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Espanha 1936: Franco e a República massacram o proletariado

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Para a maioria dos historiadores oficiais, fora os da extrema-direita, a guerra civil na Espanha, iniciada em julho de 1936, se resume à defesa heróica de um governo eleito democraticamente contra a ameaça do fascismo. Os trotskistas concordam com a necessidade de lutar a favor da república contra Franco, colocando que isso era compatível com a luta pela derrubada do capitalismo e a instauração de uma verdadeira "república" dos trabalhadores. Quanto aos anarquistas, a maioria deles chega até dizer que a coletivização das fábricas e fazendas sob o controle do sindicato anarquista, a CNT, constituiu o ponto mais alto alcançado na luta para uma sociedade comunista.

A Esquerda comunista, que publicava a revista Bilan nos anos 1930, tinha uma visão muito diferente. Para ela, democracia e fascismo eram duas asas do capitalismo, ambas contra-revolucionarias e anti-operárias.

Reunimos sob este título, Franco e a República massacram o proletariado, um conjunto de documentos que dão a conhecer a postura da CCI sobre estes acontecimentos trágicos para nossa classe:

  • Apresentação da Esquerda comunista e de sua atuação nessa época,

  • Textos oferecendo ao leitor os elementos do contexto histórico,

  • Artigos da Revista Bilan e panfleto da Esquerda comunista.

Informamos a nossos leitores que todos estes documentos, e muitos outros, se encontram em nosso livro em Espanhol "España 1936, Franco y la República masacran al proletariado [1]".

A voz revolucionária de Bilan diante da guerra da Espanha

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A guerra de 36 na Espanha foi o prelúdio da Segunda Guerra Mundial. As grandes potências da época participaram diretamente no conflito perfilando-se nele os dois bandos imperialistas que se enfrentaram de 1939 a 1945: o bando franquista é apoiado pela Alemanha e Itália e o bando da Frente Popular pela Rússia de Stalin e pelas democracias (Grã-Bretanha e França).

As posturas internacionalistas da fração italiana da Esquerda Comunista

Diante da matança que durante 3 anos alagou de sangue as terras espanholas, as organizações que diziam reclamar-se da classe operária, começando pelos "socialistas", seguidos pelos "comunistas" e acabando com os trotskistas e os anarquistas, propunham aos operários e aos camponeses espanhóis participar plenamente na guerra, escolhendo o campo republicano contra o bando fascista e unindo-se à burguesia "democrática" e às potências mundiais "fiadores da liberdade". Só uma pequena minoria, com Bilan à cabeça, teve a coragem de manter a posição dos revolucionários de 1914: a luta contra os dois bandos burgueses, a chamada dos operários e camponeses das duas frontes a desertar da guerra militar e voltar para suas casas para, unindo-se com os operários da retaguarda, levar a luta contra todo o Estado Capitalista, tanto em sua versão franquista como na republicana. Era retomar e levar mais longe o impulso inicial dos operários espanhóis que lutando em seu terreno de classe nos dias posteriores a 18 de julho do 36 foram capazes de parar a intentona golpista de Franco (que dito seja de passagem o governo da Frente Popular deixou com premeditação e traição que os generais fascistas preparassem impunemente) da qual houve uma nova manifestação, desta vez em condições muito diferentes, em maio de 1937, quando os operários de Barcelona depois de uma valente luta são massacrados pelas forças de assalto governamentais e traídos pelo POUM e pelos anarquistas que, além disso, participam descaradamente dos governos da Generalitat e da República.

Nós nos reivindicamos do trabalho político de Bilan que nessa época difícil para o proletariado - de derrota e contra-revolução, os tempos de Hitler e dos processos de Moscou - manteve-se fiel a seu combate histórico e foi capaz de enriquecê-lo com toda uma série de contribuições tirando lição dos intensos acontecimentos que de forma rápida e concentrada se deram entre 1914 e 1939: a guerra imperialista de 1914, a tentativa de revolução proletária de 1915-23, a contra-revolução na Rússia e à escala mundial, a tremenda depressão de 1929 e a barbárie a uma escala ainda mais selvagem da 2ª Guerra Mundial. (...)

Bilan (Balanço), publicação da Fração Italiana da Esquerda Comunista[1], sobreviveu durante o período mais sinistro da história do movimento operário, que vai do triunfo de Hitler na Alemanha até a 2ª. Guerra Mundial. (...) A revista Bilan possui 46 números publicados (1 478 páginas) desde novembro de 1933 a janeiro de 1938. Começou como "Boletim teórico da Fração de Esquerda do Partido Comunista da Itália". Em fevereiro de 1938, Outubro substituiu Bilan com o subtítulo de "órgão mensal da Esquerda Comunista". Apareceram 5 números de Outubro, o último em agosto de 1939, um mês mais tarde começava a 2ª. Guerra Mundial.

Constituição e desenvolvimento da fração italiana da Esquerda Comunista

A fração italiana tinha sido excluída do PCI (Partido Comunista de Itália) e da IC (Internacional Comunista) no Congresso do Lyon de 1926. A Fração, no difícil exílio francês perseguida tanto pelo fascismo como pelo estalinismo, volta a constituir-se em 1929 e publica a revista Prometeo em língua italiana e um boletim de informação em francês que acabou tornando-se uma publicação teórica.

Comprometida a fundo no movimento comunista internacional, a Fração na emigração tomará parte muito ativa no dito movimento, sobretudo na França e na Bélgica, participando com todas suas forças na luta contra a degeneração da III. Internacional e de seus partidos, definitivamente dominados pelo estalinismo. Por isso manterá contatos estreitos com todas as correntes e grupos de esquerda expulsos, um após o outro, do que tinha sido a Internacional Comunista, mantendo a luta em meio a uma terrível desolação e uma imensa confusão devido à amplitude da derrota da primeira grande onda revolucionária mundial e sua conseguinte desmoralização.

A tentativa de aproximação com a Oposição de Esquerda de Trotski não deu nenhum resultado; o que pôs em evidência foi o caráter fundamentalmente divergente das orientações de ambas as correntes. Se o trotskismo concebia a Oposição como grupos que simplesmente lutavam pela "regeneração" dos PC e que estavam dispostos a todo momento em reintegrar-se a eles, renunciando a existência como órgãos autônomos, a Esquerda Italiana partia das diferenças programáticas cruciais que só poderiam se resolver com a constituição de organismos comunistas independentes, as Frações, que estavam lutando pela destruição da corrente contra-revolucionària estalinista.

A discussão em 1933 sobre a análise da situação na Alemanha, sua perspectiva e a posição a ser tomada pelos revolucionários acabaram por tornar definitivamente incompatível qualquer trabalho em comum. Frente à ameaça hitlerista, Trotski preconizava uma ampla "Frente Única Operária" entre o PC estalinista e a social-democracia. Era nessa frente única entre os contra-revolucionários de 1914 e os de então onde Trotski via a força capaz de apertar o cerco ao fascismo, evitando assim o problema essencial da natureza de classe das forças presentes e o fato de que a luta contra o fascismo não tem nenhum sentido para a classe operária se estiver separada da luta geral contra a burguesia e o sistema capitalista.

Trotski, fazendo jogos com imagens brilhantes, dizia que a Frente Única poderia fazer-se até "com o diabo e sua avó" com o que demonstrava não menos brilhantemente que estava perdendo a noção mesma do terreno de classe do proletariado. Em plena verborragia, Trotski, sob o pseudônimo do Gurov, chegou a afirmar que a revolução comunista poderia triunfar "sob a direção de Thaelman[2]". Desde então resultava evidente que o caminho tomado por Trotski acabaria por levá-lo a abandonar, uma após a outra, as posições comunistas até a participação na II. Guerra Imperialista, em nome, claro está, da "defesa da URSS".

O aporte de Bilan à defesa do princípios comunistas

Diametralmente oposto foi o caminho tomado pela Fração Italiana da Esquerda Comunista. O desastre que representava para o proletariado o triunfo do fascismo, triunfo que se tornou possível e inevitável diante das catastróficas e sucessivas derrotas que lhe infligiram a social-democracia primeiro, e o estalinismo depois, deixava plenamente aberta a "solução" capitalista à crise histórica de seu sistema: uma nova guerra imperialista mundial. Os revolucionários só podiam frear esta perspectiva caso se esforçassem para agrupar o proletariado em um terreno de classe, mantendo-se firmes nos princípios programáticos do comunismo. Para isso, o mais urgente era submeter a um exame crítico toda a experiência do período transcorrido da quebra da grande onda revolucionária que interrompeu a Primeira Guerra Imperialista, abrindo um horizonte de esperanças à classe operária para sua emancipação definitiva. Compreender as razões de sua derrota posterior, fazer um balanço da experiência adquirida e dos enganos, tirar lições e, com estas bases, elaborar novas posições programáticas, tudo isto era indispensável para que a classe pudesse voltar, melhor armada e portanto mais capaz, a encarar sua tarefa histórica da revolução comunista. E foi esta impressionante tarefa a que se propôs empreender Bilan (Balanço, nome apropriado), e para levá-la a cabo Bilan convidou a todas as forças comunistas que tinham sobrevivido ao desastre da contra-revolução.

Poucos grupos responderam à chamada, mas também é verdade que poucos grupos puderam resistir ao terrível rolo compressor daquele período de reação e de preparação para a II. carnificina mundial. Cada ano que passava eram menos os grupos, entretanto, Bilan, que resistiu graças à dedicação de algumas dezenas de membros e simpatizantes, manteve sempre as portas abertas para que se expressassem, dentro do marco estrito das fronteiras de classe, outros pensamentos divergentes dos seus. Nada foi mais estranho que o espírito de seita ou a busca de um êxito "fogo de palha". Por isso, encontramos em Bilan artigos de discussão e reflexão que provêm de companheiros da Esquerda Alemã, Holandesa ou da Liga de Comunistas Internacionalistas da Bélgica. Bilan não tinha a estúpida pretensão de contribuir com respostas definitivas a todos os problemas da revolução. Tinha consciência de que freqüentemente balbuciava, precisava submeter suas teses a verificação, pois sabia que as respostas definitivas só podiam ser resultado da experiência viva da luta de classes, da confrontação e da discussão no interior mesmo do movimento. Sobre muitos problemas a resposta da Bilan foi insuficiente, mas ninguém pode pôr em dúvida a seriedade, a sinceridade, a profundidade do esforço e, acima de tudo, a validade de seu método, a justeza de sua orientação e a firmeza de seus princípios revolucionários. Não se trata unicamente de render graças a este pequeno grupo que soube manter firme a bandeira da revolução em meio de uma tempestade contra-revolucionària, mas também e, sobretudo, trata-se de assimilar o que nos legou e prosseguir o esforço com uma continuidade que não é estancamento mas sim superação.

Não é, como já dissemos, por gosto de erudito que escolhemos, para esta primeira recopilação de textos de Bilan, uma série de artigos que se referem aos acontecimentos da Espanha entre 1934 e 37. A análise dos acontecimentos tinha um alcance global que superava o marco espanhol e dava a base para entender a evolução da situação mundial, das forças da classe operária, de suas formações políticas, e, acima de tudo, ofereciam uma imagem crua da imensa tragédia em que se afundava o proletariado internacional e o espanhol em primeiro lugar.



[1] Ler nosso artigo A esquerda comunista e a continuidade do marxismo https://pt.internationalism.org/icconline/2005_esquerda_comunista [2]

[2] Thaelman: dirigente do PC alemão completamente avassalado ao stalinismo

Contexto histórico dos acontecimentos (a partir de julho de 36) na Espanha

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Os anos 1930 até 39 são os de preparativos para a guerra que se realiza sobre as cinzas da onda revolucionaria que surgiu em reação à Primeira Guerra mundial. Em todos os lugares do mundo, o proletariado foi vencido, esgotado, massacrado, preso na falsa alternativa capitalista que o arranca de seu terreno de classe, "fascismo ou democracia", e submetido à histeria nacionalista que o leva inexoravelmente para a Guerra.

Ao mesmo tempo, em seguida após a morte da Internacional Comunista ratificada pela proclamação do socialismo num só país, quase a totalidade das organizações operárias em plena degenerescência são absorvidas no campo da burguesia ou tendem a se desagregar totalmente. Os "partidos comunistas" se tornam verdadeiras correias de transmissão da "defesa da pátria socialista" às ordens da contra-revolução stalinista. As únicas vozes que se expressam à contracorrente mantendo-se firmemente sobre posturas de classe como Bilan (órgão da Esquerda comunista de Itália entre 1933 e 38 no estrangeiro) são o produto de um punhado de revolucionários.

A esquerda desvia o proletariado da sua perspectiva própria e o submete ao Estado burguês

Na Espanha subsistia uma fração do proletariado mundial que ainda não tinha sido esmagada por conta da não participação deste país na Primeira Guerra mundial. Teve de enfrentar as tentativas da burguesia para que ele abandone seu terreno de classe para o terreno capitalista de uma batalha exclusivamente militar e imperialista.

Por conta da sua situação geográfica de porto da Europa, nos confins do mar mediterrâneo, do oceano atlântico e da África, a Espanha constituía o terreno ideal de materialização das tensões imperialistas exacerbadas pela crise, notadamente por parte dos imperialismos alemão e italiano que procuravam estabelecer um braço forte na bacia do mediterrâneo e acelerar o curso para a guerra.

Ademais, as estruturas arcaicas deste país, profundamente sacudidas pelo arrebentamento da crise econômica mundial do capitalismo nos anos 1930, constituíam um contexto favorável à adoutrinação do proletariado. O mito de uma "revolução democrática burguesa" a ser realizada pelos operários foi incutido para envolvê-los atrás da alternativa "república contra monarquia" preparando o caminho para a luta "anti-fascismo contra fascismo".

Depois da ditadura de Primo de Rivera, instaurada em 1923 e que se beneficia da colaboração ativa do sindicato socialista UGT (União Geral dos Trabalhadores), a burguesia espanhola elaborou o pacto de San Sebastian, no qual são associados os dois grandes sindicatos, a UGT e a CNT (Confederação Nacional dos Trabalhadores), esta última dominada pelos anarquistas. O pacto estabelece preventivamente as bases de uma "alternativa republicana" ao poder monarquista. A 14 de Abril de 1931, a burguesia obriga o rei Alphonse XIII a abdicar diante da ameaça de uma greve dos ferroviários e proclama a república. De imediato, nas eleições, uma coalizão social-republicana ascende ao poder. O novo governo "republicano e socialista" não demora em expressar sua real natureza anti-operária. A repressão é violentamente desencadeada contra os movimentos de greve que surgem diante do incremento rápido do desemprego e do aumento dos preços, com centenas de mortos e feridos entre os operários, notadamente em Janeiro de 1933 em Casas Viejas, na Andaluzia. Durante esta onda de repressão, o "socialista" Azana manda a tropa: "Nem feridos, nem presos, atirem na barriga!".

Esta repressão sangrenta das lutas operárias, realizada em nome da democracia e que vai continuar dois anos, de um lado vai possibilitar às forças de direita organizar-se e, de outro, vai levar ao enfraquecimento da coalizão governamental. Em 1933, as eleições vão dar uma maioria a direita. Uma parte do partido socialista bastante desacreditado pela repressão da qual foi o responsável, vai se aproveitar desta mudança eleitoral para efetuar um giro para a esquerda.

As organizações políticas de esquerda tratam aí de desviar o proletariado da luta de classes quando as greves se desenvolvem. Em abril-maio 1934, as greves tomam a maior amplitude. Os operários da metalurgia de Barcelona, os ferroviários e, sobretudo, os operários da construção civil em Madrid, empreendem lutas muito duras. Frente a estas lutas, toda propaganda, da esquerda e da extrema-esquerda, toma como eixo o anti-fascismo, para arrastar os operários a uma política de "frente única de todos os democratas", verdadeira camisa de força sobre o proletariado.

De 1934 até 1935, os operários são submetidos a um verdadeiro bombardeio ideológico em preparação das eleições, com objetivo a instauração de um programa de Frente popular e para "encarar o perigo fascista".

Em outubro de 1934, estimulados pelas forças de esquerda, os operários das Astúrias caem na armadilha de um confronto suicida contra o estado burguês que vai infligi-los uma derrota sangrenta. Sua insurreição e depois sua resistência heróica nas zonas mineiras e na zona industrial de Oviedo e Gijon foram totalmente isoladas pelo PSOE e pela UGT que impediram, por todos os meios, que a luta se estendesse para resto da Espanha, em particular a Madrid. O governo dispôs então uma força de 30 000 soldados com tanques e aviões de combate, nas Astúrias para esmagar sem piedade os operários, abrindo assim um período de repressão violenta no país inteiro.

A "Frente Popular" entrega os operários para o massacre

A 15 de janeiro 1935, a aliança eleitoral da Frente Popular é assinada pelo conjunto das organizações de esquerda, assim como pelos esquerdistas de tendência trotskista do P.O.U.M. Os dirigentes anarquistas da CNT e da FAI derrogou seus "princípios anti-eleitorais" para camuflar este acordo sob um silêncio cúmplice que equivale um apoio Em fevereiro de 1936, o primeiro governo de Frente Popular é eleito. Enquanto uma nova onda de greves se desenvolve, o governo lança apelos à tranqüilidade, pede aos operários para parar com as greves, dizendo que estas fazem o jogo do fascismo; O PCE (Partido Comunista Espanhol) irá até dizer que "patrões provocam e estimulam as greves por razões políticas de sabotagem". Em Madri, onde uma greve geral estoura a primeiro de Junho, a CNT impede toda confrontação direita com o estado, lançando suas célebres palavras de ordem de autogestão. Esta autogestão vai servir para encerrar os operários nas "suas" fábricas, seu "campo" ou sua aldeia, notadamente na Catalunha e Aragão.

Sentindo-se bastante fortes, as forças militares se lançam em Julho numa sublevação ("pronunciamento") iniciado no Marrocos e dirigido por Franco que tinha assumido sua primeira função de general sob as ordens da república dominada pelos socialistas.

A resposta operária é imediata: A 19 de Julho 1936, os operários declaram greve contra a sublevação de Franco e vão massivamente para as casernas para desarmar esta tentativa, sem tomar conta das consignas contrárias da Frente Popular e do governo republicano. Unindo a luta reivindicativa à luta política, os operários bloqueiam por meio desta ação a mão assassina de Franco. Mas, simultaneamente, os chamamentos à tranquilidade da Frente popular são respeitados em outros lugares. Em Sevilha, por exemplo, onde os operários obedeceram às consignas da Frente Popular para esperar, eles são massacrados num horrível banho de sangue pelos militares.

As forças de esquerda do capital então desenvolvem plenamente suas manobras de arregimentação

Em 24 horas, o governo que negociava com as tropas franquistas e organizava conjuntamente com elas o massacre dos operários, deixa lugar ao governo Giral, mais "a esquerda" e mais "antifascista", que encabeça a sublevação operária para orientá-la para o confronto exclusivo com Franco e sobre um terreno exclusivamente militar! Os operários só são armados para o envio ao front contra as tropas de Franco, fora de seu terreno de classe. Pior ainda. A burguesia faz acreditar na mentira do"desaparecimento do Estado capitalista republicano", enquanto este último se esconde atrás um pseudo "governo operário" que desvia os operários numa união sagrada contra Franco através de organismos como o Comité Central das Milícias Antifascistas e o Conselho Central da Economia. A ilusão de um "duplo poder" é criada, uma verdadeira armadilha contra a classe operária, que entrega definitivamente os operários nas mãos de seus verdugos. Os massacres sangrentos que tiveram lugar depois em Aragão, Oviedo, Madri são o resultado criminoso da manobra da burguesia republicana e de esquerda que fez abortar as reações operárias do 19 de Julho 1936. A partir daí, centenas de milhares de operários são diretamente alistados nas milícias antifascistas dos anarquistas e do POUM e são enviados a morte no front imperialista "anti-franquista" pelo governo da Frente Popular.

Depois de ter abandonado seu terreno de classe, o proletariado sofreu a matança da guerra e uma selvagem exploração, promovida pela Frente Popular, em nome da economia de guerra "antifascista": redução dos salários, inflação, racionamento, militarização do trabalho, aumento da jornada de trabalho, ....

Herança da Esquerda comunista: 

  • Organização revolucionaria [3]

A lição dos acontecimentos na Espanha (Bilan n°36 , novembro 1936)

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A sublevação operaria em Madri e em Catalunha do 19 de julho 1936

Importa-nos em primeiro lugar evidenciar algumas realidades. Quando o movimento de 17 de julho no Marrocos[2] foi conhecido em Madri e Barcelona, a primeira preocupação do capitalismo foi escutar as reações do proletariado para orientar-se em uma ou outra direção. Antes de tudo, como já apontávamos no penúltimo número de Bilan, o Governo de Casares Quiroga[3] foi substituído pelo de Martinez Barrio[4], com a finalidade de tentar completar a conversação pacífica da esquerda para a direita.

Porém diante da amplitude do levantamento operário na Cataluña e Madri, a dita tentativa fracassa lamentavelmente e Giral[5] ascende ao poder enquanto Martinez Barrio parte para Valência de onde tentará em nome do governo, legalizar a revolta operária.

O desenrolar dos acontecimentos a partir de 17 de Julho confirma nossa apreciação: em 17 de julho, o Sindicato dos Transportes Marítimos de Barcelona havia se apoderado das armas achadas nos navios "Manuel Amús", "Argentina", "Uruguay" e "Marques de Comillas" (150 fuzis e munições), e as havia transportado para o seu local. Em 18, vésperas do levantamento militar, a polícia leva consigo uma parte das armas.

Quando depois de 17, os chefes dos diversos partidos operários foram pedir armas a Companys[6], já que era públicamente notório que os militares desceriam a rua no domingo ao amanhecer, o presidente da Generalitat lhes tranquilizou explicando que a Guarda Civil e a Guarda de Assalto bastariam e que, em todo caso, se estas recuassem, os operários não teriam mais que pegar os fuzis dos mortos para intervir. Segundo Companys, o melhor que poderiam fazer os operários ao sábado pela tarde e no domingo era ficar em casa e esperar que acabasse a batalha.

Porém a efervescência do proletariado se encontrava em pleno auge.

No domingo pela manhã o proletariado, munido com toda sorte de meios e na sua maioria sem armas, está nas ruas. Às cinco se inicia a batalha. Rodeadas pelos operários, a Guarda de Assalto e uma parte da Guarda Civil estão obrigadas em marchar contra os militares. De imediato, a coragem e o heroísmo dos operários, dentre os que particularmente se distinguiam os militantes da CNT e da FAI, tomam o controle dos pontos de vista essenciais da sublevação, já que em alguns lugares os soldados confraternizavam com os proletários, como ocorre no cuartel de Tarragona. Nessa mesma tarde os militares são derrotados e o General Poded capitula. A partir desse momento, o armamento do proletariado é geral.

Enquanto a Genaralitat, se oculta medrosa diante do impulso dos operários, porém, não teme que aqueles que lhe haviam pedido as armas, agora que as conseguiram pela força, os voltem contra ela.

Na segunda, dia 20, a CNT e depois dela a UGT, lançaram a consigna de greve geral em toda Espanha. Não obstante, em todos os lugares, os operários se encontravam na rua. Carregam as armas e colocam ao mesmo tempo, suas reivindicações de classe. O antigo antagonismo entre a CNT e a UGT, quanto à semana de 36 ou 40 horas, o problema dos salários, tudo isso vai surgindo no transcurso da luta já que os operários começam a ocupar numerosas empresas. No mesmo dia 20, aparecem e se constituem as milícias que limpam Barcelona. No dia 21, se publica um decreto da Generalitat afirmando: "Primeiro: Foram criadas milícias cidadãs para a defesa da República e a luta contra o fascismo e a reação". O Comitê Central das milícias incluirá um delegado do Conselho da Governança, um delegado do Comissário Geral da Ordem Pública e uma representação de todas as forças operárias ou políticas que se encontram lutando contra o fascismo.

É assim que a Generalitat tenta, desde o dia 21, não só imprimir o seu selo nas iniciativas dos operários armados, como também inseri-las no quadro da legalidade burguesa.

No dia 21, continuava a greve geral e o POUM (Partido Operário de Unificação Marxista) propõe a continuidade até que o fascismo seja completamente sufocado.

Todas as organizações de esquerda, até o POUM e a CNT travam o movimento

Porém a CNT, que controla Barcelona, lança nesse mesmo dia a consigna de volta ao trabalho nas indústrias de alimentação e serviços públicos. O POUM publica o aviso sem fazer críticas. Entretanto se continua falando de reivindicações de classe. Os operários expropriam a Companhia de Tranvias, o Metrô, e todos os meios de transporte incluindo as ferrovias. Também a Generalitar intervém e legaliza a situação tomando a expropriação por sua conta. Mais tarde tomará a dianteira em algumas empresas e as expropriará antes dos operários.

No mesmo dia, o Front d'Esquerres, que agrupa os partidos burgueses de esquerda, recebe uma carta do POUM em que aceita o convite de Companys em colaborar com todos os partidos contra o fascismo porém recusa, depois deliberação de sua C.E, em colaborar com um Governo de Frente Popular.

Parece pois que a partir do dia 24, sob a pressão da Generalitat, a maior parte das organizações operárias tentam frear o movimento reivindicativo. Os Socialistas e centristas (Bilan denominava assim os stalinistas) de Barcelona estão contra a continuidade da greve, a CNT tinha dado a ordem de volta ao trabalho, o POUM se esforça para manter seu programa reivindicativo, porém não diz uma palavra se aprova ou não a volta ao trabalho.

A partir do dia 24 se organiza a partida de colunas milicianas para Zaragoza. É necessário que os operários partam com a sensação de haver conseguido algum atendimento no que considera as suas reivindicações. A Generalitat lança um decreto: os dias de greve serão pagos. Não obstante, na maioria das fábricas os operários já haviam obtido, com armas em mãos, o atendimento de reivindicações particulares. Posto que graças aos partidos e organizações sindicais que se reivindicam do proletariado a burguesia tem conseguido parar a greve geral e que nas empresas ocupadas pelos operários a chamada jornada de 36 horas foi instituída imediatamente, em 26 de julho a Generalitat promulga um decreto instaurando a semana de 40 horas com um aumento de salários de 15%.

Assim enquanto a Generalitat se esforça para controlar o espocar das contradições sociais, chegamos a 28 de julho, que marca já uma mudança importante na situação. O POUM, que controlava através da P.O.U.S o "sindicato mercantil"[7] e algumas pequenas empresas, lança a ordem de retomada do trabalho aos operários que não estão nas milícias. É necessário criar a mística da marcha sobre Zaragoza. Tomemos Zaragoza! Dir-se-á aos operários, depois imediatamente acertaremos as contas com a Genetalitat e Madri.

O POUM expressará claramente com esta consigna de volta para trabalho, a mudança da situação e o acerto da manobra burguesa dirigida para terminar com a greve geral, lançando depois decretos para evitar as reações dos operários e colocando finalmente os proletários fora das cidades, encaminhados para o cerco de Zaragoza.

Porém em Zaragoza continua a greve geral com suas fases de retrocesso e retomada, e só mais tarde que os operários cederão diante do ultimato de Cabanellas[8] de eleger entre voltar ao trabalho ou o massacre total.

A partir de então seu esperança não ficará centrado em uma retomada das batalhas grevistas e sim na vitória das forças governamentais, e Cabanellas poderá organizar sua feroz e sanguinária repressão.

  • "La Batalla", órgão do POUM, na sua edição de 29 de agosto destaca que os operários de Zaragoza tenham mantido a greve geral durante 15 dias. Eis aqui o que diz este periódico: "O domingo pela manhã, em 19 de Julho (quando os militares saíram às ruas) os operários organizaram imediatamente a resistência e a luta durou numerosos dias. A greve foi absolutamente geral até 15 dias mais tarde, e os tiros nas barricadas operárias duraram muito mais tempo". Sempre havia "alguns heróis irredutíveis que preferiam perder a vida do que aceitar a dominação fascista".

A partir de 28 de julho se transforma o aspecto do movimento na Catalunha. É dada continuidade a expropriação das empresas, criando conselhos operários, porém tudo isso já é feito de acordo com os delegados da Generalitat que, evidentemente, não manifestavam nenhuma resistência aos operários armados, porém sabem que por necessidades da guerra na qual está envolvido o grosso do proletariado, obterão o que querem.

Delineiam-se já os contornos precisos do ataque do capitalismo espanhol. Nas regiões agrícolas, onde a repressão da Frente Popular se exerceu e nas quais não existe um proletariado forte, o problema agrário se resolverá pelo esmagamento feroz e sanguinário de Franco, no que a isto diz respeito não terá nada a invejar a Mussolini ou Hitler. Nos centros industriais, sobretudo em Cataluña, onde não existe o problema agrário, se faz preciso não enfrentar o proletariado de frente, lançá-lo em uma emboscada militar, debilitar seu front interior, para assim chegar a todo preço a aniquilá-lo. Em Madri será a Frente Popular quem se encarregará disso. Em Catalunha, a Generalitat chegará até em troca de concessões formais e não substanciais no terreno da gestão econômica e da direção política, a envolver a CNT e o POUM, partido oportunista do Burô de Londres, e nele que hoje um dos seus chefes, o ex-trotsquista Nin[9], é Ministro da Justiça.

Em Madri, depois do 19 de julho a greve geral não será senão uma prolongação da grande greve da construção, que durava desde junho, e só terminará alguns dias depois que tinha acabado na Catalunha.

Nesta cidade, os operários saem à rua unicamente na segunda-feira enquanto em Barcelona os militares já tinham sido esmagados. O Governo de Martinez Barrio durou algumas horas, e Giral que o sucede promete tudo o que lhe pedem exceto as armas que reclamam as organizações operárias. Sem armas os proletários madrilenos se dirigem na segunda feira para o Quartel da Montana e o assaltam vitoriosamente. A partir de então os quartéis de Madri confraternizam com os operários e uma breve luta se empreende nos arredores de Madri, de onde os militares queriam marchar sobre a cidade. Na terça feira os operários que estão em greve geral buscam os seus inimigos e, posto que todo mundo desde a CNT aos Socialistas haviam proclamado que o Governo de Frente Popular é um aliado, o braço vingador do proletariado armado, os trabalhadores se dispersam na província de Madri e encontram os militares em Guadarrama onde, depois de uma luta sangrenta e confusa, de uma parte e outra cada um retorna às suas posições enquanto o grosso dos operários retornem à Madri onde nesse momento será lançada o chamamento para acabar tanto com a greve como com a organização das colunas.

Tanto em Barcelona como no resto da Espanha, os operários que, desde fevereiro de 1936 haviam sido induzidos a considerar a Frente Popular como um aliado seguro, quando se lançaram à rua em 19 de julho, não puderam dirigir suas armas na direção que lhe haveria permitido acabar com o Estado capitalista e eliminar Franco. Deixaram os Giral em Madri e os Companys em Barcelona na cabeça do aparato do Estado, limitando-se em queimar igrejas, "limpar" instituições capitalistas como a Direção Geral de Seguridade, polícia, Guarda Civil e Guarda de Assalto. Os operários expropriaram na Catalunha os ramos fundamentais da produção, mas o aparelho bancário ficou intacto com o mesmo funcionamento capitalista de antes.

De todos os modos, esses elementos serão examinados posteriormente de forma minuciosa sobre uma base documentada.

Do dia 19 ao 28 de julho, a situação teria permitido aos operários armados, ao menos em Barcelona, tomar integralmente o poder, embora certamente de forma confusa porém teria representado entretanto uma experiência histórica formidável. A ida para Zaragoza salvou a burguesia. "La Batalla" órgão do autodenominado partido "marxista" (O POUM, nota da redação), proclamava que Zaragoza concentrava a atenção mundial revolucionária. Porém já a partir de 27 de julho, a burguesia examina prudentemente o terreno. Em Figueras, militantes da CNT, depois de vencerem os fascistas, são desarmados por Guardas Civis e milicianos da Frente Popular. A CNT publica então um chamamento às massas no qual recomenda responder com tiros contra os que tentarem desarmá-las. A Generalitat está informada. Se acertará por outros meios

O proletariado arrastado sobre um terreno abertamente burguês

Em 2 de agosto, a Generalitat, após uma nova tentativa de legalizar organizadamente a situação, decide mobilizar para a guerra pessoas de diversas faixas etárias. Os soldados não querem ser mobilizados se não for nas milícias. A CNT toma partido imediatamente: "Milicianos sim!, Soldados Não". O POUM pede a dissolução, não a eliminação, do exercito.

Evidentemente, a Generalitat não insistirá, limitando-se em conectar o CC das milícias anti-fascistas com o departamento de Defesa da Generalitat.

A composição do CC das Milícias Antifascistas será o seguinte: 3 delegados da CNT, 3 delegados da UGT, 1 delegado da Esquerda Republicana, 2 Socialistas Unificados, 1 da Liga dos Rabassaires (pequenos camponeses sob a influência da esquerda catalã), 1 delegado da coalizão de partidos republicanos, 1 do POUM e 4 representantes da Generalitat (o Conselheiro de Defesa, Coronel Sandino, o Comissário Geral da Ordem Pública, Governador de Barcelona e dois delegados da Generalitat sem cargo fixo).

Do ponto de vista da evolução política, o proletariado de Madri se coloca rapidamente empuxado sob uma plataforma abertamente burguesa, enquanto em Barcelona serão necessárias algumas semanas de guerra e manobras para chegar a isto.

Em Madri, a Passionária declara, desde o dia 30 de julho, que se trata de defender a revolução que deve ser cumprida totalmente. O dia primeiro de Agosto, a policia ficará ativa e Mondo Obrero (órgão de imprensa dos centristas - denominação dada por Bilan aos stalinistas), frente à tentativa de Giral em tirar o direito de arresto das milícias, falará da "confusão" que é preciso dissipar, convencendo a Frente Popular da ação que têm as milícias para manter a ordem.

Em 3 de Agosto, "Mondo Obrero" proclama que defende a propriedade privada dos amigos da República, e acrescentará: "Não às greves na Espanha democrática! Nenhum operário ocioso na retaguarda!". Todo seu programa se resume em: "primeiro acabar com o fascismo e depois de ter acabado com ele, a esquerda republicana terá aprendido a lição e a situação anterior ao 19 de julho não voltará a repetir-se".

Em 8 de agosto, Jesús Hernández[10] aplaudia em um discurso de grande ressonância a luta dos operários pela República democrática burguesa e só por ela, e em 18 de agosto, os centristas podiam dizer que a luta, na Espanha, havia se convertido em uma guerra nacional, em uma guerra pela independência da Espanha. Para isto será necessário criar um novo exército do povo com os velhos oficiais e as milícias, e a partir daí se converterão em partidários de uma severa disciplina.

Desde a constituição do gabinete Giral, os Largo Caballero[11] e os Prieto pedirão a constituição de uma comissão da Frente Popular adjunta ao Ministério da Guerra, onde eles mesmos participarão. Desse modo serão Ministros "oficiosos".

Quanto a Barcelona, depois de ter iniciado a nova fase de guerra para tomar Zaragoza, condição primordial para "resolver" o problema social, a "Solidariedade Obrera" do primeiro de agosto saudará a nova era e o começo da fase em direção ao comunismo libertário.

Quando da constituição do Governo de Casanovas (depois da saída do Governo dos delegados do PSUC[12]) a CNT, embora afirmando que o dito Governo não concretizava na realidade que os operários haviam conquistado, lhe concede, entretanto, seu total apoio.

Durante a primeira semana de agosto, a CNT mobilizará as armas em torno da partida para o front de Aragon, insistindo que não se tratava de um exército regular e sim de batalhões de milicianos voluntários onde cada oficial do antigo exército deveria ser vigiado por um miliciano. Por fim a CNT põe em evidência uma noção totalmente desconhecida até então pelos anarquistas: a disciplina militar.

Porém a CNT está então absorvida pela necessidade de controlar as iniciativas dos operários no terreno econômico com a finalidade de manté-los dentro de uma linha que obtenha maiores rendimentos para a guerra.

Em 14 de agosto, a "Solidariedade Operária" escreverá abertamente que também no terreno econômico existem relações de guerra.

Porém, esse aspecto do problema, o examinaremos separadamente quando analisarmos as relações econômicas dos novos órgãos surgidos no terreno social e político na Catalunha.

Nos falta ainda assinalar a situação do POUM que, longe de ser um partido com a possibilidade de evoluir para posturas revolucionárias, representa um amálgama de tendências oportunistas (socialistas de esquerda, comunistas de exterma direita, trotskistas) que é um obstáculo a mais para a clarificação revolucionária.

O esquema no qual interviu o POUM nos acontecimentos foi mias ou menos este: os bolcheviques lutaram primeiramente contra o tzarismo, depois contra a burguesia e seus agentes mencheviques. Sem a Tcheka e o exército vermelho não teria conseguido vencer os inimigos, tanto exteriores como interiores, (La Batalla", 4 de agosto)... Assim pois, o POUM lutará primeiramente contra o fascismo e depois contra a burguesia esquecendo que Lênin, ao contrário de Stalin e Kamenev, apresentou em abril de 1917 um programa de luta contra todas as formas de dominação da burguesia. Como se fosse possível lutar contra o fascismo sem lutar contra o conjunto do sistema capitalista!

As novas instituições e seu significado

Antes de tudo queríamos colocar em evidência o elemento central sobre o qual os acontecimentos projetam a sua luz. No momento em que o ataque capitalista se desencadeia com o golpe de Franco, nem o POUM nem a CNT sonham em chamar os operários para ocuparem as rua, e sim organizam delegações em volta de Companys para obter armas. Em 19 de julho, os operários saem espontaneamente a rua, e quando a CNT e a UGT lançam a consigna de greve geral não fazem mais que consagrar uma situação de fato.

Visto que os Companys e Giral são considerados de imediato como aliados do proletariado, como pessoas que deviam facilitar as chaves para abrir as portas dos depósitos de armas, é natural que, quando os operários tomaram as armas depois de ter aplastado os militares, nada sonhou nem por um instante em colocar o problema da destruição do Estado que, com companys à sua frente, ficou intacto. Tratou-se então de fazer crer na utopia que afirma que é possível fazer a revolução expropriando as empresas e tomando as terras sem mudar o aparato do estado capitalista nem o seu sistema bancário.

A constituição de um Comitê Central das milícias devia dar a impressão do início de uma fase de poder proletário e a constituição do Conselho Central de Economia a ilusão de que se entrava em uma fase de gestão de uma economia proletária.

Entretanto, longe de ser organismo de dualidade de poder, se tratava de organismos com uma natureza e função capitalistas já que, em lugar de constituir-se sobre a base do impulso do proletariado buscando formas de unidade da luta para colocar-se o problema do poder, foram desde seu começo órgãos de colaboração com o estado capitalista.

O CC das Milícias de Barcelona será por outro lado parte de um conglomerado de partidos operários e burgueses, e de sindicatos, e não um organismo do tipo dos Soviets que surge de uma iniciativa de classe, espontaneamente e onde se pode verificar a evolução da consciência dos operários. Este organismo se unirá a Generalitar para logo desaparecer por simples decreto quando se constituiu, em outubro, o novo Governo da Catalunha.

O CC de milícias representará a arma inspiradora pelo capitalismo para arrastar os proletários, por meio da organização das milícias, fora das cidades e dos seus lugares para os fronts de guerra territoriais onde foram sem piedade massacrados. Representará também o órgão que restabeleceu a ordem na Catalunha, não com os operários que haviam dispersados nos fronts e sim contra eles. É certo que o exército regular foi praticamente dissolvido, porém será reconstruído gradualmente com as colunas de milicianos onde o Estado Maior se conserva nitidamente burguês com os Sandino, os Villalba e consortes. As colunas foram voluntárias e puderam conservar-se assim até o momento em que desapareceu a embriaguez e a ilusão da revolução e reapareceu a realidade capitalista. Então se caminhará a passos largos para o restabelecimento oficial do exército regular e o serviço obrigatório.

Longe de poder ser um embrião do Exército Vermelho, as colunas se constituíram em um território e uma direção não pertencente ao proletariado. Para que isto tivesse acontecido faltou tomar o poder destruindo o estado capitalista, ou pelo menos que os operários voltassem às suas armas contra o Estado. E as colunas de milicianos não se constituíram nesse sentido, em troca se tratava de marchar sobre Zaragoza e Heusca pelo que diz respeito a Catalunha, e para Toledo e Guadarrama em relação a Madrid. Os operários armados foram lançados ao antifascismo e não a uma luta contra o conjunto das formas de capitalismo. Nestas condições, todas as formas democráticas que em um primeiro momento se manifestaram no seio das colunas não tiveram mais que uma importância insignificante. O que importava era a direção seguida pelas milícias e esta era francamente, a da Frente Popular: a luta antifascista respeitando os órgãos de dominação capitalista, e ainda reforçando-os, por meio do apoio que lhes deram os anarquistas e o POUM participando nos ministérios.

Em Madri, as milícias estarão praticamente sob o controle do Departamento de Guerra de Largo Caballero, que providencia os oficiais subalternos às diferentes organizações chegando para formar as colunas.

Definitivamente, assim como o grosso do exército regular passou a Franco, a Frente Popular e seus aliados tentaram trasladar os operários, por meio da organização das milícias, do território social ao terreno da formação de um novo exército regular. Isto explica porque os operários, apesar da sua bravura foram vencidos. E, no terreno militar, Franco trabalha com certeza, enquanto os Companys, Largo Caballero e companhia desenvolveram uma estratégia mais social que militar, consistindo em favorecer o massacre dos operários que, pela sua incorporação ao novo exército, não tiveram a força de reencontrar o caminho mediante o qual venceram os militares em Barcelona e em Madri no 19 de Julho.

Passemos agora ao exame dos outros instrumentos da dominação capitalista. A Guarda Civil, célebre pelos massacres de operários na época da Monarquia, foi transformada em Guarda Nacional Republicana. Certo que em Barcelona a CNT procedeu uma limpeza desta última, porém a instituição ficou em pé, embelezada pela entrada de militantes anarquistas no seu seio.

Em Madri a Guarda Civil, ficou intacta guardando zelosamente ao caixas fortes do capitalismo: os bancos.

Só em Valência desapareceu a Guarda Civil onde os operários da Coluna de Ferro (CNT), indo mais alem do acordo concluído pela sua organização, pediu à Guarda Civil a devolução dos seus fuzis; voltaram do front para, com a ameaça das suas metralhadoras, desarmar completamente os guardas civis e ir queimando os arquivos da policia. Madri compreendeu por outro lado que neste ponto era melhor retirar a Guarda Civil e a Guarda de Assalto e deixar que se constituíssem, sob a direção do Comitê Executivo Popular (uma espécie de Frente Popular), uma G.P.A (Guarda Popular Antifascista) que mantivera firmemente a ordem na retaguarda. A guarda de Assalto que os operários enfrentaram sob a República, permaneceu intacta e até fortemente armada em Barcelona.

Pelo que considera à Direção geral de Segurança Pública se procedeu a uma simples limpeza da instituição que continuou intacta. Na França, Blum[13] substitui os funcionários por decretos e democratiza o Estado; na Espanha tem se renovado os funcionários com fuzis para "proletarizar" as instituições capitalistas. Os anarquistas tomaram a Direção Geral da Seguridade em Barcelona, primeiramente sob a forma da Secção de investigação do C.C. de Milícias, hoje sob a forma de Departamento de Segurança onde o militante da CNT, Fernandez, é Secretário geral.

Em Madri, no início de outubro, depois da promulgação do decreto sobre a militarização, todas as secções de vigilância das organizações políticas ou sindicais estiveram submetidas ao Departamento da Direção Geral da Seguridade. Nem em Barcelona nem em Madri se publicaram as listas dos confidentes empregados pela polícia política nas organizações operárias e isto é significativo.

Os tribunais foram restabelecidos rapidamente no seu funcionamento com a ajuda da antiga magistratura e a participação das "organizações antifascistas". Os tribunais populares da Catalunha, na sua a primeira versão "extremista" (decreto do Ministro do POUM, Nin) partem sempre da colaboração com os magistrados profissionais e os representantes de todos os partidos, mas Nin havia inovado suprimindo o júri popular.

Em Madri, a porcentagem de magistrados profissionais será mais alto que em Barcelona porém, desde Outubro, Largo Caballero disporá de decretos para simplificar o procedimento durante o curso dos julgamentos de fascistas, colocando desta forma a altura de Nin.

Só uma instituição foi varrida seriamente na Catalunha: a igreja e, posto que não se trata de um elemento essencial da dominação capitalista, dará as massas a impressão de uma mudança geral embora seja mais fácil reconstruir igrejas e povoá-las de novos padres quando o regime capitalista subsiste nos seus fundamentos.

Por outra parte, se tomamos outro fato, se entenderá imediatamente que a igreja não é centro do problema. Todo sistema bancário e o Banco da Espanha ficaram intactos, e por todas as maneiras medidas de precaução foram tomadas para impedir (até com a força das armas) o embargo das massas sobre a riqueza nacional. Como do dito acerca da demolição de igrejas e a passividade diante dos bancos, se encontra o trilho dos acontecimentos em curso dos quais as massas se viram impelidas a demolir aquilo que estivesse a margem do sistema capitalista porém não o próprio sistema.

Examinemos agora dois gêneros de organismos que foram constituídos em oposição uns aos outros. Os Conselhos de Fábricas e o Conselho de Economia da Catalunha.

Quando os operários retornaram ao trabalho, ali onde os patrões haviam fugido ou foram fuzilados pelas massas, se constituíram Conselhos de Fábrica que foram a expressão da expropriação das ditas empresas pelos trabalhadores. Aqui intervieram rapidamente os sindicatos para estabelecer normas com a finalidade de constituir uma representação proporcional dos membros da CNT e da UGT. Por fim, embora se efetuasse a volta ao trabalho com a reivindicação dos operários que seja aplicada a semana de 36 horas e o aumento de salários, os sindicatos intervieram para defender a necessidade de trabalhar a pleno vapor para a organização da guerra sem respeitar demasiado uma regulamentação do trabalho e do salário.

Sufocados de imediato, os comitês de fábrica e os comitês de controle das empresas onde a expropriação não se realizou (em consideração ao capital estrangeiro ou por outras considerações) se transformaram em órgãos cuja função era de acelerar a produção e, por isso mesmo, foram desfigurados enquanto o seu significado de classe. Não se tratava de organismos criados durante uma greve insurrecional para derrubar o Estado porem orientados para a organização da guerra, condição essencial para permitir a sobrevivência e fortalecimento do dito Estado.

Controlados em seguida pelos sindicatos e mobilizados para a guerra antifascista desde 11 de agosto, os comitês de fábrica foram anexados ao Conselho de Economia que, depois do decreto oficial foi o organismo deliberativo para estabelecer acordos em matéria econômica entre as diversas organizações representadas (3 Estado Republicano Catalão, 3 Partido Socialista Unificado, 3 CNT, 2 FAI, 1 POUM, 3 UGT, 1 Ação Catalã, 1 União Republicana) e "o Governo da Generalitat, que executará acordos que resultam de suas deliberações."

Doravante, os operários no interior das fábricas que haviam acreditado na conquista sem destruir o estado capitalista, se converteram nos prisioneiros deste último e logo, em outubro sob o pretexto de trabalhar para uma nova era e ganhar a guerra, se militarizará os operários das fábricas. O Conselho de Economia, desde a sua constituição, se proporá em trabalhar para o socialismo de acordo como os partidos republicanos e a Generalitat. Nem mais, nem menos! Quem realizará - sobre o papel - este "primeiro passo do capitalismo ao socialismo" será o Sr. Nin que elaborará os 11 pontos do Conselho. Em setembro, o novo ministro "operário" da Generalitat será o encarregado de realizar esse "primeiro passo", porém nesse caso o engano e a mistificação serão mais evidentes.

O fato mais interessante nesse aspecto é o seguinte: à expropriação das empresas na Catalunha, e sua coordenação efetuada pelo Conselho de Economia em agôsto, por decreto do Governo em outubro fixando as normas para implementar a "coletivização", sucederam cada vez mais novas medidas para submeter os proletários a uma disciplina nas fábricas, disciplina que nunca teria sido tolerada vinda dos antigos patrões. Em outubro, a CNT lançará suas consignas sindicais por meio das quais proibirá as lutas reivindicativas de qualquer tipo e fará do aumento da produção o dever mais sagrado do proletariado. Afora o fato que já temos rechaçado o engano que consiste em assassinar fisicamente os proletários em nome da "construção de um socialismo", do que ninguém ainda está consciente, declaramos abertamente que, no nosso entendimento, a luta nas empresas não cesse um momento enquanto subsiste a dominação do Estado Capitalista! É verdade que os operários deverão fazer sacrifícios depois da revolução proletária, porém um revolucionário nunca poderá pregar o fim da luta reivindicativa para chegar ao socialismo. Da mesma forma, não confiscaremos aos operários a arma da greve depois da revolução e é obvio que, quando o proletariado não tem o poder - e este é o caso na Espanha - a militarização das fábricas equivale a militarização da fábricas em qualquer estado capitalista em guerra.

Para que possam chegar a ser armas revolucionárias, os Conselhos de Fábrica teriam que permitir aos operários expandir sua luta contra o Estado, porém dado que suas organizações se alinharam de imediato com a generalitat, isto era impossível, sob pena de dirigir-se contra a CNT, UGT, etc. É inútil falar pois a respeito de dualidade de poder frente ao Estado na Catalunha. É evidente que nem em Valencia nem, com maior razão ainda em Madri, encontramos estas formas de intervenção operária. Porém nos falta espaço para examinar mais detidamente as iniciativas operárias nestas cidades.

Antes de retornar as análises dos acontecimentos, queríamos dizer algumas palavras sobre o problema agrário. É verdade que neste terreno se produziram numerosas inovações. Na Catalunha, foi decretada a "sindicalização" obrigatória de diversas atividades agrícolas (venda de produtos, compra de material agrícola, seguros,....). Por outro lado, é evidente que desde 19 de Julho os pequenos proprietários se livraram de uma série de rendas e foros, enquanto quando as terras pertenciam a proprietários suspeitos de simpatias pelo fascismo, se iniciou a divisão das mesmas sob a égide dos comitês antifascista. Porém em seguida, primeiro o Conselho de Economia e depois o Conselho da Generalitat de outubro, puseram mãos à obra para enquadrar estas iniciativas e direcioná-las para as necessidades da economia de guerra que se colocava em marcha.

O ponto 11 do programa do Conselho de Economia dizia já no mês de agosto: "Coletivização da grande propriedade agrária que será explorada pelos sindicatos campesinos com a ajuda da Generalitat...".

Em continuidade, e mais particularmente em setembro e outubro, a consigna da CNT e de outras organizações foi a seguinte: "Nós respeitaremos a pequena propriedade campesina". Camponeses, coloquemo-nos a trabalhar!". Por fim, se colocará contra a coletivização forçada e o Conselho de Agricultura zelará para tranqüilizar os camponeses que simplesmente serão enquadrados por medidas gerais concernentes a venda de produtos e a compra de material, enquanto se colocará em evidência que "a coletivização da terra devia limitar-se as grandes propriedades agrícolas confiscadas". Pelo que concerne a província de Valencia também, lá, com o refluxo dos acontecimentos, se tenderá a construir comitês de exportação de laranjas, arroz, cebolas, etc., enquanto as terras pertencentes a proprietários fascistas serão confiscadas pelos campesinos que manterão um caráter coletivo nas explorações por conta das próprias necessidades do cultivo ( problemas de irrigação).

Em Madri, Uribe, Ministro comunista da Agricultura promulgará um decreto no mês de outubro onde se especificará "que se autoriza a expropriação sem indenização pelo estado das propriedades agrícolas qualquer que seja a sua extensão e tipo pertencentes, em 18 de julho de 1936, a pessoas naturais ou jurídicas que intervieram de forma direta ou indireta no movimento insurrecional contra a república".

No fundamental não se trata mais que de medidas de guerra em qualquer estado burguês se toma "contra os inimigos". A única diferencia é que os Uribe e consortes deviam levar em conta a intervenção das massas camponesas que, depois de 19 de Julho, foram muito mais longe que os seus decretos.

Porém, ainda admitindo que uma "revolução agrária" havia acontecido na Espanha, havia que provar que isso foi o eixo da situação e não o reforçamento do estado capitalista nas cidades, que precisamente torna-se ilusório toda mudança profunda e duradoura nas relações econômicas e das bases da agricultura num sentido revolucionário. Não pensamos terminar com todos estes problemas no breve enunciado que devemos limitar em efetuar aqui. Em outro estudo aprofundaremos com a documentação precisa.

O Massacre dos operários

Durante o mês de agosto, a precipitação para os fronts prossegue, em meio ao entusiasmo dos proletários. "Ameacemos Huesca, marchemos triunfalmente sobre Zaragoza, o cerco a Terulel se completa". Tais serão as consignas que os operários ouviram durante meses repetidas por todas organizações. Porém paralelamente cada organização intervirá para substituir as iniciativas dos operários na retaguarda pelas iniciativas e decisões tomadas em comum.

Em 19 de agosto, o POUM intervirá com um editoria cujo sentido central é o seguinte: "os órgãos regulares criados pela revolução são os únicos órgãos encarregados de administrar a justiça revolucionária".

Pouco mais ou menos ao mesmo tempo A Espanha antifascista, edição de Barcelona, publicará uma entrevista de Companys onde esta porá em evidência que a CNT e a FAI são hoje representantes da ordem e que a burguesia catalã não é uma burguesia capitalista (sic), e sim humanitária e progressista[14].

Em 22, sob a consigna de "Até o final" se organizará a expedição a Mallorca onde serão lançados milhares de operários catalães, dos quais uma grande parte deverão ser evacuados em seguidas para Barcelona ante o silêncio mais completo de todas frentes antifascistas. Esta experiência, que comprova claramente a vontade da burguesia "humanitária" catalã de lançar os operários aos massacres militares, terá sua repercussão em uma maior coordenação entre o comitê de guerra do Comitê Central de Milícias e o departamento de guerra da Generalitat.

Em 25, o agravamento da situação militar repercutirá nas relações entre as diversas organizações. O POUM fará eco disso pedindo que a cordialidade dos milicianos no front se manifeste também na retaguarda. A respeito a CNT, o POUM dirá que a convergência é total entre o esforço revolucionário daquela e o seu, e que a unidade de ação das massas se deve manter a qualquer preço.

Porém, desde o dia 25, Solidariedade Obrera escreverá que na sua última plenária a CNT tem adotado acordos concluindo a respeito do desarmamento de 60% dos milicianos pertencentes aos diferentes partidos. Estes aplicarão por si mesmo essas medidas que no caso de não levar adiante será a CNT quem se encarregará de fazer aplicar por seus próprios meios. A consigna centra da plenária era: todas as armas ao front.

Deste modo, a CNT dava a entender que, para ela, a luta violenta na retaguarda - nas cidades - havia terminado e não restava mais que uma frente na qual os operários deviam bater-se: o front militar.

Todos os partidos compartilham esta opinião e em 29 é publicado um decreto do CC de Milícias: os que possuem armas devem entregá-las imediatamente ou ir para o front. A partir de então Companys pode esfregar as mãos com satisfação.

Ao mesmo tempo ficará clara a comédia da não intervenção. Todos os estados capitalistas e a Rússia se colocarão de acordo para facilitar o crescente envio de armas pesadas a Franco e a expedição de colunas de operários estrangeiros a Companys e Largo Caballero. Todos os Estados zelarão por intervir na Espanha para ativar o massacre dos proletários segundo o acordo de "não intervenção". Itália e Alemanha fornecerão armas a Franco. Blum facilitará a formação de "legiões estrangeiras proletárias" (segundo "Solidaridad Obrera" vigiando ao mesmo tempo o envio de armas.

Desde então, o POUM e a CNT conceberão a ajuda do proletariado internacional como uma pressão sobre os respectivos governos para obter "aviões para Espanha". Aviões vindo da Rússia uma vez que a militarização havia sido aplicada e os operários espanhóis se encontram na impossibilidade de escapar ao massacre de Franco. Porém isso examinaremos mais adiante.

Em 1º de setembro, o Sr. Nin, em um comício do POUM, defenderá a tese de que "nossa revolução é mais profunda que a efetuada na Rússia em 1917".... Será esta a razão porque na Espanha se incitará as massas a fazer a revolução sem jogar por terra o estado capitalista?. Para Nin, a originalidade da revolução espanhola consistirá em que a ditadura do proletariado será exercida por todos os partidos e organizações sindicais (incluídos os partidos da esquerda burguesa do SR. Companys). Porém o 1º de setembro, quando se iniciava a fase de queda de Irun, os periódicos de Barcelona, e La Batalla em primeiro lugar, lançavam o grito de jubilo: "a queda de Huesca é eminente", e no dia seguinte se bradará "estamos nas primeiras ruas de Huesca", porém os dias e as semanas passarão sem resultados e finalmente se escutará que o comandante em chefe das forças governamentais, Villalba, é um traidor e é por sua culpa que... O dia 2, o POUM "aprofundará" a revolução liquidando sua organização sindical dentro da UGT (sindicato reformista) sob o pretexto de injetar a esta uma vacina revolucionária.

Porém a derrota de Irun chegará a ser conhecida com a traição de elementos da Frente Popular. Na La batalla e na Soli se desencadeará uma campanha contra os que, como Priéto, desejariam realizar um compromisso com os fascistas.

O que aconteceu em Badajoz? O que está acontecendo em São Sebastián? Perguntará o POUM. E ele mesmo responde dizendo: Faz falta um Governo Operário.

A CNT e os sociais-centristas de Barcelona reagiram frente a aventura de Mallorca, à traição de Badajoz e de Irun dando início a uma campanha forte para o comando único das milícias e a centralização destas. Porém nesse momento a atenção das massas se voltará para Huesca e por todas as partes se dirá "está completado o último cerco a Huesca e sua queda é iminente".

Então é quando debuta o Governo de Largo Caballero que se apresentará com um "programa constitucional" e proporá como tarefa o comando único da guerra "até o fim". Bandajoz e Irun serão rapidamente esquecidos e, quando os nacionalistas bascos entregam San Sebastián às tropas de Franco, se constituirá um departamento basco no Governo de Largo Caballero que elaborará um estatuto jurídico para o estado livre do país basco.

Largo Caballero, que havia tentado arrastar a CNT para o seu ministério, se contenta com o suporte técnico da mesma e passará à organização da derrota de Toledo e da queda de Madri.

Antes disso o POUM havia saudado ( La Ba­talla do 11 de setembro) o governo de Largo Caballero como um governo progressista em relação a Giral, porém havia declarado que para ser verdadeiramente operário deveria ter incorporado todos os partidos operários e, em primeiro lugar, a CNT e a FAI (e, provavelmente, também o POUM). Por essas razões mantinha a sua consigna de um governo operário apoiado em uma Assembléia Constituinte de operários e soldados. Mundo Operário, o órgão dos centristas madrilenos, com vários ministros no governo lançará a consigna de "tudo para o governo e pelo governo".

O dia 12 está ainda "diante das primeiras casas de Huesca".

Porém o 13, ainda não haviam tomado Huesca e terá de tentar normalizar a situação na Cataluña na perspectiva de uma guerra longa. A CNT se dirigirá aos camponeses para afirmar que ela, não queria coletivizar mais que as grandes propriedades, pois respeitava a pequena propriedade: "ao trabalho camponeses!" será sua consigna. O POUM expressará pudicamente seu acordo e continuará arrastando-se de forma lamentável atrás da CNT, a qual oferecerá flores regularmente embora essa se dedique a deprecia-lo públicamente.

No dia 20 iniciará em Madri uma campanha em favor do restabelecimento de um exército regular, sendo os centristas que a iniciam. O POUM aceitará o princípio de um exército vermelho. A CNT, se calará desdenhosamente e passará à organização de uma plenária nacional das suas regionais em Madri.

As decisões desta ultima foram as seguintes: começar a campanha para obter a criação de um Conselho Nacional de Defesa, apoiado por Conselhos Regionais, cuja finalidade será a luta contra o fascismo e a construção de novas bases econômicas. A composição do Conselho Nacional de Madri deverá ser: 5 representantes da UGT, 5 da CNT e 4 dos partidos republicanos. A presidência do Conselho seria para Largo Caballero quando que Azaña ficaria a cabeça da República. Seu programa comportaria o mando único e a supressão das milícias voluntárias, etc.

Em torno dessas posições se desencadearam imediatamente vivas polêmicas. Porém havia dois fatos essenciais estavam certos: os anarquistas participariam nos ministérios na condição de que eles mudassem seus nomes: o que não é muito difícil, dirá "Claridad" órgão de Largo Caballero. Em definitivo, os mesmos que no dia 2 de agosto recomendavam aos operários de Barcelona que recusassem a ser soldados senão milicianos do povo, aceitavam agora o princípio da militarização.

Entretanto a situação militar se agravava. Toledo está a ponto de cair e, em contrapartida, continuamos "nas primeiras ruas de Huesca". A ameaça já avança sobre Madri.

 Em 26 aparece aberta a crise do Governo da Generalitat. No dia seguinte se constitui um novo Governo em que participam a CNT, o POUM e os sociais-centristas. O programa desse "Governo operário", no qual os partidos da esquerda burguesa participam como expressão da pequena burguesia, comporta o comando único, a disciplina, a supressão dos voluntários, etc.

Alguns dias depois Largo Caballero estima que havia chegado o momento para promulgar o famoso decreto sobre a militarização das milícias e a aplicação do código militar neste novo exército regular. Em Madri, o decreto será aplicado a partir de 10 de outubro; e nas regiões periféricas, onde será necessário durante um tempo manobrar diante do proletariado, se aplicará só a partir do dia 20. A constituição do novo Conselho da Generalitat e o decreto de Caballero, chegarão a tempo para impedir que o proletariado coloque essas duas questões: Que tem passado em Toledo? Por que estamos sempre "nas primeiras casas de Huesca"? Porque Oviedo, que havia sido tomada pelos mineiros, pode ser ganha tão facilmente pelas tropas fascistas? Porque e para quem nos deixamos massacrar? Los Largo Caballero, Sandino, Companys, Villalba, o grande Estado Maior republicano, aos quais se uniram os Grossi, Durruti[15], Acaso, não são os mesmos que em 1931, 1932, 1934 fizeram com os cadáveres de operários um tapete para o avento das direitas? Podemos conhecer outra coisa que não sejam derrotas e massacres colocando traidores na direção das operações militares?

Os operários não tinham tempo para colocarem-se esses problemas que significariam o abandono dos fronts e o desencadeamento da luta armada tanto contra Largo Caballero como contra Franco. Os proletários não tinham tempo de entrever este caminho, que seria o único onde poderiam encontrar uma possibilidade de acabar com o fascismo, pois teriam acabado também com o capitalismo. O novo Conselho da Generalitat os detêm na Catalunha e o decreto sobre a militarização de Madri intervém nas demais regiões com a ameaça de graves sanções.

Os acontecimentos se sucedem agora com rapidez. Na Catalunha um simples decreto dissolve o Comitê Central de Milícias (que conferia um aspecto "revolucionário" às manobras do capitalismo) porque, dirá Garcia Oliver, delegado da CNT, "Todos já estamos representados no Conselho da Generalitat". Todos os comitês antifascistas foram dissolvidos e substituídos pelos territórios municipais. Nenhuma instituição do 19 de julho sobreviverá, e um segundo decreto precisará que toda tentativa de reconstruir organismos a margem dos ajuntamentos será considerado como um ato de insubordinação.

Em 11 de outubro aparecerão as consignas sindicais da CNT: decreto de mobilização e militarização na Catalunha. Nesse mesmo dia, o navio soviético "Zanianine" fará escala no porto de Barcelona para marcar pomposamente que a URSS havia rompido a política de "não intervenção" e corria finalmente em ajuda aos operários espanhóis.

As consignas da CNT tendiam proibir absolutamente "enquanto estamos em guerra" as reivindicações sobre as novas bases do trabalho, sobretudo se viessem agravar a situação econômica. Essas consignas afirmavam que nas produções que tinham uma relação direta ou indireta com a luta contra o fascismo não se poderá exigir que sejam respeitadas as bases do trabalho, nem em salários nem em jornada. Por fim, os trabalhadores não poderiam pedir remunerações pelas horas extras efetuadas nas produções úteis para a guerra antifascista e deveriam aumentar a produção com relação ao período anterior a 19 de julho.

Os sindicatos, os comitês e delegados de transportes e obras, serão os encarregados de aplicar essas consignas com "ajuda dos homens revolucionários".

A militarização das milícias substituirá o cooptação de proletários e camponeses, para deixá-los no front em nome da guerra pelo "socialismo", pelo chamamento às classes e logo toda a população com a finalidade de opor ao fascismo a "nação armada" em "luta pela liberdade".

O POUM e a CNT terão que manobrar para cegar as massas e disfarçar a militarização como uma "necessidade vital" que sua "constante vigilância de classe" impedirá que se transforme em um instrumento de estrangulamento dos operários. Porém o caso é que a militarização se aplicará estritamente. E no fundo mostrará como o capitalismo chega a crucificar o proletariado nos fronts, onde Largo Caballero e seus aliados "revolucionários" preparam minuciosamente as catástrofes militares. Doravante, o massacre dos operários na Espanha tomará a forma de uma guerra principalmente burguesa na qual, com dois exércitos regulares: o democrático e o fascista serão massacrados os operários.

Foi no mesmo dia em que se aplicou o decreto em Barcelona que atracou o navio russo Zanianine que marcou simbolicamente a volta da Rússia para Espanha. A URSS intervirá aportando armas e técnicos, só depois que a constituição do exército regular de Largo Caballero assinalará abertamente que se tratava de uma guerra burguesa. Não esqueçamos que no começo dos acontecimentos, a Rússia assassinava Zinoviev-Kamenev e a tantos outros. Agora, pode passar diretamente ao assassinato dos operários espanhóis, para os quais seus aviões e seus tanques serão um argumento de peso para sua aceitação ou para aceitação da sua incorporação em um exército burguês dirigido por pessoas hábeis no massacre de proletários.

Em Madri até o momento da constituição do novo Ministério (ou Conselho, como o chamavam os anarquistas) a CNT, se oponha bastante à militarização. Ainda na "Frente Libertária" (órgão das milícias confederadas da CNT em Madri) de 27 de outubro, encontramos essa posição: "Milícias ou Exército nacional? Para nós, milícias populares!". Porém, também aqui da posição da CNT se resulta de um vergonhoso oportunismo. Enquanto não tem atividade no seio do governo e não pode controlar as operações militares, mantém uma oposição ardente.

Como se sabe, Largo Caballero mata dois pássaros com um só tiro, reformulando seu gabinete 8 dias antes da sua ida a Valência. Os anarquistas entram no "Conselho" não somente dando visto ao passaporte a militarização e a criação de um exército regular, como também a toda manobra de Largo Caballero que, depois da queda de Toledo, havia permitido ou facilitado o caminho dos fascistas para Madri. A burguesia dará por cada derramamento de sangue proletário um passo a extrema esquerda. De Giral a Largo Caballero em Madri, de Casanovas a Fábregas-Nin em Barcelona; hoje Garcia Oliver é ministro e os representantes das juventudes socialistas e libertárias estão na Junta de Defesa madrilena.

Nesse ritmo sucederão os acontecimentos. Na Catalunha, sob a bandeira do Conselho "revolucionário" da Generalitat, é a aliança dos anarquistas com os sociais-centristas para impedir que os operários lutem pelas suas reivindicações de classe e de mantê-los sob a chuva mortífera de balas e bombas "até o fim". Em Madri, Largo Caballero parte para Valência, porém até o último dos proletários haverá de se ser massacrado pagando assim o preço da trágica aberração que fizeram confiar sua sorte aos agentes do capitalismo e aos traidores. Ah! o General Mola[16] tinha razão quando dizia: "Tenho 5 colunas que vão tomar Madri, 4 em volta e uma na própria cidade". A quinta coluna, a de Largo Caballero e seus consortes, está acabando a sua obra, e se dispõe a continuar unida fraternalmente com a CNT e o POUM nas outras regiões. Depois de Madri, será o proletariado de Barcelona e Valência aos que o capitalismo atacará com fúria.

Aos proletários de todos os países

Devemos concluir aqui nossa análise dos acontecimentos na Espanha, embora sejamos conscientes da insuficiência da nossa análise do período qualificado por nós de "massacre de proletários". Voltaremos sobre esse período no próximo numero de Bilan. Agora nos interessa sobretudo acabar com uma breve enunciação das posições que a nossa Fração opõe à mistificação do antifascismo.

Nos dirigimos com veemência aos proletários de todos os países para que não acreditem, com o sacrifício da sua vida, o massacre dos operários na Espanha. Para que se neguem a ir a Espanha nas Colunas Internacionais, e em troca comprometam sua luta de classe contra sua própria burguesia. O proletariado espanhol não deve ser mantido no front pela presença de operários estrangeiros que dêem a impressão de que lutam por uma causa internacional.

Enquanto aos operários da península Ibérica, não tem agora mais que uma saída, a mesma que no 19 de julho: greve em todas as empresas, estejam em guerra ou não, tanto do lado de Companys como do lado de Franco; contra as ordens arbitrarias das suas organizações sindicais e da Frente Popular, e pela destruição do regime capitalista.

Que os operários não se espantem de que lhes digam que atuando dessa maneira estão fazendo o jogo do fascismo. Só os charlatões e os traidores poderão pretender que lutando contra o capitalismo, que se encontra tanto em Sevilla como em Barcelona, se faz o jogo do fascismo. O proletariado revolucionário deve permanecer fiel a seu ideal de classe, as suas armas de classe, e todo sacrifício que hoje jogar nessa direção será frutífera para as batalhas revolucionárias de amanhã.



[1] Títulos foram acrescentados no texto original para facilitar a leitura.

[2] A sublevação de Franco.

[3] Casares Quiroga. Foi varias vezes ministro e presidente do governo (do 13 de maio até o 19 de julho 1936) na Segunda República espanhola. Demitiu-se do governo o dia depois do golpe de Franco. Diego Martínez Barrio o substituiu durante algumas horas e foi ele mesmo substituido por José Giral.

[4] Martinez Barrio liderava a União republicana, componente da Frente popular.

[5] Giral. Foi presidente do governo do 19 de Julho até o 4 de setembro de 1936. Depois foi ministro dos governos de Largo Caballero e de Negrín.

[6] Companys Luís Companys. Avocato e homem político espanhol, nacionalista catalão que foi presidente da Generalitat de Catalunha de 1934 até sua morte, executado pelo regime franquista.

[7] Nota original do texto. Sindicatos de empregados.

[8] Cabanellas. General do exercito espanhol e um dos líderes do golpe que resultou na Guerra da Espanha. Mas, se opôs à nominação de Franco como generalíssimo e foi descartado por este último.

[9] Andrés Nin Pérez. Rompeu com Trotsky por não aceitar a sua tática de entrismo no PSOE. Seu grupo fusionou em 1935 com o Bloco Operário e Camponese do qual foi nomeado membro do comitê executivo e diretor de sua publicação, A Nova Era. Foi assassinado pelo general Orlov que atuava em nome de Stalin.

[10] Jesús Hernández. É eleito membro do comitê central do PCE em 1930. A partir deste momento, permaneceu em Moscou para completar sua formação política até 1933. A partir de 1936, foi responsável do órgão do partido, Mundo Obrero. Nas eleições generais de 1936, foi eleito deputado da Frente popular da província de Córdoba. Durante a guerra civil, foi um dos dois ministros comunistas dos governos de Francisco Largo Caballero e em seguida de Juan Negrín.

[11] Francisco Largo Caballero. Depois da queda do governo Giral, o 4 de setembro 1936, é nomeado chefe do governo e ministro da guerra. Em maio de 37, demite-se do governo sob a pressão dos stalinistas e é substituído à frente do governo pelo Dr. Juan Negrín, também socialista, embora mais próximo às teses do Partido Comunista.

[12] PSUC: Partido Socialista Unificado de Catalunha.

[13] Blum. Homem político socialista francês. Foi chefe do governo francês em 1936 (presidente do conselho de Frente popular), 1938 e 1946.

[14] Nota original do texto.
Pergunta : O papel cotidiano preponderante da CNT na Catalunha , não será nocivo para o Governo democrático? Não será nocivo para o governo democrático?
Resposta de Companys: Não a CNT tem tomado para si os deveres abandonados pela burguesia e pelos fascistas que têm fugido: estabelece a ordem e defende a sociedade..., a CNT é agora a força, a legalidade, e a ordem.
Pregunta: Não acredita você , que uma vez exterminado o fascismo o proletariado revolucionário exterminará a burguesia?.
Resposta de Companys: Não esqueça que a burguesia catalã difere da burguesia de certos países democráticos da Europa. O levantamento fascista tem sido o seu suicídio. Nosso governo, embora burguês não defende interesses financeiros de nenhum tipo, defende as classes médias. Hoje caminhamos para uma ordem proletária. É possível que nossos interesses se ressintam de algo porém temos o dever de ser úteis ainda no processo de transformação social. Não queremos dar privilégios exclusivos às classes médias. Queremos criar um direito democrático individual sem coações sociais ou econômicas.

[15] Buenaventura Durruti Dumange. Militante da CNT. O 20 de julho, os principais dirigentes da CNT tiveram uma entrevista com o presidente geral da Generalitat, Lluis Companys. O dia seguinte houve uma outra entrevista da qual participaram os principais dirigentes da CNT e na qual propuseram nomear um Comitê Central das Milícias Antifascistas de Catalunha. Depois Durruti decidiu se juntar ao front com os republicanos e formou a famosa Coluna Durruti.

[16] General Mola Emilio Mola Vidal. Militar que foi um dos líderes do golpe de julho 36.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Organização revolucionaria [3]

Maio de 1937 - A frente popular contra os operários de Barcelona

  • 3365 leituras

A maioria dos historiadores oficiais, fora os da extrema-direita, apresentam a guerra civil como uma defesa heróica de um governo eleito democraticamente contra a ameaça do fascismo. Os trotskistas defendem uma versão mais crítica, dizendo que na realidade a guerra civil não era nada menos que a revolução espanhola.  Enquanto concordavam com a necessidade de lutar a favor da república contra Franco (Trotski dizia para seus seguidores "serem os melhores soldados da república"), colocam que isso era compatível com a luta pela derrubada do capitalismo e a instauração de uma verdadeira "república" dos trabalhadores. Quanto aos anarquistas, a maioria deles, chegou até dizer que a coletivização das fábricas e fazendas sob o controle do sindicato anarquista, a CNT, constituiu o ponto mais alto alcançado na luta para uma sociedade comunista.

A Esquerda comunista, que publicava a revista Bilan nos anos 1930, tinha uma visão muito diferente. Para ela, democracia e fascismo eram duas asas do capitalismo, ambas contra-revolucionarias e anti-operárias. Analisava o período dos anos trinta como de profunda derrota da classe operária, abrindo a porta para uma segunda guerra imperialista mundial. Ambas ideologias fascista e democrática assumiram seu papel de mobilizar os operários para a guerra que estava se aproximando e a matança na Espanha era uma preparação dos massacres mais amplos em perspectiva.

Isso não significa que Bilan não tinha a percepção da existência de uma real luta de classes na Espanha. Saudou o movimento espontâneo de greves e o surgimento do proletariado de Barcelona contra o golpe de Franco de Julho 36, o que ilustra a capacidade da classe operária em se defender quando luta com seus próprios métodos de luta. Mas percebeu também que este movimento de classe inicial quase que imediatamente tinha se desviado para uma guerra inter-imperialista; uma guerra em que se envolveram as grandes potências, a Alemanha e a Rússia soviética, em cada um dos dois campos imperialistas. E as forças políticas, que se envolveram mais e tiveram uma influencia decisiva em desviarem a classe operária da luta em defesa de seus interesses de classe para um terreno burguês, foram as forças de "esquerda", incluindo a CNT anarquista, que transformou as milícias operárias de Julho de 36 em núcleo da armada republicana, e a ocupação das empresas para a autogestão das empresas cuja economia de guerra dependia.

Deve-se destacar que essa transformação aconteceu sem que houvesse nenhuma resistência por parte da classe operária. E em maio de 1937, o real conflito no seio do campo "antifascista" veio à tona, quando as forças policias stalinistas tentaram tomar o controle da central telefônica de Barcelona e "extirpar" tudo que era considerado como obstáculo à máquina de guerra republicana. Esta ação provocou barricadas e novamente uma greve geral, dessa vez opondo não os operários e Franco, mas os operários e o aparelho repressivo da república. Isso abriu uma divisão de classes entre os anarquistas que tinham se convertido em parte do aparelho de estado (na realidade, a CNT oficial) e os que ficaram do lado proletário das barricadas, como Camillo Berneri ou o grupo dos Amigos de Durruti, como também alguns elementos do movimento trotskista.

A Fração da esquerda italiana e a recém Fração belga, escreveram conjuntamente o manifesto sobre os acontecimentos de maio-junho de 1937 que publicamos com o texto seguinte. Mais de setenta anos depois, ele constitui uma referência quanto a sua clareza política e sua fidelidade inabalável ao internacionalismo proletário. Mesmo se dentre algumas das suas formulações não sejam mais nossas hoje (por exemplo, a idéia de que o partido seria o "cérebro" da classe), a insistência do manifesto sobre a necessidade da organização política comunista como a melhor defesa da independência da classe operária é tão válida hoje como era naquela época.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Organização revolucionaria [3]
  • Esquerda do capital [4]

Panfleto da Fração Belga e Italiana da Esquerda Comunista Internacional (maio de 1937)

  • 2984 leituras

Chumbo, metralha, prisão...:Essa é a resposta da frente popular para os operários de Barcelona que ousaram resistir ao ataque capitalista.

PROLETÁRIOS!

Em 19 de Julho os proletários de Barcelona, apenas com suas mãos vazias, esmagaram o ataque dos batalhões de Franco, armados até os dentes. Agora, nas jornadas de Maio de 1937, quando sobre as calçadas caíram vítimas bem mais numerosas que em Julho, quando rechaçaram a Franco, foi o governo antifascista - que inclui os anarquistas e os militantes do POUM, que foi indiretamente solidário - quem atiçou a turba das forças repressivas contra os trabalhadores.

Em 19 de Julho, os proletários de Barcelona foram uma força invencível. Sua luta de classe, liberada das amarras do Estado burguês, encontra eco nos regimentos de Franco, desagrega-os e desperta o instinto de classe dos soldados: é a greve que trava os fuzis e canhões de Franco e rompe a sua ofensiva.

A história só registra intervalos fugazes durante os quais o proletariado pode adquirir sua total autonomia em relação ao Estado capitalista. Poucos dias depois de 19 de Julho, o proletariado catalão chega à encruzilhada: ou decide entrar na fase superior de sua luta com o propósito de destruir o Estado burguês, ou permite que o capitalismo reconstitua as teias de seu aparelho de dominação. Nesse preciso momento da luta, quando o instinto de classe já não é suficiente e no qual a consciência se transforma em fator decisivo, o proletariado não pode vencer se não dispuser do capital teórico, paciente e intensamente acumulado por suas frações de esquerda, transformadas em partidos por força dos acontecimentos. Se hoje em dia o proletariado espanhol vive submerso em tal tragédia, é por causa de sua falta de maturidade para forjar seu partido de classe: o único cérebro que pode dar-lhe a força para viver.

Na Catalunha, desde o 19 de Julho, os operários criaram de modo espontâneo seu próprio terreno de classe, os órgãos autônomos de sua luta, mas, imediatamente, surge o angustiante dilema: comprometer-se profundamente com a batalha política para a destruição do Estado capitalista e, desse modo, completar os êxitos econômicos e militares, ou deixar de pé a máquina opressora do inimigo e permitir-lhe, então, poder descaracterizar e liquidar as conquistas operárias.

As classes lutam com os meios que vem sendo impostos pelas situações e grau de tensão social. Diante de uma explosão da classe, o capitalismo não pode sequer pensar em recorrer aos meios clássicos da legalidade. O que o ameaça é a independência da luta proletária que direciona a outra fase revolucionária para a abolição da dominação burguesa. Por conseguinte, o capitalismo deve refazer a teia de seu controle sobre os explorados. Os fios dessa teia que antes eram a magistratura, a polícia, as prisões, transformam-se, na situação extrema de Barcelona, nos Comitês de Milícias, as indústrias socializadas, os sindicatos operários gerentes dos setores essenciais da economia, etc.

Assim, na Espanha, a História esboça novamente o problema que na Itália e na Alemanha havia sido resolvido mediante o esmagamento do proletariado: os operários conservam para sua classe os instrumentos que foram criados no calor da luta, desde que os orientem contra o Estado burguês. Os operários estão armando os seus futuros executores se, faltando-lhes força para destruir o inimigo, deixam-se cair novamente em sua rede de dominação.

A milícia operária de 19 de Julho é um organismo proletário. A "milícia proletária" da semana seguinte é um organismo capitalista adaptado à situação do momento. E para realizar seu plano contra-revolucionário, a burguesia pode contar com os Centristas, os Socialistas, a CNT, a FAI, o POUM, já que todos querem fazer crer aos operários que o Estado muda de natureza quando o pessoal que o dirige muda de cor. Escondido nas pregas da bandeira vermelha, o capitalismo afia pacientemente a espada da repressão que, em 4 de Maio já está preparada com todas as forças que, em 19 de Julho, haviam rompido a espinha de classe do proletariado espanhol.

O filho de Noske e da Constituição de Weimar é Hitler, Mussolini é o filho de Giolitti e do "controle da produção"; o filho da frente antifascista espanhola, das "socializações", das "milícias proletárias", é a matança de Barcelona de Maio de 1937.

E, sozinho, o proletariado russo só respondeu à queda do czarismo com Outubro de 1917 porque sozinho pôde construir seu partido de classe através do trabalho das frações de esquerda.

PROLETÁRIOS!

Foi à sombra de um governo de Frente Popular que Franco pôde preparar seu ataque. Foi através do caminho da conciliação que Barrios tentou formar em 19 de Julho um ministério que pudesse realizar o programa conjunto do capitalismo espanhol, sob a direção de Franco ou sob a direção mista de direita e esquerda fraternalmente unidas. Mas a revolta operária de Barcelona, de Madri, das Astúrias, obrigou o capitalismo a desdobrar seu Ministério, a distinguir claramente as funções unidas por indissociável solidariedade de classe, entre o agente republicano e o agente militar.

Ali onde Franco não conseguiu impor sua vitória imediata, o capitalismo chama aos operários para que o sigam na "luta contra o fascismo". Sangrenta emboscada que os operários pagaram com milhares de vidas ao crer que, sob a direção do governo republicano, poderiam esmagar o filho legítimo do capitalismo: o fascismo. Partiram para as colinas de Aragão, as montanhas de Guadarrama e das Astúrias para lutar a favor da vitória da guerra antifascista.

Ainda uma vez mais, como em 1914, o sacrifício de grande número de proletários é o caminho pelo qual a História sublinha em caracteres sangrentos a oposição irredutível entre Burguesia e Proletariado.

As frentes militares foram uma necessidade imposta pelas circunstâncias? Não! Foram uma necessidade para o capitalismo com o propósito de sitiar e destruir os operários! O 4 de Maio de 1937 é a prova evidente que, depois de 19 de Julho, o proletariado tinha que combater contra Companys e Giral, tal qual contra Franco. As frentes militares não podiam senão cavar a cova dos trabalhadores porque representaram as frentes de guerra do capitalismo contra o proletariado. Contra essa guerra, os proletários espanhóis, assim como seus irmãos russos que lhes deram o exemplo de 1917, somente podiam responder desenvolvendo o derrotismo revolucionário nos dois campos da burguesia, o republicano e o "fascista". Transformando a guerra imperialista em guerra civil com o propósito de alcançar a destruição total do Estado burguês.

A fração italiana de esquerda foi apoiada, em seu trágico isolamento, unicamente pela solidariedade da Liga dos Comunistas Internacionalistas da Bélgica, que acabara de fundar a fração belga da esquerda comunista internacional. Somente essas duas correntes fizeram soar o alarme enquanto se proclamava, por todos os lugares, a necessidade de salvaguardar as conquistas da Revolução, de vencer Franco para melhor derrotar a Largo Caballero numa segunda etapa.

Os últimos eventos de Barcelona confirmam tragicamente nossa tese inicial e demonstram a crueldade, somente comparável à de Franco, com que a Frente Popular, ladeada pelos anarquistas e pelo POUM, caiu sobre os operários insurgentes do 4 de Maio.

As vicissitudes das batalhas militares constituíram-se em outras tantas oportunidades para o governo reforçar seu domínio sobre a classe oprimida. Não havendo uma política proletária de derrotismo revolucionário, tanto os êxitos como as derrotas militares do exército republicano foram unicamente as etapas da sangrenta derrota de classe dos operários. Em Badajoz, em Irún, em San Sebastián,... a República de Frente Popular oferece sua contribuição à matança articulada do proletariado, ao mesmo tempo que integra as fileiras da União Sagrada, já que é necessário um exército disciplinado e centralizado para ganhar a guerra antifascista. A resistência de Madri facilita, ao contrário, a ofensiva da Frente Popular capaz agora de desfazer-se de seu criado de ontem, o POUM, para melhor preparar o ataque de 4 de Maio.

Paralelamente, em todos os países, a guerra de extermínio levada a cabo pelo capitalismo espanhol, alimenta a repressão burguesa internacional, e os assassinatos fascistas e "antifascistas" da Espanha acompanham os assassinatos de Moscou e de Clichy. Também os traidores reúnem os operários de Bruxelas ao redor do capitalismo democrático, sobre o altar sangrento do antifascismo, por ocasião das eleições de 11 de Abril de 1937.

"Armas para a Espanha": esse foi o principal slogan que ressoou nos ouvidos dos proletários. Armas que dispararam contra seus irmãos de Barcelona. A Rússia Soviética, ao colaborar com o suprimento de armas para a guerra antifascista, também serviu à estrutura capitalista para a recente carnificina. Sob as ordens de Stálin, o qual propaga revela sua raiva anticomunista em 3 de Março, o PSUC da Catalunha toma a iniciativa da matança.

Outra vez mais, como em 1914, os operários utilizam as armas para matarem-se uns aos outros, em vez de utilizá-las para a destruição do regime de opressão capitalista.

PROLETÁRIOS!

Os operários de Barcelona tomaram novamente, em 4 de Maio de 1937, o caminho que tinham iniciado em 19 de Julho, e do qual o capitalismo os havia separado apoiando-se nas múltiplas forças da Frente Popular. Provocando a greve por todos os lados, inclusive nos setores apresentados como "conquistas da revolução", enfrentaram o bloco republicano-fascista do capitalismo. E o governo republicano respondeu com a mesma selvageria com que atuou Franco em Badajoz e Irún. Se o Governo de Salamanca não explorou esta comoção da frente de Aragão para impulsionar um ataque, é porque intuiu que seu cúmplice de esquerda executava admiravelmente seu papel de algoz do proletariado.

Exaurido por dez meses de guerra, de colaboração de classe, da CNT, da FAI, do POUM, o proletariado catalão acaba por sofrer uma terrível derrota. Mas essa derrota também é uma fase com relação à vitória de amanhã, um momento de sua emancipação, porque representa o atestado de óbito de todas as ideologias que permitiram ao capitalismo a preservação de seu domínio, apesar do sobressalto enorme de 19 de Julho.

Não! Os proletários tombados em 4 de Maio não podem ser reivindicados por nenhuma das correntes que, em 19 de Julho, empurraram-nos fora de seu terreno de classe para lançá-los no abismo do antifascismo.

Os proletários tombados pertencem ao Proletariado e somente ao Proletariado. Representam as membranas do cérebro da classe operária mundial, do partido de classe da revolução comunista.

Os operários do mundo inteiro inclinam-se diante dos mortos e reivindicam seus corpos contra todos os traidores, tanto os de ontem como os de hoje. O proletariado do mundo inteiro saúda a Berneri como um dos seus e sua imolação no altar do ideal anarquista é também um protesto contra uma escola política que desmoronou durante os acontecimentos da Espanha. Porque sob a direção de um governo com participação anarquista, a polícia repetiu no corpo de Berneri, o feito de Mussolini sobre o corpo de Matteotti!

O massacre de Barcelona é um sinal precursor de repressões ainda mais sangrentas contra todos os operários da Espanha e do mundo inteiro. Mas também é um sinal precursor das tempestades sociais que, amanhã, desabarão sobre o mundo capitalista.

O capitalismo, em apenas dez meses, teve que esgotar os recursos políticos com os quais contava para demolir o proletariado, interpondo obstáculos ao trabalho que este cumpria para fundar seu partido de classe, arma para sua própria emancipação e para a construção da sociedade comunista. Centrismo e Anarquismo, unindo-se à Social-democracia, levaram a termo sua evolução na Espanha, da mesma forma que a guerra reduziu ao estado de cadáver a Segunda Internacional, depois de 1914.

Na Espanha, o capitalismo provocou uma guerra de dimensões internacionais, a guerra entre fascismo e antifascismo que, através da forma extrema da luta armada, anuncia uma tensão aguda das relações de classe na arena internacional.

Os mortos de Barcelona preparam o terreno para a construção do partido da classe operária. Todas as forças políticas que chamaram os operários à luta em favor da revolução, comprometendo-os numa guerra capitalista, todas sem exceção, mudaram de trincheira e diante dos operários do mundo inteiro abriu-se o horizonte luminoso no qual os operários de Barcelona escreveram, com seu próprio sangue, a lição de classe já traçada pelo sangue dos mortos de 1914-1918: A luta dos operários somente é proletária sob a condição de dirigir-se contra o capitalismo e seu Estado; serve aos interesses do inimigo se não se dirige contra este a cada momento, em todos os campos, em todos os organismos proletários que as circunstâncias geram.

O proletariado mundial lutará contra o capitalismo inclusive quando este passar para a fase de repressão de seus lacaios de ontem. Porque é a classe operária, e jamais seu inimigo de classe, que tem a responsabilidade de ajustar contas em nome dos que expressaram um momento de sua luta para a emancipação da escravidão capitalista.

A batalha infernal que o capitalismo espanhol iniciou contra o proletariado abre um novo capítulo internacional na vida das frações de todos os países. O proletariado mundial, que deve continuar sua luta contra os "construtores" de Internacionais artificiais, sabe que somente pode fundar a Internacional proletária através da sublevação mundial da relação de classes que abra o caminho da Revolução comunista, e unicamente desta forma. Diante da frente de guerra da Espanha, que anuncia o aparecimento de tormentas revolucionárias em outros países, o proletariado mundial sente que chegou o momento de tecer os primeiros laços internacionais das frações da esquerda comunista.

PROLETÁRIOS DE TODOS OS PAÍSES!

Sua classe é invencível, representa o motor da revolução histórica: a prova disso são os acontecimentos da Espanha, já que é a sua classe, unicamente, a que representa o centro nevrálgico da luta que convulsiona o mundo inteiro!

A derrota não deve desencorajá-los: dessa derrota deve-se tirar os ensinamentos para a vitória de amanhã!

Confiem em seus princípios de classe, reconstruam sua unidade de classe além das fronteiras, contra todas as mistificações do inimigo capitalista!

De pé para a luta revolucionária em todos os países!

Viva os proletários de Barcelona que viraram uma nova página sangrenta no livro da Revolução Mundial!

Avante, para a construção do Comitê Internacional das frações para promover a formação das frações de esquerda em todos os países!

Levantemos a bandeira da Revolução Comunista, que os algozes fascistas e antifascistas não possam impedir os proletários vencidos de transmiti-la a seus herdeiros de classe!

Viva a Revolução Comunista no mundo inteiro!


URL de origem:https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/Espanha_1936_Franco_e_a_Republica_massacram_o_proletariado.htm

Ligações
[1] https://es.internationalism.org/cci/200602/539/espana-1936-franco-y-la-republica-masacran-al-proletariado [2] https://pt.internationalism.org/icconline/2005_esquerda_comunista [3] https://pt.internationalism.org/tag/1/6/Organiza%C3%A7%C3%A3o-revolucionaria [4] https://pt.internationalism.org/tag/1/9/Esquerda-do-capital