecemos. Mas o mínimo que podemos dizer é que ele não é muito "apresentável". É verdade que não havia escolha real, uma vez que a "Lava Jato" tornou as formações e forças políticas tradicionais ainda mais desacreditadas do que antes, inutilizáveis durante algum tempo, e também porque alguém como Lula, um político incomparavelmente mais experiente e hábil, era incompatível com a nova orientação.
Se por um tempo Bolsonaro talvez será capaz de seduzir um segmento da população que votou nele nas eleições, ele também pode se tornar um ponto fraco do sistema se não mudar seu estilo.
O personagem Bolsonaro, misógino e homofóbico assumido, é caricatural. Ele tem saudades da ditadura militar que existiu no Brasil entre 1964 e 1985. Prometeu limpar o país dos "marginais vermelhos". Seu clã político familiar também faz parte da cena. Um dos seus filhos, Eduardo Bolsonaro (Deputado Federal do Estado de SP) caminha com um passo decidido nas pegadas do "pai", porém melhor, sendo "mais excessivo": quer que as ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra sejam qualificadas como "terrorismo" e, para ele, "qual o problema?" se para isso "for necessário prender 100.000 pessoas". Pretende igualmente qualificar o comunismo como um crime.
Ambicioso para surfar no efeito "Lava Jato", Bolsonaro tinha-se preparado para vestir o traje político de um cavaleiro branco incorruptível. Para isso, ele começou por ter o cuidado de deixar seu antigo Partido Progressista em 2016, o partido mais envolvido nos escândalos que estão agitando o país (dos 56 deputados afiliados ao PP, 31 estão sob acusação de corrupção). Mas sua primeira gafe não esperou até a inauguração. Entre as figuras políticas que escolheu para fazer parte do seu futuro governo, algumas já eram acusadas de corrupção. Foi assim que o cavaleiro incorruptível já manchou as suas belas roupas presidenciais brancas antes mesmo de tomar posse. Pior ainda, o comportamento irresponsável do seu clã[17] já o fez parecer um palhaço sinistro. Quando um de seus filhos nos informou de desentendimentos no próprio campo de Bolsonaro, ele chegou ao ponto de "banquetear-nos" com detalhes sórdidos. As discordâncias são tais, diz-nos ele, que "há alguns que gostariam que Bolsonaro morresse". Quer seja blefe, expressão de estupidez ou realidade, estas palavras dizem muito sobre a hipocrisia do clã bolsonariano, suas ligações com as milícias criminosas no Rio de Janeiro [34] ou o envolvimento do filho Flávio em movimentações bancarias suspeitas (Caso Queiroz [35]). Isso já de início é mais uma demonstração evidente da podridão que impera no seio do grupo que assumiu o mandato.
Infelizmente, não devemos nos regozijar com a estupidez expressa de Bolsonaro e parte de sua comitiva, pensando que ele corre o risco de ser um defensor muito pobre dos interesses da burguesia. Ou será um fantoche teleguiado nos bastidores, ou o seu deslize, particularmente em termos de tensões imperialistas, poderá ter consequências desastrosas para uma parte da população.
A classe trabalhadora no Brasil vai enfrentar severas provas como resultado dos ataques econômicos já anunciados ou ainda não anunciados. O primeiro delas, a reforma previdenciária, é "o primeiro e maior desafio", como anunciou o ultraliberal ministro de Economia, Paulo Guedes, no momento de sua investidura, e é caracterizada pela mídia como "a espinhosa revisão de um regime muito caro para o Estado, pedida com insistência pelos mercados" ("Brésil : le gouvernement Bolsonaro en place, salué par la Bourse" - Brasil: o atual governo Bolsonaro, acolhido pela Bolsa de Valores).
A atual dificuldade geral da classe operária em se reconhecer como uma classe com interesses antagônicos aos do capital não deixará de afetar sua capacidade de reagir ao dilúvio de ataques que cairá sobre ela no Brasil. Mas é também através da resposta necessária, da crítica às fraquezas próprias que não deixarão de se manifestar nesta ocasião, que ela poderá novamente dar passos em frente rumo a uma luta mais unida, mais massiva, mais solidária e livre das mistificações que pesam sobre a sua consciência, especialmente as mais perniciosas transmitidas pela esquerda (PT,...) e a extrema esquerda do capital (trotskistas,...). É por isso que devemos nos apropriar novamente das experiências passadas. Recordemos especialmente:
- A mobilização espontânea massiva dos trabalhadores metalúrgicos do ABC em 1979, superando em muito a mobilização que ocorria todos os anos durante a campanha salarial convocada pelos sindicatos (para o reajuste dos salários).
- A forma como Lula reprimiu os controladores aéreos em 2007, que entraram espontaneamente em greve diante da dramática deterioração de suas condições de trabalho, sem qualquer instrução sindical (visto que nesse setor não tinha, pois, a greve é proibida) e apesar das ameaças de prendê-los do comando aeronáutico militar, Lula, em particular, acusando-os publicamente nesta ocasião de serem "irresponsáveis e traidores". (Ler nossos artigos "Diante dos embates do capital, os controladores aéreos respondem com a luta [36]" e "Repressão e marginalização do movimento dos controladores aéreos [37]")
- A experiência do movimento 2013 que partiu espontaneamente após o aumento do preço dos transportes públicos, por iniciativa dos jovens proletarizados e mobilizando milhares de pessoas em mais de 100 cidades, e depois se espalhou para protestar contra a redução de muitos serviços sociais. Em seguida, ele expressou uma rejeição maciça aos partidos políticos, principalmente ao PT, bem como de organizações sindicais ou estudantis. Outras expressões do carácter de classe deste movimento emergiram, ainda que de forma mais minoritária, através de assembleias de decisão sobre as ações a empreender. (Ler nosso artigo "junho de 2013 no Brasil [38]: a indignação detona a mobilização espontânea de milhões [38]")
Novas dificuldades, que possivelmente surgirão como consequência da situação atual, poderiam dificultar ainda mais a luta de classes no Brasil. É importante preparar-se para a sua ocorrência.
Bolsonaro é tão odioso que é capaz de polarizar a raiva causada pelos ataques econômicos contra si mesmo. O perigo será então ver apenas a pessoa e não o capitalismo em crise que está por trás dos ataques. Existe a possibilidade dum perigo semelhante em relação à orientação política de Bolsonaro, a extrema-direita, que a esquerda certamente apontará como responsável pela deterioração das condições de vida. Não se pode excluir que Lula e o PT possam novamente, no futuro, assumir a função de desviar o descontentamento contra a direita e a extrema-direita para uma alternativa à esquerda. Deve-se então ter em mente que qualquer partido, da extrema-direita à extrema-esquerda, que chegue à cabeça do Estado a responsabilidade de defender os interesses do capital nacional e que isso é necessariamente à custa da classe explorada. Além disso, deve-se lembrar que o flagrante ataque contra Lula pela "Lava jato", enquanto muitos entre seus famosos "colegas" políticos tortuosos foram relativamente poupados, não significa de modo algum que o antigo metalúrgico que saiu das fileiras se possa caracterizar de honesto e muito menos ainda de defensor dos operários.
Da mesma forma, não faltarão vozes para tentar desviar a legítima ira dos trabalhadores para o "imperialismo ianque que oprime o Brasil" e do qual deveria ser libertado. É um trágico beco sem saída que já provou o seu valor. Envolve a mobilização do proletariado ao lado de uma parte da burguesia brasileira contra a burguesia americana. O proletariado não tem pátria para defender, apenas seus interesses de classe. Diante de tal mistificação, há apenas uma palavra de ordem: luta de classes em todos os países contra o capitalismo.
Esta só pode ser uma perspectiva, um objetivo que não pode ser atingido imediatamente, mas é sempre este objetivo e essa perspectiva que devem guiar a ação do proletariado, a qual deve ser concebida tanto quanto possível como um elo da cadeia que conduz à revolução proletária mundial.
Revolução Internacional (06/02/2019)
[1] A desagregação da sociedade diz respeito a todos os países, ainda que de forma desigual, e se expressa através de um conjunto de diferentes fenômenos que contribuem para tornar a vida em sociedade cada vez mais difícil, bem como a emergência de uma perspectiva de derrubada e superação do capitalismo. Entre as suas manifestações mais salientes, já sublinhamos muitas vezes o desenvolvimento, como nunca antes, do crime, da corrupção, do terrorismo, do consumo de drogas, das seitas, do espírito religioso, do cada um por si... Como consequência do aprofundamento deste fenômeno de decomposição da sociedade, há também as catástrofes "naturais", "acidentais", com efeitos cada vez mais devastadores. Uma ilustração recente disso foi a tragédia causada pelo rompimento, em 25 de janeiro, da Barragem da Vale em Brumadinho, que consistia em milhares de metros cúbicos de rejeitos da mina de ferro próxima. O resultado, aproximadamente 200 mortos ou desaparecidos, é uma ilustração entre milhares de outros no mundo das consequências da irracionalidade mortal do capitalismo no final da sua vida.
[2] De acordo com alguma propaganda da burguesia, há uma possibilidade de reduzir os números da criminalidade, como ilustra o caso da Colômbia, com a eliminação dos mais importantes cartéis de drogas. O problema é que o exemplo da Colômbia não é generalizável, particularmente porque, na maioria dos países onde o crime é mais alto, é essencialmente o resultado de uma multidão de pequenas gangues e especialmente de indivíduos isolados.
[3] Esta pode ser a razão pela qual a pontuação de Bolsonaro nas últimas eleições foi muito baixa (bem abaixo de 50%) nos bairros mais pobres.
[4] As políticas sociais para aliviar a miséria das camadas mais pobres, um valor ínfimo no orçamento do estado e financiado graças a uma acentuação da exploração dos trabalhadores, tiveram um efeito muito grande no sentido de fortalecer o prestigio de Lula entre essas camadas.
[5] Na realidade, a dureza dos ataques realizados pelos governos Dilma tem ajudado a apagar da memória os "menos brutais" dos governos Lula anteriores.
[6] Em referência ao que é comumente chamado de "milagre brasileiro", onde, entre 1968 e 1973, a taxa média de crescimento da indústria subiu para quase 24%, o dobro da economia em geral do país. O primeiro milagre foi financiado pela dívida, de modo que, no início da década de 1980, o Brasil estava "à beira da falência".
[8] "Pela primeira vez na história do Brasil, a China tornou-se seu maior parceiro comercial em abril de 2009, substituindo os Estados Unidos. Um mês antes, já havia se tornado o principal importador de produtos brasileiros. (...) desde a década de 1930, os Estados Unidos se estabeleceram firmemente em primeiro lugar (...). Esta mudança de situação deve-se principalmente à contração do comércio americano com o resto do mundo, ligada à crise econômica. Este fenômeno afeta igualmente os países da União Europeia nas suas relações com o Brasil. Mas, acima de tudo, reflete um forte e contínuo aumento das compras à China. As exportações do Brasil para a China quintuplicaram em valor entre 2000 e 2008. Eles aumentaram 75% entre 2007 e 2008. Este aumento permitiu ao Brasil gerar um excedente comercial nos primeiros quatro meses de 2009 que foi o dobro do registado no mesmo período de 2008. Os três principais parceiros do Brasil agora são, em ordem, a China, os Estados Unidos e a Argentina." (La Chine est devenue le premier partenaire commercial du Brésil [40] - A China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil - Le Monde, 8 de maio de 2009)
"De 2003 a 2018, empresas chinesas investiram US$ 54 bilhões no Brasil em cerca de 100 projetos (Ministério do Planejamento). Só em 2017, os investimentos chineses ascenderam a quase 11 mil milhões de dólares. No primeiro trimestre de 2018, as exportações para a China representaram 26% das exportações brasileiras, contra 2% em 2000 (Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior do Brasil). Um afluxo maciço de capital bem-vindo para este país, cuja economia foi enfraquecida por uma recessão histórica em 2015-2016 e por uma dívida pública que cresceu enormemente nos últimos anos" ("La Chine à la conquête du Brésil" - China conquistando o Brasil).
[9] Foi o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) que distribuiu o financiamento às empresas beneficiárias do regime preferencial. Lula foi o líder direto do lobby, com alguns líderes do PT associados a representantes das corporações.
[10] Esses documentos divulgados pelo Wikileaks relatam, em particular, que uma equipe de treinamento ianque ensinou os pupilos brasileiros (e estrangeiros) os segredos da "investigação e punição nos casos de lavagem de dinheiro, incluindo a cooperação formal e informal entre os países, confisco de bens, métodos para extrair provas, negociação de delações, uso de exame como ferramenta, e sugestões de como lidar com Organizações Não Governamentais (ONGs) suspeitas de serem usadas para financiamento ilícito". O citado relatório se conclui com a ideia que "o setor judiciário brasileiro claramente está muito interessado na luta contra o terrorismo, mas precisa de ferramentas e treinamento para empenhar forças eficazmente". "Wikileaks: EUA criou curso para treinar Moro e juristas [41]". O artigo do Wikileaks citado é [41]"BRAZIL: ILLICIT FINANCE CONFERENCE USES THE "T" WORD, SUCCESSFULLY [42]".
[14] Por exemplo, os 77 executivos da Odebrecht ouvidos pelos tribunais delataram 415 políticos de 26 partidos (de um total de 35) em 21 estados (de um total de 26 dentro da federação). Entre eles, cinco ex-presidentes do Brasil: José Sarney, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Temer também é citado em muitas ocasiões, mas não pode ser acusado de atos anteriores ao seu mandato, de acordo com a Constituição. Em seu pronunciamento, Marcelo Odebrecht afirmou ter pago 100 milhões de euros entre 2008 e 2015 ao Partido dos Trabalhadores (PT, centro-esquerda), além das contribuições oficiais durante as campanhas eleitorais. "Os ex-presidentes Lula e Dilma estavam cientes de nosso apoio, embora nunca tenham pedido dinheiro diretamente", disse ele. "Au Brésil, les ramifications du scandale Odebrecht [46]" - [No Brasil, as ramificações do escândalo Odebrecht] - Le Monde diplomatique.
[15] Naturalmente, não se sabe quanto tempo esse casamento forçado vai durar ou quais serão os altos e baixos. Uma coisa é certa: é do interesse da primeira potência mundial não assumir o risco de uma nova distância do Brasil, o que inevitavelmente deixaria a porta novamente aberta para as intenções da China de se estabelecer na América do Sul, e a possibilidade de que isso poderia representar uma ameaça direta e perigosa à supremacia americana, economicamente, mas sobretudo militarmente.
No entanto, não se deve esquecer que a operação de "recuperação do Brasil" foi essencialmente gerida durante anos pela administração Obama. Será que Trump, o imprevisível, será capaz de não a comprometer? Além disso, mesmo que a China tenha recebido sinais muito fortes de Bolsonaro e da administração Trump de que isso foi feito com sua relação privilegiada com o Brasil, é claro que não se retirará completamente, longe disso. Em primeiro lugar, do ponto de vista econômico, isso é impossível porque teria consequências dramáticas para a economia brasileira que nem mesmo os Estados Unidos podem desejar. Além disso, fica claro que a China está longe de aceitar seu despejo, como evidenciado pelo fato de já ter se candidatado à aquisição de empresas brasileiras que serão privatizadas por Bolsonaro.
[16] Com o apoio, aberto ou não, de todos os partidos de direita.
[17] Constituído em particular por todos os filhos de Bolsonaro que tiveram uma carreira na política e apoiam o "pai".
A CCI celebrou reuniões públicas em vários países e cidades motivadas pelo 50º aniversário do Maio de 1968. Em termos gerais, os presentes estiveram de acordo com as principais características do movimento que destacamos:
A ideia de que o Maio de 68 foi o sinal para o desenvolvimento de uma onda de lutas em escala internacional não surpreendeu, em geral, os participantes de nossas reuniões. Mas, paradoxalmente, nem sempre ocorreu o mesmo quanto a essa outra ideia de que o mês de Maio de 68 marcou o final do longo período de contrarrevolução resultante da derrota da primeira onda revolucionária mundial e, ao mesmo tempo, abriu um novo curso para os enfrentamentos de classe entre a burguesia e o proletariado. De fato, uma série de características do período atual, como o desenvolvimento do fundamentalismo, a multiplicação das guerras no planeta, etc., tendiam a ser interpretadas como sinais de um período contrarrevolucionário.
Trata-se de um erro que, em nossa opinião, tem sua origem em uma dupla dificuldade.
Por um lado, o conhecimento insuficiente de como foi o período de uma contrarrevolução mundial, iniciado com a derrota da primeira onda revolucionária e, portanto, uma dificuldade para compreender realmente o que esse período significou para a classe operária e sua luta, mas também para a humanidade, na medida em que a barbárie inerente ao capitalismo em crise deixou de ter limites. Por isso, neste artigo, tomamos a decisão de voltar em detalhe àquele período.
Por outro lado, o período aberto em Maio de 68, ainda que possa parecer mais familiar às gerações que – direta ou indiretamente – conheceram o Maio de 68, sua dinâmica geral subjacente não pode ser entendida espontaneamente. Pode ficar obscurecida, entre outras coisas, por acontecimentos, situações que, ainda que importantes, não foram fatores determinantes. Por isso, também voltaremos a esse período destacando suas diferenças fundamentais com o período da contrarrevolução.
O fenômeno que todos observaram de imediato, a saber, que depois de uma luta, a mobilização dos trabalhadores tende a retroceder e, com frequência, com ela a vontade lutar, também ocorre num nível mais profundo na escala da história. De fato, a história permite verificar a validade do que Marx tinha assinalado sobre este tema em O 18 Brumário, quer dizer, a alternância de ímpetos frequentemente enérgicos e deslumbrantes da luta proletária (1848-49, 1864-71, 1917-23), com outros de retrocessos (a partir de 1850, 1872 e 1923) que, ademais, levaram por sua vez ao desaparecimento ou degeneração das organizações políticas que a classe dado a si própria durante o período de lutas em ascensão: Liga dos Comunistas, criada em 1847, dissolvida em 1852; AIT – Associação Internacional de Trabalhadores: fundação em 1864, dissolução em 1876; Internacional Comunista: fundação em 1919, degeneração e morte em meados da década de 1920; a vida da Internacional Socialista, de 1889-1914, que havia seguido um curso mais ou menos semelhante, mas de forma menos clara. (“O curso histórico”, Revista Internacional nº 18)
A derrota da primeira onda revolucionária mundial de 1917-23 abriu o período de contrarrevolução mais longo, profundo e terrível que jamais suportado pelo proletariado e levando à perda de todas as referências por parte da classe operária como um todo, e a que poucas organizações que permaneceram leais à revolução acabaram sendo ínfimas minorias. E além disso, essa derrota deixou abertas de par em par as portas ao desencadeamento de uma barbárie que superaria em muito os horrores da Primeira Guerra Mundial. Foi, ao contrário, uma dinâmica oposta à que se desenvolveu a partir de 1968, e não há razão para dizer que já tenha se esgotado, apesar das grandes dificuldades experimentadas pelo proletariado desde o início da década de 1990 com a extensão e aprofundamento da barbárie pelo planeta.
A expressão “meia noite no século”, do título de um livro de Victor Serge[1], aplica-se perfeitamente à realidade desse pesadelo que durou quase meio século.
Desde o início, terríveis golpes à onda revolucionária mundial iniciada com a Revolução Russa em 1917, foram a antessala da longa série de ofensivas burguesas contra a classe operária que precipitaram o movimento operário nas profundezas da contrarrevolução. Para a burguesia, não somente era importante derrotar a revolução, mas também golpear à classe operária de maneira que não pudesse voltar a levantar a cabeça. Diante de uma onda revolucionária mundial que havia ameaçado a ordem capitalista mundial, e esse era o objetivo consciente e declarado[2], a burguesia não podia se contentar em fazer retroceder o proletariado. Tinha que fazer tudo o que estivesse a seu alcance para que no futuro essa experiência deixasse nos proletários de todo o mundo uma imagem tal que não se lhes voltasse a ocorrer uma nova tentativa. Sobretudo, tinha que tentar desprestigiar para sempre a ideia da revolução comunista e da possibilidade de estabelecer uma sociedade sem guerra, sem classes e sem exploração. Para isso, pôde beneficiar-se de circunstâncias políticas que lhe foram muito favoráveis: a perda do baluarte revolucionário na Rússia não foi alcançada por sua derrota no enfrentamento militar com os exércitos brancos que tentaram invadir a Rússia, senão por sua própria degeneração interna (para a qual, com certeza, contribuiu em grande medida esse considerável esforço bélico). A tal ponto que se tornou fácil para a burguesia fazer crer que a monstruosidade surgida da derrota política da revolução, a URSS “socialista”, parecesse comunismo. E, ao mesmo tempo, a tal URSS devia ser percebida como o destino inevitável de qualquer luta do proletariado por sua emancipação. Com esta mentira colaboraram todas as frações da burguesia mundial, em todos os países, desde a extrema direita até a extrema esquerda trotsquista.[3]
Quando as principais burguesias envolvidas na Guerra Mundial terminaram com ela em novembro de 1918, foi com o objetivo óbvio de impedir que novos focos revolucionários engrossassem o fluxo da revolução, que foi vitoriosa na Rússia e ameaçadora na Alemanha, onde a burguesia tinha se debilitado pela derrota militar. Isso evitou que a febre revolucionária, estimulada pela barbárie dos campos de batalha e pela insuportável exploração e miséria atrás das linhas de frente, se apoderasse também de outros países como a França, Grã-Bretanha, etc.. E esse objetivo foi totalmente alcançado.
Nos países vencedores, o proletariado, apesar de haver aclamado fervorosamente a Revolução Russa, não se comprometeu massivamente sob a bandeira da revolução para derrocar o capitalismo e pôr um fim definitivo aos horrores da guerra. Esgotado por quatro anos de sofrimento nas trincheiras ou nas fábricas de armas, aspirava antes de tudo descansar, “aproveitando” a paz que os bandidos imperialistas acabaram de lhe “oferecer”. E como acontece com todas as guerras, são sempre os vencidos quem, em última instância, são vistos como os causadores das guerras, num discurso da Entende (França, Reino Unido e Rússia) foi apagada a responsabilidade do capitalismo como um todo para colocar toda a culpa nos impérios centrais (Alemanha, Áustria e Hungria). Pior ainda, na França, a burguesia prometeu aos trabalhadores uma nova era de prosperidade sobre a base das reparações que seriam impostas à Alemanha. E foi assim que o proletariado na Alemanha e Rússia acabou ficando cada dia mais isolado.
E o que acontecerá, tanto nos países vitoriosos como nos derrotados, será o que Rosa Luxemburgo tinha esboçado em seu Folheto de Junius (A crise da socialdemocracia alemã): se o proletariado mundial não conseguisse, através de sua luta revolucionária, construir uma nova sociedade sobre as ruínas fumegantes do capitalismo, então, inevitavelmente, este acabaria infligindo calamidades ainda piores à humanidade.
A história desta nova queda na escuridão, que culminou com os horrores da Segunda Guerra Mundial, identifica-se em muitos aspectos com a da contrarrevolução que alcançou seu ponto culminante no final desse conflito.
A ofensiva dos exércitos brancos contra a Rússia soviética e o fracasso das tentativas revolucionárias na Alemanha e na Hungria
Pouco depois de Outubro de 1917, o poder soviético enfrentou as ofensivas militares do imperialismo alemão, o qual fazia ouvidos moucos a toda ideia de paz.[4] Os exércitos brancos, apoiados economicamente desde o estrangeiro, estruturaram-se em diferentes partes do país. Mais tarde, foram lançados novos exércitos brancos, organizados diretamente desde o estrangeiro, contra a revolução até 1920. O país foi cercado, pressionado por exércitos brancos e asfixiado economicamente. A guerra civil deixou um país totalmente devastado. Quase 980 000 pessoas morreram nas fileiras do Exército Vermelho, ao redor de 3 milhões entre a população civil.[5]
Na Alemanha, o eixo da contrarrevolução é formado pela aliança de duas grandes forças: o traidor SPD e o exército. Estas foram as origens da formação de uma nova força, os Corpos Francos, os mercenários da contrarrevolução, o núcleo do que acabaria sendo o movimento nazista. A burguesia acertou um golpe terrível no proletariado berlinense ao arrastá-lo a uma insurreição prematura em Berlim, que foi ferozmente reprimida em janeiro de 1919 (a Comuna de Berlim). Milhares de operários e comunistas berlinenses – já que a maioria deles também eram operários – foram assassinados (1 200 operários fuzilados), torturados e encarcerados. Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht e depois Leo Jogisches foram assassinados. A classe operária perdia parte de sua vanguarda e seu líder mais clarividente na pessoa de Rosa Luxemburgo, que teria sido uma valiosíssima bússola nas tempestades que se avizinhavam.
Além da incapacidade do movimento operário na Alemanha para frustrar essa manobra, padecerá de uma patente falta de coordenação entre os distintos focos do movimento. Depois da Comuna de Berlim, eclodiram em Ruhr lutas defensivas nas quais tomaram parte milhares de mineiros, siderúrgicos e operários têxteis das regiões industriais do Baixo Rin e da Westfalia (primeiro trimestre de 1919), seguidas de lutas no centro da Alemanha e de novo em Berlim (finais de março). O Conselho Executivo da República dos Conselhos da Baviera foi proclamado em Munique, logo derrotado e eclodiu a repressão. Berlim, Ruhr, outra vez Berlim, Hamburgo e Bremen, Alemanha Central, Baviera, por todas as partes o proletariado foi esmagado, parcela por parcela. Toda a ferocidade, a barbárie, a astúcia, os chamamentos à delação e a tecnologia militar se puseram a serviço da repressão. Por exemplo, “para recuperar a Praça de Alexander de Berlim, pela primeira vez na história das revoluções, foram utilizadas todas as armas dos campos de batalha: artilharia ligeira e pesada, bombas que pesavam até um quintal, reconhecimento aéreo e bombardeiro aéreo”.[6] Milhares de operários foram fuzilados ou assassinados nos combates; os comunistas foram perseguidos e muitos sentenciados à morte.
Os trabalhadores da Hungria em março se opuseram também ao capital em enfrentamentos revolucionários. Em 21 de março de 1918 foi proclamada a República dos Conselhos, mas foi esmagada durante o verão pelas tropas contrarrevolucionárias. Para mais informação, podem ser lidos nossos artigos na Revista Internacional.[7]
Apesar das tentativas heroicas do proletariado na Alemanha, em 1920 (diante do golpe de Estado de Kapp) e 1921 (ação de março) [8], que mostram a persistência de uma forte combatividade, acabou ficando patente que a dinâmica já não ia na direção do fortalecimento político do proletariado alemão como um tudo, senão pelo contrário.
A degeneração da revolução na própria Rússia
Os estragos das guerras contra as ofensivas da reação internacional, incluindo as consideráveis perdas vividas pelo proletariado; o enfraquecimento político do proletariado com a perda de seu poder político pelos conselhos operários e a dissolução da Guarda Vermelha; o isolamento político da revolução, tudo isso constituiu um terreno favorável para o desenvolvimento do oportunismo dentro do Partido Bolchevique e da Internacional Comunista[9]. A repressão da insurreição de Kronstadt em 1921, que tinha sido uma reação contra a perda de poder dos sovietes, foi ordenada pelo Partido Bolchevique. O Partido Bolchevique, depois de ser a vanguarda da revolução no momento da tomada do poder, acabou se convertendo em vanguarda da contrarrevolução após de uma degeneração interna a qual não pôde ser impedida pelas frações que surgiram dentro do partido para lutar precisamente contra seu crescente oportunismo.[10]
Desaparecidas as grandes massas que na Rússia, na Alemanha e na Hungria haviam se lançado ao assalto do céu e agora debilitadas, exaustas, derrotadas, elas já não podem mais. Nos países vitoriosos da guerra, o proletariado não se manifestou de forma suficiente. Tudo isso significou a derrota política do proletariado em todo o mundo.
O estalinismo se converte na ponta de lança da burguesia mundial contra a revolução
O processo de degeneração da revolução russa se acelerou com a tomada do controle do Partido Bolchevique por Stálin. A adoção em 1925 da tese do “socialismo em um só país”, que se converteu na doutrina do Partido Bolchevique e da Internacional Comunista, foi um ponto de ruptura e de impossível volta atrás. Aquela verdadeira traição ao internacionalismo proletário, princípio básico da luta proletária e da revolução comunista, foi assumida e defendida por todos os partidos comunistas do mundo[11] contra o projeto histórico da classe operária. Ao mesmo tempo que assinalava o abandono de todo projeto proletário, a tese do socialismo em um só país corresponde ao método russo de integração no capitalismo mundial.
Desde meados da década de 1920, Stálin seguiu uma política de liquidação sem piedade de todos os antigos companheiros de Lênin, utilizando em grande abundância os corpos repressivos que o Partido Bolchevique tinha implantado para resistir aos exércitos brancos (em particular a polícia política, a Checa).[12] Todo o mundo capitalista tinha reconhecido em Stálin o homem do momento, o que erradicaria os últimos vestígios da Revolução de Outubro e a que era preciso dar todo o apoio necessário para dissolver e exterminar a geração de proletários e revolucionários que, durante a guerra mundial, tinham ousado envolver-se na luta até a morte contra a ordem capitalista.[13]
O estalinismo persegue e reprime os revolucionários onde quer que estejam, com a ajuda cúmplice das grandes democracias, as mesmas que tinham enviado seus exércitos brancos para matar de fome e tentar pôr abaixo o poder dos sovietes.
A partir de então, “socialismo equivale à Rússia de Stálin”, enquanto que o verdadeiro projeto proletário tende a desaparecer das consciências
A Rússia de Stálin será apresentada pela burguesia estalinista, assim como pela burguesia mundial, como a realização do objetivo último do proletariado, o estabelecimento do socialismo. Neste esforço colaboraram todas as frações mundiais da burguesia, tanto as frações democráticas como os diversos PC nacionais.
A grande maioria daqueles que ainda acreditavam na revolução identificaram seu objetivo com o de instaurar um regime do tipo da URSS em outros países. E quanto mais clara se tornava a realidade da situação da classe operária na URSS, mais profunda se tornava a divisão no proletariado mundial: aqueles que continuaram defendendo o caráter “progressista” (apesar de todas suas deficiências), “sem burguesia”, da União Soviética; aqueles para os quais, pelo contrário, a situação na URSS será um espantalho, mas sem ter a força de conceber um projeto alternativo. O projeto proletário só foi defendido por minorias cada vez menores de revolucionários, que permaneceram fieis a ela.
O proletariado diante da crise de 1929 e 1930
Os anos posteriores à crise de 1929 foram dramáticos para as condições de vida do proletariado mundial, particularmente na Europa e Estados Unidos. De modo geral, no entanto, suas reações diante de tal situação não foram, tampouco, uma resposta capaz de dinamizar a luta de classes e de questionar a ordem estabelecida. E o que é pior ainda, houve reações notáveis na França e na Espanha que acabaram encerradas no atoleiro da luta antifascista.
Na França, a grande onda de greves que se seguiu à chegada da Frente Popular em 1936 pôs claramente em destaque os limites da classe operária sob o peso da mesa de chumbo da contrarrevolução. A onda de greves começou com ocupações espontâneas de fábricas e mostrou inclusive certa combatividade dos trabalhadores. Mas, desde os primeiros dias, a esquerda pôde utilizar as enormes massas para manobrar e impor a toda a burguesia francesa as medidas do capitalismo de Estado necessárias para enfrentar a crise econômica e preparar-se para a guerra. Se bem seja certo que pela primeira vez na França tenha havido ocupações de fábricas, também foi a primeira vez que se viu os trabalhadores cantando a Internacional e a Marselhesa, marchando atrás de bandeiras vermelhas entrelaçadas com as tricolores.[14] O aparato de enquadramento do PC e dos sindicatos controlava a situação, logrando aprisionar nas fábricas os trabalhadores que se deixavam adormecer ao som do acordeom.
Como o proletariado espanhol tinha ficado relativamente fora da Primeira Guerra Mundial e da onda revolucionária[15], suas forças físicas tinham ficado relativamente intactas para fazer frente aos ataques dos quais foi vítima durante a década de 1930. Por outro lado, houve mais de um milhão de mortos entre 1931 e 1939, cuja parte mais importante deveu-se à guerra civil entre o campo republicano e o do general Franco, uma guerra que nada teve a ver com a luta classes do proletariado, senão que, pelo contrário, foi o seu enfraquecimento que a permitiu. A situação se precipitou em 1936 com o golpe de Estado do general Franco. A resposta dos trabalhadores foi imediata: em 19 de julho de 1936, eles se declararam em greve e se dirigiram massivamente aos quarteis para desarmar a intentona, sem se preocupar com as diretivas contrárias da Frente Popular e do governo republicano. Unindo a luta de protesto com a luta política, os trabalhadores bloquearam a mão assassina de Franco com aquela ação. Mas não a da fração burguesa organizada na Frente Popular. Apenas um ano depois, o proletariado de Barcelona se levantou de novo, mas desta vez de forma desesperada, em maio de 1937, acabando por ser esmagado pelo governo da Frente Popular, do Partido Comunista Espanhol e seu ramo catalão do PSUC à cabeça, enquanto que as tropas franquistas detiveram voluntariamente seu avanço para permitir que os verdugos estalinistas esmagassem os trabalhadores.
Aquela terrível tragédia operária, que ainda hoje se distorce como “uma revolução social espanhola” ou “uma grande experiência revolucionária”, com o esmagamento ideológico e físico das últimas forças vivas do proletariado europeu, culminou com o triunfo da contrarrevolução. Aquela matança foi um ensaio geral que abriu as portas de par em par ao desencadeamento da guerra imperialista.[16]
Anos 30: a burguesia volta a ter as mãos livres para impor sua solução para a crise
A República de Weimar se notabilizou introduzindo uma profunda racionalização da exploração da classe operária na Alemanha, acompanhada de medidas para que os trabalhadores estivessem representados na empresa com o objetivo de mistificá-los.
Na Alemanha, entre a República de Weimar (1923) e o fascismo (1933), não surgiria nenhuma oposição: aquela havia permitido esmagar a ameaça revolucionária, dispersar o proletariado, apagar sua consciência; o nazismo, por sua vez, ao final dessa evolução, arremataria a obra, alcançando com mão de ferro a unidade da sociedade capitalista e estrangulando toda ameaça proletária.[17]
Em todos os países europeus surgem partidos que reivindicam Hitler ou Mussolini, cujo programa é fortalecer e concentrar o poder político e econômico em mãos de um partido único no Estado. Seu desenvolvimento se combina com uma vasta ofensiva antioperária do Estado, baseada em um aparato repressivo reforçado pelo exército, e com milícias fascistas quando seja necessário. Desde a Romênia até a Grécia, vemos o desenvolvimento de organizações de tipo fascista que, com a cumplicidade do Estado nacional, assumem a tarefa de impedir qualquer reação dos trabalhadores. A ditadura capitalista tornava-se visível, tomando a maioria das vezes a forma do modelo mussoliniano ou hitleriano.
A manutenção do marco da democracia foi, pelo contrário, possível nos países industrializados menos afetados pela crise. Foi inclusive uma necessidade para mistificar para o proletariado. O fascismo, ao engendrar o “antifascismo”, fortaleceu as capacidades de mistificação das “potências democráticas”. Sob o disfarce da ideologia das Frentes Populares[18], que permitiu manter os trabalhadores desorientados atrás dos programas de união nacional e de preparação para a guerra imperialista, e em cumplicidade com a burguesia russa, a maioria dos PCs servis ao novo imperialismo, organizaram uma vasta campanha sobre o aumento do perigo fascista[19]. A burguesia só podia fazer a guerra enganando os proletários, fazendo-os acreditar que a guerra também era sua: “ao deter a luta de classes ou mais exatamente ao destruir a potência da luta proletária, desviando suas lutas, a burguesia alcança por meio de seus agentes infiltrados dentro do proletariado, esvaziar as lutas de seu conteúdo revolucionário, colocando-as pelas vias do reformismo e do nacionalismo, e alcançar assim a condição última e decisiva para o desencadeamento da guerra imperialista.” (Informe sobre a situação internacional, Esquerda Comunista da França, julho de 1945, Extratos)[20]
Os massacres da Segunda Guerra Mundial
A maioria dos combatentes alistados em ambos lados, ainda traumatizados pela morte de seus pais apenas 25 anos antes, não foram à frente com um ramo de oliveira no fuzil. E o que encontraram não era nenhuma alegria: a “Blitzkrieg”, por mais rápido que tenha sido, causou 90.000 mortos e 120.000 feridos no lado francês, 27.000 mortos no lado alemão. O desastre na França levou dez milhões de pessoas a condições espantosas, deslocando para evadir-se dos combates. Um milhão e meio de prisioneiros foram enviados à Alemanha. Por todas as partes condições inumanas de sobrevivência: êxodo massivo na França, terror do estado nazista enquadrando a população alemã.
Tanto na Itália como na França, muitos trabalhadores se uniram aos maquis (organizações guerrilheiras nacionalistas) naquele momento. O partido estalinista e os trotsquistas deram-lhes o exemplo fraudulentamente disfarçado da Comuna de Paris (os trabalhadores não vão se levantar contra sua própria burguesia dirigida por Pétain, o novo Thiers, enquanto os alemães ocupam a França?). No meio de uma população aterrorizada e impotente diante do desecadeamento da guerra, muitos trabalhadores franceses e europeus, recrutados por grupos de resistentes, foram assassinados acreditando que estavam lutando pela “liberação socialista” da França, da Itália... Os grupos de resistentes estalinistas e trotsquistas concentraram em especial sua odiosa propaganda para que os trabalhadores se pusessem “na vanguarda da luta pela independência dos povos.”
Enquanto a Primeira Guerra Mundial matou 20 milhões de pessoas, a Segunda Guerra Mundial chegou a matar 50 milhões, dos quais 20 milhões foram russos massacrados na frente europeia. 10 milhões de pessoas morreram nos campos de concentração, dentre os quais 6 milhões pela política nazista de extermínio dos judeus. Ainda que nenhuma das bestialidades macabras do nazismo seja agora desconhecida pelo público em geral, diferentemente dos crimes das grandes democracias, os crimes nazistas continuam sendo uma ilustração irrefutável da barbárie ilimitada do capitalismo dependente, ... e também da hipocrisia odiosa do campo dos aliados. Na verdade, no momento de libertação, os aliados fingiram descobrir os campos de concentração. Pura encenação para ocultar sua própria barbárie, expondo aquela do inimigo derrotado. De fato, a burguesia, tanto a britânica como a norte-americana, conheciam perfeitamente a existência e o que ocorria ali. E, no entanto, algo aparentemente estranho, não falou disso durante toda a guerra e tampouco se tornou um tema central de sua propaganda. De fato, o que os governos de Churchill e Roosevelt temiam era que os nazistas expulsassem massivamente os judeus para esvaziar os campos. Por isso recusaram as ofertas de intercâmbio de um milhão de judeus. Nem sequer os quiseram em troca de nada.[21]
No último ano da guerra, as concentrações operárias foram o alvo direto dos bombardeios para debilitar a classe operária na medida do possível dizimando-a ou aterrorizando-a.
A burguesia mundial toma medidas para eliminar qualquer risco de que o proletariado venha à tona
O objetivo é que não se repita o ressurgimento do proletariado como em 1917-18 ante os horrores da guerra. Por isso, os bombardeios anglo-americanos – principalmente sobre a Alemanha, mas também sobre a França – foram um sinistro “êxito”. O número de mortos do que sem dúvida foi um dos maiores crimes de guerra da segunda carnificina mundial, ao redor de 200.000 mortos[22], quase todos civis, o bombardeio de 1945 de Dresden, “cidade hospital” sem nenhum interesse estratégico. Somente para dizimar e aterrorizar a população civil[23]. Em comparação, Hiroshima, outro crime atroz, matou 75.000 pessoas e os terríveis bombardeios estadunidenses sobre Tóquio em março de 1945 causaram 85.000 mortes.
Em 1943, quando Mussolini foi derrubado e substituído pelo marechal Badoglio, que era a favor dos aliados, quando já estes controlavam o sul do país, não fizeram nada para avançar ao norte. A ideia era deixar que os fascistas saldassem suas contas com as massas de trabalhadores que tinham se rebelado em um terreno de classe nas regiões industriais do norte da Itália. Perguntando sobre tal passividade, Churchill respondeu: “Há que deixar que os italianos cozinhem a fogo lento em seu próprio molho. ”
Desde o final da guerra, os aliados favoreceram a ocupação russa ali onde havia surgido revoltas operárias. O Exército Vermelho tinha melhores cartas nas mãos para restaurar a ordem naqueles países, seja massacrando o proletariado, seja desviando-o de seu terreno de classe em nome do “socialismo”.
Foi estabelecida uma repartição de trabalho similar entre o Exército Vermelho e o exército alemão. Em Varsóvia e Budapeste, já em seus subúrbios, o Exército “Vermelho” deixou que o exército alemão esmagasse, sem mover um dedo, as insurreições contra si. Stálin confiou a Hitler a tarefa de massacrar dezenas de milhares de trabalhadores armados que podiam ter frustrado seus planos.[24]
A burguesia “democrática” dos países vitoriosos não somente ofereceu a Stálin territórios com “alto risco social”, senão que também chamou os PCs para que assumissem o governo em grande parte dos países europeus (em particular na França e na Itália), deixando-lhes cadeiras em importantes ministérios (na França Thorez, secretário do Partido Comunista, foi nomeado vice-presidente do Conselho de Ministros em 1944).
No imediato pós-guerra: o terror imposto à população alemã
Continuando com os massacres preventivos destinados a impedir que surgisse de uma ou outra forma o proletariado na Alemanha no final da guerra, os que ocorreram depois da guerra não foram menos brutais e expeditos.
A Alemanha foi transformada em um vasto campo de extermínio pelas potências ocupantes: Rússia, Grã-Bretanha, França e Estados Unidos. Depois da guerra, morreram muito mais alemães que em batalhas, bombardeios e campos de concentração durante a própria guerra. Segundo James Bacque, autor de “Crimes e misericórdias: o destino dos civis alemães sob a ocupação aliada, 1944-1950”,[25] mais de 9 milhões morreram como resultado da política do imperialismo aliado entre 1945-1950.
A política de Potsdam mudou somente quando esse objetivo assassino foi alcançado e o imperialismo norte-americano se deu conta de que o esgotamento da Europa depois da guerra poderia levar à dominação do imperialismo russo em todo o continente. A reconstrução da Europa Ocidental requeria a ressurreição da economia alemã. A ponte aérea de Berlim em 1948 foi o símbolo dessa mudança de estratégia[26]. Com certeza, tal qual o bombardeio de Dresden, “...o mais belo ataque de terror de toda a guerra [que] tinha sido obra dos Aliados vitoriosos”, a burguesia democrática fez todo o possível para deturpar a realidade do verdadeiro custo de uma barbárie amplamente compartilhada por ambos bandos da Guerra Mundial.
O proletariado não pôde se levantar em uma luta frontal contra a guerra
Apesar das manifestações ocasionais de lutas em diferentes lugares, especialmente na Itália em 1943, o proletariado não pôde se erguer contra a barbárie da Segunda Guerra Mundial, como tinha feito contra a Primeira.
A Primeira Guerra Mundial tinha conquistado milhares de trabalhadores para o internacionalismo, a segunda os atirou às margens do mais depreciável chauvinismo, à caça de “alemães”[27] e “colaboracionistas”.[28]
O proletariado tocou o fundo do poço. O que tinha diante de si, e que interpretou como sua grande “vitória”, o triunfo da democracia sobre o fascismo, foi sua derrota histórica mais completa. Permitiu construir os pilares ideológicos da ordem capitalista: o sentimento de vitória e euforia embargava o proletariado, sua crença nas “virtudes sagradas” da democracia burguesa, a mesma que o tinha arrastado a duas carnificinas imperialista e que tinha esmagado sua revolução em princípios da década de 1920. E durante o período de reconstrução, e logo o “boom” econômico do pós-guerra, a melhoria temporária de suas condições de vida no Ocidente não permitiu medir a verdadeira derrota que tinha sofrido.[29]
Nos países da Europa do Leste, que não se beneficiaram do maná americano do Plano Marshall porque os partidos estalinistas o recusaram por ordem de Moscou, a situação tardou mais em melhorar um pouco. A mistificação apresentada aos trabalhadores é a da “construção do socialismo”. Esta mistificação teve certo êxito, como na Checoslováquia, onde o “golpe de Praga” de fevereiro de 1948, ou seja, o controle do governo pelos estalinistas, realizou-se com a simpatia de muitos trabalhadores.
Uma vez esgotada esta ilusão, produziram-se levantamentos operários como na Hungria em 1956, mas foram brutalmente reprimidos pelas tropas russas[30]. A participação das tropas russas na repressão foi então uma fonte adicional de nacionalismo nos países da Europa do Leste. Ao mesmo tempo, esses fatos foram utilizados amplamente pela propaganda dos setores “democráticos” e pró-americanos da burguesia dos países da Europa Ocidental, enquanto que os partidos estalinistas destes países utilizavam a mesma propaganda para apresentar a insurreição operária húngara como um movimento chauvinista, inclusive “fascista”, a soldo do imperialismo estadunidense.
Ademais, ao longo da “Guerra Fria”, e até quando foi seguida pela “coexistência pacífica” depois de 1956, a divisão do mundo em dois blocos foi um importante instrumento de mistificação da classe operária.
Nos anos 50, o mesmo tipo de política que nos anos 1930 continuou dividindo e desorientando a classe operária: uma parte da classe operária já não queria nem ouvir falar de “comunismo” (identificado com a URSS), enquanto que a outra parte continuava sofrendo da dominação ideológica dos partidos estalinistas e seus sindicatos. Assim, desde a Guerra da Coreia, a confrontação Leste-Oeste foi utilizada para opor os diferentes setores da classe operária e recrutar milhões de trabalhadores sob as bandeiras do campo soviético em nome da “luta contra o imperialismo”. Naquela mesma época, as guerras coloniais deram uma oportunidade suplementar para desviar os trabalhadores de seu terreno de classe em nome, mais uma vez, da “luta contra o imperialismo” (e não contra o capitalismo) contra a qual se apresentava a URSS como campeã do “direito e da liberdade dos povos”. Este tipo de campanha continuaria em muitos países durante as décadas de 1950 e 1960, sobretudo com a guerra do Vietnã, na qual os Estados Unidos se envolveram massivamente a partir de 1961.[31]
Outra consequência daquele longo e profundo retrocesso da classe operária foi a ruptura orgânica com as frações comunistas do passado[32], impondo-se, dessa forma, a futuras gerações de revolucionários a necessidade de reapropriar-se criticamente do aquisições do movimento operário.
A crise de 1929 e dos anos 30 provocou, no melhor dos casos, certas reações de combatividade do proletariado como na França e na Espanha, mas que, como dissemos anteriormente, foram desviadas do terreno de classe para o do antifascismo e da defesa da democracia, graças à influência de estalinistas, trotsquistas e sindicatos. Isso só serviu para que a contrarrevolução se estendesse mais ainda.
Em 1968, estávamos apenas no início do retorno da crise econômica mundial. No entanto, o que explica em grande parte o aumento da combatividade operária na França a partir de 1967 são os efeitos, nesse país, da referida crise econômica mundial: aumento do desemprego, congelamento de salários, intensificação de ritimos na produção, ataque à seguridade social. Estalinistas e sindicatos têm mais dificuldades para canalizar esse ressurgimento da combatividade operária, que começa a dar as costas a essas grevezinhas e jornadas de ação sindical. Já em 1967 aparecem conflitos muito ferrenhos e determinados frente à violenta repressão patronal e policial, nos quais os sindicatos foram ultrapassados em várias ocasiões.
O objetivo deste artigo não é tratar todos os aspectos importantes do mês de maio de 1968 na França. Para isso remetemos o leitor para os artigos “Maio de 68 e a perspectiva revolucionária” escritos por ocasião do 40º aniversário desses acontecimentos.[33] Recordar certos fatos, no entanto, é importante para ilustrar a mudança na dinâmica da luta de classes ocorrida em maio de 1968.
Em maio, a atmosfera social muda radicalmente. “Em 13 de maio, todas as cidades do país vivem as maiores manifestações [em solidariedade aos estudantes vítimas da repressão] desde o final da Segunda Guerra Mundial. A classe operária acode em massa junto aos estudantes. (...) Ao final das manifestações, foram ocupadas quase todas as universidades não somente por estudantes, mas também por muitos jovens operários. A palavra torna-se livre por todas as partes. As discussões não se limitam a questões universitárias, à repressão. Começam a ser abordados todos os problemas sociais: as condições de trabalho, da exploração, o futuro da sociedade (...) Em 14 de maio, os debates seguem em muitas empresas. Depois das imensas manifestações do dia anterior, com todo o entusiasmo e o sentimento de força que haviam proporcionado, era difícil retornar ao trabalho como se não houvesse acontecido nada. Em Nantes, os operários da Sul-Aviação, animados pelos mais jovens, lançam uma greve espontânea e decidem ocupar a fábrica. A classe operária começa a ganhar destaque.”[34]
O aparato clássico de enquadramento da burguesia não resiste diante da espontaneidade da classe operária para entrar em luta. Assim, nos três dias seguintes à manifestação de 13 de maio, a greve se estendeu espontaneamente para as empresas de toda a França. Os sindicatos ultrapassados só fazem seguir o movimento. Não há reivindicações precisas. Uma característica comum: greve geral, ocupação ilimitada, sequestro da direção, bandeira vermelha içada. Ao fim, a CGT chama à extensão, tentando assim “subir no trem em movimento”[35]. Mas inclusive antes de que se conhecessem as instruções da CGT, um milhão de trabalhadores já estavam em greve.
A crescente consciência da classe operária de sua própria força estimulava a discussão em seu seio e a discussão política em particular. Isto lembra, guardadas as devidas proporções, a vida política efervescente que vivia a classe operária, tal como narrado nos escritos de Trotsky e J. Reed, na situação revolucionária de 1917.
O manto de mentiras urdido durante décadas pela contrarrevolução e seus partidários, tanto estalinistas como democratas, começou então a ser desvendado. Os filmes amadores rodados na fábrica ocupada da Sul-Aviação em Nantes mostram uma discussão apaixonada num grupo de trabalhadores sobre o papel dos comitês de greve na “dualidade de poder”. A dualidade de poder em 1917 foi produto da luta pelo poder real entre o estado burguês e os conselhos operários. Em muitas fábricas em greve, em 1968, os trabalhadores elegeram comitês de greve. Desde logo, muito se distanciava de uma situação revolucionária, mas o que estava de fato acontecendo era uma tentativa da classe operária recuperar sua própria experiência, seu passado revolucionário. Outra experiência o atesta: “Alguns operários pedem aos que defendem a ideia de revolução que venham defender suas ideias em sua fábrica ocupada. E foi assim como, em Toulouse, o pequeno núcleo que mais tarde fundaria a seção da CCI na França foi convidado a expor a ideia dos conselhos operários na fábrica JoB (papel e papelão) ocupada. E o mais significativo é que este convite provinha de militantes... da CGT e do PCF. Estes tiveram que discutir durante uma hora com permanentes da CGT da grande fábrica Sul-Aviação vindos para “reforçar” o piquete de greve da JoB para obter a autorização para deixar entrar os “esquerdistas” na fábrica. Durante mais de seis horas, operários e revolucionários, sentados de joelhos em papelão, discutiram sobre a revolução, a história do movimento operário, os sovietes, assim como as traições... do PCF e da CGT! ”[36]
Esta reflexão permitiu que milhares de operários redescobrissem o papel histórico dos conselhos operários, assim como das conquistas da luta da classe operária e também as tentativas revolucionárias na Alemanha em 1919. Do mesmo modo, criticou-se cada vez mais o papel desempenhado pelo PC (que então se definia como um partido da ordem) no que estava se passando em 1968, mas também desde a revolução russa. Pela primeira vez foram questionados o poder do estalinismo e o papel do PC como guardião da ordem estabelecida. As críticas também abarcaram os sindicatos, críticas que aumentaram quando se manifestaram abertamente como traidores da classe operária para conseguir que os operários retornassem aos seus postos de trabalho.[37]
Começava outra era, caracterizada por um “renascimento” da consciência de classe entre as grandes massas operárias. Essa ruptura com a contrarrevolução não significou que esta não continuasse pesando negativamente no desenvolvimento posterior da luta de classes, nem que a consciência operária estivesse livre de ilusões muito fortes, particularmente com relação aos obstáculos a ser superados no caminho da revolução, muito mais longe do que a grande maioria imaginava então.
Tal caracterização de maio de 68, como ilustração do fim do período contrarrevolucionário, foi confirmada pelo fato de que, longe de ser um fenômeno isolado, aqueles acontecimentos constituíram-se, pelo contrário, o ponto de partida para a retomada da luta de classes em escala internacional, estimulada pelo aprofundamento da crise econômica e cujo corolário foi o desenvolvimento de um meio político proletário em escala internacional[38]. A fundação em 1968 de Revolução Internacional (RI) é um exemplo disso, já que este grupo desempenhará um papel de destaque no processo de consolidação que levará à fundação da CCI em 1975, cuja seção na França é a RI. Diferente do período sombrio da contrarrevolução, a burguesia tinha agora diante de si uma classe que não estava disposta a aceitar os sacrifícios da guerra econômica mundial, e que também foi um obstáculo para que não estourasse uma nova guerra mundial, como veremos mais adiante.
A CCI acaba de dedicar um artigo[39] a esta questão, que aconselhamos aos nossos leitores, e é dele retiramos elementos necessários para destacar as diferenças entre o período contrarrevolucionário e o período histórico aberto em maio de 1968. Em poucas palavras, a diferença fundamental entre o período da contrarrevolução, iniciado por uma profunda derrota da classe operária, e o iniciado em Maio de 68, é que, desde esse ressurgimento da luta de classes e apesar de todas as dificuldades que proletariado enfrentou, ele não sofreu uma derrota profunda.
O aprofundamento da crise econômica aberta, que estava se iniciando no final dos anos 60, empurrou o proletariado a desenvolver sua combatividade e sua consciência.
Três ondas de lutas se sucederam durante as duas décadas posteriores a 68.
A primeira, sem dúvida a mais espetacular, foi a do outono quente italiano de 1969, o violento levantamento de Córdoba, Argentina de 69 e o da Polônia de 70, e os grandes movimentos na Espanha e Grã-Bretanha de 1972. Também houve o outono quente na Alemanha em 69 com muitas greves selvagens. Na Espanha, em particular, os trabalhadores começaram a se organizar através de assembleias massivas, um processo que culminou em Vitória em 1976. A dimensão internacional da onda ficou patente nos ecos que teve em Israel (1969) e Egito (1972) e, mais tarde, nos levantamentos nos municípios da África do Sul, encabeçados por comitês de luta (os Civics).
Depois de uma breve pausa em meados da década de 1970, houve uma segunda onda de greves de operários do petróleo no Irã, de siderúrgicos na França em 1978, o “inverno do descontentamento” na Grã-Bretanha, a greve dos estivadores de Roterdã, dirigida por um comitê de greve independente, e greves de siderúrgicos no Brasil em 1979, que também desafiaram o controle sindical; na Ásia se produziu a revolta de Kwangju (Coreia do Sul). Esta onda de lutas culminou na Polônia em 1980, sem dúvida o episódio mais importante da luta de classes desde 1968, inclusive desde a década dos 1920.
Ainda que a severa repressão aos trabalhadores polacos tenha posto fim a esta onda, não passou muito tempo até que se produzisse um novo movimento com lutas na Bélgica em 1983 e 1986, a greve geral na Dinamarca em 1985, a greve mineira na Inglaterra em 1984-85, as lutas dos trabalhadores ferroviários e da saúde na França em 1986 e 1988, e o movimento de trabalhadores da educação na Itália em 1987. As lutas na França e na Itália, em particular – como a greve de massas da Polônia – demonstraram uma capacidade real de auto-organização com assembleias gerais e comitês de greve.
Esse movimento de ondas de lutas não dava voltas no vazio, senão que conquistou avanços reais na consciência de classe, que se refletiu no seguinte:
Mas a experiência daqueles 20 anos de luta não só proporcionou lições “negativas” para a classe operária (ou seja, o que não se deve fazer). Também se traduziu em lições de como devem ser feitas as coisas:
Da mesma forma, as manobras mais sofisticadas desenvolvidas pela burguesia para enfrentar a luta de classes são já de per si uma testemunha do desenvolvimento dessa luta durante esse período. Com feito, a burguesia teve que fazer frente ao crescente desencanto em relação aos sindicatos oficiais e à ameaça de auto-organização, fomentando formas de sindicalismo, chegando até a se organizar “fora dos sindicatos” (a coordenação estabelecida pela extrema esquerda na França, por exemplo).
Ao final desses vinte anos posteriores a 1968, ao não ter conseguidoinfligir uma derrota histórica decisiva da classe operária, a burguesia não foi capaz de mobilizá-la para uma nova guerra mundial, à diferença da situação dos anos trinta, como demonstramos antes neste artigo.
Com efeito, à burguesia era impossível lançar-se a uma guerra mundial sem ter se assegurado previamente da docilidade do proletariado, requisito indispensável para que este aceite os sacrifícios que exige o estado de guerra: a mobilização de todas as forças vivas da nação, tanto na produção como nas frentes. Esse objetivo era, de fato, totalmente irrealista, já que o proletariado sequer estava disposto a submeter-se obedientemente às medidas de austeridade que a burguesia tinha que tomar para enfrentar as consequências da crise econômica. Por isso, a terceira guerra mundial não aconteceu durante aquele período, e isso apesar das tensões entre os blocos estarem em seu apogeu e já estivessem formadas as alianças entre ambos blocos. Além disso, em nenhuma das concentrações históricas do proletariado a burguesia tentou mobilizá-lo massivamente para fazê-lo de carne de canhão nas diferentes guerras locais, todas elas emolduradas pela rivalidade Leste-Oeste, que durante todo esse período também puseram o mundo a sangue e fogo.
Isto se aplica especialmente à classe operária no Ocidente, mas também à classe operária no Oriente, ainda que politicamente mais débil, dado o dano causado pelo compressor estalinista, particularmente na URSS. De fato, a burguesia estalinista metida num atoleiro econômico, tinha na sua frente uma classe que lutava (como o ilustraram em particular as greves na Polônia em 1980) e que era claramente impossível mobilizar numa solução militar à bancarrota de sua economia.
Dito isto, ainda que a classe operária tenha sido um obstáculo para a guerra mundial até finais dos anos oitenta, porque tinha sido capaz de desenvolver suas lutas de resistência aos ataques do capital nas duas décadas posteriores a 1968 sem sofrer uma derrota profunda que invertesse uma dinâmica global de crescente confrontação entre classes, não foi, por outro lado, capaz de prevenir guerras no planeta. De fato, durante este período, nunca cessaram. Na maioria dos casos, eram a expressão de rivalidades imperialista entre Oriente e Ocidente, não num choque direto entre eles, senão através de países interpostos. E nestes países, pertencentes à periferia do capitalismo, o proletariado não era uma força capaz de paralisar o braço armado da burguesia.
Apesar desses avanços na luta de classes, especialmente importantes no que se refere à consciência de classe, e apesar da burguesia não ter sido capaz de alistar o proletariado em um novo conflito mundial, a classe operária foi, contudo, incapaz de desenvolver a perspectiva revolucionária, de colocar sua própria alternativa política para a crise do sistema.
Portanto, nenhuma das duas classes fundamentais estava em condições de impor sua solução para a crise do capitalismo. Sem nenhuma saída, e sempre atolado numa crise econômica de longa duração, o capitalismo estava começando a apodrecer, e tal putrefação começou a afetar a sociedade capitalista em todos os níveis. O capitalismo entrava assim em uma nova fase de sua decadência, aquela de sua decomposição social. Como já assinalamos com frequência, esta fase é sinônimo de maiores dificuldades para a luta do proletariado.[40]
Olhando para as últimas três décadas, podemos dizer que a deterioração da consciência se aprofundou, causando uma espécie de amnésia a respeito das conquistas e avanços do período 1968-1989. Isto se explica fundamentalmente por dois fatores:
Apesar destas enormes dificuldades da classe operária desde 1990, é preciso ter em conta dois elementos para entender o período atual:
De fato, nas últimas décadas houve uma série de movimentos importantes que afiançam essa análise.
As ameaças que a sobrevivência do capitalismo representa para a humanidade demonstram que a revolução é mais do que nunca uma necessidade para a espécie humana: a expansão do caos bélico, a catástrofe ecológica, a fome e as enfermidades numa escala sem precedentes; a decadência do capitalismo e a decomposição ampliam sem a menor dúvida a ameaça de que a base objetiva de uma nova sociedade possa ser destruída para sempre se continua avançando a decomposição além de um determinado ponto. Mas, inclusive em sua última fase, o capitalismo produz ainda as forças que podem derrubá-lo, assim como dizia o Manifesto Comunista de 1848, “o que, acima de tudo, produz a burguesia, é a seu próprio coveiro.”
Com a entrada do capitalismo em sua fase de decomposição, por mais que seja acompanhada de maiores dificuldades para o proletariado, não há indícios de que tenha sofrido uma derrota com consequências irreversíveis e que, portanto, aceite todos os sacrifícios tanto em matéria de condições de trabalho como para o recrutamento para a guerra imperialista.
Não sabemos quando, nem com que amplitude se produzirão as próximas manifestações desse potencial do proletariado. O que sabemos, contudo, é que a intervenção decidida e capaz da minoria revolucionária já está hoje condicionando o futuro fortalecimento da luta de classes.
Silvio (julho de 2018)
[1] Victor Serge é conhecido sobretudo por seu célebre relato sobre a revolução russa, O Ano I da Revolução russa
[2] “Nasceu uma nova época. Época de desagregação do capitalismo, de seu desmoronamento interior. Época da revolução comunista do proletariado. ” Carta de convite ao primeiro congresso internacional da Internacional Comunista. Pode-se ler nosso artigo da série O comunismo não é um belo ideal, mas está na ordem do dia da história. “A Plataforma da Internacional Comunista”. Revista Internacional nº 94.
[3] A Quarta Internacional, ao apoiar a Rússia imperialista (depois da morte de Trotsky), traiu por sua vez o internacionalismo proletário. Ver nosso artigo “Le trotskinme et la deuxième guerre mondiale” em nosso folheto Trotskysme contre la classe ouviere (em francês). Em português "Trotsky e o trotskismo [48]".
[4] Isso obrigará o poder na Rússia a firmar os acordos de Brest-Litovsk, para dessa forma evitar o pior.
[5] Ler nosso artigo "La burguesía mundial contra la revolución de octubre (I) [8]"
[6] Paul Frölich, Rudolf Lindau, Albert Schreiner, Jakob Walcher, Revolução e contrarrevolução na Alemanha 1918-1920 (edição em francês) Éditions Science Marxiste, 2013
[7] Revolución Alemana (III) ; "La insurrección prematura [49]" na Revista internacional n° 83 "1918-1919: La guerra civil en Alemania [50]" na Revista internacional n° 136
[8] Ler nosso artigo "La acción de marzo de 1921 o el peligro de la impaciencia pequeño burguesa [51]" na Revista internacional n° 93
[9] "os intentos de ganhar apoio das massas em uma fase de retrocesso destas, engendraram "soluções" oportunistas: a insistência crescente na importância dada ao trabalho no Parlamento e sindicatos, o chamamento aos "povos do Leste" a levantar-se contra o imperialismo e, sobretudo, a política de Frente Única com os partidos social-patriotas, a qual atirou ao lixo a claridade ganha com tanto empenho a respeito da natureza doravante capitalista destes partidos" "A esquerda comunista e a continuidade do marxismo [52]"
[10] Ler na série O comunismo não é um belo ideal, mas está na ordem do dia da história” nosso artigo “VIII – compreender a derrota da Revolução russa; 1922-1923: as frações comunistas enfrentam a contrarrevolução a caminho” https://es.internationalism.org/revista-internacional/200010/985/viii-la-comprension-de-la-derrota-de-la-revolucion-rusa-1922-23-las [53]. Revista internacional 101 (2000)
[11] Também os demais partidos terão frações de esquerda. Pode-se ler "A esquerda comunista e a continuidade do marxismo [52]"
[12] “Como Stálin exterminou os militantes da Revolução de Outubro de 1917”, Revolução Mundial nº 103, https://es.internationalism.org/rm/2008/103_stalin [54]
[13] É assim, por exemplo que a partir de 1925 Stálin recebeu o apoio infalível da parte da burguesia internacional na sua luta contra a Oposição de Esquerda que, no seio do partido bolchevique, tentava manter uma política internacionalista contra a tese do socialismo num país só.
[14] Como contou nosso camarada Marc Chirik: “Passar aqueles anos de terrível isolamento, ver o proletariado francês levantando a bandeira tricolor, a bandeira de Versalhes e cantando a marselhesa, tudo isso em nome do comunismo, foi para todas as gerações que tinham permanecido revolucionárias, uma fonte de uma tristeza horrível.” Veja-se nosso artigo “Marc: Da revolução de outubro de 1917 à Segunda Guerra Mundial.” Revista Internacional nº 65 (1991). https://es.internationalism.org/revista-internacional/200608/1053/marc-de-la-revolucion-de-octubre-1917-a-la-ii-guerra-mundial [55]
[15] Deve-se, entretanto, assinalar que uma forte minoria no seio da CNT se declarou a favor da adesão à Internacional comunista quando da fundação.
[16] Ver nosso folheto Franco e a República massacram o proletariado. (textos de Bilan) https://es.internationalism.org/cci/200602/539/espana-1936-franco-y-la-republica-masacran-al-proletariado [3] ou também: Lições da Espanha 1936, https://es.internationalism.org/revista-internacional/197609/2061/bilan-lecciones-de-espana-1936-y-crisis-en-la-fraccion [56].
[17] Ver o artigo : " El aplastamiento del proletariado alemán y la ascensión del fascismo [57] " no número 16 da revista Bilan (março 1935), publicado novamente na Revista internacional n° 71.
[18] Para mais informações, ler "1936: Frentes populares en Francia y en España - cómo movilizó la izquierda a la clase obrera para la guerra" [58]. Reviste internacional n° 126.
[19] Ler: "Las conmemoraciones de 1944 (i) - 50 años de mentiras imperialistas [59]". Reviste internacional n° 78.
[20] "Internationalisme 1945 - Las verdaderas causas de la Segunda Guerra Mundial [17]", Revista internacional 59, 1989.
[21] Pode-se ler “Recordemos os massacres e os crimes das grandes democracias. ” Revista Internacional n 66
[22] Segundo as estimativass americanas feitas após a guerra.
[23] Por informação os bombardeios mais imorais de populações civis que aconteceram anteriormente na Alemanha foram os de Hamburg (50 000 mortos e 40 000 feridos essencialmente nas zonas residenciais e operarias), Kassel (10 000 mortos em outubro 1943), Darmstadt, Königsberg, Heilbronn (mais de 24 000 mortos no início de 1944), Braunschweig (23 000 pessoas carbonizadas ou asfixiadas), Berlin (25 000 mortos).
[24] Ler o artigo de nosso folheto em francês "Quand les démocraties soutenaient Staline pour écraser le prolétariat [60]".
[25] Este livro está disponível em inglês sob o título Crimes and Mercies: The Fate of German Civilians Under Allied Occupation, 1944-1950. Para o autor, “Mais de 9 milhões de alemães morreram como resultado da fome deliberada dos aliados e das políticas de expulsão depois da Segunda Guerra Mundial: uma quarta parte do país foi anexada e ao redor de 15 milhões de pessoas foram expulsas no maior ato de limpeza étnica que o mundo tinha visto até então. Mais de 2 milhões deles, incluindo inúmeras crianças, morreram nas estradas ou nos campos de concentração na Polônia e outros lugares. Os governos ocidentais continuam negando que essas mortes ocorreram. ”
[26] Ler nosso artigo "Berlín, 1948 - en 1948, el puente aéreo de Berlín oculta los crímenes del imperialismo "aliado" [61]" en la Revista internacional n° 95.
[27] Termo pejorativo para designar um soldado ou uma pessoa de origem alemã e do qual o emprego pelo Partido Comunista Francês em era destinado a agitar o ódio chauvinista dos alemães.
[28] Refere-se pessoas que, durante a segunda guerra mundial "traíram" colaborando com o inimigo alemã.
[30] Ler nosso artigo "Lucha de clases en la Europa del este (1920-1970) [63]"
[31] Leia-se a respeito: “No início do século XXI, por que o proletariado não acabou ainda com o capitalismo? (II)” https://es.internationalism.org/revista-internacional/201111/3245/al-inicio-del-siglo-xxi-por-que-el-proletariado-no-ha-acabado-aun- [64], Revista Internacional n° 104 (2001).
[32] Aquelas que se destacaram dos antigos partidos operários que tinham degenerado com a derrota da onda revolucionaria mundial de 1917-23. https://pt.internationalism.org/icconline/2005_esquerda_comunista [52]
[33] Estes são dois artigos: "Mayo del 68 y la perspectiva revolucionaria (1a parte) - El movimiento estudiantil en el mundo en los años sesenta [65]" "Mayo del 68 y la perspectiva revolucionaria (2a parte) - fin de la contrarrevolución, reanudación histórica del proletariado [66]"“ publicados na Revista Internacional nº 133 e 134 (2008)
[34] “Mayo del 68 y la perspectiva revolucionaria (2a parte)" Revista internacional n° 134.
[35] Isso permitirá que eles estejam presentes no momento das negociações e desempenhem o papel de principais divisores do movimento, fazendo com que os operários voltem para o trabalho, ramo por ramo, através de negociações isoladas em cada um deles.
[36] Idem.
[37] A insistência aqui em questionar a supervisão do PC e dos sindicatos não deve, no entanto, sugerir que eles permaneceram inativos. Em muitas empresas ocupadas, os sindicatos fazem de tudo para isolar os trabalhadores de qualquer contato com o mundo exterior que possa exercer sobre eles uma influência "prejudicial" (por parte daqueles que chamam de "esquerdistas"). Lá mantiveram os trabalhadores ocupados jogando pingue-pongue o dia todo.
[38] Esta questão justifica por sí a elaboração dedicada exclusivamente ao assunto. através de um artigo dedicado à evolução do meio político proletário desde 1968.
Este texto de Internationalisme faz parte de uma série de artigos publicados em 1947, intitulados "Problemas Atuais do Movimento Operário". Nestes artigos, Internationalisme entende "movimento operário" ou "movimento revolucionário" como grupos e organizações políticas. Polemiza contra a atmosfera de ativismo entre os grupos que viram, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a possibilidade de repetir o processo revolucionário como havia ocorrido no final da Primeira Guerra Mundial, de 1917 a 1923.
Internationalisme analisa, pelo contrário, o fim da Segunda Guerra Mundial como uma profunda derrota da classe operária internacional; as condições não são as mesmas que as do fim da Primeira Guerra Mundial; a classe operária havia sido física e ideologicamente derrotada; a sobrevivência do capitalismo havia acentuado a tendência ao capitalismo de Estado, que modifica o contexto da luta de classes; as condições não estavam, portanto, reunidas para uma retomada geral da luta revolucionária.
Internationalisme luta contra o voluntarismo dos grupos que já propõem a formação imediata do partido, sem levar em conta esse novo contexto do período, tendo como único marco político a repetição, em sua escala microscópica, das posições e orientações do partido bolchevique do período revolucionário, sem nenhum balanço da derrota da revolução e dos erros desse partido. Esses grupos eram divisões do trotskismo e, acima de tudo, eram as frações da Esquerda Comunista Internacional que tinham apoiado a formação de um partido comunista internacionalista (PCInt) na Itália em 1943.
Continuando a crítica que tinha feito desde a constituição do PCInt[1], Internationalisme recorda quais são as condições para a formação de um Partido. A história do movimento operário mostra que o nascimento, o desenvolvimento e o fim, a degeneração ou a traição das organizações políticas do proletariado (Liga dos Comunistas, AIT, Segunda , Internacional Comunista, Partido Bolchevique) estão em estreita relação com a atividade da própria classe operária. Dentro da classe operária, um partido, isto é, uma organização capaz de ter uma influência decisiva no curso dos acontecimentos da luta de classes, só pode surgir se uma tendência para se organizar e se unir contra o capitalismo se expressar na classe, em uma etapa ascendente de luta.
Esta tendência não existia no final da Segunda Guerra Mundial. Os movimentos de greve de 1943 na Itália ou as manifestações contra a fome de 1945 na Alemanha, onde até mesmo a polícia se revoltou contra o poder, são fatos limitados e isolados. Embora demonstrem uma combatividade de classe que todos os grupos reconhecem, permanecem muito limitados e prisioneiros da ideologia e das forças de enquadramento da burguesia, dos partidos de esquerda e dos sindicatos.
Para Internationalisme, este não é o momento para a formação do Partido. Contra aqueles que declaram esta posição como "derrotista", Internationalisme reafirma que o debate não consiste em "construção do Partido" ou "nada", mas quais são então as tarefas dos grupos revolucionários e com a base de qual programa. Para muitos, o que serve como teoria é um pergaminho incoerente que repete as posições da Internacional Comunista, como se nada tivesse acontecido desde o período revolucionário, e que esconde todos os debates que aconteceram antes da guerra.
Na constituição do PCInt há elementos, como Vercesi, que durante a guerra negaram qualquer possibilidade de atividade revolucionária, que se recusou a tomar uma posição contra a guerra, teorizando sobre o "desaparecimento do proletariado", para acabar participando dos "comitês antifascistas"[2]. Há também muitos indivíduos que não participaram nem tomaram conhecimento do trabalho político da esquerda comunista entre as duas guerras mundiais. Respondendo ao chamado de antecessores da década de 1920, que tinham deixado esse trabalho de lado - como Damen e sobretudo Bordiga eles entram nas fileiras do PCInt, sem nunca terem discutido as posições da esquerda.
Internationalisme, que se situa na continuidade do trabalho da Esquerda Comunista, nunca questionou a necessidade de uma atividade revolucionária. Afirma: "(...) o curso da luta de classes não é modificado pela vontade dos militantes, mas também não é modificado independentemente deles". Que atividade? Essa é a questão que Internationalisme coloca às organizações revolucionárias.
A questão da "construção do partido", do PCInt, significa lançar-se em um ativismo sem princípios, um partido feito de retalhos, com restos de diferentes tendências, incluindo grupos que participaram junto com a burguesia na "resistência antifascista". Para Internationalisme, pelo contrário, tratava-se de continuar o trabalho da fração comunista, continuar fazendo o balanço da onda revolucionária anterior (dos anos 1920), tirar lições da derrota e do período de guerra, manter, segundo os meios disponíveis, uma constante propaganda contracorrente, manter o máximo possível o confronto e a discussão em um meio revolucionário tão reduzido pelas condições da época.
Em 1947, Internationalisme pôde comprovar o fracasso de grupos que durante anos confundiram sua própria agitação com a atividade de classe, levando à desmoralização e à dispersão de forças militantes imaturas e reagrupadas precipitadamente, que se enganam, sem qualquer discussão, com perspectivas que nada têm a ver com a realidade.
Havia grupos dissidentes trotskistas que abandonaram o marxismo e se deslocaram. O PCInt, que inicialmente tinha cerca de 3000 membros, estava envolvido num processo de dispersão e abandono em massa. E os dirigentes desse partido, em vez de perceberem as verdadeiras causas desses fenômenos, dão explicações tais como "é uma questão de transformar quantidade em qualidade".
Contra essas distorções, Internationalisme explica o que estava acontecendo denunciando, de um lado, a incapacidade de entender esse período de pós-guerra e, de outro, os métodos utilizados e defendidos pelo PCInt, métodos que negam o aprofundamento político e teórico pelo conjunto de militantes.
Estes métodos são baseados num conceito errôneo de luta de classes e da tomada de consciência; o conceito de que a consciência só pode ser levada para a classe trabalhadora "de fora". Esse conceito, que o PCInt toma de Lênin, o qual, em seu trabalho Que Fazer? o tinha tomado emprestado de Kautsky. Esta visão não concebe a consciência como algo próprio da classe trabalhadora como um todo, em cujo seio o partido é a expressão mais clara e decisiva quanto aos meios e objetivos gerais do movimento. Eles a concebem como algo característico de uma minoria iluminada que possui o conhecimento teórico que ela deve "trazer" para a classe.
Tal conceito aplicado à esfera do partido leva a teorizar que apenas os indivíduos como tal são capazes de aprofundar a teoria revolucionária e depois destilá-la e entregá-la triturada e digerida, por assim dizer, aos membros da organização.
É esta concepção de chefe genial, o único capaz de realizar o trabalho teórico da organização, que critica neste trecho de "Problemas Atuais do Movimento Operário" que publicamos aqui. A atitude que o PCInt defendeu em relação a Bordiga, e que continua a manter hoje em dia em geral em relação às questões teóricas do movimento operário, está ligada a esta concepção. Serve de base para a recusa em discutir abertamente todas as questões e orientações da organização. Para os militantes significa obediência servil e confiança cega nas orientações políticas elaboradas unicamente pelo centro da organização; significa ausência de formação autêntica.
A visão esclerótica do PCInt sobre os métodos de uma organização revolucionária contra a qual Internationalisme lutava já em 1947, continuam a causar estragos hoje, e em particular, nos grupos que se reivindicam do "leninismo". Diante das dificuldades que a atual aceleração da história acarreta, estes critérios só agravam o oportunismo e o sectarismo num meio revolucionário em dificuldades[3].
Contrariamente a esta visão, o partido, como qualquer organização revolucionária, só pode cumprir sua função se for um lugar de elaboração permanente e coletiva por todos seus membros das orientações políticas. Isto implica que deve haver uma discussão a mais aberta e ampla possível, à imagem da classe trabalhadora, cuja emancipação exige uma ação consciente e coletiva da qual participem todas as partes e todos os membros da classe.
Não é algo novo na política que um grupo mude radicalmente sua maneira de ver e agir quando se torna uma grande organização, um partido de massas. Poderíamos citar muitos exemplos destas metamorfoses. Isso também poderia ser dito, e com razão, do partido bolchevique depois da revolução. O que é surpreendente, no que diz respeito ao Partido Comunista Internacionalista de Itália, é a rapidez com que as mentes dos seus principais dirigentes fizeram esta mudança. E isso é ainda mais surpreendente porque, afinal, o PCInt da Itália ainda é, tanto em quantidade quanto a sua função, no máximo, uma fração ampla.
Como é que esta mudança pode ser explicada?
O Partido Comunista Italiano, por exemplo, quando da sua fundação, animado por uma liderança da Esquerda e de Bordiga nela, foi sempre notado, na Internacional Comunista, como o "filho rebelde". O PCI não aceitava a submissão "a priori" à autoridade absoluta dos chefes, mesmo pelos quais tinha a maior estima. O critério do PC d'Italia era que a discussão tinha de ser livre e que era necessário lutar contra qualquer posição política que não partilhasse. Desde a fundação da IC, a fração de Bordiga em várias oportunidades estava em oposição e expressava abertamente suas discordâncias com Lênin e outros líderes do Partido Bolchevique, da revolução russa e da IC. Os debates entre Lênin e Bordiga no Segundo Congresso são bem conhecidos. Ninguém pensou em questionar esse direito de livre discussão. Não teria ocorrido a ninguém ver isto como uma "ofensa" à autoridade dos "chefes". Talvez personagens tão velado e servis como Cachin[4] pudessem ficar escandalizados em seu íntimo, mas depois nem sequer ousaram dizê-lo. Mais que isso, a discussão não era considerada como um direito, mas como um DEVER, como o único meio para elaborar, graças ao confronto de ideias e ao trabalho teórico, posições programáticas e políticas necessárias para a ação revolucionária.
Lênin escreveu: "É dever dos militantes comunistas verificar por si mesmos as resoluções das instâncias superiores do partido. Aquele que, na política, acredita em tudo que se diz, é um idiota irrecuperável". E sabemos o que significava o desprezo de Lênin por estes termos "idiota irrecuperável". Lênin insistiu incessantemente na necessária educação política dos militantes. E aprender, compreender é algo que só pode ser alcançado através da livre discussão, através do confronto geral de ideias pelo conjunto dos militantes sem exceção. E não é apenas um problema de pedagogia, mas uma premissa da elaboração política, do avanço do movimento de emancipação do proletariado.
Depois da vitória do stalinismo e da exclusão da Esquerda da IC, a Fração italiana nunca deixou de lutar contra o mito do líder infalível e, ao contrário de Trotsky, exigiu na oposição de esquerda o maior esforço para o reexame crítico das posições passadas e para o trabalho teórico, através da mais ampla discussão dos novos problemas. A fração italiana fez esse esforço antes da guerra. No entanto, não afirmou ter resolvido todos os problemas; ela própria, como é sabido, estava muito dividida em questões de primeira importância.
Devemos notar, no entanto, que todas essas boas disposições e tradições desapareceram com a formação do Partido. O PCInt é atualmente o agrupamento revolucionário onde a discussão teórica e política é menor, se é que existe alguma. A guerra e o pós-guerra levantaram uma série de novos problemas. Nenhum deles foi abordado nas fileiras do partido italiano. Basta ler os escritos e jornais do partido para perceber sua grande miséria teórica. Quando se lê a ata da Conferência Constituinte do Partido, pergunta-se se ocorreu em 1946 ou em 1926. Um dos líderes do partido, o camarada Damen, aparentemente, tinha razão ao dizer que o partido se recolheu e ressurgiu com as posições de... 1925. O que para ele é uma força, as posições de 1925, expressam claramente o terrível atraso teórico e político, ressaltando a enorme fraqueza do partido.
Nenhum outro período na história do movimento operário atrapalhou tanto as aquisições e colocou tantos problemas novos como este período relativamente curto entre 1927 e 1947, nem mesmo o período transcorrido de 1905 a 1925 tão carregado e atribulado. A maioria das teses fundamentais, as bases da IC, envelheceram e caducaram. As posições sobre a questão nacional e colonial, sobre tácticas, sobre bandeiras democráticas, o parlamentarismo, os sindicatos, o partido e as suas relações com a classe devem ser radicalmente revisadas. Além disso, é necessário responder a problemas como o Estado depois da revolução, a ditadura do proletariado, as características do capitalismo decadente, o fascismo, o capitalismo de Estado, a guerra imperialista permanente, novas formas de luta e a organização unitária da classe trabalhadora. Problemas que a IC mal podia vislumbrar e resolver e que surgiram claramente após a degeneração da Internacional.
Quando, diante da imensidão destes problemas, leem-se as intervenções na Conferência de Turim, repetidas ad nauseum como ladainhas as velhas posições de Lênin em A Doença Infantil do Comunismo, caducas já antes mesmo de serem escritas, quando se vê o partido retomar como se nada tivesse acontecido, as velhas posições de 1924 de participação nas eleições burguesas e na luta dentro dos sindicatos, então nos damos conta da medida do atraso político desse partido e tudo o que lhe resta para recuperar.
E é, no entanto, esse partido que é o mais atrasado, repitamos, no que respeita ao trabalho da Fração de pré-guerra, o que mais se opõe a qualquer discussão política interna ou pública, e é nesse partido onde a vida ideológica é mais desbotada.
Como se explica isso? A explicação foi-nos dada por um dos líderes desse partido, numa conversa que teve conosco[5]. Ele nos disse: "O partido italiano é formado, em sua grande maioria, por pessoas novas sem formação teórica e virgens na política. Os antigos militantes estiveram isolados por 20 anos, apartados de qualquer movimento de pensamento. No estado atual, os militantes são incapazes de abordar os problemas da teoria e da ideologia. A discussão serviria apenas para perturbar o seu ponto de vista, e lhes faria mais mal do que bem. Por ora, o que eles precisam é caminhar em terreno firme, mesmo que seja com posições antigas, desatualizadas, mas já formuladas e compreensíveis para eles. Por ora, basta agrupar as vontades para a ação. A solução dos grandes problemas levantados pela experiência entre as duas guerras requer calma e reflexão. Somente um "grande cérebro" pode abordá-los com benefício e dar a resposta que eles precisam. A discussão geral só espalharia confusão. O trabalho ideológico não é responsabilidade da massa de militantes, mas dos indivíduos. Enquanto estes indivíduos brilhantes não tiverem emergido, não podemos esperar avanços ideológicos. Marx, Lênin, eram indivíduos assim, gênios desse tipo no passado. Temos de esperar agora, a chegada de um novo Marx. Nós, na Itália, estamos convencidos de que Bordiga será esse novo gênio. Agora ele está trabalhando em um trabalho conjunto que conterá as respostas para os problemas que dizem respeito aos militantes da classe operária. Quando este trabalho aparecer, os militantes terão que assimilá-lo e o partido terá que alinhar sua política e sua ação em função desses novos militantes."
Esse discurso, que reproduzimos quase palavra por palavra, contém três elementos. Em primeiro lugar, há a constatação do baixo nível ideológico dos membros do partido. Em segundo lugar, o perigo da abertura de amplos debates no partido, porque eles perturbarão os seus membros, roubando-lhes a coesão. Em terceiro lugar, que a solução de novos problemas políticos Só pode vir de um "cérebro genial".
Sobre o primeiro ponto, o camarada dirigente tem toda a razão. É um fato inquestionável, mas é de se supor que isso deveria incitá-lo a considerar o que vale esse partido, o que esse partido pode representar para a classe operária, o que esse partido poderia trazer para ela.
Já vimos a definição de Marx do que distingue os comunistas do proletariado como um todo. Sua consciência dos objetivos gerais do movimento e dos meios para alcançá-los. Ora, acontece que os membros do partido italiano não se enquadram nessa definição, uma vez que o seu nível ideológico não excede de forma alguma o do proletariado no seu conjunto; será que se pode falar então de um partido comunista? Bordiga formulou muito precisamente a essência do partido como um "corpo de doutrina e uma vontade de agir". Se falta esse corpo de doutrina, nem mil reagrupamentos formam o partido. Para sê-lo de verdade, a primeira tarefa do PCInt é a formação ideológica dos quadros, ou seja, o trabalho ideológico anterior para poder se tornar um verdadeiro partido.
Essa não é a ideia de nosso líder do PCInt, que acredita, ao contrário, que este trabalho pode perturbar a vontade de ação de seus membros. O que dizer de tal forma de ver, de tais ideias senão que sejam simplesmente ABERRANTES? Será necessário lembrar, por exemplo, as valiosas passagens do Que Fazer? em que Lênin cita Engels sobre a necessidade de luta em três frentes: a econômica, a política e a ideológica?
Sempre existiram esses socialistas que temiam que a discussão e a expressão das divergências pudessem perturbar a boa ação militante. Este socialismo pode ser chamado de socialismo obtuso ou socialismo da ignorância.
Contra Weitling, um líder reconhecido, o jovem Marx fulmina: "O proletariado não precisa de ignorância". Se a luta de ideias pode perturbar a ação dos militantes, não seria ainda mais verdadeira no proletariado como um todo? Se seguirmos essas ideias, é melhor dizer adeus ao socialismo, ao não ser de professar que o socialismo é equivalente à ignorância. Estes são conceitos de igreja, que temem que as mentes de seus fiéis sejam perturbadas se muitos problemas doutrinários forem levantados.
Ao contrário da afirmação de que os militantes só podem agir com certeza, "mesmo que estas se baseiem em posições falsas", afirmamos que não há certezas, o que existe é a superação constante das verdades. Só uma ação baseada nos dados mais recentes, que se enriquece continuamente, é revolucionária. Ao contrário, a ação baseada em verdades ultrapassadas e obsoletas é estéril, prejudicial, reacionária. Querem alimentar os seus militantes com verdades absolutamente certas e boas, quando só as verdades relativas, que contêm a sua antítese de dúvida, podem dar uma síntese revolucionária.
Se a dúvida e a controvérsia ideológica podem perturbar a ação dos militantes, seria necessário explicar por que isso seria válido apenas para os nossos dias. Em cada etapa da luta surge a necessidade de superar as posições anteriores. A cada momento se questiona a validade das ideias adquiridas e das posições tomadas. Estaríamos em um círculo vicioso: ou é uma questão de refletir, raciocinar e, portanto, não se pode agir, ou é uma questão de agir sem saber se nossa ação é baseada em um raciocínio bem pensado.
A que bela conclusão nosso líder da PCInt chegaria se fosse lógica com suas premissas! Em qualquer caso, o que o PCInt consegue é fabricar o tipo ideal de "idiota irrecuperável" de que Lênin falava. Seria o "perfeito idiota" elevado à categoria de membro ideal do PCInt da Itália.
Todo o raciocínio do líder sobre a impossibilidade "momentânea" de fazer pesquisa e controvérsia teórico-política dentro do PCInt, não se justifica em nenhuma circunstância. A perturbação causada pelas controvérsias é precisamente a condição para a formação do militante, a condição de que a sua ação possa ser baseada numa convicção que deve ser constantemente testada, compreendida e enriquecida. Esta é a condição fundamental da ação revolucionária. Sem ela não há nada além de obediência cega, cretinismo e servilismo.
O pensamento íntimo do nosso líder está, no entanto, no terceiro ponto. Essa é a sua crença profunda. Os problemas teóricos da ação revolucionária não se resolvem com controvérsias e discussões, mas graças ao cérebro brilhante de um indivíduo, do chefe. A solução não está no trabalho coletivo, mas no individual do pensador isolado em sua mesa, que tira os elementos fundamentais da solução de sua mente brilhante. Uma vez terminado esse trabalho, com a solução dada, resta à massa de militantes, ao partido no seu conjunto, apenas assimilar essa solução e alinhar a sua ação política com ela. As discussões acabariam por ser contraproducentes ou, pelo menos, um luxo inútil, uma estéril perda de tempo. E para apoiar tal tese, eles usam nada menos que o exemplo de Marx.
O líder tem uma ideia curiosa de Karl Marx. Nunca outro pensador foi menos "homem de escritório" do que o Marx. Menos do que em qualquer outro, pode-se caminhar separando em Marx o homem de ação, o militante, do pensador. O pensamento de Marx amadurece em relação direta não com a ação dos outros, mas com sua ação junto com outros no movimento geral. Não há ideia em seu trabalho que Marx não tenha exposto ou se oposto, em conferências e controvérsias, a outras ideias ao longo de sua atividade. É por isso que o seu trabalho respira essa frescura e vitalidade expressiva. Todo o seu trabalho, incluindo O Capital, não passa de uma controvérsia contínua em que a pesquisa teórica mais árdua e abstrata está intimamente ligada à discussão e às polêmicas. É uma forma curiosa de ver o trabalho de Marx, considerá-lo como um produto da miraculosa composição biológica de seu cérebro!
De modo geral, o tempo dos gênios na história humana acabou. O que foi genial no passado? Isso se deveu à relação entre o nível muito baixo de conhecimento humano médio e o conhecimento de alguns indivíduos de elite, entre os quais a diferença era imensurável. Em estágios mais baixos do desenvolvimento do conhecimento humano, o conhecimento muito relativo poderia ser fruto de uma aquisição individual, assim como a produção, que poderia ter um caráter individual. O que distingue a ferramenta da máquina é a mudança de seu caráter, que de ser um produto rudimentar de um trabalho privado torna-se um produto complicado, fruto de um trabalho social coletivo. O mesmo acontece com o conhecimento em geral. Enquanto era algo elementar, um indivíduo isolado podia abraçá-lo em sua totalidade. Com o desenvolvimento da sociedade e da ciência, o conhecimento já não pode ser abraçado pelo indivíduo, mas pela humanidade como um todo. A distância entre o gênio e a média dos homens diminui na mesma proporção em que a soma do conhecimento humano aumenta. A ciência, tal como a produção econômica, tende a se socializar. Do gênio, a humanidade passou para o sábio isolado e do sábio isolado para a equipe de sábios. Para produzir, é necessário contar com a colaboração de grandes massas de trabalhadores; esta mesma tendência à divisão se encontra na produção "espiritual", e é isso que assegura seu desenvolvimento. O gabinete do sábio deu lugar para o laboratório no qual as equipes de sábios cooperam, assim como a oficina do artesão deu lugar para as grandes fábricas.
O papel do indivíduo tende a diminuir na sociedade humana, não como um indivíduo sensível, mas como um indivíduo que emerge da massa confusa e está acima dela. O homem indivíduo está dando lugar ao homem social. A oposição da unidade individual à sociedade será resolvida pela síntese de uma sociedade em que todos os indivíduos recuperam a sua verdadeira personalidade. O mito do gênio não pertence ao futuro da humanidade. Vai acabar por ocupar um lugar no museu da pré-história juntamente com o mito do herói e do semideus.
Podemos pensar o que quisermos do papel decrescente do indivíduo na história da humanidade. Pode-se ser a favor ou lamentar. O que não se pode negar é o processo. Para poder continuar produzindo com técnicas evoluídas, o capitalismo foi obrigado a estabelecer uma instrução geral. A burguesia tem sido forçada a abrir mais e mais escolas, na medida em que isso seja compatível com seus interesses. Foi obrigada a permitir que as crianças dos proletários tivessem acesso a uma instrução mais elevada.
Nesse sentido, a burguesia elevou a cultura geral média da sociedade. Mas não pode ir além de um certo grau sem afetar a sua própria dominação, tornando-se assim um obstáculo ao desenvolvimento cultural da sociedade. Esta é uma das expressões da contradição histórica da sociedade burguesa que só o socialismo poderá resolver. O desenvolvimento da cultura e da consciência constantemente superado será o resultado, mas também a condição do socialismo. E agora, acontece que um homem que se diz marxista, que se apresenta como um dos líderes de um partido comunista, nos fala e nos pede para esperar pelo gênio salvador.
Para nos convencer, o líder contou-nos a seguinte anedota: Um dia, foi à casa de Bordiga, que não via há 20 anos, e pediu a sua opinião sobre alguns dos seus escritos teóricos e políticos. Depois de os ler, Bordiga, que os tinha julgado equivocados, ter-lhe-ia perguntado o que tencionava fazer com eles; publicá-los na revista do partido, o nosso líder respondeu. Bordiga teria respondido que, como não tinha tempo para fazer a pesquisa teórica necessária para refutar o conteúdo destes artigos, ele se opunha à sua publicação. E que se o partido fizesse o contrário, retiraria a sua colaboração literária. A ameaça de Bordiga foi suficiente para o líder renunciar à publicação dos seus artigos.
Esta anedota, que o líder nos disse como algo exemplar, deveria servir para nos convencer da grandeza do professor e da contenção do aluno. Na realidade, o que nos deixa é um sentimento doloroso. Se é verdade, dá-nos uma ideia do estado de espírito que reina no PCInt de Itália, um estado de espírito lamentável. Em outras palavras, não é o partido, a massa de militantes, a classe operária em seu conjunto, que deve julgar se tal ou tal posição seria justa ou errada. As massas nem sequer devem ser informadas. O "mestre" é o único juiz do que ela pode entender e do que deve ser informada. A preocupação sublime é não "perturbar" a quietude das massas! E se o "mestre" estiver errado? Isso é impossível, eles nos dirão, porque se o "mestre" está errado, como pode um simples mortal ter sequer a possibilidade de julgá-lo? O fato é que outros "mestres" já se equivocaram, por exemplo, Marx, Lênin. Ah, mas isso não acontecerá com "nosso mestre", com o Verdadeiro. E se isso acontecer, só o futuro "mestre" terá de endireitar as coisas. Esse é um conceito de pensamento tipicamente aristocrático. Não negamos o grande valor que o conhecimento do especialista, do sábio, do pensador pode ter, mas rejeitamos o conceito monárquico de pensamento, o direito divino sobre o pensamento. Quanto ao "mestre" ele mesmo, este deixa de ser um ser humano cujo pensamento se desenvolve em contato com outros humanos e se torna um tipo de Fênix, um fenômeno que se move por si só, a Ideia pura que procura, contradiz e se apreende a si própria como em Hegel.
Esperar o gênio é proclamar a própria impotência; é como a massa que espera aos pés do Sinai a chegada não se sabe de que Moisés que traz consigo não se sabe que mandamentos da inspiração divina. É a expectativa mais antiga e eterna do Messias que deve levar a liberdade ao seu povo. O já velho canto revolucionário do proletariado, a Internacional, diz: "Nem deus, nem César, nem orador, é o salvador supremo". Seria necessário acrescentar-se "nem gênio", referindo-se especialmente aos membros do PCInt da Itália.
Há múltiplas apresentações e várias dessas visões messiânicas modernas: o culto do "chefe infalível" dos estalinistas, o príncipe Führer dos hilerianos, a filiação dos camisas negras ao Duce. São a expressão da angústia da burguesia decadente que se torna vagamente consciente de seu fim próximo e que tenta salvar-se a si mesma ajoelhando-se diante do primeiro aventureiro. O conceito de gênio faz parte da mesma família de divindades.
O proletariado não deve ter medo de olhar a realidade de frente, porque o futuro do mundo lhe pertence.
[1] Ver, "A tarefa do momento: formação do partido ou formação dos quadros" in Revista Internacional n° 32, 1983 (versão em francês ou inglês).
[2] Pode-se ler o livro publicado pela CCI em francês e espanhol Contribuição para a história da Esquerda Comunista na Itália.
[3] Ver: Convulsões atuais do meio revolucionário, na Revista Internacional, nº 28, 1982. Em francês Convulsions actuelles du milieu révolutionnaire [73].
[4] Marcel Cachin, um conhecido "homem político" do estalinismo francês. Ex-parlamentar do Partido Socialista Francês (SFIO), foi diretor do gabinete do ministro socialista Sembat durante a Primeira Guerra Mundial. Patriota profissional, estava encarregado de entregar fundos do Estado francês a Mussolini para que pudesse levar a cabo uma campanha pela entrada da Itália na guerra ao lado da Entente. Em 1920, ele se tornou partidário da... Internacional Comunista, prosseguindo a sua carreira parlamentar; acabou por ser, até à sua morte, um dos partidários mais servis de Stálin.
[5] Conversação com Vercesi
Há um século sopravam ventos de esperança sobre a humanidade. Primeiro na Rússia, onde a classe operária tinha conseguido tomar o poder. Depois na Alemanha, Hungria e Itália, onde lutou valentemente para continuar o trabalho dos proletários russos com uma só bandeira: a abolição do modo de produção capitalista cujas contradições tinham mergulhado a civilização em quatro anos de guerra. Quatro anos de barbárie sem precedentes até então, trágico testemunho da entrada do capitalismo em sua fase de decadência.
Nessas condições, depois de constatar a quebra da Segunda Internacional, apoiando-se em todo o trabalho de reconstrução da unidade internacional iniciado em Zimmerwald em setembro de 1915 e depois em Kiental em abril de 1916, fundou-se a Terceira Internacional em 4 de março de 1919 em Moscou. Já nas Teses de abril de 1917, Lênin conclamava à fundação de um novo partido mundial. A imaturidade do movimento revolucionário obrigou, no entanto, a adiar sua fundação. Para Lênin, o passo decisivo se deu durante os terríveis dias de janeiro de 1919 na Alemanha, durante os quais se fundou o Partido Comunista Alemão (KPD). Em uma "Carta aos Trabalhadores da Europa e América" de 26 de janeiro, Lênin escreveu: "Quando a Liga Espártaco deu-se o nome de Partido Comunista Alemão, a fundação da Terceira Internacional tornou-se então realidade. Formalmente esta fundação ainda não tinha sido confirmada, mas na realidade, desde já, a Terceira Internacional sim existe". Para além do excessivo entusiasmo de tal juízo, como veremos mais adiante, o que de fato entenderam os revolucionários de então é que forjar o partido já era algo essencial para a vitória da revolução em escala mundial. Depois de várias semanas de preparação, 51 delegados se reuniram de 2 a 6 de março de 1919 para sentar as bases organizativas e programáticas que permitiriam ao proletariado mundial seguir avançando na luta contra todas as forças burguesas.
A CCI reivindica as contribuições da Internacional Comunista (IC). Este centenário é, portanto, uma oportunidade para cumprimentar e destacar a valiosa contribuição da IC na história do movimento revolucionário, mas também para tirar lições dessa experiência e destacar suas debilidades para assim armar o proletariado de hoje para as lutas do futuro.
Como disse a "Carta convite ao Congresso" de Trotsky "Os partidos e organizações abaixo assinadas consideram urgente a convocatória do primeiro congresso da nova Internacional revolucionária. (...) A rápida ascensão da revolução mundial que traz constantemente novos problemas, o perigo de asfixia da revolução pela aliança dos estados capitalistas contra a revolução sob a hipócrita bandeira da ‘’Sociedade das Nações’, as tentativas dos partidos social-traidores de se unir e seguir ajudando a seus governos e burguesias a trair à classe operária depois de haverem se concedido uma mútua ‘anistia’, por último, a riquíssima experiência revolucionária já adquirida e o caráter global de todo o movimento revolucionário... todas essas circunstâncias nos exigem por na ordem do dia a discussão da questão da convocatória de um congresso internacional de partidos revolucionários."
À imagem daquele primeiro chamado dos bolcheviques, a fundação da IC expressou o desejo de reunir as forças revolucionárias de todo o mundo. Mas também a defesa do internacionalismo proletário, pisoteado como tinha sido pela grande maioria dos partidos socialdemocratas que compunham a II Internacional. Depois de quatro longos anos de uma guerra atroz, que dividiu e dizimou milhões de proletários nos campos de batalha, o surgimento de um novo partido mundial mostrou a vontade de aprofundar o trabalho iniciado pelas organizações que tinham permanecido fiéis ao internacionalismo. Neste sentido, a IC é a expressão da força política do proletariado que estava se manifestando por todas as partes depois do profundo retrocesso causado pela guerra, assim como da responsabilidade dos revolucionários de continuar defendendo os interesses da classe operária e a revolução mundial.
Durante o congresso fundador afirmou-se repetidamente que a IC era o partido da ação revolucionária. Como se afirma em seu Manifesto, a IC nasceu em um momento em que o capitalismo tinha mostrado claramente sua obsolescência. A humanidade estava entrando na "era de guerras e revoluções". Em outas palavras, a abolição do capitalismo estava se convertendo em uma necessidade extrema para o futuro da civilização. Com essa nova compreensão da evolução histórica do capitalismo, a IC defendeu incansavelmente os conselhos operários e a ditadura do proletariado: "o novo aparato de poder deve representar a ditadura da classe operária (...) quer dizer, deve ser o instrumento da derrocada sistemática da classe exploradora e de sua expropriação. O poder dos conselhos operários ou das organizações de trabalhadores é sua forma concreta." (Carta convite ao congresso). Essas orientações foram defendidas durante todo o congresso. Além disso, as "Teses sobre a democracia burguesa", escritas por Lênin e adotadas pelo Congresso, empreendiam a denúncia das mistificações da democracia, mas, sobretudo, advertiam o proletariado do perigo que representavam em sua luta contra a sociedade burguesa. Desde o princípio, a IC se colocou resolutamente no campo proletário, defendendo os princípios e métodos da luta da classe operária e denunciando energicamente o chamamento da corrente centrista a uma unidade impossível entre os social-traidores e os comunistas, "a unidade dos operários comunistas com os assassinos dos líderes comunistas Liebknecht y Luxemburgo", segundo as próprias palavras da "Resolução do Primeiro Congresso da IC sobre a posição acerca das correntes socialistas e a Conferência de Berna".[1] Como prova da defesa inflexível dos princípios proletários, essa resolução, adotada por unanimidade pelo Congresso, foi uma reação à recente celebração pela maioria dos partidos socialdemocratas da II Internacional de uma reunião[2] na qual foi adotadas uma série de orientações claramente dirigidas contra a onda revolucionária. A resolução terminava assim: "O congresso convida os operários de todos os países a se engajar na luta mais enérgica contra a internacional amarela e a preservar as massas mais amplas do proletariado contra essa internacional da mentira e da traição."
A fundação da IC foi um passo vital na continuidade da luta histórica do proletariado. Conseguiu recolher as melhores contribuições da II Internacional, rompendo com ela em posições ou análises que já não correspondiam ao período histórico que acabava de começar.[3] Enquanto o antigo partido mundial tinha traído o internacionalismo proletário, em nome da União Sagrada, nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, a fundação do novo partido tornou possível fortalecer a unidade da classe operária e armá-la na feroz luta que estava desempenhando em muitos países do mundo pela abolição do modo de produção capitalista. Portanto, apesar das circunstâncias desfavoráveis e dos erros cometidos, como veremos, nós cumprimentamos e defendemos aquele empenho. Os revolucionários daquela época assumiram sua responsabilidade, tinham que fazê-lo e o fizeram!
Os revolucionários diante do impulso massivo do proletariado no mundo
O ano de 1919 foi o ponto culminante da onda revolucionária. Depois da vitória da revolução na Rússia em outubro de 1917, a abdicação de Guilherme II e a assinatura apressada do armistício diante dos motins e da revolta das massas operárias na Alemanha, apareceram insurreições operárias, em particular, a instauração da República dos Conselhos na Baviera e na Hungria. Também houve motins na frota e entre as tropas francesas ou unidades britânicas negando-se a intervir contra a Rússia soviética, e se produziu uma onda de greves no Reino Unido (1919), especialmente nos centros de maior ação revolucionária (Clyde, Sheffield, Gales do Sul). Mas em março de 1919, quando foi criada a IC em Moscou, a maioria desses levantamentos já tinha sido reprimida ou estava a ponto de sê-lo.
Não há dúvida de que os revolucionários de então se encontravam em uma situação de emergência e se viram obrigados a atuar em pleno fervor da luta revolucionária. Como diria mais tarde a Fração Francesa de Esquerda Comunista (FFGC – Fraction Française de la Gauche Communiste) em 1946: "os revolucionários tentavam criar uma ponte entre a maturidade da situação objetiva e a imaturidade do fator subjetivo (a ausência do Partido) mediante uma ampla união de grupos e correntes politicamente heterogêneos, proclamando tal união como o novo Partido." [4]
Não se trata aqui de discutir a validade ou não da fundação do novo partido, a Internacional. Era uma necessidade imperiosa. Ao contrário, o que queremos é assinalar uma série de erros no método com que foi fundado.
Ainda que a maioria dos informes apresentados pelos diferentes delegados sobre a situação da luta de classes em cada país alerte sobre a reação da burguesia ao avanço da revolução (no final do congresso se vota numa resolução sobre o Terror Branco), é surpreendente notar o muito que se subestima esse aspecto durante aqueles cinco dias de trabalho. Poucos dias depois da notícia da fundação do KPD, que se seguiu à fundação dos Partidos Comunistas da Áustria (novembro de 1918) e Polônia (dezembro de 1918), Lênin considerava que a sorte estava lançada: "Quando a Liga Espártaco alemã, dirigida por tão ilustres líderes, conhecidos no mundo todo, leais partidários da classe operária como são Liebknecht, Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin, Franz Mehring romperam para sempre todos os laços com os socialistas como Scheidemann, (...) quando a Liga Espártaco deu-se o nome de Partido Comunista Alemão, então a fundação da Terceira Internacional, a Internacional Comunista, verdadeiramente proletária, verdadeiramente internacional, verdadeiramente revolucionária, tornou-se realidade. Formalmente esta fundação ainda não tinha sido confirmada, mas na realidade, desde já, a Terceira Internacional sim existe".[5] Curiosidade significativa: a redação desse texto completou-se em 21 de janeiro de 1919, data em que Lênin foi informado do assassinato de K. Liebknecht. Esta inquebrantável certeza estaria presente em todo o congresso. Já no discurso de abertura, Lênin marcou a pauta: "A burguesia poderá dar rédea solta a seus instintos, poderá continuar matando milhões de operários, a vitória será nossa, a vitória da revolução comunista está assegurada." Posteriormente, todos aqueles que narraram a situação o fizeram com o mesmo otimismo transbordante, como o camarada Albert, membro do jovem KPD, que falou diante do Congresso em 2 de março e nos seguintes termos: "Não acredito que seja de um otimismo exagerado dizer que os partidos comunistas alemão e russo continuam a luta com a firme esperança de que o proletariado alemão também dirija a revolução até a vitória final e que a ditadura do proletariado também possa se estabelecer na Alemanha, apesar de todas as assembleias nacionais, apesar de todos os Scheidemann e apesar do nacionalismo burguês (...). Isto é o que me impulsionou a aceitar vosso convite com alegria, convencido de que em muito pouco tempo lutaremos ombro a ombro com o proletariado dos demais países, em particular da Inglaterra e da Franca, para que a revolução mundial também alcance na Alemanha os seus objetivos."
Poucos dias depois, entre 6 e 9 de março, uma terrível repressão se abateu sobre Berlim, matando 3.000 pessoas em 8 de março, incluídos 28 marinheiros presos e logo executados com metralhadoras na mais pura tradição versalhesca. Em 10 de março, Léo Jogiches foi assassinado e Heinrich Dorrengach[6] o seria em 19 de maio.
E, no entanto, as últimas palavras de Lênin no discurso de encerramento demonstraram que o congresso não tinha mudado em nada sua análise da relação de forças. Declarou sem vacilar que "a vitória da revolução proletária está assegurada em todo o mundo. A fundação da República Internacional de Conselhos está em marcha."
Amadeo Bordiga, apontou, contudo, um ano depois: "Depois do proletariado russo e do proletariado internacional lançarem a consigna ‘regime de sovietes’ no mundo, temos visto como, a princípio, levantava-se a onda revolucionária, depois do fim da guerra, e como se punha em marcha o proletariado de todo o mundo. Vimos em todos os países a seleção que se produzia nos antigos partidos socialistas para fazer surgir partidos comunistas comprometidos na luta revolucionária contra a burguesia. Desgraçadamente, o período seguinte foi um período de interrupção, quando as revoluções alemã, bávara e húngara foram esmagadas pela burguesia."
Na realidade, as debilidades significativas da consciência no proletariado eram um obstáculo importante para o desenvolvimento revolucionário da situação:
O meio revolucionário muito debilitado ao sair da guerra
Assim, o meio revolucionário está muito fragmentado, composto por grupos que carecem de clareza, ainda imaturos. Somente as frações de esquerda da II Internacional (os bolcheviques, os tribunistas e os espartaquistas, em sua maioria, pois há muita heterogeneidade neles quando não divisão mesmo) são capazes de assinalar o rumo e estabelecer uma base sólida para a fundação do novo partido.
Ademais, muitos militantes careciam de experiência política. Dos 43 delegados ao congresso fundador cujas idades são conhecidas, 5 estavam nos seus 20 anos, 24 nos seus 30, só um tinha 50 anos.[8] Dos 42 delegados cuja trajetória política pode ser rastreada, 17 tinham se filiado aos partidos socialdemocratas antes da revolução russa de 1905, enquanto que 8 tinham se tornado socialistas ativos somente depois de 1914.[9]
Apesar de seu entusiasmo e paixão revolucionária, muitos deles careciam da experiência necessária em tais circunstâncias.
Como já dizia a FFGC em 1946: "É inegável que uma das causas históricas da vitória da revolução na Rússia e de sua derrota na Alemanha, Hungria e Itália se funda na existência do Partido revolucionário no momento decisivo naquele país e na ausência ou inexistência nestes." A fundação da Terceira Internacional foi adiada durante muito tempo devido aos diversos obstáculos que o campo proletário enfrentou durante o episódio revolucionário. Em 1918-1919, consciente de que a ausência do novo partido era uma debilidade irreparável para a vitória da revolução mundial, a vanguarda do proletariado foi unânime sobre a necessidade imperiosa de fundar o novo partido. No entanto, nem todos se puseram de acordo sobre a data e, sobretudo, sobre que método adotar. Enquanto a grande maioria das organizações e grupos comunistas estava a favor de fundá-lo o mais cedo possível, o KPD, e especialmente Rosa Luxemburgo e Léo Jogiches, optaram por adiar sua fundação, considerando que a situação era prematura, que a consciência comunista das massas ainda era débil e que o meio revolucionário tampouco tinha muita clareza.[10] O delegado do KPD na conferência, o camarada Albert, tinha, pois, o mandato de defender essa posição e não de votar a favor da fundação imediata da Internacional Comunista:
"Quando nos dizem que o proletariado necessita de um centro político em sua luta, podemos dizer que esse centro já existe e que todos aqueles que se baseiam no sistema de conselhos já romperam com os elementos da classe operária que ainda se inclinam para a democracia burguesa: constatamos que a ruptura está sendo preparada por todas as partes e que está sendo realizada. Mas uma Terceira Internacional não somente deve ser um centro político, uma instituição na qual os teóricos trocam calorosos discursos, mas que deve ser a base de um poder organizativo. Se queremos fazer da Terceira Internacional um instrumento eficaz de luta, se queremos convertê-la em um meio de combate, então é necessário que também existam essas condições prévias. Portanto, em nossa opinião, a questão não deveria ser debatida e decidida desde um ponto de vista intelectual, senão que é necessário que nos perguntemos em termos concretos se existem os fundamentos da organização. Ainda tenho a sensação de que os camaradas que tanto pressionam a favor da fundação se deixam influenciar enormemente pela evolução da Segunda Internacional, e que querem, depois da conferência de Berna, impor uma empresa para concorrer com aquela. Isto nos parece menos importante, e quando dizemos que é necessário um esclarecimento, do contrário os elementos indecisos se unirão à Internacional amarela, digo que a fundação da Terceira Internacional não reterá os elementos que hoje se unem à Segunda, e que se vão para lá apesar de tudo, é porque esse é seu lugar."[11]
Como se pode ver, o delegado alemão advertiu contra o perigo de fundar um partido transigindo com os princípios e a clareza organizativa e programática. Ainda que os bolcheviques tenham levado muito a sério as reservas da central do KPD, não há dúvida de que eles também se viram presos nessa corrida contra o relógio. De Lênin a Zinoviev, de Trotsky a Racovski, todos enfatizaram a importância de conseguir que todos os partidos, organizações, grupos ou indivíduos que reivindiquem, de perto ou de longe, o comunismo e os conselhos aderissem ao novo Partido. Como se observa em uma biografia de Rosa Luxemburgo, "Lênin via na Internacional uma maneira de ajudar os diversos partidos comunistas a se formarem e se fortalecerem"[12] pela decantação produzida na luta contra o centrismo e o oportunismo. Para o KPD, tratava-se em primeiro lugar, de formar partidos comunistas "sólidos", com o apoio das massas, antes de ratificar a criação do novo partido.
A composição do congresso é uma ilustração da precipitação e das dificuldades que se impunham às organizações revolucionárias da época. Dos 51 delegados que participaram nos trabalhos, feita a conta dos atrasos, das saídas antecipadas e das ausências temporárias, uns 40 são militantes bolcheviques do partido russo, mas também dos partidos letão, lituano, bielorrusso, armênio e da Rússia oriental. Além do partido bolchevique, somente os partidos comunistas alemão, polaco e húngaro tinham existência própria.
As demais forças convidadas ao congresso eram uma multiplicidade de organizações, grupos ou elementos não abertamente "comunistas", mas em processo de decantação no seio da socialdemocracia e do sindicalismo. A carta convite ao congresso convocava todas as forças que, direta ou indiretamente, apoiavam a Revolução Russa e pareciam ter boa vontade para trabalhar pela vitória da revolução mundial:
"10º É necessário aliar-se com aqueles elementos do movimento revolucionário que, ainda que não tenham pertencido aos partidos socialistas no passado, hoje em dia se sintam globalmente no terreno da ditadura do proletariado em sua forma de poder dos conselhos. Trata-se, em primeiro lugar, dos elementos sindicalistas do movimento operário.
11º É necessário, enfim, ganhar todos os grupos ou organizações proletárias que, sem terem se unido abertamente à corrente revolucionária, manifestem, no entanto, em sua evolução, uma tendência nesse sentido."[13]
Esse método acarretou várias anomalias que testemunham a falta de representatividade de uma parte do congresso. Por exemplo, o estadunidense Boris Reinstein não tinha mandato de seu partido, o Socialist Labor Party. O holandês S. J. Rutgers representava uma liga para a propaganda socialista. Christian Racovsky[14] devia representar a Federação Balcânica, o Tesnjaki búlgaro e o PC romeno.[15] Portanto, em que pesem as aparências, o congresso fundador foi sobretudo representativo da insuficiente consciência na classe operária mundial.
Todos esses elementos também mostram que grande parte da vanguarda revolucionária deu prioridade à quantidade em detrimento da clareza prévia sobre os princípios organizativos. Este enfoque deu as costas a todo o conceito que os bolcheviques haviam desenvolvido nos quinze anos anteriores. Isto já foi sublinhado pela FFGC em 1946: "O método ‘estreito’ de seleção sobre bases com princípios mais precisos, sem se fixar nos êxitos numéricos imediatos, permitiu aos bolcheviques construir o Partido que, no momento decisivo, foi capaz de integrar em seu seio e assimilar todas as energias revolucionárias e militantes das demais correntes e, em última instância, conduzir o proletariado à vitória; o método ‘amplo’, ao contrário, preocupado sobretudo em reunir imediatamente a maior quantidade à custa da precisão programática e de princípios, ia conduzir à formação de partidos de massas, verdadeiros colossos com pés de barro que seriam derrubados à primeira derrota sob a dominação do oportunismo. A formação do Partido de classe é infinitamente mais difícil nos países capitalistas avançados – onde a burguesia dispõe de mil maneiras de corromper a consciência do proletariado – do que na Rússia."
Cega pela certeza de uma vitória iminente do proletariado, a vanguarda revolucionária subestimou em grande medida as dificuldades objetivas que tinha diante de si. A euforia a levou a deixar de lado o método "estreito" de construção da organização que tinha sido defendida sobretudo pelos bolcheviques na Rússia e em parte pelos espártaquistas na Alemanha. Considerou-se que havia que priorizar uma grande concentração revolucionária que permitisse, ademais, opor-se à "Internacional amarela" que havia se formado em Berna umas semanas antes. O método "amplo" deixou em segundo plano a clareza dos princípios organizativos. Pareciam importar pouco as confusões que os grupos integrados no novo partido arrastavam, a luta seria travada no seu seio. No momento, deu-se prioridade ao agrupamento da maior quantidade possível.
Esse método "amplo" acabaria tendo consequências nefastas, pois enfraqueceria a IC na futura luta organizativa. E assim, a clareza programática do primeiro congresso acabou pisoteada pelo impulso oportunista, num contexto de enfraquecimento e degeneração da onda revolucionária. Foi no seio da IC que surgiram as frações de esquerda que criticariam a insuficiente ruptura com a II Internacional. Como veremos mais adiante, as posições defendidas e desenvolvidas por esses grupos responderam aos problemas que se colocavam na IC diante do novo período de decadência do capitalismo.
(Continuará)
Narek, 4 de março de 2019
[1] Tesis, manifiestos y resoluciones adoptados por los Cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista (1919-1923) [74].
[2] A conferência de Berna de fevereiro de 1919 foi uma "tentativa de ressuscitar o cadáver da Segunda Internacional" para a qual "o Centro" enviou seus representantes.
[3] Para um conhecimento mais amplo, veja-se o artigo "Março de 1919: fundação da Internacional Comunista", Revista Internacional nº 57, 2º trimestre de 1989.
[4] Internationalisme, "À propos du Premier Congrès du Parti communiste internationaliste d’Italie" (Sobre o Primeiro Congresso do Partido comunista internacionalista da Itália), nº 7, janeiro-fevereiro de 1946.
[5] Lênin, Obras, t. XXVIII.
[6] Comandante da divisão da marinha popular em Berlim em 1918. Depois da derrota de janeiro, refugiou-se em Brunswick e depois em Eisenach. Foi detido e executado em maio de 1919.
[7] Internationalisme, "A propos du Premier Congrès du Parti communiste internationaliste d’Italie" (Sobre o Primeiro Congresso do Partido comunista internacionalista da Itália), nº 7, janeiro-fevereiro de 1946.
[8] Founding the Communist International: The Communist International in Lenin's Time. Proceedings and Documents of the First Congress : March 1919, Editado por John Riddell, Nova Iorque, 1987, "Introduction", p. 19
[9] Ibídem.
[10] Esse é o mandato que deram (na primeira quinzena de janeiro) ao delegado do KPD para a convenção de fundação. Isto não significa que Rosa Luxemburgo, por exemplo, em princípio se opusesse à fundação de uma internacional. Pelo contrário.
[11] Intervenção do delegado alemão em 4 de março de 1919, no Primeiro Congresso da Internacional Comunista, textos completos publicados sob a direção de Pierre Broué, Etudes et documentation internationales, 1974.
[12] Gilbert Badia, Rosa Luxemburgo. Journaliste, polémiste, révolutionnaire, Edições Sociais, 1975.
[13] Tesis, manifiestos y resoluciones adoptados por los Cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista (1919-1923) [74], "Carta convite ao Congresso".
[14] Um dos delegados mais influentes e decididos para uma fundação imediata da IC.
[15] Pierre Broué, Histoire de l’Internationale Communiste (1919-1943), Fayard, 1997, p 79.
1) No final dos anos 60, com o esgotamento do boom econômico do pós-guerra, a classe trabalhadora ressurgiu na cena social devido à deterioração das condições de vida. As lutas operárias que irromperam em escala internacional puseram fim ao mais longo período de contrarrevolução da história e abriram um novo curso histórico para os enfrentamentos de classes, impedindo assim que a classe dominante desse sua própria resposta à crise aguda do capitalismo: uma Terceira Guerra Mundial. Este novo curso histórico foi marcado pela emergência de lutas massivas, particularmente nos países centrais da Europa Ocidental, com o movimento de Maio de 1968 na França, seguido do movimento "outono (europeu) quente" na Itália em 1969; e muitos outros, como a Argentina na Primavera de 1969 [1] e a Polônia no Inverno de 1970-71. Nestes movimentos de massas, grande parte da nova geração de trabalhadores que não tinham experimentado a guerra voltou a levantar a questão da perspectiva do comunismo como uma possibilidade.
Ligado a este movimento geral da classe trabalhadora do final dos anos 1960 e início dos anos 1970, devemos também destacar o despertar internacional, em uma escala muito pequena, mas não menos significativa, da Esquerda comunista organizada, a tradição que permaneceu fiel à bandeira da revolução proletária mundial durante a longa noite da contrarrevolução. Neste despertar, a Constituição da CCI significou uma renovação e um importante impulso para a esquerda comunista no seu conjunto. [2]
Diante de uma dinâmica de tendência à politização das lutas operárias, a burguesia (que havia sido surpreendida pelo movimento de maio de 1968) desenvolveu imediatamente uma contraofensiva em grande escala e a longo prazo para impedir que a classe operária dessa sua própria resposta à crise histórica da economia capitalista: a revolução proletária.
2) Devido à ruptura da continuidade política com o movimento operário do passado, esta tendência para a politização do proletariado durante a década de 1960 manifestou-se pela emergência do que Lênin chamou de um "pântano político": um meio de grupos e elementos confusos e, ao mesmo tempo, uma zona de trânsito, situada entre a burguesia e o proletariado. No momento de sua maior expansão, este espaço de politização estava composto, em escala mundial, essencialmente de elementos jovens e inexperientes, entre eles muitos estudantes. Já na primeira metade dos anos setenta houve uma decantação neste "pântano" que se manifestou no fato de que:
Além disso, a adesão "crítica" dos principais grupos de extrema-esquerda (trotsquistas e maoístas) à contrarrevolução e suas práticas de organização e intervenção típicas de organizações ou seitas criptostalinistas, bem como o ativismo cego dos círculos autonomistas e o culto à violência minoritária por parte dos grupos terroristas, destruíram grande parte desta nova geração no processo de politização. Esse trabalho destrutivo contribuiu para distorcer e desacreditar o verdadeiro movimento revolucionário do proletariado.
Paralelamente ao papel extremamente negativo desempenhado por este componente pseudo "radical" desse pântano e dos grupos de extrema-esquerda, a burguesia desenvolveu uma contraofensiva política contra a retomada histórica da luta de classes. Esta contraofensiva consistiu inicialmente, no início dos anos 70, em propor a alternativa de "levar a esquerda ao governo" nos principais países ocidentais, para redirecionar a classe operária ao terreno eleitoral e parlamentar, semeando a ilusão de que o programa dos partidos de esquerda permitiria melhorar as condições de vida das massas exploradas. Esta primeira onda de lutas, que se desenvolveu desde o final da década de 1960, esgotou-se durante estes "anos de ilusões".
3) Mas com o agravamento da crise econômica que teve lugar em meados dos anos 70, surgiu uma nova onda de lutas operárias, na qual também participou o proletariado de alguns países do Leste Europeu (especialmente na Polônia no verão de 1980) [4].
Diante desta retomada da luta de classes após um breve período de refluxo, a burguesia teve que modificar sua estratégia para evitar qualquer politização do proletariado em suas lutas econômicas. E assim, através de uma inteligente divisão de tarefas entre as diferentes frações burguesas, cabia aos partidos de direita no governo realizar os ataques econômicos contra as condições de vida do proletariado, enquanto os partidos de esquerda na oposição (apoiados pelos sindicatos e pelos esquerdistas) tinham a missão de sabotar a partir de dentro as lutas dos trabalhadores, e desviá-las para o terreno do engano eleitoral.
A greve de massas na Polônia em agosto de 1980 revelou que o proletariado, apesar de sofrer com a capa de chumbo dos regimes estalinistas, foi capaz de levantar a cabeça e encontrar espontaneamente seus métodos de luta, incluindo as assembleias gerais soberanas, a eleição dos comitês de greve responsáveis por essas assembleias, a necessária extensão geográfica das lutas e sua unificação superando as divisões corporativistas.
Essa luta gigantesca da classe trabalhadora na Polônia revelou que é na luta massiva contra os ataques econômicos que o proletariado pode tomar consciência de sua própria força, afirmar sua identidade de classe antagônica com o capital e desenvolver sua autoconfiança.
Mas a derrota dos trabalhadores poloneses, com a fundação do sindicato "livre" Solidarnosc ("Solidariedade", que se beneficiou do apoio dos sindicatos dos países ocidentais), também revelou o peso muito forte das ilusões democráticas em um país onde o proletariado não tinha experiência da democracia burguesa. A derrota e a repressão dos trabalhadores poloneses abriram, no início da década de 1980, um novo período de retrocesso para a luta internacional de classes.
4) No entanto, embora profundo, este refluxo resultou efêmero. Na primeira metade da década de 1980, diante do agravamento da crise econômica, da explosão do desemprego e dos novos ataques às condições de vida do proletariado nos países centrais, surgiu novamente uma terceira onda de lutas. Mesmo com a derrota da longa greve dos mineiros na Grã-Bretanha em 1985, esta onda de lutas manifestava-se num desgaste da esquerda na oposição, num descrédito crescente dos sindicatos (como se viu em muitos países, incluindo os escandinavos, por greves espontâneas esporádicas que irromperam às margens e contra as manobras repetidas de sabotagem sindical). Esta terceira onda de lutas dos trabalhadores foi acompanhada por um aumento das taxas de abstenção eleitoral.
Para não se surpreender como aconteceu em maio de 1968 e para paralisar qualquer dinâmica de confronto com o sindicalismo, a burguesia lançou uma terceira estratégia: fortalecer seu aparato de enquadramento da classe operária para impedir qualquer extensão das lutas para além da corporação ou do setor, sabotar a identidade de classe do proletariado através da divisão entre "colarinho branco" e "colarinho azul", e impedir qualquer tentativa de auto-organização pelo proletariado.
5) Foi a burguesia inglesa - a mais inteligente do mundo [5] - com a política da "Dama de Ferro" (Margaret Thatcher), que definiu as diretrizes da estratégia para desacelerar a dinâmica da luta de classes para a classe dominante do resto dos países centrais:
Em outros países europeus, incluindo a Alemanha (especialmente na indústria automobilística), esta manobra burguesa para conceder aumentos salariais a apenas uma categoria de trabalhadores na mesma empresa foi destinada a dividir os trabalhadores, aumentar a concorrência entre eles, minar sua solidariedade de classe, a fim de colocá-los uns contra os outros.
E, pior, com esta estratégia de divisão do proletariado defendendo "cada um por si", a burguesia e seus lacaios sindicais têm tentado permanentemente fazer com que o que realmente foram as derrotas da classe trabalhadora pareçam vitórias!
Os revolucionários não devem subestimar o maquiavelismo da burguesia quando analisam a evolução da relação de forças entre as classes. Esse maquiavelismo só pode continuar a desenvolver-se com o agravamento dos ataques contra toda a classe explorada. A estagnação da luta de classes, e seu subsequente declínio no final da década de 1980, foi o resultado da capacidade da classe dominante de reverter algumas manifestações da decomposição da sociedade burguesa - e acima de tudo essa tendência de "cada um por si" - contra a classe trabalhadora.
6) Já a partir do refluxo que se seguiu à primeira onda de lutas, podemos ver como foram essencialmente as ilusões democráticas (alimentadas pela contraofensiva da burguesia e pela sabotagem sindical) que constituíram o principal obstáculo para a politização das lutas da classe trabalhadora.
Como se assinala no artigo da Revista Internacional n°23, "A luta do proletariado no capitalismo decadente" [9], a classe operária enfrenta vários fatores que dificultam a politização de suas lutas: A verdadeira natureza do proletariado, que é uma classe ao mesmo tempo explorada, despojada de toda propriedade e revolucionária, sempre significou que a consciência de classe não pode avançar de vitória em vitória, mas só pode evoluir desigualmente para a vitória através de uma série de derrotas, como disse Rosa Luxemburgo.
No período da decadência:
Além disso, no presente período:
7) Quando a terceira onda de lutas começou a esgotar-se no final da década de 1980, teve lugar um acontecimento importante na situação internacional: o colapso espetacular do bloco de Leste e dos regimes estalinistas em 1989 [11]. Este evento deu um tremendo golpe na dinâmica da luta de classes, modificando significativamente a correlação de forças entre o proletariado e a burguesia em benefício desta última. Este evento foi um choque que marcou a entrada do capitalismo na última fase da sua decadência: a da decomposição. Com o seu colapso, o estalinismo prestou um serviço final à burguesia, uma vez que permitiu que a burguesia pusesse fim à dinâmica da luta de classes que, com avanços e retrocessos, tinha se desenvolvido durante duas décadas.
Na verdade, uma vez que não foi a luta do proletariado, mas a putrefação na raiz da sociedade capitalista que acabou com o estalinismo, a burguesia foi capaz de aproveitar este evento para desencadear uma gigantesca campanha ideológica destinada a perpetuar a maior mentira da história: a identificação do comunismo com o estalinismo. Ao fazê-lo, a classe dominante deu um duro golpe na consciência do proletariado. As campanhas ensurdecedoras da burguesia sobre o suposto "fracasso do comunismo" causaram uma regressão do proletariado em sua marcha em direção à sua perspectiva histórica de derrubar o capitalismo. Deram um golpe na identidade de classe do proletariado. [12]
Este profundo retrocesso da consciência e da luta de classes se manifestou por uma diminuição da combatividade dos trabalhadores em todos os países, um fortalecimento das ilusões democráticas, uma intensa recuperação do controle sindical e uma grande dificuldade para o proletariado voltar ao caminho de suas lutas massivas apesar do agravamento da crise econômica, do aumento do desemprego, da precariedade e da deterioração geral de todas as suas condições de vida em todos os setores e em todos os países.
Além disso, com a entrada do capitalismo na fase final da sua decadência, o proletariado teve de enfrentar os miasmas da decomposição da sociedade burguesa, que dificultam sua capacidade para reencontrar o caminho de sua perspectiva revolucionária. No plano ideológico, "os diferentes elementos que constituem a força do proletariado se contrapõem diretamente às várias facetas dessa decomposição ideológica:
Com este retrocesso de sua visão revolucionária e identidade de classe, o proletariado também perdeu muita confiança em si mesmo e em sua capacidade de enfrentar eficazmente o capitalismo em defesa de suas condições de vida.
8) Um dos fatores objetivos que agravou a perda da identidade de classe do proletariado foram as políticas de realocação e reestruturação do aparelho produtivo nos principais países da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. As grandes concentrações de trabalhadores foram desmanteladas com o fechamento de bacias mineiras, siderúrgicas, fábricas de automóveis, etc., em setores onde a classe trabalhadora tinha tradicionalmente desenvolvido lutas massivas e muito combativas. Esta desertificação industrial foi acompanhada pela acentuação das campanhas ideológicas sobre o fim da luta de classes e, portanto, de qualquer perspectiva revolucionária. Estas campanhas burguesas têm sido capazes de se desenvolver graças ao fato de que os partidos estalinistas ou socialdemocratas identificarem há décadas a classe trabalhadora apenas com aqueles com "colarinho azul" (aqueles que usam "macacão de trabalho"), escondendo assim o fato de que o que define a classe operária é o trabalho assalariado e a exploração da força de trabalho. Além disso, o desenvolvimento de novas tecnologias torna o proletariado de "colarinho branco" esteja muito mais disperso em pequenas unidades de produção, tornando mais difícil a emergência de lutas de massas.
Nesta situação de retrocesso da consciência de classe do proletariado e de afastamento de sua visão revolucionária, o individualista "cada um por si" e a competitividade para sobreviver em meio a uma crescente recessão econômica tendem a dominar.
O aumento do desemprego e da precariedade deram origem ao fenômeno da "uberização" do trabalho. Ao usar uma plataforma de Internet como um intermediário para encontrar trabalho, a “uberização” disfarça a venda de trabalho a um empregador como se fosse "auto emprego", exacerbando ainda mais o empobrecimento e a precariedade dos "autônomos". A “uberização” do trabalho individual acentua a dificuldade de fazer greves, já que a auto exploração desses trabalhadores dificulta consideravelmente sua capacidade de lutar coletivamente e desenvolver a solidariedade contra a exploração capitalista.
9) A falência do banco Lehman Brothers e a crise financeira de 2008 permitiram à burguesia dar um novo golpe na consciência do proletariado, através de uma grande campanha ideológica de alcance mundial que tentou inculcar a ideia (levantada pelos partidos de esquerda) de que os responsáveis pela crise eram os "banqueiros corruptos", fazendo crer que o capitalismo está personificado nos "operadores" da bolsa de valores ou no poder do dinheiro.
A classe dominante foi assim capaz de esconder as raízes do fracasso do seu sistema. Pretendia por um lado, que a classe trabalhadora se visse arrastada para a defesa do Estado "protetor", já que as medidas de resgate para os bancos deveriam proteger os pequenos poupadores. Por outro lado, esta política de resgate bancário também tem sido utilizada, particularmente pela esquerda, para acusar os governos que defendem os banqueiros e ao mundo financeiro.
Mas, além do efeito dessas mistificações, o maior impacto dessa campanha sobre a classe trabalhadora foi o de reforçar sua impotência diante de um sistema econômico impessoal, cujas leis gerais seriam como leis naturais que não podem ser controladas ou alteradas.
10) A eclosão de conflitos imperialistas no Oriente Médio, assim como a miséria absoluta das massas empobrecidas dos países do continente africano, provocaram um fluxo crescente de refugiados em direção aos países da Europa Ocidental. Do outro lado do Atlântico, o afundamento do capitalismo em decomposição também se manifestou pelo êxodo das ondas de migrantes dos países latino-americanos para os Estados Unidos.
Essas manifestações da decomposição da sociedade capitalista deram origem a um novo perigo para o proletariado: a ideologia populista baseada em uma política "identitária" que ataca a solidariedade do proletariado, e que espalha a ilusão de que, diante do agravamento da crise e dos "cortes de recursos", as populações indígenas só poderiam evitar o agravamento de sua situação à custa de outras camadas não exploradoras da população. Essa política se traduz em protecionismo, na estigmatização dos imigrantes como "tomadores de estado de bem-estar" e no fechamento de fronteiras a ondas de imigrantes.
O sentimento de rejeição cada vez mais aberta entre os trabalhadores dos partidos burgueses tradicionais e das "elites" não levou, no entanto, a uma politização do proletariado em seu terreno de classe, mas sim a uma busca de "novos" personagens no terreno eleitoral da democracia burguesa. Estes "novos homens" são principalmente demagogos populistas e aventureiros (como Donald Trump). A ascensão dos partidos de extrema direita em vários países europeus, assim como a chegada ao poder de Trump nos Estados Unidos, beneficiando-se de muitos votos dos trabalhadores do chamado "cinturão da sucata" (zonas industriais desertificadas), revela que alguns setores do proletariado (particularmente atingidos pelo desemprego) podem ser intoxicados pelo veneno do populismo, da xenofobia, do nacionalismo e de todas as ideologias reacionárias e obscurantistas que emanam do esterco imundo da podridão do capitalismo.
Esta tendência ao "cada um por si" e ao desmantelamento da sociedade também se manifestou no perigo de recrutar alguns setores do proletariado atrás de bandeiras nacionais ou regionais (como aconteceu durante a crise de independência na Catalunha em 2018).
11) Dada a grande dificuldade atual da classe trabalhadora em desenvolver as suas lutas, a sua incapacidade para recuperar a sua identidade de classe e abrir uma perspectiva para a sociedade como um todo, o terreno social tende a ser ocupado por lutas interclassistas particularmente marcadas pela pequena burguesia. Essa camada social, sem futuro histórico, só pode transmitir a quimera da possibilidade de reforma do sistema capitalista ao reivindicar um capitalismo de "rosto humano", mais democrático, mais justo, mais limpo, mais preocupado com os pobres e com a preservação do planeta.
Esses movimentos interclassistas são o produto da falta de qualquer perspectiva, algo que hoje afeta a sociedade como um todo, incluindo uma parte significativa da própria classe dominante.
A revolta popular dos "coletes amarelos" em França contra "o custo de vida", assim como o movimento internacional "Juventude para o Clima" são uma ilustração do perigo do interclassismo para o proletariado [13]. A revolta cidadã dos "coletes amarelos" (inicialmente apoiados e encorajados por todos os partidos de direita e extrema direita) tem mostrado a capacidade da burguesia de usar movimentos sociais interclassistas contra a consciência do proletariado.
Ao conceder 10 bilhões de euros em ajuda para supostamente conter o caos que acompanhou as manifestações dos Coletes Amarelos, a burguesia francesa e sua mídia foram capazes de insidiosamente instilar a ideia de que apenas os movimentos de cidadãos, interclassistas e os métodos próprios de luta da pequena burguesia podem fazer o governo voltar atrás.
Às portas de uma aceleração dos ataques econômicos contra a classe explorada e do perigo do ressurgimento das lutas da classe operária, a burguesia está agora tentando desfocar os antagonismos de classe. Quando tenta inundar e diluir o proletariado entre a "população", a "cidadania", o que a classe dominante quer é impedir que ela recupere sua identidade de classe. A cobertura mediática internacional do movimento Coletes Amarelos revela que esta é uma preocupação da burguesia de todos os países.
O movimento juvenil pelo clima, embora expressando preocupação geral e inquietação pela ameaça de destruição da humanidade, foi completamente desviado para o terreno das lutas parciais, facilmente recuperáveis pela burguesia e muito fortemente marcados pela pequena burguesia.
- Só o proletariado traz em si uma perspectiva para a humanidade e, nesse sentido, é nas suas fileiras que há maior capacidade de resistir a essa decomposição. No entanto, ele mesmo não está seguro, pois a pequena burguesia com a qual ele convive é precisamente o seu principal veículo. Neste período, seu objetivo será resistir aos efeitos nocivos da decomposição em seu seio, apoiando-se unicamente em suas próprias forças, em sua capacidade de lutar coletiva e solidariamente em defesa de seus interesses como classe explorada" (Tese sobre a Decomposição).
A luta pela autonomia de classe do proletariado é, portanto, crucial nesta situação imposta pelo agravamento da decomposição do capitalismo:
No saldo de forças entre a burguesia e o proletariado, é sempre a classe dominante que está na ofensiva, exceto em uma situação revolucionária. Apesar de suas dificuldades internas e da tendência crescente de perder o controle de seu aparato político, o fato é que a burguesia conseguiu reverter as manifestações da decomposição de seu sistema contra a consciência e a identidade de classe do proletariado. A classe trabalhadora ainda não superou o profundo revés que sofreu após o colapso do bloco de Leste e dos regimes estalinistas. E ainda mais considerando que as campanhas democráticas e anticomunistas que têm sido mantidas durante décadas estão regularmente em voga (por exemplo, por ocasião do centenário da Revolução de Outubro de 1917).
12) E, no entanto, apesar destas três décadas de retrocesso da luta de classes, a burguesia não conseguiu até agora infligir uma derrota decisiva à classe trabalhadora, como fez nos anos 1920-1930. Apesar da gravidade do que está em jogo hoje no atual período histórico, a situação não é idêntica à do período contrarrevolucionário. O proletariado dos países centrais não sofreu uma derrota física (como vimos no esmagamento sangrento da revolução na Alemanha durante a primeira onda revolucionária de 1917-23). Ele não foi alistado atrás de bandeiras nacionais. A grande maioria dos proletários não está disposta a sacrificar suas vidas no altar da defesa do capital nacional. Nos principais países industrializados, tanto nos EUA como na Europa, as massas proletárias não se juntaram às cruzadas imperialistas (apelidadas de "humanitárias") da "sua" burguesia nacional.
A luta de classes do proletariado é feita de avanços e retrocessos nos quais a classe operária se esforça para superar suas derrotas, aprender com elas e voltar ao combate. Como Marx analisou no 18 Brumário: "as revoluções burguesas, como as do século XVIII, correm rapidamente de um sucesso para outro, (...) por outro lado, as revoluções proletárias, como as do século XIX, constantemente se criticam, interrompem a cada momento seu próprio curso, retornam ao que já parece ter sido alcançado e recomeçam, zombando impiedosamente das vacilações, fraquezas de suas primeiras tentativas, parecem derrubar seu adversário apenas para permitir que ele saque novas forças da terra e se recupere novamente, formidável, na frente deles, retrocedem constantemente diante da imensidão infinita de seus próprios objetivos, até que se cria uma situação que torna impossível voltar atrás, e as próprias circunstâncias gritam: Hic Rhodus, Hic salta!".
Estas "circunstâncias", que devem criar "a situação que torna impossível voltar atrás", serão determinadas, em primeiro lugar, pelo esgotamento dos paliativos que até agora permitiram à burguesia deter o colapso da economia mundial. De fato, para que as condições para a emergência de um período de luta revolucionária existam, é necessário "que os exploradores não possam viver e governar como no passado. Somente quando "os de baixo" não quiserem mais e "os de cima" não puderem mais viver da velha maneira, a revolução poderá triunfar. (Lênin, A Doença da Infância do Comunismo).
O inexorável agravamento da miséria, a precariedade, o desemprego e os ataques à dignidade dos explorados, nos próximos anos, constituem a base material que impulsionará as novas gerações de proletários a retomar o caminho das lutas empreendidas pelas gerações anteriores em defesa de suas condições de vida. Por piores que sejam os perigos que ameaçam o proletariado, o período de decomposição do capitalismo não pôs fim às "circunstâncias" objetivas que têm representado a mote das lutas revolucionárias do proletariado desde o início do movimento operário.
13) O agravamento da crise econômica já fez emergir uma nova geração na cena social, ainda que de forma muito limitada e embrionária: em 2006, o movimento estudantil em França contra a CPE, seguido cinco anos depois pelo movimento dos "Indignados" na Espanha [14]. Esses dois movimentos massivos da juventude proletária redescobriram espontaneamente os métodos de luta da classe operária, especialmente a cultura do debate em assembleias gerais massivas abertas a todos.
Estes movimentos também foram caracterizados pela solidariedade entre gerações, ao contrário do movimento estudantil do final dos anos 60, muito marcado pelo peso da pequena burguesia, que se desenvolveu contra a geração que tinha sido recrutada para a guerra.
Se no movimento contra o CPE, a grande maioria dos estudantes que lutavam contra a perspectiva de desemprego e precariedade se reconheceu como parte da classe trabalhadora, os Indignados na Espanha (embora seu movimento tenha se espalhado internacionalmente através das redes sociais) não tinham uma consciência clara de pertencer à classe explorada.
Enquanto o movimento de massas contra o CPE foi uma resposta proletária a um ataque econômico (o que forçou a burguesia a recuar ao retirar o CPE), o movimento dos Indignados foi essencialmente marcado por uma reflexão global sobre a falência do capitalismo e a necessidade de outra sociedade.
Nesta nova geração, a identidade de classe do proletariado ainda não foi recuperada, por causa da falta de experiência desta geração jovem e da sua vulnerabilidade às mistificações da ideologia da "alter-globalização", bem como da sua dificuldade em reapropriar-se da história e da experiência do movimento operário.
No entanto, estes movimentos começaram a estabelecer os primeiros marcos de uma lenta maturação da consciência dentro da classe trabalhadora (e especialmente de suas jovens gerações altamente qualificadas) sobre o que está em jogo na atual situação histórica.
14) Uma característica essencial do desenvolvimento da consciência de classe do proletariado sempre foi sua capacidade de maturação subterrânea, isto é, a capacidade de se desenvolver fora dos períodos de luta aberta e mesmo em períodos de grande derrota. A consciência de classe pode se desenvolver em profundidade, dentro de pequenas minorias, mesmo que não se estenda amplamente a todo o proletariado. Portanto, o desenvolvimento da consciência de classe não deve ser medido apenas pela extensão imediata que alcança no proletariado em um determinado período, mas também através de sua continuidade histórica. No artigo da Revista Internacional 42 "Debate Interno: Os deslizamentos centristas em direção ao conselhismo", já afirmamos que: "É preciso distinguir entre o que reflete uma continuidade do movimento histórico do proletariado - a elaboração progressiva de suas posições políticas e seu programa - e o que está ligado a fatores circunstanciais - a amplitude de sua assimilação e seu impacto sobre a classe como um todo".
A existência e a sobrevivência resoluta das organizações de esquerda comunista até o presente, nas difíceis condições da decomposição do capitalismo, são uma expressão dessa capacidade subterrânea da consciência de classe de desenvolver seu movimento histórico em um período de profunda desorientação do proletariado como vivemos hoje.
Esta maturação subterrânea da consciência de classe do proletariado também se manifesta hoje na emergência de pequenas minorias e jovens elementos que procuram uma perspectiva de classe e as posições da esquerda comunista.
As organizações da esquerda comunista não devem subestimar estas minorias, ainda que possam parecer insignificantes. O processo de decantação no período de decomposição do capitalismo é muito mais lento e custoso do que o que ocorreu no final dos anos 60 e início dos anos 70.
Apesar dos efeitos nocivos da decomposição e dos perigos que ela representa para o proletariado, "hoje, a perspectiva histórica permanece completamente aberta". Apesar do golpe que o colapso do bloco de Leste trouxe à consciência do proletariado, o proletariado não sofreu nenhuma derrota importante no campo de sua luta. (...) Ademais, e este é o elemento que em última instância determina a evolução da situação mundial, o mesmo fator que está na raiz do desenvolvimento da decomposição, o inexorável agravamento da crise do capitalismo, constitui o estímulo essencial para a luta e a tomada de consciência da classe operária, a própria condição de sua capacidade de resistir ao envenenamento derivado da podridão da sociedade. De fato, enquanto o proletariado não consegue encontrar um terreno para a unidade de classe nas lutas parciais contra os efeitos da decomposição, sua luta contra os efeitos diretos da própria crise constitui a base para o desenvolvimento de sua força e unidade de classe" (Tese sobre a Decomposição).
15) Nas lutas econômicas e defensivas do proletariado "às vezes os operários triunfam; mas é um triunfo efêmero. O resultado real de suas lutas não é tanto o sucesso imediato, mas sim a crescente união dos trabalhadores. Esta união é facilitada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação criados pela grande indústria e permitem que operários de diferentes localidades entrem em contato uns com os outros. E esse contato é suficiente para centralizar as muitas lutas locais, que em todos os lugares têm o mesmo caráter, em uma luta nacional, em uma luta de classes. Mas toda luta de classes é uma luta política, e a união que os burgueses da Idade Média levaram séculos para estabelecer pelas estradas vicinais, os proletários modernos a realizam em poucos anos graças às ferrovias. Esta organização do proletariado na classe e, portanto, no partido político, é sempre destruída novamente pela competição entre os próprios trabalhadores. Mas ela renasce sempre, e é sempre mais forte, mais firme, mais poderosa" (Manifesto Comunista).
Esse "desenvolvimento dos meios de comunicação" que permite que os trabalhadores "entrem em contato" para "centralizar as lutas locais" não é mais a ferrovia como nos dias de Marx, mas as novas tecnologias de telecomunicações digitais.
De fato, enquanto os efeitos da "globalização", das realocações, do desaparecimento de partes inteiras da indústria, da dispersão em uma multiplicidade de pequenas unidades de produção, da multiplicação de pequenos empregos em serviços, da precariedade e da "uberização" do trabalho contribuíram para minar a identidade de classe do proletariado nas antigas metrópoles industriais, as novas condições econômicas, tecnológicas e sociais em que se encontram hoje contêm elementos favoráveis à reconquista dessa identidade de classe, em uma escala muito maior do que no passado. A "globalização" e especialmente o desenvolvimento da Internet, a criação de uma espécie de "rede global" de conhecimentos, habilidades, cooperação no trabalho, ao mesmo tempo que as viagens de milhões de pessoas criam a base objetiva para o desenvolvimento de uma identidade de classe em escala planetária, especialmente para as novas gerações proletárias.
16) Uma das principais razões pelas quais o proletariado não foi capaz de desenvolver as suas lutas e a sua consciência ao nível exigido pela gravidade da situação histórica é a ruptura da continuidade política com o movimento operário do passado (e, sobretudo, com a primeira onda revolucionária de 1917-23). Esta ruptura foi ilustrada pela fraqueza das organizações revolucionárias da corrente de esquerda comunista que combateram o estalinismo nos anos 20 e 30.
Esta situação deságua na enorme responsabilidade da esquerda comunista como ponte entre o antigo partido desaparecido (a Terceira Internacional) e o futuro partido do proletariado. Sem a constituição deste futuro partido mundial, a revolução proletária será impossível e a humanidade acabará sendo devorada pela barbárie da guerra e/ou pela lenta decomposição da sociedade burguesa.
Maio de 2019
[1] [75] Sobre Maio 68 os artigos que temos publicado podem ser encontrados em Mayo de 1968 [76], sobre a Itália em 1969 ver O "Outono quente" italiano de 1969 (I) - Um momento da recuperação histórica da luta de classes. [77]
[2] [78] Ver Uma das contribuições chave de 1968: a renovação da Esquerda Comunista, https://es.internationalism.org/content/4344/la-renovacion-de-la-izquierda-comunista-uno-de-los-aportes-clave-de-mayo-68 [79]
[3] [80] Ver Auge e decadência da «Autonomia operária», https://es.internationalism.org/revista-internacional/197901/948/auge-y-... [81]
[4] [82] Ver Um ano de lutas operárias na Polônia, https://es.internationalism.org/content/2318/un-ano-de-luchas-obreras-en-polonia [83]
[5] [84] Acrescente-se que, naquela época (década de 1980), porque a sucessão de absurdos monumentais em torno do Brexit mostra agora que os efeitos da decomposição corroem parte dessa "inteligência".
[6] [85] Ver nossa Tese sobre a Decomposição [25].
[7] [86] Ver https://fr.internationalism.org/French/brochure/lutte_infirmieres_1988.htm [87]
[8] [88] Ver Maquiavelismo, consciência e unidade da burguesia, https://es.internationalism.org/revista-internacional/201710/4239/maquiavelismo-consciencia-y-unidad-de-la-burguesia [89]
[9] [90] Ver https://es.internationalism.org/revista-internacional/200805/2265/la-lucha-del-proletariado-en-el-capitalismo-decadente [91]
[10] [92] O famoso “Programa de Transição” que elaborou a IV Internacional em 1938 era um remédio adocicado de oportunismo dos velhos programas mínimos do período 1871-1914.
[11] [93] Ver nossa Tese sobre a crise econômica e política nos países do Leste, https://es.internationalism.org/content/3451/tesis-sobre-la-crisis-economica-y-politica-en-los-paises-del-este [94]
[12] [95] Ver Derrocada do Bloco do Leste: Dificuldades em crescimento para o proletariado, https://es.internationalism.org/revista-internacional/199001/3502/derrumbe-del-bloque-del-este-dificultades-en-aumento-para-el-prole [96]
[13] [97] Ver sobre os primeiros, entre muitos outros documentos, Contra a revolta reacionária dos coletes amarelos o proletariado deve afirmar sua autonomia de classe https://es.internationalism.org/content/4412/contra-la-revuelta-reaccionaria-de-los-chalecos-amarillos-el-proletariado-debe-afirmar [98] ; e sobre os segundos nosso folheto internacional O capitalismo ameaça o planeta e a sobrevivência da humanidade: Somente a luta mundial do proletariado pode acabar com a ameaça, https://es.internationalism.org/content/4405/el-capitalismo-amenaza-el-planeta-y-la-supervivencia-de-la-humanidad-solo-la-lucha [99]
[14] [100] Sobre o primeiro ver Tese sobre o movimento dos estudantes na primavera de 2006 na França, https://es.internationalism.org/revista-internacional/200606/964/tesis-sobre-el-movimiento-de-los-estudiantes-de-la-primavera-de-200 [101] y sobre o segundo, nosso folheto internacional 2011: da indignação à esperança, https://es.internationalism.org/content/3349/2011-de-la-indignacion-la-esperanza [102]
Gaza, Líbano, Síria, Iraque, Afeganistão, Iêmen... A espiral infernal do caos imperialista mergulha o Oriente Médio cada vez mais fundo na barbárie, concentrando nesta região do mundo o mais ignóbil do capitalismo decadente. Após décadas de desestabilização, invasões, guerras civis e todo tipo de conflitos mortais, o Irã está de volta ao olho do furacão. Em 2015, durante o governo Obama nos Estados Unidos, o Irã assinou um acordo com os membros do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha para controlar seu programa nuclear em troca do levantamento das sanções econômicas que afligem o país há décadas. Apoiado pelos "falcões" americanos, o primeiro-ministro israelense e a monarquia saudita, Donald Trump, no entanto, desde sua chegada ao governo, não deixou de denunciar "o pior acordo da história" antes de anunciar, em maio de 2018, que os EUA se retirariam definitivamente do mesmo[1].
Desde então, as tensões e provocações de todos os lados multiplicaram-se. Os EUA retomaram a proibição, restabelecendo um embargo feroz. Um ano mais tarde, o Irã ameaçou suspender os seus compromissos aumentando as suas reservas de urânio enriquecido, desencadeando uma nova onda de sanções. Poucos dias antes do anúncio de Teerã, invocando obscuras "indicações de uma ameaça com sinais de credibilidade", os EUA estavam mobilizando o porta-aviões Abraham Lincoln e vários bombardeiros no Golfo Pérsico. De acordo com o New York Times, o Pentágono está planejando mobilizar nada menos que mais 120.000 soldados no Oriente Médio. O navio USS Arlington e o sistema de defesa aérea Patriot já estão a caminho do Estreito de Ormuz, através do qual circula uma parte importante da produção mundial de petróleo.
Em 13 de junho, um mês depois da sabotagem de quatro navios nas mesmas águas, a pressão subiu novamente um degrau após o ataque a dois navios de carga (um norueguês e outro japonês) que Trump atribuiu ao Irã, apesar das negações deste país[2]. Uma semana depois, o Irã abateu um drone americano acusado de sobrevoar território iraniano, o que foi negado, desta vez por Trump, que imediatamente enviou seus bombardeiros, antes de mudar de ideia no último momento. E tudo isso em meio a insultos, ameaças e declarações belicosas[3]!
Obviamente, Trump, que já não se preocupa em recorrer aos argumentos clássicos da guerra "justa" ou "humanitária", emprega a estratégia que ele mesmo chamou de "pressão máxima", já que os militares norte-americanos não estão interessados em abrir uma nova frente. Mas deve-se notar que todos os ingredientes de uma inclinação para a guerra estão reunidos, uma estratégia que mostrou a sua ineficácia na Coreia do Norte: tropas dispostas a lutar de ambos os lados da fronteira; belicistas cínicos na cúpula da administração dos EUA e do Estado iraniano... A estratégia audaciosa de "pressão máxima" significa acima de tudo um risco máximo de guerra!
Embora Trump tente mostrar o poder dos EUA com declarações mordazes, estas tensões são na verdade uma clara manifestação do enfraquecimento histórico da liderança dos EUA. Nas suas aventuras militares no Iraque (1990 e 2003) e no Afeganistão (2001), os EUA demonstraram sem dúvida a sua inquestionável superioridade militar; mas também demonstraram a sua crescente impotência para manter um mínimo de estabilidade na região e forçar os seus aliados do antigo bloco ocidental a cerrar fileiras atrás das suas decisões. Este enfraquecimento levou recentemente à incapacidade dos EUA de envolver as suas forças terrestres na Síria, deixando o campo aberto aos seus rivais regionais, a começar pela Rússia e também pelo Irã.
Teerã conseguiu assim abrir um verdadeiro corredor militar através do Iraque e da Síria até seu aliado histórico, o Hezbollah libanês, desencadeando a ira do seu principal concorrente árabe na região, a Arábia Saudita; e de Israel, que já lançou ataques aéreos contra posições iranianas na Síria. Da mesma forma, no Iêmen, teatro de uma das guerras mais atrozes, o Irã desacredita muito seriamente a Arábia Saudita, a principal potência militar da região e o pivô da política dos EUA no Médio Oriente.
Neste contexto, o ex-presidente dos EUA, Obama, teve que se resignar a negociar um acordo com Teerã: os EUA permitiriam ao país "reconectar-se" à economia mundial se o Estado iraniano concordasse em frear suas ambições imperialistas, particularmente abandonando seu programa nuclear. Obama também tinha em mente uma velha estratégia de desestabilização, que consistia em enfraquecer, através da abertura econômica, o controle da burguesia local sobre a população, provocando revoltas para derrubar o regime atual.
Presos no Afeganistão e confrontados com os seus aliados europeus, que cada vez mais a arrastam os pés quando se trata de o seguir, os EUA são agora obrigados a procurar apoio principalmente junto aos seus aliados regionais para levar a cabo a sua política de contenção do Irã. Por esta razão, Trump recentemente multiplicou as manifestações de apoio em direção a Israel e Arábia Saudita: fornecimento maciço de armas à Arábia Saudita em sua guerra com o Iêmen, reconhecimento de Jerusalém como a capital do Estado Hebreu, apoio de Trump ao príncipe herdeiro saudita no caso do assassinato do oposicionista Jamal Khashoggi...Se as decisões contundentes e espetaculares de Trump respondem a necessidades táticas imediatas, é evidente que essa estratégia irá acelerar ainda mais o processo de resposta à liderança dos EUA em geral e ao caos no Oriente Médio em particular.
Se está claro que a burguesia americana quer o colapso do regime dos mulás, no entanto, está dividida sobre como proceder. O ambiente de Trump é constituído por alguns belicistas notáveis, ao estilo do seu conselheiro de segurança nacional, John Bolton, de cowboys sem fé nem lei, de gatilho fácil. Bolton de fato já se destacou por seu ardor em favor da invasão do Iraque durante a presidência de Bush Jr. Agora o Irã e suas ambições imperialistas são seus objetivos. Este responsável pela política externa dos EUA escreveu já em 2015 no New York Times: "A verdade que é irritante é que apenas a ação militar (...) pode realizar o que é necessário (...) Os Estados Unidos poderiam fazer um trabalho minucioso de destruir [instalações nucleares do Irã], mas somente Israel pode fazer o que é necessário. Essa ação teria que ser acompanhada por um vigoroso apoio dos EUA à oposição iraniana, com vistas à mudança de regime em Teerã."[4] Bolton não pode ser repreendido por não perseverar em suas ideias, nem por ser um hipócrita! Nem uma palavra, nem um grama de compaixão por aqueles que estarão sob bombas americanas e iranianas.
Mas as ambiguidades e decisões contraditórias de Trump, além dos gestos impensados do personagem, também se explicam pelo fato de que parte da burguesia norte-americana, mais consciente do enfraquecimento da liderança internacional deste país, ainda está ligada ao método mais hábil de Obama. Três membros republicanos do parlamento, incluindo o líder do grupo, Kevin McCarthy, assinaram um comunicado pedindo ao governo, em coro com o Partido Democrata, para reagir mais "moderadamente" diante do Irã. Mas a "moderação" de que estes políticos burgueses falam é apenas evidentemente sinônimo de "contorções", já que os EUA enfrentam um dilema insolúvel: ou eles encorajam a ofensiva de seus rivais permanecendo sem agir diretamente, ou eles alimentam ainda mais a contestação e o caos através do envio de suas tropas. O que quer que faça, os EUA, como as outras potências imperialistas, não podem escapar à lógica e às contradições do militarismo.
Das grandes potências aos grupos fanáticos, das potências regionais às muito ricas monarquias petroleiras, os abutres têm sede de sangue! Preocupados apenas com seus interesses imperialistas gananciosos, eles não se importam com os cadáveres que se acumulam, os inúmeros refugiados jogados nas estradas, as cidades em ruínas, as vidas destruídas por bombas, miséria e desolação. Todos esses criminosos de guerra vomitam todos os dias palavras hipócritas de "paz", "negociação" ou "estabilidade", mas a extrema barbárie que se desenrola cada dia mais é testemunho da putrefação de seu sistema: o capitalismo.
EG, 1 de julho de 2019
Traduzido de Révolution Internationale, órgão da CCI na França
[1] Atraídos pela barganha de um novo mercado a explorar, os demais signatários do acordo, incluindo os países europeus, tentaram manter o acordo com o Irã. Em retaliação, Trump ameaçou sancionar empresas que não respeitavam o novo embargo dos EUA, o que limitou de forma sensata os caprichos europeus.
[2] Quando escrevemos este artigo, a origem do ataque ainda é uma questão a ser investigada. Se o Irã poderia ter tentado perfeitamente enviar uma mensagem a Trump, deve-se também ter em mente que, dada a tradição de manipulação das grandes democracias (como atesta, por exemplo, a invenção das "armas de destruição em massa" iraquianas), não se pode descartar que os EUA ou um de seus aliados possam ter organizado um golpe para aumentar a pressão.
[3] Mesmo agora as tensões continuam a aumentar. Teerã acaba de anunciar que ultrapassou o limite de produção de urânio enriquecido previsto no acordo de 2015 e Israel voltou a bombardear as posições iranianas na Síria.
[4] "To stop Iran’s bomb, bomb Iran" – "Para deter a bomba do Irã, bombardear o Irã", The New York Times, (26 de março de 2015). Traduzido por nós.
Ligações
[1] https://pt.internationalism.org/tag/1/3/Heran%C3%A7a-da-Esquerda-comunista
[2] https://pt.internationalism.org/tag/1/5/Hist%C3%B3ria-do-movimento-oper%C3%A1rio
[3] https://es.internationalism.org/cci/200602/539/espana-1936-franco-y-la-republica-masacran-al-proletariado
[4] https://pt.internationalism.org/node/355
[5] https://pt.internationalism.org/content/280/o-que-sao-os-conselhos-operarios
[6] https://es.internationalism.org/cci/200602/753/1critica-del-libro-jalones-de-derrota-promesas-de-victoria
[7] https://es.internationalism.org/cci/200602/754/2-una-revolucion-mas-profunda-que-la-revolucion-rusa-de-1917
[8] https://es.internationalism.org/accion-proletaria/201806/4309/la-burguesia-mundial-contra-la-revolucion-de-octubre-i
[9] https://es.internationalism.org/content/4404/refugiados-de-la-guerra-de-espana-de-1939-el-hipocrita-asilo-democratico-de-los-campos
[10] https://pt.internationalism.org/content/362/o-brasil-entra-em-turbulencia
[11] https://es.internationalism.org/content/4389/crisis-en-venezuela-ni-guaido-ni-maduro-los-trabajadores-no-deben-apoyar-ninguna-de-las
[12] https://es.internationalism.org/accion-proletaria/201804/4296/hace-50-anos-mayo-de-1968
[13] https://es.internationalism.org/accion-proletaria/200512/307/brasil-es-lula-una-esperanza-para-los-trabajadores
[14] https://es.internationalism.org/cci-online/200606/981/evo-al-desnudo
[15] https://es.internationalism.org/accion-proletaria/201804/4292/la-burguesia-ecuatoriana-nadando-en-su-pozo-de-descomposicion
[16] https://es.internationalism.org/accion-proletaria/201805/4304/el-abril-sangriento-de-nicaragua-solo-la-lucha-autonoma-del-proletaria
[17] https://es.internationalism.org/revista-internacional/198910/2140/internationalisme-1945-las-verdaderas-causas-de-la-segunda-guerra-
[18] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200604/846/hace-30-anos-la-caida-de-allende-dictadura-y-democracia-son-las-2-c
[19] https://pt.internationalism.org/tag/1/10/Autonomia-do-proletariado
[20] https://pt.internationalism.org/tag/recente-e-atual/bolsonaro
[21] https://pt.internationalism.org/tag/1/4/Internacionalismo-Guerra
[22] https://pt.internationalism.org/tag/1/6/Organiza%C3%A7%C3%A3o-revolucionaria
[23] https://es.internationalism.org/print/book/export/html/4486#_ftn4
[24] https://es.internationalism.org/print/book/export/html/4486#_ftn6
[25] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200510/223/la-descomposicion-fase-ultima-de-la-decadencia-del-capitalismo
[26] https://es.internationalism.org/revista-internacional/197806/944/terror-terrorismo-y-violencia-de-clase
[27] https://es.internationalism.org/content/4395/el-movimiento-obrero-en-chile-principios-del-siglo-xx
[28] https://www.clarin.com/mundo/crisis-chile-desigualdad-estupido_0_Hpgcy6pw.html
[29] https://pt.internationalism.org/content/372/resolucao-sobre-relacao-de-forcas-entre-classes-2019
[30] https://pt.internationalism.org/tag/recente-e-atual/chile
[31] https://theconversation.com/brazils-biggest-problem-isnt-corruption-its-murder-78014
[32] https://en.wikipedia.org/wiki/Crime_in_Brazil
[33] https://www.lemonde.fr/ameriques/article/2017/03/26/affaire-petrobras-retour-sur-les-trois-annees-qui-ont-marque-le-bresil_5100932_3222.html
[34] https://www.intercept.com.br/2019/01/22/bolsonaros-milicias/
[35] https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2019-01-17/caso-queiroz.html
[36] https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/Brasil_luta_controladores_aereos
[37] https://pt.internationalism.org/icconline/2007/controladores-aereos
[38] https://pt.internationalism.org/ICColine/2013/Junho_de_2013_no_Brasil%3A_A_indignacao_detona_a_mobilizacao_espontanea_de_milhoes
[39] https://www.cartacapital.com.br/mundo/entenda-porque-a-crise-politica-e-economica-nao-se-limita-ao-brasil/
[40] https://www.lemonde.fr/economie/article/2009/05/08/la-chine-est-devenue-le-premier-partenaire-commercial-du-bresil_1190539_3234.html
[41] https://www.esquerdadiario.com.br/Wikileaks-EUA-criou-curso-para-treinar-Moro-e-juristas
[42] https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA1282_a.html
[43] https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-lava-jato-aos-olhos-dos-americanos/484328314
[44] https://www.diariodocentrodomundo.com.br/fbi-atua-na-lava-jato-desde-o-seu-comeco-e-se-gaba-da-operacao-pelo-mundo-por-marcos-de-vasconcellos/
[45] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2015/07/04/wikileaks-dilma-ministros-e-aviao-presidencial-foram-espionados-pela-nsa.htm
[46] https://www.monde-diplomatique.fr/2017/09/VIGNA/57836
[47] https://pt.internationalism.org/tag/recente-e-atual/crise-economica
[48] https://pt.internationalism.org/ICConline/2009/Trotsky_e_o_trotskismo
[49] https://es.internationalism.org/revista-internacional/199601/1786/iii-la-insurreccion-prematura
[50] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200904/2536/iv-1918-1919-la-guerra-civil-en-alemania
[51] https://es.internationalism.org/revista-internacional/199804/1202/ix-la-accion-de-marzo-de-1921-o-el-peligro-de-la-impaciencia-peque
[52] https://pt.internationalism.org/icconline/2005_esquerda_comunista
[53] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200010/985/viii-la-comprension-de-la-derrota-de-la-revolucion-rusa-1922-23-las
[54] https://es.internationalism.org/rm/2008/103_stalin
[55] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200608/1053/marc-de-la-revolucion-de-octubre-1917-a-la-ii-guerra-mundial
[56] https://es.internationalism.org/revista-internacional/197609/2061/bilan-lecciones-de-espana-1936-y-crisis-en-la-fraccion
[57] https://es.internationalism.org/revista-internacional/199301/3150/documento-el-aplastamiento-del-proletariado-aleman-y-la-ascension-
[58] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200608/1046/1936-frentes-populares-en-francia-y-en-espana-como-movilizo-la-izq
[59] https://es.internationalism.org/revista-internacional/199407/1843/las-conmemoraciones-de-1944-i-50-anos-de-mentiras-imperialistas
[60] https://fr.internationalism.org/brochure/effondt_stal_III_1
[61] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200612/1185/berlin-1948-en-1948-el-puente-aereo-de-berlin-oculta-los-crimenes-
[62] https://pt.internationalism.org/ICConline/2012/No_in%C3%ADcio_do_s%C3%A9culo_XXI
[63] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200808/2321/lucha-de-clases-en-la-europa-del-este-1920-1970
[64] https://es.internationalism.org/revista-internacional/201111/3245/al-inicio-del-siglo-xxi-por-que-el-proletariado-no-ha-acabado-aun-
[65] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200806/2281/mayo-del-68-y-la-perspectiva-revolucionaria-1a-parte-el-movimiento
[66] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200808/2339/mayo-del-68-y-la-perspectiva-revolucionaria-2a-parte-fin-de-la-con
[67] https://es.internationalism.org/content/4347/hace-50-anos-mayo-68-2a-parte-los-avances-y-retrocesos-de-la-lucha-de-clases
[68] https://pt.internationalism.org/manifesto1991_5
[69] https://pt.internationalism.org/icconline/2006_estudiantes_franca
[70] https://pt.internationalism.org/ICConline/2012/Movimento_de_indignados_na_Espanha_Grecia_e_Israel
[71] https://pt.internationalism.org/tag/recente-e-atual/aniversario
[72] https://pt.internationalism.org/tag/recente-e-atual/maio-de-68
[73] https://fr.internationalism.org/rinte28/mpp.htm
[74] https://www.marxists.org/espanol/tematica/internacionales/comintern/4-Primeros3-Inter-2-edic.pdf
[75] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref1
[76] https://es.internationalism.org/series/380
[77] https://es.internationalism.org/revista-internacional/201002/2773/el-otono-caliente-italiano-de-1969-i-un-momento-de-la-recuperacion
[78] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref2
[79] https://es.internationalism.org/content/4344/la-renovacion-de-la-izquierda-comunista-uno-de-los-aportes-clave-de-mayo-68
[80] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref3
[81] https://es.internationalism.org/revista-internacional/197901/948/auge-y-decadencia-de-la-autonomia-obrera
[82] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref4
[83] https://es.internationalism.org/content/2318/un-ano-de-luchas-obreras-en-polonia
[84] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref5
[85] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref6
[86] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref7
[87] https://fr.internationalism.org/French/brochure/lutte_infirmieres_1988.htm
[88] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref8
[89] https://es.internationalism.org/revista-internacional/201710/4239/maquiavelismo-consciencia-y-unidad-de-la-burguesia
[90] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref9
[91] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200805/2265/la-lucha-del-proletariado-en-el-capitalismo-decadente
[92] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref10
[93] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref11
[94] https://es.internationalism.org/content/3451/tesis-sobre-la-crisis-economica-y-politica-en-los-paises-del-este
[95] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref12
[96] https://es.internationalism.org/revista-internacional/199001/3502/derrumbe-del-bloque-del-este-dificultades-en-aumento-para-el-prole
[97] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref13
[98] https://es.internationalism.org/content/4412/contra-la-revuelta-reaccionaria-de-los-chalecos-amarillos-el-proletariado-debe-afirmar
[99] https://es.internationalism.org/content/4405/el-capitalismo-amenaza-el-planeta-y-la-supervivencia-de-la-humanidad-solo-la-lucha
[100] https://es.internationalism.org/content/4444/resolucion-sobre-la-relacion-de-fuerzas-entre-las-clases-2019#_ftnref14
[101] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200606/964/tesis-sobre-el-movimiento-de-los-estudiantes-de-la-primavera-de-200
[102] https://es.internationalism.org/content/3349/2011-de-la-indignacion-la-esperanza