Os sindicatos contra a classe operária - Introdução

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A conquista do direito de se organizar em coalizões e sindicatos foi um dos objetivos fundamentais da luta operária no século XIX. Na França, após a revolução de 1789, a burguesia que acabava de conquistar o poder político, tinha espoliado a classe operária do recém conquistado direito de associação. Por uma lei de 14 de julho de 1791, todo acordo entre trabalhadores para a defesa de seus interesses comuns foi estigmatizado como "atentado contra a liberdade e a Declaração dos Direitos do Homem", punível com multa de 500 libras, acrescida da privação por um ano dos direitos políticos. Foi necessário mais de meio século de lutas para que, mesmo sendo punidos os "atentados ao livre exercício da indústria e da liberdade de trabalho" – fosse tolerado o direito de coalizão. Na Inglaterra, a legislação repressiva só caiu gradualmente, sob a pressão do proletariado. Foi somente em 1871, após as reformas de 1825 e de 1859, que a lei reconheceu a existência dos "trade-unions", embora limitando a obtenção desse reconhecimento. Reconhecidos ou não, os sindicatos operários foram criados e se mantiveram à custa de sacrifícios e lutas dos trabalhadores contra o Estado burguês. Hoje, as relações entre a classe operária, os sindicatos e Estados se transformaram: o confronto entre operários e sindicatos caracteriza toda luta proletária conseqüente.

Desde 1919 – quando, na Alemanha, os sindicatos apoiaram a sangrenta repressão à insurreição operária de Berlim – a história dos principais combates operários está marcada por violentas lutas contra as organizações sindicais. Com o ascenso da luta de classes, após 1968, esse fenômeno, através dos altos e baixos da luta, exacerbou em todos os países: eclodiu na França, apesar dos sindicatos, a greve geral de Maio de 1968; na Itália, durante as greves do "outono quente", de 1969, os trabalhadores expulsaram os representantes sindicais das assembléias de grevistas; na Inglaterra, as greves que se multiplicavam desde o início dos anos 60 e especialmente de 1968 a 1972, eram quase todas "selvagens", isto é, contra os sindicatos; na Bélgica, em 1970, as greves anti-sindicais se desenvolveram; em 1973, os portuários de Anvers, em greve atacaram a sede dos sindicatos; na Venezuela, os trabalhadores do maior centro industrial do país tomaram os dirigentes sindicais como reféns e enfrentaram o exército; na Polônia, em 1970, os trabalhadores dos estaleiros enfrentaram o "partido operário" e os sindicatos em combates insurretos cuja violência fez várias centenas de mortos.

Nos países de capitalismo de Estado, cinicamente ditos "comunistas", os sindicatos são oficialmente integrados ao aparelho de Estado como o exército e a polícia. Sua função, definida como órgãos de Estado, é enquadrar a classe operária nas fábricas, sob vigilância policial ("respeito à disciplina do trabalho") e levá-la a cumprir os imperativos da produção capitalista (aumento dos lucros, redução dos salários). Assim, por exemplo, o Comitê Executivo da CGT chinesa, ordenou na reunião de 10 de Julho de 1953, a "todos os escalões sindicais" que considerassem o reforço da disciplina do trabalho como seu dever primordial e permanente" e recomendou "punir de maneira apropriada os elementos recalcitrantes que cometem infrações graves contra a disciplina do trabalho"[1]. Da mesma forma, o X Congresso dos Sindicatos Soviéticos (1949) definia os objetivos dos sindicatos exigindo dos mesmos "organizar a emulação socialista para assegurar a execução e a superação dos planos de produção, assegurar o crescimento da produtividade, a redução dos preços custar das mercadorias ".

Nos países ditos "democráticos", a colaboração entre Estado e Sindicato é menos visível, mas real. E mais evidente onde as principais centrais se ligaram a partidos políticos que repetidamente exercem o governo: países escandinavos, Grã-Bretanha, Alemanha, Bélgica. Nesta, por exemplo, os sindicatos participam, desde 1918, de "mesas redondas" organizadas pelo Estado para azeitar as relações entre patrões e sindicatos. Estes são representados nos tribunais de trabalho do Estado que julgam os litígios entre patrões e operários; participam do Conselho Central de Economia e do Banco Nacional da Bélgica; administram os auxílios-desemprego dos operários sindicalizados e para isso são subvencionados pelo Estado. Em suma, estão intimamente associados, através do Estado, à gestão economia nacional, isto é, à escravidão salarial. Nos países onde os sindicatos estão ligados a partidos que se encontram em oposição ao governo, sua associação ao Estado pode parecer menos evidente, por conta do jogo de oposição que têm de representar. Foi assim, durante muito tempo, com os principais sindicatos da França e da Itália. Isso, no entanto, não impediu sua integração ao Estado, mesmo sob formas institucionalizadas. Na França, as centrais "representativas" são fortemente subvencionadas pelo Estado, participam do Conselho do planejamento, Conselho Econômico e Social, dos comitês de empresa e são consultadas pelo governo para toda decisão social importante.

Em todos os países, os grandes sindicatos são considerados "representantes da classe operária" junto a o Estado burguês, do qual são parte integrante. Hoje, pode-se ouvir o dirigente do sindicato do patronal francês defender o que seus ancestrais de 1791, os burgueses revolucionários, tinham combatido com tanto energia - "um sindicalismo operário forte": "Em contrapartida à liberdade dos empresários, é desejável que, como elemento de equilíbrio, o sindicalismo operário possa se afirmar. Pessoalmente quanto mais sou partidário da liberdade, mais desejo um sindicalismo operário forte. E isto é verdadeiramente a concepção de uma sociedade coerente ”. F. Ceyrac, Presidente do CNPF (declaração à "l'Express")

Neste momento, a crise econômica do capitalismo mundial se aprofunda, acarretando uma retomada das lutas proletárias cuja extensão é mundial como nunca antes, e o proletariado deve tirar as conseqüências de cinqüenta anos de luta de classes e triunfo da contra-revolução. E responder com clareza as perguntas que a história violentamente lhe faz.

Essas lutas "selvagens", anti-sindicais, que durante sessenta anos ocorreram esporadicamente e hoje se multiplicam nos quatro cantos do mundo são fenômenos excepcionais, marginais, ou manifestações claras da única maneira proletária de lutar no presente período histórico?

A integração dos sindicatos ao Estado burguês é irreversível? Os sindicatos ainda mantêm algo de operário, podendo ser recuperados pelos operários? É possível criar novas formas de organização sindical? E, de modo mais geral, as formas da luta proletária podem continuar, no capitalismo atual, as mesmas do capitalismo ascendente do século XIX?

O proletariado só pode tirar lições de sua própria experiência histórica. De sua capacidade de aprender com essa experiência depende sua atuação como classe revolucionária. Para responder a essas questões é necessário retomar o essencial da evolução dos sindicatos e, mais globalmente, das formas da luta operária desde o século XIX.

1 "Os Sindicalismo no Mundo", G LEFRANC, Col. "Que sais-je?