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Será que o trotskismo pertence ao campo do proletariado?

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Todas as organizações que, no mundo, reivindicam o trotskismo, reivindicam também Marx, a revolução de 1917 na Rússia, ostentam sua oposição ao capitalismo e chamam ao derrubamento deste com objetivo a instauração da sociedade comunista. Também formulam críticas, às vezes muito severas, aos partidos socialistas e comunistas que culpam por sua complacência com a ordem social existente. Estas organizações baseiam sua imagem "revolucionária" sobre a sua filiação com Trotsky e, segundo elas, representariam a continuidade do movimento revolucionário. Estas afirmações devem ser avaliadas baseando-se na própria história do movimento trotskista.

O retrocesso da onda revolucionaria mundial de 1917-23, resultado de sua incapacidade em se estender vitoriosamente alem da Rússia, deu lugar a um processo de degeneração dentro da Internacional Comunista e do poder soviético na Rússia onde o partido bolchevique se fundiu mais e mais com o aparelho de estado burocrático. Dentro da Internacional, os intentos de ganhar apoio das massas em uma fase de retrocesso destas, engendraram "soluções" oportunistas: notadamente a insistência crescente na importância dada ao trabalho no Parlamento e sindicatos, e, sobretudo, a política de Frente Única com os partidos socialistas a qual atirou ao lixo a claridade ganha com tanto empenho a respeito da natureza doravante capitalista destes partidos. 

Do mesmo modo que o crescimento do oportunismo na Segunda Internacional tinha provocado uma resposta proletária na forma de correntes de esquerda, representadas notadamente por Lênin e Rosa Luxemburgo, também a maré do oportunismo na Terceira Internacional  foi resistida pelas correntes da Esquerda comunista [1]. Mas precisamente porque era um partido verdadeiramente proletário, o partido bolchevique também produziu numerosas reações internas contra sua própria degeneração. Lênin mesmo - quem em 1917 tinha sido o mais claro porta-voz da ala esquerda do partido - fez algumas críticas pertinentes à queda do partido no burocratismo, particularmente para o fim de sua vida; e pelo mesmo período, Trotsky se converteu no principal representante de uma Oposição de esquerda que procurava restaurar as normas de um funcionamento proletário no partido, e que continuou combatendo as expressões mais notáveis da contra-revolução stalinista, particularmente a teoria do "socialismo em um só país". Entretanto, não mais na Rússia em primeiro de que no mundo depois, Trotsky soube perceber a pertinência das criticas da Esquerda comunista contra a degeneração dos partidos comunistas. Pior ainda, ele foi um ardente defensor da virada oportunista iniciada durante o terceiro congresso da Internacional comunista e confirmada durante o quarto, especificamente sobre a questão da frente única com organizações da burguesia.

Em seguida e até a Segunda Guerra mundial, Trotsky continuará com o mesmo procedimento oportunista que o levará a tomar posições alheias aos interesses de classe do proletariado, notadamente quando dos movimentos sociais de 1936 na França e durante a Guerra de Espanha. Totalmente desnorteado, incapaz de entender a realidade do curso histórico para a guerra aberto pela derrota da onda revolucionaria mundial, Trotsky pensava de maneira errada que a revolução estava caminhando, o único obstáculo a sua emergência era para ele ... "a crise da direção revolucionaria". Seu Programa de transição, ajuntamento oportunista de medidas de capitalismo de Estado era, segundo a sua visão, destinado a mobilizar as massas sobre a base de "reivindicações transitórias". A fundação da IV° internacional em 1938, de maneira totalmente artificial e sem relação nenhuma com a atividade real das massas, corresponde ao mesmo procedimento errado de Trotsky.

O Programa de transição constituiu a base programática do que ia devir o trotskismo em seguida. Entretanto, entre Trotsky e o trotskismo, não existe uma verdadeira continuidade ainda que Trotsky tenha amplamente aberto o caminho para este último. Com efeito, entre ambos há a guerra imperialista que constitui uma prova de verdade para toda organização que reivindica a causa do proletariado: se abandona o internacionalismo, assina sua passagem ao campo da burguesia. Não é certo que Trotsky teria seguido até o fim sua lógica oportunista sem questioná-la como indicam em particular o testemunho de seu par Natalia e seus próprios escritos (A URSS na guerra) onde declara sua vontade de revisar sua opinião caso o governo burocrático na URSS sobrevivesse à guerra mundial. Trotsky não viveu bastante para sabermos como teria evoluído. Em contrapartida a participação do trotskismo na Segunda Guerra mundial, notadamente através dos movimentos da Resistência, assina o abandono definitivo por esta corrente do internacionalismo proletário. Como aconteceu nos partidos da segunda e terceira internacional, cuja traição foi acompamhada do surgimento de correntes fiéis ao proletariado e o internacionalismo (partidos comunistas provenientes dos partidos socialistas e frações de esquerda provenientes dos partidos comunistas), a traição da corrente trotskista provocou também o surgimento de correntes proletárias. Assim durante e depois da Segunda Guerra mundial se formaram grupos provenientes desta corrente sobre a base da defesa do internacionalismo. Foi notadamente o caso nas organizações trotskistas grega (União Comunista Internacionalista em torno de Aghis Stinas), francesa (Socialismo ou Barbárie do qual um fundador, Cornelius Castoriadis, tinha pertencido também à UCI grega), austríaca (RKD, Revolutionäre Komunistische Deutschland), espanhola (Fomiento obrero revolucionario). Em seguida, Natalia Trotsky se associará a procedimento, rompendo com a Quarta internacional através de uma carta em 9 de maio 1951 enviada a seu Comitê executivo.

O segundo congresso desta em 1948, ao ignorar, depois de tê-las abafada, as críticas feitas a sua política belicista veio ratificar a passagem da Quarta internacional e do trotskismo em geral para o campo da burguesia.

É com intento de ilustrar e explicitar esta analise do trotskismo que publicamos a presente compilação de artigos que, pela maior parte entre eles, já foram reunidos, em outros idiomas, dentro de uma brochura intitulada O trotskismo contra a classe operária cuja última edição foi publicada em 1990 [2]. A grande maioria dos artigos publicados a seguir indicado foram escritos em diferentes datas, antes do desmoronamento do stalinismo. E a razão pela qual, neles, se fala no presente desta situação em que o mundo era dividido em dois blocos imperialistas rivais, o do oeste e o do leste, este último sendo apresentado pelos trotskistas como dirigido por um Estado operário degenerado que se tratava de defender contra as "agressões do imperialismo".

CCI (Agosto de 2009)


[1] Para mais informações sobre a esquerda comunista, ler nosso artigo A esquerda comunista e a continuidade do marxismo: https://pt.internationalism.org/icconline/2005_esquerda_comunista [1].

[2] Na medida em que estes artigos não foram concebidos inicialmente para fazer parte de uma brochura, encontra-se inevitavelmente repetições entre eles, como o leitor poderá constatá-lo.

Apresentação à edição em francês de O trotskismo contra a classe operária

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O desaparecimento do bloco russo, a falência evidente e definitiva do stalinismo no plano econômico, político e ideológico, constituíram os acontecimentos históricos mais importantes desde a segunda guerra mundial juntamente com o ressurgimento internacional do proletariado no final dos anos 60. Um acontecimento de tal amplitude já produziu repercussões sobre a consciência da classe operária, e isso tanto mais no que concerne a uma ideologia e um sistema político apresentado durante mais de meio século por todos os setores da burguesia, como "socialista" e operário. Com efeito, o stalinismo, é o símbolo e a ponta de lança da mais terrível contrarrevolução da história que desaparece.

Porém um desencadeamento de mentiras acompanhou este acontecimento e, em primeiro lugar, a principal e mais canalha dentre elas: a que pretende que esta crise, esta falência do stalinismo, é a do comunismo e do marxismo. Democratas e stalinistas sempre têm se encontrado, acima das suas oposições, em uma santa aliança cujo primeiro fundamento é afirmar aos operários que foi o socialismo que reinou no leste europeu apesar das suas deformações. Para Marx, Lênin, Luxemburgo e para o conjunto do movimento marxista, o comunismo sempre significou o fim da exploração do homem pelo homem, o fim das classes, o fim das fronteiras, não sendo possível este, mas que em escala mundial, em uma sociedade onde reine a abundância, onde o "reino do governo dos homens ceda lugar ao da administração das coisas" e cujo fundamento é "a cada um segundo suas necessidades, de cada um segundo suas capacidades".

Pretender que havia algo de "comunista" ou da entrada na via do "comunismo" na URSS e nos países do Leste onde reinava completamente a exploração, miséria, penúria generalizada, representa a maior mentira de toda a história da humanidade.

Esta série de artigos da imprensa da CCI põe em evidência a origem dos erros de Trotsky, mostra como fundamentalmente ele não soube reconhecer a tempo o fracasso da revolução proletária mundial e por isso o da revolução na Rússia. Desde sua expulsão da Rússia, em 1929, até seu assassinato, Trotsky não fez mais que interpretar o mundo ao contrário e participar ativamente à defesa das posições oportunistas que se desenvolveram com o refluxo revolucionário: conquista dos sindicatos, parlamentarismo, aliança com frações da burguesia, apoio às lutas de libertação nacional, governo operário e camponês.

Enquanto a tarefa daquele momento era o reagrupamento das energias revolucionárias sobreviventes da derrota para empreender antes de tudo um balanço político completo da onda revolucionária, Trotsky ao invés de ver um proletariado completamente derrotado via o proletariado "sempre em ascensão". Devido a isto a IV Internacional criada há mais de 50 anos, não foi mais que um casarão vazio através do qual o movimento real da classe operária não podia passar, pela simples e trágica razão do refluxo contrarrevolucionário. Toda ação de Trotsky baseada nesse erro contribuiu para dispersar as já muito fracas forças revolucionárias existentes nos anos 30 e ainda pior, colocar no lamaçal capitalista do apoio "crítico" aos governos do tipo "frentes populares" e da participação na guerra imperialista. O corolário de análises errôneas de Trotsky sobre o período consistia em considerar que o movimento revolucionário sempre em marcha havia perdido momentaneamente sua direção política. A partir daí, todo meio se tornava válido para tentar impulsionar ou direcionar os "partidos operários degenerados" que eram os ditos partidos comunistas stalinistas, embora estes já tinham passado ao campo da contrarrevolução. Todo meio se tornava bom para tentar colocar-se à frente do movimento.

Os epígonos de Trotsky não têm feito mais que explorar, em benefício da burguesia, este raciocínio equivocado do velho revolucionário para afundar ainda mais a classe operária na contrarrevolução. Retomando os erros do seu mestre e lavando até a sua caricatura, as organizações trotskistas não demandaram muito tempo para galgar e ocupar francamente seu lugar no tabuleiro político burguês, ao lado de todos aqueles que de uma ou outra maneira trabalham com a finalidade de que se perpetue este sistema de exploração. Seu apoio a URSS de Stalin, aos PC´s stalinistas, à social-democracia, às frentes populares, à participação da quase totalidade das organizações trotskistas na Resistência durante a Segunda Guerra Mundial, consumaram-se outras tantas ligações na sua passagem para o campo da burguesia, no seu abandono das posições comunistas internacionalistas desembocando com o apoio a todas as lutas de libertação nacional [1].

Agora que já não há nenhuma dúvida sobre a natureza burguesa dos países do Leste, dos seus Estados e dos PC´s, os trotskistas - qualquer que sejam suas "denúncias" dos atuais regimes bárbaros do Leste e das "proclamações de inocência" em relação ao seu conluio com o stalinismo - já não podem ocultar que são real e profundamente : contrarrevolucionários, mistificadores e inimigos da classe operária, como era o stalinismo.

Mas além da compreensão das fases históricas que têm marcado a passagem do trotskismo ao campo da burguesia, resta atualmente para a classe operária a questão do posicionamento das organizações trotskistas diante da luta de classe.

Desde a retomada da luta de classes nos finais dos anos 60, a atitude das organizações trotskistas, em geral, pode ser resumida assim: durante o período dos anos 70, quando os partidos de esquerda e os sindicatos dominavam bem a situação, quando estavam em uma posição forte onde podiam manter a ilusão no seio da classe operária de que eles eram capazes de propor outra política "a favor dos operários", e que "permitiria sair da crise", nesses movimentos, os trotskistas tem sustentado abertamente a esquerda e os sindicatos sob pretextos falaciosos, tipo "vão num bom sentido". Pelo contrário, nos anos 80, quando a tendência era a situação de lutas abertas e massivas em que os partidos de esquerda e sindicatos tendiam perder o controle da situação, o papel dos trotskistas consistia então, "ao lado dos operários", em criticar fortemente a esquerda e os sindicatos e em tratar de se colocar como representantes verdadeiros, de "base", dos operários para sabotar as lutas e devolvê-las ao leito dos sindicatos, explicando que não se pode passar por cima deles e que havia de trabalhar sobretudo pela sua renovação, certamente elegendo-os chefes do sindicato.

A edição desta série de artigos tem por objetivo principal colocar em evidência a natureza burguesa do trotskismo e a fronteira de classe que o separa do proletariado e das suas verdadeiras organizações revolucionárias.

(Segundo a apresentação de Fevereiro 1990)


 


[1] É assim que os trotskistas têm consolidado seu lugar eminente em um campo imperialista burguês: o dos países do pacto de Varsóvia e têm concorrido para a edificação do mito do socialismo na Argélia, Cuba, Vietnam, Camboja, etc. Nesses países numerosos proletários têm sido massacrados em nome do socialismo.

Trotsky e o trotskismo

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O reaparecimento do proletariado na cena da história mundial, no fim dos anos 60, impõe-nos voltar sobre sua experiência histórica e evocar as grandes figuras do movimento operário, suas contribuições, seus papéis. Partindo desta necessidade desejamos aqui, assinalar o papel imenso de Trotsky no movimento revolucionário proletário e, em contrapartida, dissociá-lo claramente de seus epígonos os quais são, atualmente, uma fração da burguesia.

Trotsky, o revolucionário, o internacionalista

É impossível encerrar Trotsky em papéis secundários, é um gigante do movimento operário do mesmo título que Lênin ou Rosa Luxemburgo. Se Stálin fez tudo para ele desaparecer da cena da história, os trotskistas, mumificando-o e retomando para desenvolver todos os erros que cometeu durante os anos 30, limitando seu pensamento unicamente ao programa da IV Internacional, só fazem reduzir a nada seu papel e sua contribuição verdadeira.

Para matar ou tornar inofensivo um pensamento revolucionário, basta torná-lo fixo, encerrá-lo em princípios ou dogmas que não devem ou não podem evoluir. Esse é o objetivo que teve a burguesia ao criar duas teorias, o "leninismo" e o "trotskismo", que jamais existiram durante a vida de Lênin ou Trotsky [1]. É fácil citar mil exemplos da evolução do pensamento de Lênin ou de Trotsky durante sua vida para mostrar como um pensamento revolucionário é capaz de evoluir, de modificar-se, para dar conta da complexidade dos movimentos sociais e da luta de classes. Em relação a nós, tratamos de utilizar o método de Marx, que consiste em fazer viver a teoria revolucionária - que nos legou o movimento operário -, não considerando nenhum texto como sagrado e passando-o pelo fogo saudável da crítica e a isso aplicamos ao pensamento do próprio Trotsky [2]. Para os revolucionários nada é intangível; só o método de investigação, o marxismo, permanece como bússola na compreensão de mais situações históricas e políticas.

A partir do 5º Congresso da IC, a teoria do "leninismo" [3] serviu, mediante a "bolchevização", para arregimentar todos os PCs excluindo todos os oposicionistas. O trotskismo nasce verdadeiramente na morte de Trotsky. Seus epígonos não souberam fazer viver seu pensamento e converteram em um dogma e uma teoria contrarrevolucionária levando até suas últimas conseqüências as posições políticas contidas no "Programa de Transição" da IV Internacional [4]. Portanto, não é correto falar de "trotskismo" nem como teoria nem como movimento político antes de 1940.

Para nós, sem deixar de reconhecer o revolucionário Trotsky e seu papel, não se trata em nenhum sentido de evitar submetê-lo à crítica, e temos numerosos desacordos com ele, como veremos.

Trotsky na ascensão revolucionária (1903-1922)

No início do século XX, Trotsky se encontra entre quem, como Rosa Luxemburgo, capta a grande importância histórica das lutas de massas que se desenvolve na Rússia e, em particular, a dos conselhos operários desde sua aparição em 1905 [5]. Enquanto que o próprio Lênin não compreende de imediato que é "a forma enfim encontrada" da tomada do poder e da ditadura do proletariado, Trotsky escreve: "o soviet imediatamente se tornou a própria organização do proletariado; seu objetivo é lutar pela conquista do poder revolucionário". Devido à compreensão da situação política em 1905, Trotsky pôde jogar um papel determinante no curso dos acontecimentos, e assim foi eleito presidente do comitê executivo do conselho operário de Petrogrado de outubro de 1905.

No entanto, nos debates fundamentais que atravessa a Social-Democracia no início do século sobre a questão do "papel do partido", ele adota uma posição centrista. Assim, no 2º Congresso do POSDR (Partido Operário Social-democrata da Rússia) em 1903 encontra-se ao lado dos mencheviques contra Lênin. Mesmo se tinha razão ao criticar em Nossas tarefas políticas a visão jacobina e substitucionista de Lênin (visão desenvolvida em Um passo adiante, dois passos atrás) [6] nesse momento era mais fundamental tomar posição contra a visão frouxa dos mencheviques [7].

Este debate provocaria a cisão entre bolcheviques e mencheviques. A posição "matizada" de Trotsky fazia amplas concessões à frouxidão dos mencheviques, enquanto que a de Lênin permitiria aos bolcheviques forjar uma organização de combate mais sólida, mais decidida, para a luta de classes.

Em contrapartida, durante a 1ª Guerra Mundial, Trotsky está entre o punhado de revolucionários e de internacionalistas presentes em Zimmerwald que não traíram a classe trabalhadora [8].

Não nos estenderemos longamente sobre seu papel, de primeiro plano no curso da revolução russa, porque é, verdadeiramente, o homem da revolução. É suficiente recordar que, desde o início do período revolucionário, unifica-se, com os bolcheviques aderindo-se às "Tese de abril" [9] que não estão muito distantes das tese da Revolução permanente [10] que ele defendeu antes da 1ª Guerra Mundial. Depois, durante a insurreição, mostra-se como um dos mais decididos e mais brilhantes organizadores da tomada do poder, ele é o animador do Comitê Militar Revolucionário, braço armado do soviet de Petrogrado. Durante todo o período que segue à revolução, ele é juntamente com Lênin a figura central do partido, do governo dos soviets e da III Internacional. Graças a seu talento de organizador, chega a forjar o Exército Vermelho (1918) à frente do comissariado de guerra, o que permite ganhar a guerra civil (1918-1921) contra os exércitos brancos apoiados pelas potências da Entente [11].

O oportunismo e a incompreensão da mudança no curso histórico

Trotsky é o homem, o organizador da insurreição e da tomada do poder em 1917, mas um novo período se abre com maiores dificuldades para os revolucionários e a classe trabalhadora com o final da onda revolucionária mundial. Neste período, terá que ser capaz de compreender a situação para enfrentá-la, e não é fácil para os revolucionários que acabam de vencer e de tomar o poder, modificar suas orientações na expectativa da revolução proletária nos países centrais particularmente a Alemanha. No início dos anos 20, os revolucionários russos devem: assegurar [12] o poder à espera da revolução na Europa.

Em meio a esta tendência descendente e desfavorável para a ação da classe trabalhadora é que surge a luta pelo poder na URSS durante a enfermidade de Lênin e que se agrava após sua morte em 1924. Esta luta conduziu à derrota de Trotsky, que esteve à frente da primeira Oposição de 1923, em seguida à frente "da Oposição unificada" (1925-1926) reagrupando desta vez aos membros da primeira oposição com Zinoviev e Kamenev e outros "velhos bolcheviques". Neste período Trotsky se mostra indeciso, incapaz de conduzir uma luta conseqüente contra a degeneração do Partido e da Internacional, limitando-se em um combate no interior do partido russo [13].

Depois da 6ª Plenária da IC, os oponentes começam a organizar-se em todos os países, embora de maneira dispersa, cada um por sua parte em lugar de unir seus esforços. A Oposição no PC belga é majoritária; em novembro de 1927 o comitê central adota uma resolução protestando contra a exclusão de Trotsky do PCUS (15 votos contra 3). A Oposição é muito influente na Espanha, mas destaca-se, sobretudo a Esquerda Italiana que tem uma importância que ultrapassa seu número por sua contribuição histórica e teórica. Estão, enfim, as oposições, francesa e alemã, que são desvinculadas entre si e dispersas em vários grupos, sem homogeneidade política.

É em 1929, com a expulsão de Trotsky da URSS, quando a Oposição Internacional de Esquerda (OIE) organiza-se de maneira mais centralizada e conseqüente. Este acontecimento é de uma importância capital para o movimento revolucionário, é a possibilidade oferecida aos diferentes grupos ou núcleos oposicionistas de reagrupar-se, de entrar em contato, de organizar-se. O papel de Trotsky vai ser decisivo. O que vai fazer? De fato, no curso deste período ele terá um papel negativo, a política pessoal que vai levar no seio da Oposição leva à dissipação e à dispersão das energias revolucionárias.

Sua política se funda sobre a convicção de que o período continua sendo favorável para a revolução. Mas, teria que tirar todas as lições da onda revolucionária dos anos 20, fazer um "balanço" e sobre esta base estabelecer uma plataforma política, sólida, para consolidar o movimento revolucionário. É isto a que se propõe a Fração italiana: "o problema central da crise do movimento comunista reside na localização e na análise de quais causas que nos levaram ao desastre atual" [14]. Para a Conferência de abril de 1930, a Fração tinha elaborado um documento que insiste sobre esta necessidade de um balanço e um reexame dos acontecimentos passados, "o que se traduz no estabelecimento de uma plataforma, único meio que pode guiar uma oposição comunista" [15].

No entanto, Trotsky prefere um "avanço do movimento" a um programa político coerente. Esta política conduziu a questões pessoais de "chefes" no seio da Oposição. Trotsky apoiou quem seguia cegamente às suas orientações políticas, o que o conduziu freqüentemente a apoiar agentes da GPU infiltrados no seio da OIE ou a indivíduos problemáticos: Mille, os irmãos Sobolevicius, "Etienne" ou Mollinier... Todos os grupos oposicionistas conseqüentes: Esquerda belga, alemã, espanhola e militantes revolucionários de valor serão descartados ou expulsos como Rosmer, Nin, Landau e Hennaut. Uma vez completo este trabalho destruidor, poderá reunir a Conferência da Oposição (fevereiro 1933), somente com militantes aduladores de Trotsky. E para terminar, exclui a Esquerda Italiana sem debate (da mesma forma que tinha sido expulsa da Internacional stalinizada), enquanto esta continua combatendo no seio da Oposição apesar de todas as manobras tramadas contra ela para obrigá-la a se demitir.

O que é grave nesta época é que Trotsky compreende a situação política ao contrário de sua evolução real. Ele acredita que a revolução ainda é possível e que basta uma verdadeira organização política bolchevique para vencer. Em 1936, escreve em La Lutte Ouvriére, sob o título "A revolução francesa começou" [16] e sobre a Espanha, "os operários do mundo inteiro esperam fervorosamente a nova vitória do proletariado espanhol" [17]. Aqui está o que conduziu Trotsky a malversar os princípios e a procurar por todos os meios ganhar jovens elementos inexperientes nas idéias revolucionárias, além de recomendar o "entrismo" nos partidos social-democratas (agosto 1934 na SFIO - (Section Francaise de I'Internationale ouvrière, Partido Socialista Francês) que tinham traído à classe trabalhadora ao votar os créditos de guerra em 1914, unindo-se ao campo burguês. Esta visão errônea de Trotsky conduziu à fundação da IV Internacional em setembro de 1938.

A Esquerda Italiana, com justa razão, analisa o período como contrarrevolucionário, onde o papel dos revolucionários é fazer o "balanço" da experiência passada e preservar os militantes para estarem preparados quando o curso se invertesse para um novo período revolucionário. A tarefa da hora não era, portanto, a formação de uma nova internacional.

Os extravios e os erros fatais de Trotsky vão, de maneira natural, conduzi-lo a formar a Quarta Internacional às vésperas da guerra. Para ele, "a crise da humanidade se reduz à crise da direção revolucionária". Esta concepção idealista explica toda sua política errônea durante esta época. "O principal obstáculo na via da transformação da situação pré-revolucionária em situação revolucionária, é o caráter oportunista da direção do proletariado". Apoiando-se nesta visão Trotsky propõe seu "Programa de Transição". Trata-se de "ajudar às massas, no processo de suas lutas cotidianas a encontrar o ponto entre suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista". E esta ponte, Trotsky pretende construí-la propondo um "sistema de reivindicações transitórias". O movimento operário conhecia perfeitamente este problema, não era novo. A Social-Democracia o chamava, antes da guerra de 1914, programa "intermediário" entre o programa "mínimo" que expressava as reivindicações imediatas da classe trabalhadora e o programa "máximo" que expressava o objetivo final: o socialismo.

Mas atualmente o movimento operário encontra-se em um período em que a revolução comunista é possível. É por isso que todo programa intermediário não cria uma "ponte" mas uma verdadeira "barreira", confunde a consciência da classe trabalhadora e semeia ilusões nocivas como a de obtenção de reformas possíveis e duradouras no sistema capitalista.

Sobre a base dos erros da IV Internacional, o "Programa de Transição" avança o princípio fundamental da participação nos sindicatos, o apoio crítico aos partidos chamados "operários", às "frentes únicas" e às "frentes antifascistas", aos governos "operários e camponeses", às medidas capitalistas de Estado (prisioneiro da experiência na URSS) mediante a "expropriação dos bancos privados", "a estatização do sistema de crédito", "a expropriação de certos ramos da indústria" e medidas como "o controle operário" sobre a produção ou "a escala móvel de salários". Esta concepção conduz à defesa do Estado operário degenerado russo. E a nível político, prevê a revolução democrática e burguesa nas nações oprimidas devendo passar pelas "lutas de libertação nacional". Aqui se reconhecerá tudo o que hoje continuam defendendo os trotskistas, quaisquer que seja sua orientação.

Entretanto, embora Trotsky tenha aberto a porta a seus epígonos que, repetindo o Programa de Transição - ao qual conduziram seus erros políticos -, fizeram uma teoria contrarrevolucionária de apoio a um campo imperialista, o da Rússia, durante a Segunda Guerra Mundial, não devemos confundi-lo com os que se reclamam dele atualmente. Trotsky continuou sendo durante toda sua vida um militante revolucionário apesar da linha "centrista" que defendeu durante os anos 30 com todos seus erros. É assim que, durante as premissas da Segunda Guerra Mundial, teve ainda a força de questionar algumas entre suas posições políticas, particularmente sobre a natureza da URSS. Dizia em um último folheto - A URSS na guerra - que se o stalinismo saísse vencedor e reforçado da guerra, então teria que rever o conceito que tinha acerca da URSS. É o que fez Natalia Trotsky utilizando a lógica do pensamento de seu companheiro e rompendo com a IV Internacional sobre a natureza da URSS, em 9 de maio de 1951 [18], como outros trotskistas, especialmente Munis [19].

(Révolution Internationale n° 179, órgão da CCI na França; maio de 1989).


[1] Ler nosso artigo O "leninismo": uma criação do stalinismo - Lênin: um combatente da classe operária. https://pt.internationalism.org/icconline/2007/leninismo-stalinismo [2]

[2] Trotsky aplicou a si mesmo este método quando voltou, por exemplo, sobre seu papel na repressão e esmagamento da comuna do Kronstadt (artigo de 25 de julho de 1939)

[3] Os dois termos de "trotskismo" e de "leninismo" foram inventados por Zinoviev em 1923 para as necessidades da luta contra Trotsky, e para soldar a nova "troika" (o comitê de três membros) à frente do PC da URSS e da Internacional. O próprio Zinoviev explica isso aos militantes do PC de Leningrado que o tinham seguido na questão de "trotskismo" quando se uniram dois anos mais tarde, em 1926, com Trotsky: "Era a luta pelo poder. Toda a arte consistia em saber reler as antigas divergências com as novas. É justamente por isso que o "trotskismo" foi posto em primeiro plano..."

[4] Atualmente o termo de trotskismo abrange o programa da IV Internacional, quer dizer, o programa de "transição" que os trotskistas atuais repetem como papagaios, a todo momento, servindo-se deste contra a classe operária.

[5] Cf. seu livro: 1905

[6] Em julho de 1904, Rosa Luxemburgo faz também a crítica das concepções de organização de Lênin em Questões de organização na social-democracia russa, publicada em Die Neue Zeit.

[7] Ao redor de questões práticas e de como se forja o partido se dá a ruptura, especialmente acerca da discussão sobre o artigo 1 dos Estatutos, que definia quem é um membro do partido e suas responsabilidades.

[8] "Era possível transportar todos os internacionalistas em 4 automóveis". Trotsky, Minha vida

[9] Pelo contrário, Lênin deve convencer o partido bolchevique e seus órgãos dirigentes sobre o fato que a revolução proletária está na ordem do dia na Rússia.

[10] Esta teoria é desenvolvida em seu livro Balanço e perspectivas redigido depois de 1905, continuando a de Parvus em Guerra e Revolução que indica que o sistema capitalista se desenvolve como um sistema mundial, a maturidade revolucionária da sociedade burguesa não deve ser medida mais que com o padrão do mercado mundial considerado como totalidade. E um novo ciclo de crise se abria. O limiar desta nova época especialmente de guerra imperialista, abria-se com a guerra russo-japonesa. Isso tinha conseqüências, a guerra devia catalizar a crise social e econômica na Rússia de entrada, levando, possivelmente, a queda do tzarismo. Uma vez a Rússia inflamada, nesta atmosfera de crise generalizada e da intensidade das conexões na Europa, a revolução poderia estender-se ao Ocidente. Nota-se de início toda a importância do pensamento de Parvus sobre Trotsky e sobre os bolcheviques em seguida. Entretanto, constata-se igualmente como estas concepções coincidem com as da Esquerda da social-democracia européia particularmente com a de Rosa Luxemburgo.

[11] O massacre da comuna de Kronstadt não pode ser imputado unicamente a Trotsky. Toda a III Internacional carrega a responsabilidade. Os revolucionários acreditavam então na possibilidade de um novo impulso da onda revolucionária no coração da Europa, e por conseqüência tinha que se sustentar, por todos os meios. Isto não aconteceu e nós captamos, atualmente, a amplitude do erro cometido por todos os revolucionários da época.

[12] Este período chamado de "comunismo de guerra" conhece grandes discussões no PCUS. É quando nasce a "Oposição Operária" que tendia a impor a primazia dos sindicatos sobre o aparelho econômico. Trotsky defende a "militarização dos sindicatos" para criar uma nova dinâmica econômica. A maioria do partido com Lênin chama à necessária separação dos sindicatos do Estado e a necessidade do emprego de medidas de "persuasão" para criar a necessária mobilização operária. Com efeito, os camponeses se separavam da revolução e se opunham a mais requisições nas cidades a penúria castigava e os operários se desmobiIizavam; é nesta atmosfera que se produziram greves nos grandes centros como Petrogrado e a revolta de Kronstadt.

[13] Bordiga tinha lhe pressionado para que se tornasse o porta-voz de uma Oposição de Esquerda a nível internacional, especialmente no 5º Congresso da IC (junho 1924). Trotsky solicita a Bordiga aprovação da moção do 13° congresso do PCUS que condena a oposição (23-31 maio) para evitar que fossem excluídos.

[14] Carta da Fração italiana a Trotsky de 19 de Junho 1930.

[15] Em Prometeo n °1, abril 1930. Para mais informações, ver livro da CCI A Esquerda Comunista da Itália (em espanhol).

[16] Em La Lutte Ouvriére do 9 de Junho 1936.

[17] Artigo de 30 de Julho 1936 publicado em La Lutte Ouvriére em 9 de Agosto. Tudo isso é amplamente explicitado no programa: "A nova ascensão revolucionária e as tarefas da IV Internacional" apresentado na Conferência pela IV Internacional de 29 e 31 de julho de 1936

[18] Pode-se ler a carta de Natalia Trotsky no link seguinte: https://www.marxists.org/portugues/sedova/1951/05/09.html [3]

[19] Cf. "Em memória de Munis, militante da classe operária [4]", Revista Internacional n° 58, 3er. trimestre.

O trotskismo: filho da contrarrevolução

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Os grupos trotskistas, independentemente das divergências que justificam sua existência separada, se apresentam todos, sem exceção, como os continuadores da política revolucionária do partido bolchevique e da III Internacional. Nisso não se distinguem de outras frações da esquerda do capital que, para justificar uma atividade contrarrevolução no seio da classe trabalhadora, reivindicam-se de lutas passadas desta e dos órgãos que se dotaram. Porém, para dar corpo ao que afirmam, os grupos trotskistas se apóiam sobre dois fatos:
  • 1º) No seio da III Internacional se desenvolve a partir de 1924 uma reação ao "stalinismo" nascente, a "Oposição de Esquerda", na Rússia primeiro, e em seguida internacionalmente, que, sob a direção de Trotski, dá nascimento em 1938 a IV Internacional da qual os grupos trotskistas atuais tem origem.
  • 2º) Apoiando-se sobre os quatro primeiros congressos da IC a "Oposição de Esquerda" prossegue sua atividade política e, a partir de certas posições do 2º, 3º e 4º congressos, Trotsky elabora as posições políticas comuns aos grupos que se reivindicam dele.

De fato a "relação" que estabelecem entre os revolucionários dos anos 20 e eles mesmos não têm mais consistência na medida em que:

  • Por um lado, retomam por sua conta e convertem em princípios políticos imutáveis o que constituíram os "erros" do movimento operário da época e não as posições revolucionárias que a onda revolucionária de 1917-1923 tinha permitido destacar;
  • Por outro lado, é a partir dessas posições erradas (das quais tinha se convertido em ardoroso defensor desde o 2º congresso da IC) que Trotski elabora as posições fundamentais do "trotskismo", posições erradas que serviram, durante 50 anos de contrarrevolução, de garantia de "esquerda" à política antiproletária da burguesia.

Primeiras reações operárias à degeneração da IC

A guerra de 1914 em que se enfrentaram as principais potências imperialistas, marca a entrada do sistema capitalista na sua fase de decadência "inaugurando a era das guerras, crises e revoluções sociais" (I Congresso da IC). Em reação à Primeira Guerra Mundial, o proletariado surgiu internacionalmente e viu a sua fração russa tomar o poder a partir da insurreição de Outubro de 1917. A luta da classe operária vai prosseguir durante vários anos, sobretudo na Alemanha, Itália e Hungria... Dentro deste contexto geral as organizações revolucionárias que se reagrupam na IC durante seu primeiro congresso em 1919 adotam, à luz da revolução russa, as orientações políticas que são a manifestação do enorme passo que a classe operária mundial acaba de dar. Nesse sentido, rechaça as concepções da II Internacional e dos "centristas" tipo Kautsky como burguesas (reformismo, parlamentarismo, nacionalismo...) e chama a classe operária a instaurar a ditadura dos Conselhos Operários.

Entretanto o fracasso sangrento do proletariado na Alemanha e na Hungria, em seguida, já anuncia o refluxo da luta mundial e vem reforçar o isolamento da revolução na Rússia que os esforços empregados pela classe operária em 1920-21 não lograram frear.

Desde os primeiros sinais do refluxo, as concepções que haviam prevalecido no curso do período progressista do capitalismo (parlamentarismo, sindicalismo, no marco da luta por reformas), e que continuam manifestando-se no seio da classe operária vão pesar cada vez mais sobre a IC. É o que traduz o retorno progressivo às velhas táticas tomadas do arsenal da social-democracia. Isso desde o 2º Congresso da IC, e, sobretudo, durante os 3º e 4º: conquista dos sindicatos, parlamentarismo, alianças com frações da burguesia, lutas de libertação nacional, governo operário e camponês. Na Rússia, onde o proletariado havia tomado o poder, o isolamento da revolução vai fazer com que as confusões do partido bolchevique sobre a natureza do poder da classe operária (é o partido que exerce o poder) lhes conduzem a tomar medidas opostas aos interesses da classe operária: submissão dos sovietes ao partido, envolvimento dos trabalhadores nos sindicatos, assinatura do Tratado de Rappalo (diplomacia secreta de Estado com Estado: direito para as tropas alemãs entrar em território russo para o treinamento militar), repressão sangrenta das lutas operárias (Kronstadt, Petrogrado 1921). Porém a adoção de tais orientações pelo partido bolchevique e a IC, que vão jogar um papel de acelerador do refluxo das quais eram expressão, não se faz sem suscitar oposições no seu interior.

É assim que no 3º Congresso da IC, os que Lênin denominou "esquerdistas", reagrupados no seio do KAPD, se levantam contra o retorno ao parlamentarismo, ao sindicalismo, e mostram como estas posições vão contra as adotadas no primeiro congresso que tentavam sacar as implicações para a luta do proletariado do novo período aberto pela Primeira Guerra Mundial.

É também neste congresso onde a Esquerda Italiana que dirige o Partido Comunista da Itália reage vivamente - embora em desacordo profundo com o KAPD - contra a política sem princípios de aliança com os "centristas" e a desnaturalização dos PC pela entrada em massa de frações saídas da social-democracia.

O significado da Oposição de Esquerda

Porém é na própria Rússia (tendo em conta as confusões do partido bolchevique que se manifestam no contexto de isolamento da revolução) onde aparecem as primeiras oposições. É assim que desde 1918, o "Komunist" de Bukharin e Ossinsky, coloca em guarda o partido contra o perigo de assumir uma política de capitalismo de Estado. Três anos mais tarde, depois de ter sido excluído do partido bolchevique, o "Grupo Operário" de Miasnikov leva a luta na clandestinidade em estreita relação com o KAPD e o PCO da Bulgária até 1924 quando desaparece sob os repetidos golpes da repressão da qual foi objeto. Este grupo critica o partido bolchevique por começar a sacrificar os interesses da revolução mundial em proveito da defesa do Estado russo, reafirmando que só a revolução mundial poderia permitir a manutenção da revolução na Rússia.

Portanto, contrariamente ao que fazem acreditar os trotskistas, que guardam silêncio sobre essas oposições, essas tendências, que se posicionavam resolutamente no ponto de vista dos interesses proletários não esperaram a Trotsky e a "Oposição de Esquerda" para lutar pela defesa das aquisições fundamentais da revolução na Rússia e da Internacional Comunista.

È somente depois do fracasso da política da IC na Alemanha em 1923 e na Bulgária em 1924, feita de uma mescla de "frentismo" e "putchismo" (golpismo), que começa a constituir-se no seio do partido bolchevique e mais precisamente nas suas esferas dirigentes, a corrente conhecida sob o nome de "Oposição de Esquerda".

Esta "Oposição de Esquerda" se cristalizará em torno de chefes prestigiados do partido bolchevique, como Trotsky, Preobrasensky, Ioffé, porém não encontra verdadeiro eco numa classe operária que sai ensangüentada da guerra civil. Os pontos sobre os quais leva a luta são expressos no que concerne a Rússia, através da sua consigna: "fogo sobre o kulak, os NEPmen [1], a burocracia". Por uma parte, critica a política interclassista do "enriqueçam no campo" recomendada por Bukharin e, por outra parte, ataca a burocracia do partido e seus métodos (execuções, internamentos, deportações, suicídios, exílio de Trotsky).

Em escala internacional, a partir de 1925-26, a "Oposição de Esquerda" se levanta contra a constituição do "comitê anglo-russo" e a aliança com as Trade-Unions (sindicatos ingleses) que acabaram de fazer fracassar a grande greve geral dos trabalhadores ingleses. Por outra parte, sob o impulso de Trotsky, a Oposição de Esquerda leva uma luta resoluta contra a política criminal da IC "stalinizada" na China preconizando a ruptura do jovem Partido Comunista Chinês com o Koumintang e as diversas forças burguesas pseudoprogressistas. Afirma que os interesses do proletariado mundial não devem sacrificar-se à política e os interesses do Estado russo.

Por outro lado, empreende a luta contra a teoria do socialismo em um só país (desenvolvida por Bukharin a pedido de Stálin). No 14º congresso do Partido Comunista Russo, onde se adota esta tese, só a voz dos membros da oposição de esquerda se faz escutar para rechaçá-la.

É, pois, como reação proletária aos efeitos desastrosos da contrarrevolução que aparece, se desenvolve e logo morre a Oposição de Esquerda na Rússia. Porém o fato mesmo que tenha aparecido tão tardiamente pesa duramente sobre suas concepções e sua luta. Mostra-se de fato incapaz de compreender a natureza real do "fenômeno stalinista" e "burocrático", prisioneira como está de suas ilusões sobre a natureza do Estado russo. É assim que, ainda criticando as orientações de Stálin, ela é parte atuante da política de controle sobre a classe operária mediante a militarização do trabalho sob a égide dos sindicatos. Faz-se também o defensor do capitalismo de Estado que quer impulsionar mais adiante mediante uma industrialização acelerada.

Quando luta contra a teoria do socialismo em um só país não chega a romper com as ambigüidades do partido bolchevique sobre a defesa da "Pátria soviética" E seus membros, Trotsky à frente, se apresentam como os melhores partidários da defesa "revolucionária" da "pátria socialista".

Prisioneira deste tipo de concepções, proíbe-se todo combate verdadeiro contra a reação stalinista limitando-se a criticar certos efeitos.

Por outra parte, na medida em que concebe a si mesma não como uma fração revolucionária buscando defender teórica e organizacionalmente as grandes lições da Revolução de Outubro, mas só uma oposição leal ao Partido Comunista Russo, nunca se livra de certa política manobrista feita de alianças sem princípios visando mudar o curso de um partido quase totalmente gangrenado (é assim que Trotsky buscará o apoio de Zinoviev e Kamenev que não cessaram de caluniá-lo desde 1923). Por todas essas razões, pode-se dizer que a Oposição de Esquerda de Trotsky na Rússia permanecerá sempre sem alcançar as oposições proletárias que se manifestavam desde 1918.

A Oposição de Esquerda Internacional

Em nível internacional, começam a aparecer em diferentes secções da Internacional Comunista tendências e indivíduos que manifestam sua oposição à política cada vez mais abertamente contrarrevolucionária desta última. Apesar de uma troca de correspondência entre algumas dessas tendências e membros da "Oposição de Esquerda" na Rússia, não se logra criar imediatamente nenhum laço sólido entre eles. Terá que se esperar até 1929, quando na Rússia os "oposicionistas de esquerda" são perseguidos e assassinados pelos stalinistas, para que comece a constituir-se ao redor e sob o impulso de Trotsky exilado, um reagrupamento dessas tendências e indivíduos que adota o nome de "Oposição de Esquerda Internacional". Esta constitui em muitos aspectos o prolongamento do que havia representado a constituição e a luta da Oposição de Esquerda na Rússia. Retoma suas principais concepções e se reivindica dos quatro primeiros congressos da IC. Por outra parte perpetua a política manobrista que caracterizava a Oposição de Esquerda na Rússia.

Em grande medida essa oposição é um reagrupamento sem princípios de todos que, notadamente, querem fazer uma crítica de "esquerda" do stalinismo. Proíbe-se total e verdadeiramente a clarificação política em seu interior e reserva a Trotsky, a quem o vê como o próprio símbolo da Revolução de Outubro, a tarefa de se fazer porta-voz e "teórico". Mostrar-se-á rapidamente incapaz nestas condições de resistir os efeitos da contrarrevolução que se desenvolve em escala mundial sobre a base da derrota do proletariado internacional.

A Contrarrevolução

A derrota do proletariado mundial, que os fracassos na Alemanha em 1923 e na China em 1927 vieram ratificar, ao invés de marcar um retrocesso momentâneo do movimento proletário, abre de fato o momento contrarrevolucionário mais longo e mais profundo que a classe operária conheceu na sua história.

Com efeito, desmoralizada pelos seus fracassos sucessivos, novamente atomizada e submetida à ideologia burguesa, a classe operária mostra-se incapaz de se opor ao curso em direção à guerra e na qual se introduz, de novo, o sistema capitalista, que havia entrado em uma fase histórica onde não cessa de ser corroído por suas contradições insuperáveis. Em todas as partes onde, confrontada à miséria que lhe impõe o capital em crise, a classe operária tenta ainda resistir mediante sua luta, se defronta não somente com os partidos social-democratas que se mostraram ao longo da onda revolucionária dos anos 20 como os cães de guarda do capital, como também desde então aos partidos "comunistas" stalinistas. Estes passados de corpo e alma ao campo do capital assumem sua função de desvio das lutas operárias e alistamento na via do nacionalismo e na lógica dos enfrentamentos inter-imperialistas preparando a segunda carnificina imperialista.

Dentro deste contexto geral de contrarrevolução que se acompanha de um profundo retrocesso da luta de classes e da consciência do proletariado, torna-se cada vez mais difícil para as frações e tendências que se reivindicam da revolução comunista resistir à penetração das idéias burguesas no seu interior, de lutar na contracorrente para manter-se e desenvolver as aquisições do movimento revolucionário passado. Até mais por conta de que, contrariamente a contrarrevolução que acompanhou a derrota da Comuna de Paris e que não deixou nenhuma ilusão sobre a natureza de classe dos "versalhenses" verdugos da classe operária, a contrarrevolução que triunfa não só foi feita deixando atrás de si centenas de milhares de cadáveres operários, como também mistificando a classe operária sobre sua natureza. Na medida em que triunfa, através de um lento processo de degeneração da IC e da Revolução Russa, favorecendo todas as ilusões da classe operária na manutenção da natureza "proletária" do Estado russo e dos partidos comunistas que, ao continuarem reivindicando-se de outubro de 1917, vão poder justificar sua política de serviço ao capital.

A "Oposição de Esquerda" que compartilha e, portanto, difunde essas ilusões constitui-se neste período de contrarrevolução e retoma sem criticá-los, por sua vez, os erros da IC que contribuíram ativamente para o refluxo da onda revolucionária dos anos 20 e as concepções falsas da Oposição de Esquerda russa que conduziu a estagnação na luta contra Stalin.

De 1929 a 1933, concebe-se como "oposição leal" à política da IC, que tenta atuar a partir do seu interior, enquanto que desde a adoção por esta da teoria do "socialismo em um só país" vinha confirmar sua morte como órgão proletário e a passagem dos seus partidos para o campo do capital. A partir de 1933, embora "compreendesse" por fim a função contrarrevolucionária dos partidos stalinistas e se orientasse para a constituição de organizações distintas dos PC's, a Oposição de Esquerda continua considerando-os como "operários" e atua, consequentemente, desenvolvendo até o absurdo as concepções falsas que haviam precedido sua constituição, e que vão mostrar-se cada vez mais claramente como justificações de "esquerda" da contrarrevolução triunfante.

Durante o período que antecede a celebração do congresso de fundação da IV Internacional em 1938, tendo em conta a heterogeneidade da "Oposição de Esquerda", é o próprio Trotsky quem elabora a partir dos erros da IC as táticas e orientações que ainda hoje, com algumas diferenças de interpretação maiores ou menores, servem de fundamento à atividade contrarrevolucionária dos grupos trotskistas no seio da classe operária e que estão na sua forma acabada no "programa de transição".

Na metade dos anos 30 o movimento trotskista vai ser conduzido à capitulação frente à contrarrevolução colocando-se a reboque da política das Frentes Populares destinados a envolver o proletariado atrás da bandeira nacional, quer dizer, para preparar a guerra. Neste sentido, o movimento trotskista abandona objetivamente o princípio fundamental do movimento operário, o internacionalismo proletário que, na época da decadência do capitalismo, na época das "crises, guerras e revoluções", mais ainda que no passado, em que o proletariado podia desenvolver sua luta por reformas no seio das fronteiras nacionais, constitui o critério decisivo de pertencimento ao campo do proletariado e do comunismo.

"Estado operário degenerado" e defesa da URSS

Prisioneiro das concepções errôneas da Oposição de Esquerda russa, Trotsky, assimilando a medida de nacionalização da produção - ou seja, passagem da propriedade privada dos meios de produção a uma propriedade do Estado - com uma medida "socialista", vai situar-se no mesmo terreno dos stalinistas que justificam a manutenção e a intensificação da exploração da classe operária em nome da construção do socialismo em um só país. Na verdade, embora condenando esta teoria como burguesa, Trotsky é levado a reconhecer implicitamente a possibilidade que seja destruída, ao menos em parte, dentro das fronteiras nacionais, a lei do valor, significa dizer a produção para o intercâmbio, a extorsão e a acumulação de mais-valia mediante o salariado, a separação dos produtores dos seus meios de produção.

Incapaz de reconhecer na "burocracia" que se desenvolve na URSS o inimigo hereditário do proletariado que renascia sobre a base das relações de produção capitalistas que haviam persistido ainda depois da tomada do poder político pelo proletariado em 1917, Trotsky não compreenderá a função de gestão e conservação destas relações por esta "burocracia" que ele crê "operária" quando é completamente burguesa. Na realidade Trotsky se transformará no paladino do capitalismo de Estado russo limitando-se a promover uma revolução "política" que restaurará a "democracia proletária".

É assim que, em 1929, defenderá a intervenção do exército russo na China onde o governo de Chiang Kai-shek cassava os funcionários russos encarregados de gerenciar o ramal do transiberiano que passa pelo território chinês e reveste de uma importância estratégica desde o ponto de vista dos interesses nacionais do capital russo. Nessa ocasião, Trotsky lança a consigna tristemente famosa "Pela pátria socialista sempre, pelo stalinismo, jamais", que dissociava os interesses stalinistas (quer dizer capitalistas) dos interesses nacionais da Rússia. Com isso apresentava aos proletários uma "pátria" a defender, enquanto trabalhadores não têm pátria, traçando finalmente a via do apoio ao imperialismo russo.

Antifacismo, Frentismo, Sindicalismo

Incapaz de distinguir a natureza e a função contrarrevolucionária e burguesa dos partidos stalinistas e até dos partidos social-democratas, Trosky vai perceber as mistificações desenvolvidas por estes partidos (antifascismo democrático especialmente, frente popular,...) como meios para fortalecer a Oposição de Esquerda e capazes de levar ao surgimento de um novo partido revolucionário.

Nos zigue-zagues dos stalinistas e nas manobras dos social-democratas, cada vez Trotsky vai enxergar brechas provocadas pela pressão de uma classe operária da qual não alcança compreender sua derrota histórica. Chamando à frente única, a unidade sindical, não faz mais do que jogar o jogo da própria contrarrevolução que tem a necessidade de voltar a utilizar os velhos mitos para desorientar ainda mais a classe operária, para conduzi-la a uma nova guerra mundial. Na aliança antifascista das frentes populares, espanhola e francesa, Trotsky passa a ver um impulso para a política revolucionária, uma base para o reforço das posições trotskistas pela via do entrismo... nos partidos socialistas. Cada nova tática de Trotsky será um passo a mais na capitulação e submissão à contrarrevolução.

Retomando por outro lado, seguindo os bolcheviques, a palavra de ordem do "direto dos povos a dispor de si mesmo", que expressava a ilusão destes últimos sobre a possibilidade para uma nação sob a dominação imperialista de "libertar-se" sem cair sob as tutela de outro imperialismo, Trotsky e os grupos que participam no congresso de fundação da IV Internacional qualificaram a guerra entre China e Japão como uma guerra de libertação nacional da China que deveria ser apoiada. Desde esta época encontram- se assim colocadas as bases que vão fundamentar o apoio verbal e algumas vezes ativo dos grupos trotskistas às lutas de libertação nacional que, na época do capitalismo decadente, são outros tantos lugares de enfrentamento entre os diversos blocos imperialistas e nos quais o proletariado não pode servir mais que como bucha de canhão.

O programa político adotado no congresso de fundação da IV Internacional, redigido pelo próprio Trotsky, e que serve de base de referência aos grupos trotskistas atuais, retoma e agrava as orientações de Trotsky que havia precedido esse congresso (defesa da URSS, frente única operária, análise errônea do período...), porém além do mais tem como eixo uma repetição vazia de sentido do programa mínimo do tipo social-democrata (reivindicações "transitórias"), programa que se tornou caduco pela impossibilidade de reformas desde a entrada do capitalismo na sua fase de decadência, de declínio histórico.

O Programa de Transição abriu caminho à integração definitiva do movimento trotskista na corte dos partidários do capitalismo de Estado que, em nome da instauração de medidas "socialistas", tentarão envolver a classe operária depois da Segunda Guerra Mundial nas reconstruções nacionais, quer dizer na reconstrução do capital.

As frações comunistas de Esquerda

Diante da contrarrevolução mais profunda de toda a história do movimento operário, as Frações Comunistas de Esquerda que haviam aparecido nos anos 20 e que haviam lutado desde essa época contra a degeneração e os erros da IC, viram-se arrastadas também pelo fluxo da contrarrevolução. Foi assim que os elementos da Esquerda Alemã, que apesar de estar entre os primeiros a levantarem-se contra o retorno a IC das táticas social-democratas e a romper com ela, tenderam a perder-se sob diversas vias: abandonando toda atividade política ou caindo na ideologia conselhista que rechaçava a necessidade do partido e a própria revolução russa. É a Esquerda Comunista Italiana que vai assegurar, apesar das debilidades certas e inevitáveis, o essencial do trabalho de defesa das posições de classe. É ela quem apesar de um isolamento dramático, vai assegurar todo um trabalho de compreensão política e teórica dos efeitos da derrota do proletariado, chegando até reivindicar a validade de certas posições da IC que Bordiga não havia colocado em questão (como a questão nacional). Sobre certo número de pontos cruciais, a Esquerda Italiana se oporá as orientações de Trotsky. (ver o artigo A esquerda comunista e a continuidade do Marxismo [2])

Porém, qualquer que tenha sido seus limites, estas frações, contrariamente a Oposição de Esquerda de Trotsky, permitiram manter a tradição revolucionária. É também graças a elas que atualmente a débil corrente revolucionária tem conseguido renascer e desenvolver-se.

Quanto à corrente trotskista dos anos 1930, depois das suas capitulações e apesar do assassinato de Trotsky em 1940 pelo stalinismo, passar-se-á com mala e cuia  ao campo do capital, alistando-se no campo do imperialismo democrático e do imperialismo russo.

(Révolution Internationale N° 26 e 27, órgão da CCI na França; Junho e Julho de 1976)


[1] NEPmen é uma palavra russa criada com a união das palavras NEP (Nova Política Econômica) e a palavra inglesa men (homens ou indivíduos). Referia aos indivíduos que durante o período em que vigorou a NEP na URSS (1921-29), e ficou autorizadas a instalação e abertura de negócios privados, tornaram-se empresários e altos executivos em empresas privadas.) Fonte: Wikipedia

[2] https://pt.internationalism.org/icconline/2005_esquerda_comunista [1]

A classe não identificada: a burocracia soviética segundo Leon Trotsky

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Qual era a natureza do sistema que existiu em nosso país durante o período soviético? Esta é uma das principais questões da história e de certo modo das demais ciências sociais. E não tem nada a ver com uma questão acadêmica: tem laços muito estreitos com o período contemporâneo, pois não se podem entender as realidades do dia de hoje sem entender as de ontem.

Assim se pode resumir esta questão: qual era a natureza do sujeito central do sistema soviético que determinou o desenvolvimento do país, ou seja, da burocracia dirigente? Quais eram suas relações com outros grupos sociais? Que motivações e necessidades determinavam sua atividade?

Torna-se impossível estudar seriamente estes problemas sem estudar a obra de Leon Trotsky, um dos primeiros a tentar entender e analisar o caráter do sistema soviético e de sua camada dirigente. Trotsky dedicou vários trabalhos a este problema, embora sua visão mais geral, mais concentrada, sobre a burocracia está exposta em seu livro A Revolução traída, publicado há 60 anos.

A burocracia: principais características

Recordemos as principais características da burocracia tais como as define Trotsky em seu livro.

  • 1) O nível superior da pirâmide social na URSS está composto pela "única camada social privilegiada e dominante, no pleno sentido da palavra "; esta camada "que, sem realizar um trabalho produtivo direto, manda, administra, dirige, distribui penalidades e recompensas ". Segundo Trotsky, está composta por 5 a 6 milhões de pessoas [1].
  • 2) Esta camada que dirige tudo está fora de controle das massas que produzem os bens sociais. A burocracia reina; as massas trabalhadoras "obedecem e se calam" [2].
  • 3) Esta camada mantém relações de desigualdade material na sociedade: "carros conversíveis para os "ativistas", perfumes franceses para "nossas senhoras" e margarina para os operários, armazéns de luxo para os privilegiados e a imagem das comidas finas exposta na vitrine para a plebe" [3]. Em geral, as condições de vida da classe dirigente são parecidas com as da burguesia: "contém todos os níveis: da pequena burguesia mais provinciana a grande burguesia das cidades" [4] .
  • 4) Esta camada não é dirigente unicamente no plano objetivo: também se comporta subjetivamente como o dono absoluto da sociedade. Segundo Trotsky, tem "uma consciência específica de classe dirigente"[5].
  • 5) Sua dominação se mantém mediante a repressão e sua prosperidade está apoiada "na apropriação oculta do trabalho de outros". "A minoria privilegiada vive em detrimento da maioria enganada" [6].
  • 6) Existe uma luta social latente entre esta camada dirigente e a maioria oprimida dos trabalhadores [7].

Assim Trotsky vai descrevendo a sociedade russa: existe uma camada social bastante numerosa que controla de forma monopolística a produção e, por conseguinte, seu produto, que faz sua grande parte desse produto (quer dizer que exerce uma função de exploração), cuja unidade se apóia na compreensão de seus interesses materiais comuns e que se opõe à classe dos produtores.

Como denominam os marxistas uma camada social que tem semelhantes características? Não existe mais que uma resposta: é a classe social dirigente no pleno sentido da palavra.

Trotsky leva o leitor a essa conclusão. Entretanto ele não chega até aí, embora note que na URSS a burocracia "é algo mais que uma simples burocracia" [8]. Algo mais. Porém o que? Trotsky não o diz. E não só se cala, mas também dedica um capítulo inteiro em negar uma essência classista à burocracia. Depois de sabiamente dizer "A", depois de descrever uma burguesia dirigente exploradora, Trotsky recua e se nega a dizer "B".

O stalinismo e o capitalismo

Trotsky também volta atrás quando trata outra questão, a comparação entre o regime burocrático stalinista e o sistema capitalista. "Mutatis mutandis, o governo soviético se situa com respeito à economia em seu conjunto como o capitalista com respeito a uma empresa privada", diz-nos Trotsky no capítulo 2 da Revolução traída [9].

No capítulo IX escreve: "a passagem das empresas às mãos do Estado não mudou outra coisa a não ser a situação jurídica (sublinhado pelo AG) do operário; de fato vive na necessidade trabalhando certo número de horas por um salário determinado (...) Os operários perderam até a mínima influencia quanto à direção das empresas. Trabalhando a toque de caixa, vivendo em condições muito precárias , sem liberdade de deslocar-se, sofrendo até na oficina o mais terrível regime policialesco, dificilmente o operário pode se sentir um "trabalhador livre". O funcionário para ele é um chefe, o Estado é um amo" [10].

Neste mesmo capítulo Trotsky assinala que a nacionalização da propriedade não acaba com a diferença social entre as camadas dirigentes e as camadas submetidas: as primeiras desfrutam de todos os bens possíveis e as demais sofrem a miséria como antes e vendem sua força de trabalho. Diz o mesmo no capítulo IV: "a propriedade estatal dos meios de produção não transforma em ouro o esterco e não lhe dá uma auréola de santidade ao "sweating system", o sistema do suor" [11].

Tais teses parecem conferir claramente fenômenos essenciais do ponto de vista marxista. Marx sempre pôs em evidência que a característica principal de qualquer sistema social não era constituída por suas leis nem suas "formas de propriedade", cuja análise em si não conduz mais que a uma metafísica estéril [12]. O fator decisivo é constituído pelas relações sociais reais, e fundamentalmente o comportamento dos grupos sociais com respeito ao sobreproduto social.Pode um modo de produção apoiar-se em várias formas de propriedade, como demonstra o exemplo do feudalismo. Na Idade Média, estava apoiado na propriedade feudal privada das terras nos países ocidentais enquanto que nos países orientais se apoiava na propriedade feudal de Estado. Entretanto, em ambos os casos, feudais eram as relações de produção, apoiavam-se na exploração feudal sofrida pela classe dos camponeses produtores.

No livro III do Capital, Marx define como característica principal de qualquer sociedade "a forma econômica específica com a que se extrai diretamente o trabalho gratuito do produtor". O que desempenha um papel decisivo então são as relações entre os que controlam o processo e os resultados da produção e os que a realizam; a atitude dos proprietários das condições de produção com respeito aos mesmos produtores: "Aqui é onde descobrimos o mistério mais profundo, as bases ocultas de qualquer sociedade" [13].

Já recordamos o marco das relações entre a camada dirigente e os produtores tal como a descreve Trotsky. Por um lado "os proprietários dos meios de produção" reais encarnados no Estado (quer dizer a burocracia organizada) e pelo outro os proprietários "pela lei", na realidade os trabalhadores despossuídos de seus direitos, os assalariados a quem "lhes extrai o trabalho gratuito". Não se pode senão tirar uma só conclusão lógica: do ponto de vista de sua natureza, não há nem a sombra de uma diferença fundamental entre o sistema burocrático stalinista e o capitalismo "clássico".

Também aqui, Trotsky após haver dito "A" e mostrado a identidade fundamental entre ambos sistemas se nega a dizer "B". Ao contrário, nega-se categoricamente a identificar a sociedade stalinista como capitalismo de Estado e avança a idéia de que na URSS existiria uma forma específica de "Estado operário" no qual o proletariado continuaria sendo a classe dirigente do ponto de vista econômico e não sofreria exploração, embora esteja "politicamente expropriado".

Para defender essa tese, Trotsky invoca a nacionalização das terras, dos meios de produção, de transporte e de câmbio assim como o monopólio do comércio exterior, ou seja, utiliza os mesmos argumentos "jurídicos" que ele mesmo tinha refutado de forma muito convincente (vejam-se citações mais acima).

Na Revolução traída começa negando que a propriedade estatal possa "transformar o esterco em ouro" para afirmar mais adiante que o fato mesmo da nacionalização basta para que os trabalhadores oprimidos se convertam em classe dirigente.

O esquema que encobre a realidade

Como explicar semelhante coisa? Por que Trotsky, o propagandista, o impiedoso crítico do stalinismo, que constata os fatos demonstrando que a burocracia é uma classe dirigente e um explorador coletivo, por que esse Trotsky contradiz o Trotsky, o teórico que tenta analisar os fatos expostos?

Pode-se, evidentemente, aventar duas causas principais que impediram Trotsky superar essa contradição. São tanto de tipo teórico, como de tipo político.

Na Revolução Traída, Trotsky tenta refutar teoricamente a tese da essência de classe da burocracia propondo argumentos muito frágeis, entre eles o fato de que esta "não possui nem títulos nem ações" [14]. Por que teria a cúpula dominante que as possuir? É uma evidência que a posse de "ações ou obrigações" em si não tem a menor importância: o importante está em saber se tal ou qual grupo social se apropria ou não de um sobreproduto do trabalho dos produtores diretos. Se for assim, a função de explorar existe independentemente da distribuição de um produto que pode ser apropriado seja ele como ganho baseado em ações ou seja em pagamentos e privilégios do cargo. O autor de A Revolução Traída não é mais convincente quando nos diz que "os representantes da camada dirigente não deixam seu status privilegiado em forma de herança" [15]. É pouco provável que Trotsky tivesse pensado seriamente que os próprios filhos da elite pudessem tornar-se camponeses ou operários.

Do nosso ponto de vista, não se tem de procurar nestas explicações superficiais a causa fundamental pela qual Trotsky se negou a considerar a burocracia como a classe social dirigente. Tem-se que procurar na convicção que tinha de que a burocracia não podia converter-se em elemento central de um sistema estável, unicamente capaz de "traduzir" os interesses de outras classes, mas falsificando-os.

Durante os anos 20, esta convicção já era a base do esquema dos antagonismos sociais da sociedade "soviética" adotado por Trotsky, para quem o marco de todos esses antagonismos se reduzia a uma dicotomia estrita: proletariado-capital privado. Não fica nesse esquema nenhum lugar para uma "terceira força". A ascenção da burocracia foi considerada como o resultado da pressão da pequena burguesia rural e urbana sobre o partido e o Estado. A burocracia foi considerada como um grupo vacilante entre os interesses dos operários e os dos "novos proprietários", incapaz de servir corretamente nem a uns nem a outros. Depois do primeiro golpe sério contra sua estabilidade, o regime de dominação de tal grupo instável "entre as classes", não podia mais que se afundar-se e esse grupo se cindir. Isto é o que Trotsky predizia no fim dos anos 20 [16].

Entretanto, os acontecimentos se desenvolveram de outra forma na realidade. Depois de um conflito mais violento entre o grupo de camponeses e a pequena burguesia, a burocracia nem se afundou nem se cindiu. Depois de ter feito capitular facilmente às "direitas" minoritárias em seu seio, começou a liquidar a NEP, "os kulaks como classe", desenvolvendo uma coletivização e industrialização forçadas. Isto surpreendeu a Trotsky e aos seus partidários, pois estavam seguros de que os "apparátchiki" centristas não seriam capazes de fazê-lo por natureza! Nada estranho quando o fracasso das previsões políticas da oposição trotskista a arrastaram a um declive catastrófico [17].

Em sua vã tentativa de encontrar uma porta de saída, Trotsky mandou de seu exílio cartas e artigos nos quais demonstrava que se tratava de um desvio do aparelho que "indevidamente ia fracassar sem alcançar o menor resultado sério" [18]. Inclusive quando pôde comprovar a inconsistência prática de suas idéias sobre o papel "dependente" da burocracia "centrista", o líder da oposição continuou obstinadamente com o seu fracassado esquema. Suas reflexões teóricas da época da "grande virada decisiva" chamam a atenção pelo seu descolamento da realidade. Escreve por exemplo em fins de 1928: "O centrismo é a linha oficial do aparelho. O portador desse centrismo é o funcionário do Partido... Os funcionários não constituem uma classe. Que linha de classe representa o centrismo?". Trotsky negava, portanto, à burocracia inclusive a possibilidade de ter uma linha própria; chegou até às conclusões seguintes: "Os proprietários em ascensão têm sua expressão, embora frouxa, na fração direitista. A linha proletária está formada pela oposição. O que resta ao centrismo?. Se se subtraírem as quantidades mencionadas, fica... o camponês médio..." [19]. E Trotsky escreve isto enquanto o aparelho stalinista está levando a cabo uma campanha de violência contra precisamente esses camponeses médios e preparando a liquidação de sua formação econômica!.

E Trotsky continuou esperando a próxima desintegração da burocracia em elementos proletários, burgueses e "os que ficarão apartados". Predisse o fracasso do poder dos "centristas" inicialmente como resultado do fracasso da impossível "coletivização total", e depois como resultado de uma crise econômica no final do primeiro plano qüinqüenal. No seu Projeto de plataforma da oposição de esquerda internacional sobre a questão russa, redigido em 1931, chega inclusive a considerar a possibilidade de uma guerra civil quando se apartarem os elementos do aparelho estatal e do Partido "dos dois lados da barricada"[20].

Apesar destas previsões, não só se manteve o poder stalinista e unificou a burocracia, mas também, além disso, fortaleceu seu poder totalitário. Entretanto Trotsky permaneceu considerando o sistema burocrático da URSS como muito débil, e até pensou durante os anos 30 que esse poder da burocracia podia afundar-se a qualquer momento. Por isso não pensava que pudesse considerá-la como uma classe. Trotsky expressou esta idéia claramente em seu artigo "A URSS em guerra" (setembro de 1939): "Não nos equivocaremos se lhe dermos o nome de nova classe dirigente à oligarquia bonapartista uns poucos anos ou meses antes que desapareça vergonhosamente?"[21].

Vimos assim como todos os prognósticos feitos por Trotsky sobre o destino da burocracia "soviética" dirigente foram rebatidos um após o outro pelos fatos em si. Nunca quis, entretanto mudar de opinião. Considerava que a fidelidade a um esquema teórico valia mais de que qualquer outra coisa. Mas essa não é a única causa, pois Trotsky era mais político que teórico e geralmente preferia abordar os problemas mais de forma "política concreta" que de forma "sociológica abstrata". E aqui vamos verificar outra das causas importantes da sua obstinada negativa em denominar as coisas por seu nome.

Terminologia e política

Ao examinar a história da oposição trotskista durante os anos 20 e início dos 30, pode-se ver que a base da sua estratégia política estava em apostar na desintegração do aparelho governante na URSS. A condição necessária para uma reforma do Partido e do Estado era segundo Trotsky a aliança de uma hipotética "tendência de esquerdas" com a Oposição. "O bloco com os centristas [a fração stalinista do aparelho - A.G.] é, em princípio, plausível e possível, escreve em finais de 1928. "E será esse agrupamento no partido o que poderá salvar a revolução" [22]. Ao desejar esse bloco, os líderes da Oposição tentavam não repelir os burocratas "progressistas". Esta tática explica, em particular, a atitude mais que equivocada dos líderes da Oposição com respeito à luta de classes dos trabalhadores contra o Estado, sua negativa em criar seu próprio partido, etc.

Trotsky continuou alimentando suas esperanças em uma aliança com os "centristas" até depois de seu exílio. Sua aspiração de aliar-se com parte da burocracia dirigente era tão grande que esteve até disposto a transigir (em certas condições) com o secretário geral do comitê central do PC russo. Um exemplo muito claro disto é o episódio sobre a palavra de ordem "Demitir Stálin!". Em março de 1932, Trotsky publicou uma carta aberta ao Comitê executivo central da URSS em que fazia este chamamento: "Temos que realizar finalmente o último conselho insistente de Lênin: demitir Stalin" [23]. Entretanto, poucos meses depois, no outono desse mesmo ano, já tinha dado marcha a ré justificando assim: "Não se trata da pessoa de Stalin, mas da sua fração... A palavra de ordem "demitir Stalin!" pode e será entendida indevidamente como um chamamento a derrubada da fração atualmente no poder e, em seu sentido mais amplo, do aparelho. Não queremos derrubar o sistema, e sim transformá-lo..." [24]. Em seu artigo-entrevista inédito escrito em dezembro de 1932, Trotsky deixou as coisas claras sobre a atitude em relação aos stalinistas: "Hoje como ontem, estamos dispostos a uma cooperação multiforme com a atual fração dirigente. Pergunta: por conseguinte, estão vocês dispostos a cooperar com o Stálin?; resposta: sem a menor duvida!" [25].

Naquele tempo, já vimos mais acima, Trotsky condicionava a possibilidade de evolução de uma parte da burocracia stalinista para a "cooperação multiforme" com a Oposição a uma próxima "catástrofe" do regime, considerada como inevitável pela "precariedade" da posição social da burocracia [26]. Apoiando-se nessa "catástrofe", os líderes da Oposição não viam mais solução que a aliança com o Stálin para salvar da contrarrevolução burguesa o Partido, a propriedade nacionalizada e a economia planejada".

E a "catástrofe" não se produziu: a burocracia era mais forte e sólida do que Trotsky acreditava. O Burô político não respondeu aos chamados para uma "cooperação honrada das frações históricas" no PC [27]. Finalmente, durante o outono de 1933, depois de um sem número de vacilações, Trotsky rechaçou a esperança utópica de reformas do sistema burocrático com participação dos stalinistas e chamou a "revolução política" na União Soviética.

Entretanto esta mudança de tática dos trotskistas não significou em nada uma revisão radical de seu ponto de vista quanto ao caráter da burocracia, do Partido nem do Estado, nem tampouco como um rechaço definitivo das esperanças em uma aliança com suas tendências "progressistas". Ao escrever A Revolução Traída, considerava, em teoria, a burocracia como uma formação frágil submetida a antagonismos crescentes. No Programa de transição da IVª Internacional (1938), declara que todas as tendências políticas estão presentes no aparelho governamental da URSS, incluída a "bolchevique de verdade". A esta Trotsky vê como uma minoria na burocracia, entretanto bastante importante: não fala de uns quantos "apparátchiki", mas sim da fração" desta camada que conta 5 ou 6 milhões de pessoas. Segundo ele, esta fração "bolchevique de verdade" é uma reserva potencial para a Oposição de esquerda. E, além disso, o líder da IVª Internacional pensou ser plausível a formação de uma "frente única" com a parte stalinista do aparelho em caso de tentativas da contrarrevolução capitalista que ele pensava em 1938, que já estavam se preparando [28].

Quando se analisa as idéias de Trotsky sobre o caráter da oligarquia burocrática e em geral das relações sociais na URSS expressas na A Revolução Traída temos que ter em conta essas orientações políticas: a primeira (ao final dos anos 20 e início dos 30), a cooperação com os "centristas" ou seja com a maioria da burocracia "soviética" dirigente ; a segunda (a partir de 1933), a aliança com sua minoria "bolchevique de verdade" e da "frente única" com a fração dirigente stalinista.

E no caso de que Trotsky tivesse visto na burocracia "soviética" totalitária uma classe dirigente exploradora, inimiga encarniçada do proletariado, quais teriam sido as conseqüências políticas? Em primeiro lugar tivesse que rechaçar a menor idéia de união com parte desta classe - a própria tese da existência de semelhante fração "bolchevique de verdade" na classe burocrática exploradora teria parecido tão absurda como a de sua suposta existência na mesma burguesia, por exemplo. Em segundo lugar, em tal caso, uma suposta aliança com stalinistas para lutar contra a "contrarrevolução capitalista" teria sido então um pouco parecida com uma "frente popular", política denunciada firmemente pelos trotskistas, pois teria sido um bloco formado entre classes inimigas, em vez de ser uma "frente única" em uma mesma classe, idéia aceitável na tradição bolchevique-leninista. Em poucas palavras, constatar a essência de classe da burocracia teria sido fatal para a estratégia política de Trotsky. E naturalmente não quis.

Assim vemos como a questão de determinar o caráter classista da burocracia não é algo terminológico ou abstrato, e sim muito mais importante.

O destino da burocracia

Tem-se que fazer justiça a Trotsky: no final de sua vida começou a revisar sua visão da burocracia stalinista. Pode-se constatar no seu livro Stálin, sua obra mais amadurecida embora inacabada. Ao examinar os acontecimentos decisivos do final do ano 1920 e início de 1930, quando a burocracia monopolizou totalmente o poder e a propriedade, Trotsky já considera então o aparelho estatal e o Partido como forças sociais principais na luta por dispor do "excedente de produção do trabalho nacional". Esse aparelho estava movido pela aspiração de controlar de forma absoluta esse sobreproduto e não pela pressão do proletariado ou da Oposição (o que Trotsky tinha acreditado em outra época) que tivessem obrigado aos burocratas a entrar em guerra de morte contra os "elementos pequeno burgueses" [29]. Por conseguinte, os burocratas não "expressavam" interesses alheios e não "vacilavam" entre dois pólos, pelo contrário se manifestavam enquanto grupo social consciente dos seus próprios interesses. Eles ganharam a luta pelo poder e pelos lucros por ter derrotado os seus competidores. Eles dispuseram do monopólio do sobreproduto (ou seja a função de proprietário real dos meios de produção). Depois de tê-lo confessado, Trotsky já não pôde continuar ignorando o problema do caráter classista da burocracia. Quando fala dos anos 20, diz-nos: "A substância do Termidor (soviético) (...) era a cristalização de uma nova camada privilegiada, a criação de um novo substrato pela classe economicamente dirigente (sublinhado pelo A.G.). Havia dois pretendentes a essa função: a pequena burguesia e a própria burocracia"  [30]. Assim é como o substrato tinha nutrido dois pretendentes para desempenhar a função de classe dirigente, só faltava saber quem venceria: foi a burocracia. A conclusão aqui fica clara: a burocracia foi a que se converteu em classe social dirigente. Na realidade, depois de ter preparado essa conclusão, Trotsky prefere não levar até o final sua reflexão. Entretanto dá um grande passo para frente.

Em seu artigo "A URSS em guerra", publicado em 1939, Trotsky deu um passo a mais para esta conclusão: admite como possível que teoricamente "o regime stalinista (seja) a primeira etapa de uma nova sociedade de exploração". Certamente, continua afirmando que tem outra visão, que considera que tanto o sistema soviético como a burocracia governante não são a nada mais que uma "recaída episódica" no processo de transformação de uma sociedade burguesa em sociedade socialista. Afirmou, entretanto sua vontade de revisar suas opiniões em caso do governo burocrático na URSS sobrevivesse à guerra mundial,, guerra que já tinha começado e se estendia a outros países [31].

Já sabemos assim como tudo ocorreu. A burocracia (que, segundo Trotsky, não tinha nenhuma missão histórica, situava-se "entre as classes", era autônoma e precária, nada era mais que uma "recaída episódica" mudou finalmente de forma radical a estrutura social da URSS através da proletarização de milhões de camponeses e pequeno burgueses, realizou uma industrialização apoiada na superexploração dos trabalhadores, transformou o país em superpotência militar, sobreviveu à guerra mais terrível, exportou suas formas de dominação para a Europa Central e do Leste, e o sudoeste da Ásia. Trotsky teria revisado suas idéias sobre a burocracia após desses acontecimentos? É difícil afirmá-lo: faleceu durante a Segunda Guerra Mundial e não pôde ver a formação de um "campo socialista". Entretanto, durante as décadas posteriores à guerra, a maior parte de seus adeptos políticos continuaram repetindo literalmente os dogmas teóricos de A Revolução Traída.

A história foi rebatendo evidentemente os pontos principais da análise trotskista sobre o sistema social na URSS. Um fato basta para prová-lo: nenhuma das "realizações" da burocracia citadas acima está de acordo com o esquema teórico de Trotsky. Entretanto inclusive hoje, alguns pesquisadores (para não falar dos representantes do movimento trotskista) continuam pretendendo que as idéias do autor da Revolução traída e seus prognósticos sobre o destino de uma "casta" dirigente foram confirmadas pelo fracasso do regime do PCUS e pelos acontecimentos seguintes na URSS e nos países do "bloco soviético". Trata-se da predição de Trotsky segundo a qual o poder da burocracia estava destinado a cair inevitavelmente, seja através da pressão de uma "revolução política" da massa dos trabalhadores, seja posteriormente através de um golpe social burguês contrarrevolucionário [32]. Por exemplo, o autor da série de livros apologéticos sobre Trotsky e a oposição trotskista, V.Z. Rogovin [33], escreve: "a "variante contrarrevolucionária" das predições de Trotsky se realizou com cinqüenta anos de atraso, mas de forma muito precisa" [34].

Onde está tão extrema precisão?

O essencial da "variante contrarrevolucionária" dos prognósticos de Trotsky se apoiava em suas predições sobre o naufrágio da burocracia como camada dirigente. "A burocracia está vinculada inseparavelmente à classe dirigente no sentido econômico [trata-se neste caso do proletariado -A.G.], alimenta-se de suas raízes sociais, mantém-se e cai com ela" (sublinhado por A.G.)[35]. Supondo-se que nos países da Ex-união Soviética tenha ocorrido uma contrarrevolução social que tenha feito a classe operária perder seu poder econômico e social, segundo Trotsky, a burocracia deveria ter se afundado com ela.

Caiu de verdade? Deixou lugar a uma burguesia vinda não se sabe de onde? Segundo o Instituto de Sociologia da Academia de Ciências da Rússia, mais de 75% da "elite política" russa e mais de 61% de sua "elite dos negócios" têm suas origens na Nomenclatura do período "soviético" [36]. Por consequência, continuam sendo as mesmas mãos as que estão agarradas às mesmas posições dirigentes da sociedade, no social, no econômico e no político. A origem da outra parte da elite tem uma explicação simples. A socióloga O. Krishtanovskaia diz: "além da privatização direta... cujo principal ator foi a parte tecnocrática da Nomenclatura (economistas, banqueiros profissionais...) criaram-se quase espontaneamente estruturas comerciais que pareciam não ter nenhum tipo de relações com a Nomenclatura. À sua frente estavam homens jovens cuja biografia não mostrava nenhum laço com a Nomenclatura. Entretanto, seu êxito comercial nos mostra que ao não fazer parte da Nomenclatura eram entretanto seus homens de confiança, seus "agentes de trustes", ou seja plenipotenciários" (sublinhado pelo autor -A.G.) [37]. Isto demonstra claramente que não é um "partido burguês" qualquer (de onde ia sair se considerarmos a suposta ausência de burguesia sob o regime totalitário?) que tomou o poder e conseguiu utilizar como lacaios a uns quantos elementos originários da antiga "casta" governante, mas sim é a mesma burocracia a que organizou a transformação econômica e política de sua dominação, mantendo-se como proprietária do sistema.

Contrariamente às previsões de Trotsky, a burocracia não se afundou. Pudemos constatar entretanto a realização do outro aspecto de seus prognósticos, que se refere à cisão iminente da "camada" social dirigente entre elementos proletários e burgueses e a formação em seu seio de uma fração "bolchevique de verdade"? Está claro que os líderes dos partidos "comunistas" formados pelos escombros do PCUS pretendem todos atualmente desempenhar o papel de verdadeiros bolcheviques, defensores autênticos da classe operária. Entretanto nem o próprio Trotsky reconheceria como "elementos proletários" Zuganov e Ampilov [38], pois a meta de sua luta "anticapitalista" não é mais que a restauração do antigo regime burocrático sob sua fórmula stalinista clássica ou "estatal patriótica".

Enfim Trotsky predisse a variante "contrarrevolucionária" da queda da burocracia do poder em termos quase apocalípticos: "O capitalismo não poderia (o que é duvidoso) reinstaurado na Rússia mais que através um golpe contra-contrarrevolucionária cruel que faria dez vezes mais vítimas que a revolução de Outubro e a guerra civil. Se caírem os Sovietes, o poder será tomado pelo fascismo russo, em cuja comparação os regimes do Musolini e Hitler pareceriam instituições filantrópicas" [39]. Não temos que considerar semelhante predição como um exagero acidental, pois é resultado inevitável de todas as visões teóricas de Trotsky sobre a natureza da URSS, e em particular da sua convicção profunda de que o sistema burocrático soviético servia, a sua maneira, os interesses das massas trabalhadoras, garantindo suas "conquistas sociais". Admitia, pois naturalmente que a transição contrarrevolucionária do stalinismo ao capitalismo se acompanharia da sublevação das massas proletárias para defender o Estado "operário" e "sua" propriedade nacionalizada. E só um regime feroz de corte fascista seria capaz de vencer e derrotar a forte resistência dos operários contra a "restauração do capitalismo".

Está claro que Trotsky não podia supor que em 1989-91 a classe operária não defenderia de maneira alguma a nacionalização da propriedade nem tampouco do aparelho estatal "comunista", nem que, ao contrário, contribuiria ativamente para sua abolição. Porque os trabalhadores não viam nada no antigo sistema que justificasse sua defesa; a transição à economia de mercado e a desnacionalização da propriedade não produziram nenhum tipo de lutas sangrentas entre classes, e nenhum regime de tipo fascista foi necessário. Assim, nesse plano, não se pode falar de realização das predições de Trotsky.

Se a burocracia "soviética" não fosse uma classe dirigente e, seguindo Trotsky, não fosse nada mais que o "guarda" do processo de distribuição, a restauração do capitalismo na URSS exigiria uma acumulação primitiva do capital. Com efeito, os propagandistas russos contemporâneos utilizam muito esta expressão: "acumulação primitiva do capital". Entretanto não a entendem em geral mais que como enriquecimento de tal ou qual pessoa, acumulação de dinheiro, de bens de produção ou outros bens em mãos de "novos russos". Mas isto não tem nada a ver com a compreensão científica da acumulação primitiva do capital descoberta por Marx no Capital. Ao analisar a gênese do Capital, Marx sublinhava que "sua acumulação chamada "primitiva" não é outra coisa que um processo histórico de separação do produtor dos meios de produção" [40] . A formação do exército de assalariados mediante o confisco da propriedade dos produtores é uma das condições principais para a formação de uma classe dirigente. Foi necessário formar uma classe de assalariados mediante a expropriação dos produtores durante os anos 90, nos países da ex-URSS?

Evidentemente que não. Essa classe de assalariados já existia, os produtores não controlavam os meios de produção nem muito menos havia alguém a ser expropriado. Por conseguinte, o tempo de acumulação de capital já tinha passado.

Quando Trotsky vincula a acumulação primitiva à ditadura cruel e à efusão de sangue, sem dúvida tinha razão. Marx também escreveu que "o capital [vem ao mundo] jorrando sangue e lama por todos seus poros" e em sua primeira etapa necessita "uma disciplina sanguinária" [41]. O erro de Trotsky encontra-se unicamente no fato de vincular a acumulação primitiva à uma próxima e hipotética contrarrevolução, mas de que não quis ver como essa contrarrevolução (com todos seus atributos necessários de tirania política e matanças em massa) estava ocorrendo diante dos seus olhos. Os milhões de camponeses exauridos, morrendo de fome e de miséria, os trabalhadores privados de todos os direitos e condenados a trabalhar até o esgotamento e cujas tumbas foram os alicerces que serviram para construir os edifícios previstos pelos qüinqüênios stalinistas, os incontáveis prisioneiros do gulag: essas sim que são as verdadeiras vítimas da acumulação primitiva na URSS. Os possuidores atuais da propriedade não precisam acumular o capital, basta-lhes redistribuir entre eles mesmos transformando o capital de Estado em capital privado corporativo [42]. Mas esta operação não necessita de uma mudança de sociedade nem das classes dirigentes, não necessita grandes cataclismos sociais. Se não se entender isto, não se pode entender nem a história "soviética" nem a atualidade russa.

Conclusão. A concepção trotskista da burocracia, que sintetizou a série de enfoques teóricos fundamentais e das perspectivas políticas de Trotsky, não foi capaz de explicar nem o que era o stalinismo nem sua evolução. Pode dizer-se outro tanto, de outros postulados da análise trotskista sobre o sistema social da URSS (o Estado "operário", o caráter "pós-capitalista" das relações sociais, a "dupla" função do stalinismo...). Entretanto, Trotsky conseguiu ao menos resolver o problema em outro sentido: fez uma fundamentada e fulminante crítica das teses sobre a construção do "socialismo" na União "Soviética". O que não era pouco naquela época.

A.G. (Moscou 1997)


[1] León D. Trotski, A Revolução Traída. Tradução nossa

[2] Idem

[3] Idem

[4] Idem

[5] Idem

[6] Idem

[7] Idem

[8] Idem

[9] Idem

[10] Idem

[11] Idem

[12] Marx, Miséria da filosofia, cap. 2. Tradução nossa

[13] Marx, o Capital, Livro III. Tradução nossa

[14] Leon D. Trotsky, A Revolução Traída. Tradução nossa

[15] Idem

[16] Artigo "Rumo a nova etapa", Centro russo de coleções de documentos da nova história (CRCDNH), fundo 325, lista 1, dossiê 369, p.1-11. Tradução nossa

[17] Por volta de 1930, a Oposição perdeu dois terços de seu efetivo, incluída quase toda sua "direção histórica" (10 pessoas das 13 que assinaram a "Plataforma dos bolcheviques-leninistas" em 1927).

[18] CRCDNH, F. 325, L. 1, o. 175, P. 4, 32-34. Tradução nossa

[19] Idem, d. 371, P. 8.

[20] Boletim da Oposição (BO), 1931, nº 20, P. 10. Tradução nossa

[21] Idem, 1939, nº 79-80, P. 6.

[22] Idem, 1939, nº 79-80, P. 6.

[23] BO, 1932, nº 27, p.6. Tradução nossa

[24] BO, 1933, nº 33, P. 9-10.

[25] Cf. P. Broué, "Trotsky e o bloco das oposições de 1932 ", no Cahiers Léon Trotsky, 1980, nº 5, P. 22. Paris. Tradução nossa

[26] Trotski, Cartas e correspondência, Moscou, 1994. Tradução nossa

[27] Idem

[28] BO, 1938, nº 66-67, P. 15.

[29] Trotski, Staline, editions Grasset, Paris, 1948, P. 546 e 562. Tradução nossa

[30] Idem, p.562.

[31] Trotski, a URSS na guerra. Tradução nossa

[32] Trotski, A Revolução Traída.

[33] Vadim Rogovin era, na época "soviética", um dos principais propagandistas oficiais e comentaristas da política social do PCUS, professor do Instituto Russo de Sociologia. Durante a Perestroika se converteu em antistalinista e admirador incondicional de Trotsky. É autor de uma série de livros em que faz a apologia de Trotsky e de suas idéias.

[34] V.Z. Rogovin, A Neo-NEP stalinista, Moscou, 1994, P. 344.

[35] BO, 1933, nº 36-37, P. 7.

[36] Krishtanovskaia O. "A oligarquia financeira na Rússia", na Izvestia de 10/01/1996. Tradução nossa

[37] Idem

[38] Zuganov é o chefe da Partido comunista "renovado" e rival principal de Yeltsin na última eleição presidencial. Viktor Ampilov é o dirigente principal do movimento stalinista "duro" na Rússia, fundador do "Partido comunista operário russo". Advoga pela restauração do totalitarismo "clássico" dos anos 30.

[39] BO, 1935, nº 41, P. 3.

[40] BO, 1935, nº 41, P. 3.

[41] Idem

[42] Fazendo uma conclusão analógica depois de alguns estudos sociológicos concretos, O. Krishtanovskaia escreve: "Se analisar atentamente a situação na Rússia durante os anos 90 (...) comprova-se que unicamente os físicos torpes que decidiram fazer-se "brockers", ou os engenheiros em tecnologia convertidos em proprietários de quiosques ou de cooperativas comerciais, fizeram uma "acumulação primitiva". Sua passagem por essa acumulação acabou quase sempre em compra de ações do MMM [uma pirâmide financeira], cujos resultados são bem conhecidos e alcançaram escassas vezes a etapa de "acumulação secundária" " (Izvestia, 10/01/96). Tradução nossa

Os erros fatais de Trotsky

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Uma análise errada do ciclo

Contrariamente à atividade dos "trotskistas" depois de 1945, aquela da corrente trotskista de 1938, tal como derivava do programa de transição, estava ao menos relacionada com uma tentativa de apreciação da natureza do período (a agonia mortal do capitalismo, a ausência de desenvolvimento das forças produtivas, a próxima emergência do proletariado revolucionário). Ainda que esta análise tivesse sido correta, não teria justificado os desvios oportunistas e ativistas de Trotski. Porém, é ainda a preocupação que eles terão perdido: fundar sua atividade sobre uma compreensão da situação objetiva.

Todos os segmentos da obra teórica e política de Trotski estão ligados nesta época, por um só e mesmo fim: a convicção de uma ascensão revolucionária do proletariado. Trotski sempre percebeu o retrocesso mundial da revolução como um fenômeno temporário, resultado de uma interrupção momentânea do ciclo de lutas iniciado em 1917. Nesta perspectiva, as derrotas, longe de abrir todo um ciclo contrarrevolucionário, longe de arrebatar todas as aquisições organizacionais do ciclo anterior, não representavam ante seus olhos mais que uma pausa instável, prelúdio de novas explosões.

Nestas condições, não há de surpreender-se que tenha sido totalmente incapaz de perceber as implicações da profundidade do retrocesso do proletariado, em particular através o desenvolvimento do oportunismo no seio do que tinha sido a vanguarda, advogando ele mesmo as regressões políticas importantes que se manifestaram a partir do segundo congresso da Internacional comunista. Isso testemunha sua defesa das organizações pretensamente "operárias", que continuam sendo "conquistas" a defender apesar de seus chefes. Este é o fundamento de sua percepção da burocracia russa como uma "bola no topo de uma pirâmide", dos sindicatos, das "aquisições" de Outubro. Partindo destas premissas, Trotski cometeu mais um erro de grande importância, considerando o fascismo como uma reação a um perigo de revolução proletária, enquanto este tinha conseguido se desenvolver exclusivamente porque a curva da luta de classe já estava em queda. Isso levou Trotski a pensar nada menos que na Alemanha em 1933, a pressão da classe poderia "obrigar" o PC e a SD a organizar o contra-ataque!. É igualmente esta convicção que justificava aos olhos de Trotski, a criação de uma "Internacional" artificial, arcabouço apressado destinado a atrair a vanguarda, a qual ele estava persuadido que se mantinha como aquisição de lutas anteriores ao seio das organizações stalinistas e social-democratas.

Apenas semelhante visão pode explicar que em plena debandada do proletariado (1936) Trotski tenha logrado escrever sem duvidar: "Na França, os reformistas têm conseguido... canalizar e frear ao menos momentaneamente a torrente revolucionária. Nos Estados Unidos fazem tudo que podem para conter e paralisar a ofensiva revolucionária das massas" e enfim na Alemanha "os sovietes cobrirão o país antes que Weimar reúna uma nova assembléia constituinte..."

Trotski não tinha compreendido que desde o esmagamento da revolução alemã (1923), última esperança de uma recuperação do movimento, se havia imposto a contra-revolução, ou seja, o capital decadente, o que impõe sua lógica a todas as conquistas, a todas as organizações permanentes e que desviava para seus próprios fins as lutas. Crise, fascismo, New Deal, Frente Popular, guerras locais e logo guerra generalizada, divisão do mundo, guerra fria, reconstrução, não seriam mais que momentos da contra-revolução arrogante, segura dela mesma, que sobre o cadáver da revolução, adentra as aquisições anteriores do movimento e as esvazia de seu conteúdo proletário. No curso deste ciclo sangrento, bárbaro, inumano, todas as iniciativas de classe são desviadas até o terreno da defesa de uma fração do capital contra outra.

É verdade que em 1938 o capitalismo encontrava-se em um marasmo espantoso e que até 1947-49 jamais a miséria das massas havia sido tão aguda. Porém, o que importava compreender era o seguinte: quando o proletariado como classe autônoma, tinha sido eliminado da cena, era o capitalismo que tentava superar a crise por seus próprios meios. Nada será dispensado à classe operária: é com seu sangue e suas ilusões que será estabelecido o novo mapa do mundo, de Catalunha a Stalingrado e de Dresde a Varsóvia. E é com o suor dos trabalhadores que será "reconstruída" a economia capitalista mundial.

Nestas condições, o papel dos revolucionários não era correr atrás das massas desmoralizadas, deixando seus princípios de lado, e tomando parte em cada um dos episódios da luta interna do capital, nem ruminar a poção milagrosa "transitória" destinada a criar a "ponte" entre sua passividade e a revolução, mas entregar-se a um trabalho de estudo crítico das experiências passadas e de preparação teórica, defendendo os princípios de classe e resistindo a todas as tentações ativistas e impacientes.

Esse trabalho o tem cumprido algumas minúsculas frações saídas das "Esquerdas" italiana e alemã, bem ou mal, porém o têm cumprido. Que tenham sofrido elas mesmas a pressão do período, que tenham pegado no curso desta interminável travessia enfermidades sectárias e dogmáticas ou pelo contrário empiristas, não muda nada o fato que é graças a sua lucidez como nós podemos atualmente caracterizar o trotskismo.

A natureza da URSS

Desde a Segunda Guerra mundial a questão da natureza da URSS não é uma discussão aberta entre revolucionários, mas uma fronteira de classe para os internacionalistas. A caracterização do capitalismo russo como um Estado "operário" conduz à defesa de um imperialismo em um conflito armado. Ela reconhece de fato um papel progressista ao stalinismo e à acumulação nacional: em uma palavra, ao capital envolto com frases "socialistas". Conduz por outra parte à defesa das nacionalizações, ou seja, à tendência do capitalismo decadente ao capitalismo de Estado.

Esta semeadura da confusão entre os trabalhadores porque proclama, queira ou não, que não é possível para a classe operária sair do falso dilema em que tem sido encerrada por décadas e do qual apenas começa a sair: eleger entre o capital russo ou o capital ocidental.

Isto não é tudo, a teoria do "Estado operário degenerado" obscurece igualmente a compreensão do que é o capitalismo. Implícita ou explicitamente, a análise de Trotski que reduz o capitalismo a certo número de características, formais, jurídicas, parciais, fixas (a propriedade individual dos meios de produção, sua venda, o direito de herança, etc.). Proíbe-se a si mesma penetrar no coração das contradições do sistema. Não reconhece essas contradições na URSS porque na realidade não as reconhece tampouco nos países capitalistas tradicionais.

Caracterizar a URSS como um Estado operário, é de entrada e antes de tudo afirmar que na época da dominação do capital em escala mundial, seria possível para um Estado nacional escapar ao menos parcialmente às leis do modo de produção capitalista. Tal concepção monstruosa não pode descansar mais que sobre uma visão completamente falsa do capitalismo como que sistema histórico e mundial.

Consideremos um instante um caso puramente imaginário e absurdo. Imaginemos que a Rússia protegida por uma muralha impenetrável, viva na mais completa autarquia frente o mercado mundial. Suponhamos também que nenhuma das "categorias" aparentes do capitalismo possa ser descoberta; que o sistema considerado em si mesmo apresenta o aspecto de uma gigantesca sociedade de escravidão generalizada, sem intercâmbio exterior nem interior, sem dinheiro, sem capital. Suponhamos ainda que os escravos sejam remunerados em espécie e que o Estado "organiza" toda a economia até o último parafuso ou grão de trigo.

E então, ainda neste caso extremo e puramente hipotético, teríamos o direito de afirmar que sem assalariado, sem intercâmbio, sem capital, as LEIS da sociedade russa estariam inteiramente determinadas pelas do mercado mundial e que sem "valor" reconhecível, a LEI do valor constituiria a LEI que se oculta atrás de cada uma das manifestações desta economia.

A autarquia não é mais que uma forma de concorrência. Mesmo se a acumulação estatal não tivesse a forma capital/dinheiro, o excedente a forma mais-valia e os produtos do trabalho, a forma comercial, é a concorrência com o capital mundial que determinaria diretamente a taxa, o ritmo e a forma desta acumulação; é ela e somente ela, a que permitiria compreender as relações sociais de produção e sua dinâmica e não a "maldade", o "autoritarismo", o "parasitismo" ou o "burocratismo" dos "gerentes".

A simples necessidade de manter esta autarquia exigiria a exploração feroz, intensiva, taylorista, sem cessar, acrescentada dos trabalhadores. Mais a concorrência internacional capitalista se agrava, mais a produtividade do trabalho aumenta, mais novos procedimentos técnicos, novas armas apareceram, e mais a autarquia dependeria da capacidade dos "burocratas" de acrescentar a produtividade de sua parte, de inventar novos procedimentos, novas armas. Não é mais que seguindo passo a passo às necessidades impostas pela concorrência mundial que os faraós deste Estado imaginário poderiam edificar as muralhas que lhes deram a ilusão de "escapar" de suas leis. É por isto que estaríamos perfeitamente no direito de qualificar estes faraós como funcionários do capital, capitalistas, porque não seriam mais que os representantes no seio desta fortaleza da necessidade inelutável de acumular, necessidade que é totalmente imposta pelo CAPITAL, enquanto modo de produção mundial. Ainda vestindo o aspecto de uma negação aparente das "categorias" do capitalismo, tal Estado não seria mais que a personificação extrema do sistema, porque longe de exercer-se mediante tudo um jogo de oferta e demanda e de ser obstaculizadas por restos pré-capitalistas, as leis do capitalismo mundial se exerceriam diretamente por intermédio dos funcionários deste Estado, verdadeiros sátrapas do capital internacional.

Ainda nesse caso extremo seria completamente legítimo chamar os burocratas russos capitalistas tal como era legítimo para Marx chamar assim aos escravistas do sul dos Estados Unidos porque, dizia ele, não são escravistas mais do que num sistema capitalista (e relacionados a este). Em um mundo capitalista, ainda no país imaginário dos faraós modernos, o despotismo no seio da fábrica estaria subordinado à anarquia do mercado, e a "planificação" às leis cegas da concorrência.

Desgraçadamente para os sustentáculos da absurda teoria do "Estado operário degenerado", a realidade contradiz ainda mais implacavelmente os fundamentos de sua análise. Efetivamente, não somente a Rússia não vive na autarquia, mas, além disso, todas as manifestações essenciais do capitalismo se acham abertamente estabelecidas na Rússia mesma, não somente no sentido tomado mais acima, mas igualmente sob uma forma "interna" facilmente reconhecível. Os trabalhadores russos são remunerados sob a forma de salário-dinheiro. Este fato por si só implica a existência do intercâmbio, da produção mercantil, da lei do valor, da dominação do trabalho morto sobre o trabalho vivo, do lucro capitalista e da baixa de sua taxa. Ainda para os míopes trotskistas que analisariam a Rússia isoladamente!

Porém os herdeiros da "revolução traída" se mostram incapazes de compreender a identidade das tarefas sociais dos proletários russos ou americanos, chineses ou franceses, polacos ou alemães. Os dos países chamados "socialistas" não devem deixar-se enganar pelas consignas "reformistas" ("democracia", "redução dos privilégios", "autogestão"...) e os dos países capitalistas tradicionais pelos discursos sonoros contra os "trustes" e as -especulações- ou os "parasitas". As tarefas dos operários dos dois blocos se confundem: destruir o Estado burguês primeiramente em escala mundial e em seguida destruir a forma valor dos produtos do trabalho (ou seja, o fato que sejam trocados por intermédio de um equivalente geral, segundo o tempo de trabalho social necessário para sua fabricação) abolindo em escala global a separação dos trabalhadores dos meios de produção e toda concorrência, nacional ou internacional. Destruindo a relação salarial de trabalho (intercâmbio da mercadoria força de trabalho por um salário) e a produção mercantil (intercâmbio de mercadorias). Isto é levar à morte o capital, que não é nem o "poder dos monopólios", nem de "duzentas famílias" senão uma relação social. Todo o resto: "nacionalizações", "controle operário sobre os lucros" não são mais que propostas para administrar melhor o capitalismo.

Nos países do Leste, o trotskismo se apresenta como uma corrente reformista que luta pela revolução "política" que deixaria intactas as relações de produção capitalistas acrescentando simplesmente mais palavras: "controle operário" e "democracia operária". Como não chega a compreender que o capitalismo de Estado não é mais que a realização das tendências intimas do capitalismo tradicional na época de seu declive, se revela incapaz de superar mediante o pensamento e a prática o marco destas tendências e não faz mais que avançar um programa máximo que se mantém aquém da destruição das relações capitalistas.

Na hora em que o capital submete a toda a humanidade a suas próprias necessidades, não é possível ser revolucionário em Paris e reformista em Gdansk, ou internacionalista em Turim e chauvinista em Moscou.

A guerra da Espanha

A tomada de posição de Trotski a respeito da guerra da Espanha devia revelar a profundidade de sua regressão em relação aos princípios comunistas e internacionalistas. Por crítico que foi, seu apoio à Frente Popular, ao Estado burguês democrático e à guerra imperialista que travavam, constituía o signo precursor do afundamento da 4ª Internacional no chauvinismo no curso da segunda guerra mundial.

A posição de Trotski durante a chamada guerra "civil" é uma obra mestra de centrismo. Começa partindo em maltratar com violência a "democracia burguesa" e declarando que só a ação independente do proletariado pode assegurar sua própria vitória. Critica ferozmente não somente o papel contra-revolucionário dos stalinistas, mas também o dos anarquistas, do POUM, qualificado a justo título de "ala esquerda da frente popular". No entanto, o grande ex-revolucionário russo declara aceitar o comando oficial, enquanto "não sejamos bastante fortes para derrubá-lo" e põe em guarda o proletariado contra toda tentativa de destroçar atualmente o governo de Négrin... o que "não serviria mais que ao fascismo". (Tomo II de seus Escritos). De um extremo belicismo na verdade, preconiza "delimitar-se claramente das traições e dos traidores, sem deixar de ser os melhores combatentes da frente". (Idem)

A posição de Trotski se fundava sobre uma análise completamente falsa das relações de classe na Espanha. Considerava que no seio da classe "republicana" se desenvolvia "uma revolução híbrida, confusa, meio cega e meio surda", que se tratava de transformar em revolução socialista. Descrevia a luta entre as duas frentes como luta entre duas classes sociais, subjugadas, uma pela democracia burguesa, outra pelo "fascismo". Em suma para Trotski, o exército proletário com chefes burgueses: "se à frente dos operários e camponeses armados, ou seja da Espanha republicana, tivesse existido revolucionários e não agentes covardes da burguesia..." (Idem). Se houvesse revolucionários à frente do Estado burguês...! Não é Louis Blanc quem fala, é o homem que um dia esteve à frente do soviete de Petrogrado!

Na época, a fração da "Esquerda Italiana" reagrupada ao redor da revista "Bilan" teve um diagnóstico radicalmente diferente ao que estava na base desta visão fantasmagórica de uma revolução "meio consciente" (?) que avançava em batalhões compactos para o massacre sob as ordens dos "agentes covardes da burguesia". De fato, como o mostraram os camaradas de Bilan, se o levantamento de julho de 36 contra os facciosos havia constituído uma primeira emergência do proletariado sobre suas próprias bases de classe (greve, armamento autônomo dos operários, milícias...), no entanto, "a fração democrática dos representantes do capital havia conseguido encerrar o proletariado em um terreno antifascista de guerra civil, alistar os operários em um exército permanente burguês e substituir completamente as frentes de classe por frentes territoriais".

O ataque frontal não havia tido êxito, porém a burguesia democrática ia conseguir fixar a classe operária sobre uma base em que não poderia mais se afirmar como força autônoma.

Desde então a guerra "republicanos - nacionalistas" não era mais que um conflito inter-capitalista, onde os operários totalmente submetidos ao Estado burguês se faziam massacrar por interesses que não eram os seus. Além disso, como todo conflito entre dois Estados burgueses, a carnificina espanhola se voltou imediatamente numa expressão da guerra imperialista mundial onde os diferentes países tomaram mais ou menos clara posição, evidentemente sob o manto de "fascismo" ou "antifascismo", e onde os operários e os camponeses pobres regaram seu sangue ao som dos canhões franceses, alemães, russos, etc.

Em tais condições, a única oportunidade, por ínfima que fosse de ver abrir-se um processo revolucionário, era opor às frentes imperialistas as frentes da luta de classe sem nenhum medo de debilitar a frente republicana e chamando os operários a serem os "melhores combatentes" da frente de classe que eles mesmos deviam instituir no seio das duas frentes imperialistas e não do "heróico" vencedor exército burguês. Os eternos "realistas" gritaram que ele havia favorecido a Franco, porém a única oportunidade de combater Franco era levar a luta de classe às regiões que ocupava e para ele fazia falta para começar que esta emergira sem nenhum compromisso, ali onde se encontravam as frações mais avançadas do proletariado, nas chamadas zonas "livres". Ainda que se declarasse em geral de acordo com esta verdade elementar de que os operários deviam cumprir a revolução social contra Caballero e Franco, Trotski foi conduzido por sua visão superficial das coisas a tomar partido de maneira "crítica" por um exército imperialista.

Até o final da guerra em 1938-39 Trotski radicaliza sua linguagem ao ponto de retomar as teses da "Esquerda Italiana", porém sem romper jamais com sua catastrófica concepção segundo o qual no interior de uma guerra conduzida por um Estado capitalista pode desenvolver-se um processo revolucionário que não transtorne completamente a disposição das frentes e que sob a direção de um exército burguês permanente podia caminhar uma "revolução inconsciente".

Desta capitulação até aquela do conjunto do movimento trotskista durante a Guerra de 1940-45, não havia mais que meio passo.

O programa de transição

O programa de transição é a continuação direta da estratégia da Internacional Comunista a partir de seus 2º e 3º Congressos. A discussão sobre a tática "transitória" é de uma importância fundamental. Esta traz à luz a divergência infranqueável que separa os revolucionários dos trotskistas. Não podemos aqui esgotar a riqueza da questão que é a da relação dialética entre lutas econômicas e políticas, o movimento e o fim, a classe e o programa, etc... Porém podemos tentar demarcar o nó do problema e mostrar ao mesmo tempo que Trotski não o aborda tampouco e se contenta com acomodar os velhotes social-democratas em um molho"radicalizado".

Um programa mínimo na época que não pode havê-lo

Trotski pretende "superar" a tradicional separação entre programa mínimo e máximo, estabelecendo um programa de reivindicações transitórias suscetíveis de ligarem as demandas imediatas com a revolução. Este objetivo de ir mais além da ruptura herdada do século XIX é louvável. Mas precisamente, Trotski cai exatamente no defeito que denuncia. Ao estabelecer um programa que não é o programa comunista, Trotski reconhece a necessidade de que se houvesse dois programas comunistas! Porém o segundo se quer tem uma razão de ser, deve estar composto de reivindicações que não superem o marco burguês (senão, faria parte do programa comunista), portanto de reivindicações "mínimas". Ao reconhecer que pudesse existir na hora do declive do capitalismo, outro programa diferente ao da revolução comunista, Trotski divide novamente o processo proletário e seu curso em duas etapas: atualmente as reivindicações imediatas, amanhã o programa revolucionário. Que pretenda que as primeiras conduzam ao segundo não muda nada: Os social-democratas o afirmavam também!

Há que ser coerente: Ou bem existe um só programa e este é o programa máximo, ou bem existem dois e então se recai na velha dicotomia programa máximo / programa mínimo.

Por tanto, longe de estabelecer a relação entre o movimento elementar e o objetivo final, o programa de transição os dissocia. A melhor prova do fato que o programa de transição não é mais que um programa mínimo coberto com uma capa de fraseologia "radical", é que abunda em demandas reformistas e que o programa comunista se acha totalmente ausente (mesmo se Trotski reconhecia aqui é ali a necessidade da revolução).

É assim que se encontra o "controle operário" (sobre o capital), o governo "operário e camponês", a reivindicação das "grandes obras públicas", a expropriação de certos (?) ramos da indústria entre as mais importantes para a existência nacional (!) ou de certos grupos da burguesia entre os mais parasitas (!!!)", "um sistema único de crédito, segundo um plano racional que corresponde aos interesses de toda a nação (?!)", "um banco estatal único" e outras sandices menos dignas ainda do programa comum da esquerda. Em nenhuma parte se encontra a destruição do Estado burguês, a ditadura do proletariado, a destruição da concorrência, das nações, do intercâmbio e da forma valor dos produtos do trabalho, do assalariado. Trotski deseja modernizar, estatizar o capital e generalizar o assalariado, Marx, em troca, desejava destruir o capital e abolir o assalariado."

"Porém" nos responderão os trotskistas, "nós estamos de acordo, somente que é o programa final e, entretanto, queremos outro programa para mobilizar as massas", bem, porém então deixem de andar hipocritamente pelos ramos e reconheçam que têm necessidade de dois programas, um "mínimo" e outro "máximo", um para a luta e outro para os discursos, um para os dias de semana e outro para o domingo! E por favor, deixem de zombar dos social-democratas, que pelo menos eles o reconhecem abertamente.

Um esquema utópico e burocrático

Os comunistas não têm um programa para a sociedade capitalista. Porém é óbvio que lhe concedem uma importância decisiva às lutas elementares que surgem espontaneamente de seu solo. Não compartilham o desdém acadêmico dos intelectuais burgueses por essas questões "quantitativas". Sabem que a crise social produz lutas de resistência às condições sociais de existência tais como se manifestam cotidianamente para os trabalhadores, levando à tomada de consciência da necessidade de transformar a sociedade. Porém é justamente porque conhecem as formidáveis possibilidades de ampliação, de desenvolvimento dos combates econômicos sobre o terreno revolucionário, que não os encerram por adiantado em reivindicações rígidas. Todo catálogo de reivindicações fixado ao inicio de um movimento de classe obstaculiza o aprofundamento desse movimento o fixando sobre aspectos parciais antes que tenha tempo de expandir-se, de alcançar sua amplitude.

Os revolucionários se guardam como da peste de aprisionar como Trotski a riqueza, a força e as potencialidades da luta em um programa de reivindicações rígidas e em um esquema doutrinário.

Não somente o programa de transição é reformista pelo conteúdo de suas demandas, mas, além disso, porque toda sua lógica consiste em encerrar o movimento no saco estreito de suas consignas, mesmo antes que comece a desdobrar suas gigantescas possibilidades de crescimento.

Trotski não se contenta em desejar fixar o processo da luta de classe sobre aspectos parciais. Tem, além disso, a pretensão de "programar" a sucessão de formas de luta, desde a greve até a insurreição. Trotski deseja fazer avançar o movimento em uma espécie de jogo da oca saído de sua imaginação dogmática. Acredita que a luta vai primeiro a tal espaço, imediatamente sob o impulso de tal consigna passa ao espaço seguinte. E por fim, depois de haver "transitado" docilmente nos passos previstos, chega ao objetivo final.

O movimento real não segue nenhum esquema burocrático. Greves, lutas econômicas, lutas políticas, comitês de greve, iniciativas informais, ocupações, Sovietes: a luta não se desenvolve segundo um plano preconcebido, senão que suas formas se engendram mutuamente, se interpenetram, se sucedem, desaparecem e voltam no momento menos esperado.

Marx escrevia que os comunistas não têm princípios particulares sobre os quais pretenderiam modelar o movimento prático da luta da classe. Esta frase é mais profunda do que se pensa. Significa que não corresponde à organização de revolucionários definir de maneira idealista as formas e as reivindicações por antecipação. Isso o fará o proletariado mesmo no fogo da ação, segundo as circunstâncias.

Em nossa época uma grande parte dos movimentos de classe parte sem reivindicações precisas e não é mais que após certa relação de forças que se coloca o problema de fixar objetivos precisos, negociar, etc. É esta ausência de limites a priori que implica a possibilidade da extensão do movimento, de seu aprofundamento, de sua radicalização.

Movimento e programa

Os revolucionários não condenam nem fetichizam nenhuma forma da luta de classe. Seu papel não é modelar o movimento, senão fecundá-lo expressando seu sentido geral, portanto fazendo tudo para impedir que os sindicatos e esquerdistas limitem suas potencialidades e ocultem sua significação e sua direção.

Devemos ser ao mesmo tempo extremamente flexíveis e extremamente firmes. Flexíveis para que como membros da classe, saibamos nas circunstâncias mais diversas retomar, amplificar as formas, as reivindicações que surgem espontaneamente da massa, formular o que as massas sentem, lançar consignas unificadoras porque vão no sentido da extensão e da radicalização do movimento. Firmes para que como organização defendamos o programa comunista. Tal é nossa função especifica, porque é em torno deste programa que se reagrupam os trabalhadores mais conscientes que atraem aos outros e é a partir desta visão do objetivo que destacamos do movimento as tendências revolucionárias.

Trotski está pela flexibilidade no programa e o abandono do objetivo final e pelo dogmatismo rígido frente ao movimento! O comunismo é o sentido do movimento. Abandonar o comunismo é trair a essência mesma do movimento, é impedir sua única realização: o comunismo.

 (Adaptação do texto original de Março de 1973)

O trotskismo, defensor da guerra imperialista

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O trotskismo deixa de ser uma corrente do movimento operário quando passa definitivamente para o campo do capitalismo no curso da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Durante a segunda carnificina imperialista deste século, a IV° Internacional trotskista rechaça a consigna derrotista dos bolcheviques: Transformar a guerra imperialista em guerra civil! que tinha sido o marco de reagrupamento das forças revolucionárias proletárias contra a Primeira Guerra mundial. Os trotskistas realmente, defenderam o campo do imperialismo democrático e do stalinismo contra os imperialistas fascistas chamando à transformação da "guerra imperialista em uma verdadeira guerra pela defesa da URSS e contra o fascismo". É da maior importância para os revolucionários de hoje compreenderem o processo de contrarrevolução que dizimou e corrompeu numerosas forças do movimento revolucionário durante cinco décadas (na Rússia e outras partes). O modo em que essa degeneração afetou o trotskismo em particular, até ficar perdido para o movimento proletário constitui o tema deste artigo. O trotskismo não perece fisicamente como tendência política (salvo em países como a Rússia) como foi o caso de outras correntes proletárias nos anos 30 ou durante a guerra. Perece de maneira insidiosa, ao deixar de ser um fator de resistência revolucionária e de reagrupamento que tinha sido durante os anos que antecederam a guerra, ainda que fosse profundamente confuso acerca de numerosos pontos fundamentais.

Os trotskistas atualmente se empenham em deformar ou ocultar a importância das suas atividades durante a segunda guerra mundial. Só os mais cínicos e os mais estúpidos deles defendem esta parte da sua trajetória sem nenhuma vergonha. Porém no geral os trotskistas se mostram muito discretos em discutir suas atividades durante a guerra, na medida em que isso faria vir à luz do dia que suas declarações de "internacionalismo" e de "anti-stalinismo" autênticos não são outra coisa além de mentiras. A verdade é que os trotskistas durante a última grande guerra levaram à prática o que até então só haviam defendido com palavras ainda que temos de recordar que no curso da guerra civil espanhola, em 1936-38, os trotskistas participaram neste conflito inter-imperialista, aliando-se ao lado da república. Nesta época, o próprio Trotsky pretendia que os revolucionários deviam ser "bons soldados" do exército republicano! [1]

Rumo ao campo do capital

Às vésperas da segunda guerra mundial, o trotskismo já estava imerso na política reacionária do "mal menor". Havia se incorporado ao coro antifascista da burguesia democrática, melhor dizendo, aos seus preparativos de guerra, usando a desculpa de que o antifascismo representava uma "ponte para as massas". E era efetivamente uma ponte! Porém uma ponte construída pelas burguesias imperialistas democráticas e stalinistas com o objetivo de militarizar o proletariado e a população na preparação de uma nova divisão do mercado mundial.

Assim que Hitler chega ao poder em 1933, Trotsky chega até exortar o imperialismo americano a apoiar a Rússia para opor-se a ameaça do Japão e Alemanha! [2]. Esta perspectiva "transitória", "tática" de apoio a um campo imperialista contra outro (sem admitir abertamente) foi colocada em prática pelo trotskismo sob múltiplas expressões nos anos 30: apoio a "resistência colonial" na Etiópia, China, México, apoio a Espanha republicana, etc. Esta perspectiva "transitória", "tática" de apoio a um campo imperialista contra outro também foi muito clara durante todo este período (Polônia, Finlândia, 1939) dissimulado por detrás da palavra de ordem de "defesa da pátria soviética"

O começo da guerra

As atividades dos trotskistas durante a Segunda Guerra mundial onde, fora raras exceções, participaram ativamente nos movimentos de resistência financiados pelos imperialismos "aliado" e stalinista, constituíram o passo definitivo, lógico, do movimento trotskista para o campo do capital. A partir de então a natureza de classe do trotskismo como corrente política não podia ser mais que capitalista. Os cães de guarda mais radicais e mais ruidosos da ala esquerda do capitalismo, é o que todas as organizações trotskistas, grandes ou pequenas, tem sido desde a guerra.

Na Europa os trotskistas utilizaram três argumentos principais para justificar a participação na guerra imperialista ao lado da democracia burguesa e do stalinismo:

  • 1) "A defesa incondicional da URSS" (o que significava o apoio ao imperialismo russo).
  • 2) A defesa da democracia burguesa (enquanto um "mal menor") contra o fascismo (o que significava o apoio a um bando de gangsteres imperialistas contra outro. O que é uma posição social-patriota e não uma posição comunista internacionalista!)
  • 3) A questão "nacional" na Europa. Esta tinha-se tornado segundo o trotskismo uma realidade depois da ocupação pelo exército alemão da França, Bélgica, Holanda, Noruega, etc. As massas desejavam a "independência nacional" diante do "invasor nazista" segundo seu linguajar. O combate das nações oprimidas da Europa teria sido  nada menos que progressista e isso obrigaria os trotskistas a encontrar uma "ponte" direcionada às aspirações das massas. As "massas" incluíam certamente, Roossevelt, Churchil, De Gaulle, a GPU além de todo o aparato de Estado Imperialista da Europa que tinha sido abalado pelo imperialismo alemão, italiano e japonês. A "ponte" que buscavam os trotskistas não era muito difícil de encontrar. Foi avidamente posta de pé com a ajuda do ouro e das armas dos aliados que financiaram a resistência e os maquis (guerrilheiros).

Com estas três justificativas, os trotskystas na França, Bélgica, Itália, etc. se uniram à resistência e foram muito ativos. Na França, em todas partes onde os trotskystas alcançaram uma certa influência no interior do exército alemão (como em Brest por exemplo), chamaram os soldados alemães a entregar suas armas a resistência "pela defesa da URSS". Para os trotskystas franceses, o imperialismo alemão era o "inimigo nº1" [3]. As publicações em alemão dos trotskistas franceses (em particular o grupo La vérité, o Partido Operário Internacionalista) conclamavam aos soldados alemães na França a voltar suas armas contra seus oficiais e a Gestapo e a confraternizar com o maquis (a guerrilha) (significa dizer com as tropas de uma parte da burguesia francesa). Porém não chamavam as tropas do maquis a voltarem suas armas contra seus próprios oficiais da resistência ou contra os agentes stalinistas que dirigiam o maquis [4]

Alguns trotskistas franceses "criticaram" esses "desvios nacionalistas" praticados pelos patriotas trotskistas mais toscos. Porém todos defendiam as premissas políticas do trotskismo que conduzem implacavelmente ao abandono do internacionalismo (apoio à Rússia, à democracia burguesa, etc.) Não foi um acidente se essas críticas nunca levaram a nenhum desses grupos "ortodoxos" (inclusive o "mais puro" dentre eles, a União Comunista de Barta, precursor do grupo francês Lutte Ouvrière) a abandonar as posições burguesas do trotskismo. Para todos os trotskistas franceses que criticavam os "desvios nacionalistas" no seu seio, estas eram o resultado de "erros" ou de "oportunismo" e não uma questão decisiva que implicasse a passagem das fronteiras de classe.

Os melhores inimigos de Hitler

Nos Estados Unidos, o "Socialist Workers Party" (SWP) prometia ao governo travar um "verdadeiro combate" contra Hitler com a única condição de que a administração Roosevelt lhe permitisse atuar no "controle sindical da circunscrição" e na economia de guerra. Estas ofertas não foram aceitas e por outro lado não impediu o SWP de ser perseguido por engano, como um "perigo claro e presente" contra o esforço de guerra americano no juizado de Minneapolis em 1941. Embora Cannon e o resto da direção do SWP se postaram aos pés do júri, isso não os salvou da condenação a pena de prisão, relativamente curtas. Porém sua atitude diante da justiça não foi simplesmente o resultado da sua covardia pessoal; era lógica em função da capitulação, anterior à guerra, do trotskismo diante da ideologia antifascista do imperialismo democrático.

Algumas semanas depois que Trotsky foi assassinado por ordem de Stálin, Cannon desenvolve até o fim a lógica implícita na própria política oportunista de Trotsky diante da guerra. Por ocasião de uma conferência especial que o SWP promoveu em Chicago no mês de setembro de 1940, Cannon defendia a "proletarização" das forças armadas americanas: "Desejamos combater Hitler. Nenhum operário deseja ver esse bando de bárbaros facistas invadirem este país ou qualquer país que seja. Porém desejamos combater o fascismo sob uma direção na qual possamos ter confiança... Não permitiremos jamais que suceda o que sucedeu na França... Os trabalhadores por eles mesmos devem tomar este combate contra Hitler, contra todo aquele que usurpe seus direitos... A contradição entre o patriotismo da burguesia e o das massas deve ser o ponto de partida da nossa atividade revolucionária. Devemos basearmos na realidade da guerra e na reação das massas aos acontecimentos da guerra" (Os marxistas na segunda guerra mundial - de Brian Pearce).

Assim as "aspirações das massas" constituem a razão dada para determinar o apoio do trotskismo ao imperialismo dos aliados. Porém esta suposta aspiração "antifascista" do proletariado não existia em nenhuma parte em 1939, sobretudo à escala inventada pelo trotskismo. E ainda se isso fosse o caso, teria representado a dominação da ideologia democrática burguesa sobre a consciência da classe no seio do proletariado. Uma coisa que os revolucionários deveriam ter combatido (o que fizeram na realidade, mas não os trotskistas), exatamente como Lênin e os bolcheviques lutaram contra outras formas de patriotismo nacional que encerrava as massas durante a Primeira Guerra Mundial.

Porém o trotskismo compreendia que este apoio ao imperialismo deveria basear-se em certa vontade de resistência do proletariado contra a barbárie. Esse era o único caminho que para arrastar os operários a apoiar um campo da burguesia contra outro na guerra imperialista. A ideologia antifascista foi a mistificação ideal que necessitava o capital para esta finalidade, o stalinismoe o trotskismo foram seus seus principais propagadores no seio da classe operária durante a guerra. Os trabalhadores ingleses que produziam os blindados para o exército russo por exemplo, foram autorizados a escrever "Greetings to Uncle Jô" ("saudações ao tio Stálin") no lado dos blindados, o que os animava a trabalhar mais duramente e a produzir mais blindados em menos tempo. O trotskismo jamais se opuseram a tais campanhas. O fato de que os blindados foram mais tarde utilizados para os planos imperialistas da Grã Bretanha, para assassinar e mutilar outros trabalhadores fardados, não contava para os trotskistas desde o momento em que os blindados iriam defender a "pátria dos trabalhadores".

A ideologia antifascista dos trotskistas serviu de justificativa para a defesa de todos os imperialismos aliados, inglês, russo, francês, americano, etc. Isso quer dizer que o trotskismo tinha numerosos grandes chefes na época, tal como hoje.

Munis e Natalia Trotsky rompem com o trotskismo

As atas judiciais oficiais do juizado de Minneapolis jamais foram oferecidos ao público pelo SWP americano. A versão editada pelo SWP (sob o título "O Socialismo em Julgamento") difere das atas oficiais em vários pontos importantes. Os propósitos de Cannon reportados na ata oficial argumentam com efeito a favor de uma orientação pró-americana e expressam as lamentações de um patriota americano incompreendido. No entanto, na versão do SWP os piores excessos de Cannon são devidamente eliminados, embora o tom vil da declaração da defesa não desaparece jamais. O trotskista espanhol Grandizo Munis que se opunha à posição defensista do SWP e dos seus partidários irmãos escreveu em 1942 uma crítica fraternal do SWP durante o julgamento que se traduz em Qual política para os revolucionários? Marxismo ou ultra-esquerdismo? A resposta de Cannon igualmente publicada neste folheto ilude e portanto confirma as críticas de Munis. Este responde em O SWP e a guerra imperialista, uma crítica mais elaborada da atitude no julgamento, que reduzia a nada os argumentos em favor do social patriotismo sustentados pelo SWP. Este folheto não foi posto em circulação pelo SWP apesar do fato de que Munis ainda era formalmente membro dirigente da IV internacional (em 1946)

Natalia Trotsky, que mais tarde seguiu o caminho de Munis e da maioria dos trotskistas espanhóis e rompeu com o trotskismo em 1951, levanta as mesmas acusações contra a IV internacional. É importante notar que Munis, Péret, Natalia Trotsky e outros revolucionários deste período foram capazes de ver que a "defesa incondicional da URSS" de Trotsky tinha sido uma das cortinas de fumaça atrás das quais o trotskismo capitulava frente aos seus próprios imperialismos nacionais (na França, Grã-bretanha, Bélgica, Estados Unidos...) Estes revolucionários tiveram obviamente de revisar sua posição sobre a Rússia e a reconheceram enquanto capitalismo de Estado. Porém as críticas de Munis e Peret sobre o trotskismo iam mais além da questão russa. Continham também uma denuncia profunda - embora parcial - das concepções e da prática do Comitnern (Internacional Comunista) no passado.

O segundo congresso da IV Internacional, em 1948 ignora naturalmente o conteúdo das críticas de Munis. Assim este congresso prova que o trotskismo tinha aderido, sem ser profundamente sacudido enquanto corpo unido, ao campo burguês. A traição ao internacionalismo, em uma guerra imperialista é o critério definitivo para determinar a natureza burguesa de uma organização política anteriormente proletária. O congresso de 1948 ratificou esta traição.

Os grupos trotskistas que revisaram posteriormente sua posição sobre a Rússia (por exemplo, as tendências Chaulieu, Tony Clif, Johnson-Forest, etc...) ignoraram ou foram incapazes de denunciar implacavelmente o papel do trotskismo durante a guerra e por conseguinte a maior parte dos erros pro gramáticos de fundo do Comintern no passado (apoio a libertação nacional, trabalho nos sindicatos, parlamentarismo, frentes únicas etc.) retornaram ao esquerdismo ou ainda à política de esquerda.

O congresso de 1948 não ratificou somente o patriotismo dos trotskistas durante a guerra, adotou igualmente a defesa total do stalinismo. Isto constitui uma das razões principais da existência do trotskismo atualmente. Em 1949 Tito, que executou trotskistas em Belgrado em 1941, disporá do apoio da IV° Internacional; em 1950 a teoria da "assimilação estrutural" será ruminada pelo trotskismo com a finalidade de demonstrar que os países do Leste da Europa deveriam ser defendidos da mesma maneira que o Estado "operário" russo original.

A Segunda Guerra Mundial não termina com a vitória do proletariado, mas com sua derrota absoluta. Porém segundo o trotskismo o balanço foi finalmente positivo porque a economia nacionalizada russa tinha sido exportada para a Europa do Leste. O fato que isto tenha se realizado sobre as costas de mais de 50 milhões de cadáveres, depois do desmembramento imperialista de todo planeta, não tinha a mínima importância. A lógica bárbara da política capitalista do trotskismo fica contida na afirmação de que as "formas de propriedade socialistas" podem expandir-se no mundo por meio do maior assassino do proletariado: o stalinismo! A Liga Spartaquista americana (Spartacist League) carregou esta concepção reacionária até sua conclusão mais horrível quendo afirma em 1964 que em "que o guarda chuva nuclear soviético deve cubrir Hanói"! Para os trotskistas, a consigna original dos bolcheviques contra a guerra se transforma no seu contrário: transformar a guerra imperialista... em barbárie imperialista.

No campo do capital para sempre

O papel do trotskismo atualmente consiste em defender o imperialismo, tal como fez em 1939-45. A maioria destes grupos stalinistas de esquerda nos Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, etc., já estão firme e legalmente associados ao aparato político do Estado capitalista e da política da esquerda do capital (os sindicatos, os partidos stalinistas e social-democratas).

Para o trotskismo atualmente o mundo do pós-guerra está dividido por uma luta entre dois campos sociais diferentes e inimigos: o mundo imperialista ocidental de um lado e Rússia mais seus "Estados operários degenerados estruturalmente assimilados" do outro (além de alguns outros "Estados operários" que vegetam entre estes dois campos). A luta de classes descrita por Marx com tanta precisão, paixão e convicção está completamente desaparecida na visão de mundo trotskista. A divisão de classes que separa o proletariado mundial da burguesia mundial não é mais a luta central que forma a base da sociedade capitalista. No seu lugar, a humanidade estaria confrontada a uma luta entre Estados nacionais, entre "sistemas econômicos" supostamente opostos: o capitalista ao oeste, o "socialismo" no Leste. O que significa que o trotskismo põe a classe operária mundial a reboque das políticas adotadas pelo Estado "operário" (quer dizer da política exterior russa). Como estas políticas devem ser progressistas, o proletariado deve defendê-las independente da necessidade da sua própria luta de classe. Além disso, a classe está obrigada a defender todos estes Estados que os trotskistas têm classificado como "Estados operários". Isto é feito completamente em sintonia com a política "internacional" preconizada em 1928 pelo Comintern stalinista ao proletariado mundial.

  • "A União Soviética é a verdadeira pátria do proletariado, é a defensora mais firme dos seus interesses e é fator principal da sua libertação internacional. Isto obriga o proletariado mundial a contribuir para o êxito da edificação socialista na União Soviética, e a defender o país da ditadura do proletariado por todos os meios contra os ataques das potencias capitalistas" (Programa da Internacional Comunista, VI Congresso 1928).

Os trotskistas atualmente saúdam não a uma mas numerosas "Uniões Soviéticas", que "necessitam" da defesa incondicional do proletariado mundial. Embora Trotsky tenha afirmado em 1940 que a questão da conservação da forma de propriedade do Estado nacionalizado na Rússia estava subordinada à questão da extensão da revolução mundial, para o trotskismo de hoje, a revolução mundial desapareceu completamente e só se trata de uma questão de apoio ao stalinismo, embora de maneira "crítica"

Em 1940 Trotsky realizou a falsa previsão a propósito do desenvolvimento do stalinismo:

  • "a alternativa histórica colocada de maneira extrema se apresenta como segue: ou o regime de Stálin é um resíduo repugnante no processo de transformação da sociedade burguesa em uma sociedade socialista, ou o regime de Stálin é a primeira etapa de uma nova sociedade de exploração. Se o segundo prognóstico se revelou correto, então seguramente a burocracia se transformará em uma nova classe exploradora. No entanto se o proletariado se revelar atualmente incapaz de cumprir a missão colocada à frente no curso do desenvolvimento, não ficará nada salvo o reconhecimento de que o programa socialista, baseado nas contradições da sociedade capitalista, era uma utopia" (Em Defesa do Marxismo, A URSS na Guerra"; Tradução nossa).

Porém Trotsky insistia também no fato que só o final da 2ª Guerra mundial decidiria finalmente a natureza de classe do stalinismo. Como temos visto, os trotskistas responderam à guerra traindo o internacionalismo e apoiando o imperialismo russo que demonstrou sem equívocos sua natureza de potência capitalista. Contudo a maioria dos trotskistas saudou o fim da guerra, o avanço do exército vermelho na Europa do Leste e Alemanha como uma grande vitória do socialismo! Na realidade o exército vermelho - como todos exércitos no conflito - acabava com toda possibilidade de resistência proletária que surgia em oposição a guerra. E o exército stalinista era ainda um dos mais experimentados e mais capazes de desarmar e massacrar o proletariado. Aqui, por exemplo temos o que dizia a propagandista Ilya Ehrenburg, uma hiena stalinista, a propósito dos operários alemães no começo dos anos 40:

  • "Se os operários alemães realizassem uma revolução e se aproximassem do exército vermelho como irmãos, seriam abatidos como cachorros" (citado em "invading Socialist Society" pela tendência Johnson-Forest, setembro de 1947).

Ao final da guerra, suas próprias mãos manchadas de sangue de operários devido a sua marcha "heróica" na resistência antifacista, os trotskistas, cúmplices dos aliados e do stalinismo, não podiam aceitar tal qual o último prognóstico pessimista de Trotsky que via no stalinismo como uma nova classe social no caso da derrota da sua superação pelos operários russos. Para eles, a guerra foi uma grande vitória do proletariado. Paradoxalmente o trotskismo de pós-guerra continuou ao seu modo a falsa lógica da perspectiva pessimista e não marxista de Trotsky em 1940. O fim da guerra viu a consolidação e extensão do stalinismo. E que fizeram os trotskistas frente a isso? De acordo com as teses de Trotsky, o stalinismo certamente seria completamente reacionário no plano internacional. No entanto, se pôs a criar novos "Estados operários" em todas as partes! Não episodicamente, nem conjunturalmente, como na Polônia em 1939, mas de maneira permanente. Também atribuem à burocracia a tarefa progressista de "criar cada vez mais Estados "operários" nos séculos por vir!" (Pablo)

Que papel resta então ao trotskismo, o auto denominado "partido mundial da revolução socialista"? Nenhum, salvo o de advogado do stalinismo.

Em 1951 durante a guerra da Coréia, os dirigentes trotskistas - senhores Mandel, Frank y outros Stalin menores - acusaram de maneira ignóbil Natalia Trotsky de sucumbir às "pressões" do imperialismo quando ela rompeu com a IV Internacional e descreveu a Rússia como uma potência capitalista de Estado. Só o aviltamento total desses renegados poderia fazê-los acusar os revolucionários de seus próprios crimes! A Stálin o que é de Stálin! Um dos principais deveres dos revolucionários atualmente é a denúncia implacável do trotskismo como um aborto sangrento do stalinismo. O passado dos trotskistas fala por si mesmo.

(World Revolution nº 21, dezembro de 1987, órgão da CCI na Grã-Betanha)


[1] As posições adotadas por Bilan durante a guerra da Espanha estão publicadas na nossa série Espanha 1936: Franco e a República massacram o proletariado; https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/Espanha_1936_Franco_e_a_Republica_massacram_o_proletariado.htm [5]

[2] Citado por Isaac Deutscher em O "Profeta no Exílio" Trotski 1920-1940

[3] Os trotskystas se uniram aos stalinistas para denunciar os verdadeiros internacionalistas como agentes de Hitler e de Mussolini contribuindo com isso na sua perseguição e extermínio. Os sobreviventes da Esquerda Italiana continuaram no entanto difundindo sua propaganda derrotista e internacionalista contra a guerra, apesar das condições difíceis de clandestinidade. Com efeito, é no apogeu da guerra imperialista, as revistas Internationalisme na França e Prometeu na Itália , apareceram pela primeira vez.

[4] As atividades patrióticas dos trotskistas franceses durante a Segunda Guerra mundial são notadamente evocadas em Les enfants du prophète (Os filhos do profeta) de J. Rousel nas edições Spartacus-Paris 1982. Porém não existe um trabalho, concernente ao movimento trotiskista no seu conjunto.

O trotskismo deixa de ser uma corrente do movimento operário quando passa definitivamente para o campo do capitalismo no curso da segunda guerra mundial (1939-1945). Durante a segunda carnificina imperialista deste século, a IV° Internacional trotskista rechaça a consigna derrotista dos bolcheviques: Transformar a guerra imperialista em guerra civil! que tinha sido o marco de reagrupamento das forças revolucionárias proletárias contra a Primeira Guerra mundial. Os trotskistas realmente, defenderam o campo do imperialismo democrático e do stalinismo contra os imperialistas fascistas chamando à transformação da "guerra imperialista em uma verdadeira guerra pela defesa da URSS e contra o fascismo". É da maior importância para os revolucionários de hoje compreenderem o processo de contrarrevolução que dizimou e corrompeu numerosas forças do movimento revolucionário durante cinco décadas (na Rússia e outras partes). O modo em que essa degeneração afetou o trotskismo em particular, até ficar perdido para o movimento proletário constitui o tema deste artigo. O trotskismo não perece fisicamente como tendência política (salvo em países como a Rússia) como foi o caso de outras correntes proletárias nos anos 30 ou durante a guerra. Perece de maneira insidiosa, ao deixar de ser um fator de resistência revolucionária e de reagrupamento que tinha sido durante os anos que antecederam a guerra, ainda que fosse profundamente confuso acerca de numerosos pontos fundamentais.

Os trotskistas atualmente se empenham em deformar ou ocultar a importância das suas atividades durante a segunda guerra mundial. Só os mais cínicos e os mais estúpidos deles defendem esta parte da sua trajetória sem nenhuma vergonha. Porém no geral os trotskistas se mostram muito discretos em discutir suas atividades durante a guerra, na medida em que isso faria vir à luz do dia que suas declarações de "internacionalismo" e de "anti-stalinismo" autênticos não são outra coisa além de mentiras. A verdade é que os trotskistas durante a última grande guerra levaram à prática o que até então só haviam defendido com palavras ainda que tenhamos de recordar que no curso da guerra civil espanhola, em 1936-38, os trotskistas participaram neste conflito inter-imperialista, aliando-se ao lado da república. Nesta época, o próprio Trotsky pretendia que os revolucionários deviam ser "bons soldados" do exercito republicano! [1]

Rumo ao campo do capital

Às vésperas da segunda guerra mundial, o trotskismo já estava imerso na política reacionária do "mal menor". Havia se incorporado ao coro antifascista da burguesia democrática, melhor dizendo, aos seus preparativos guerreiros, usando a desculpa de que o anti-fascismo representava uma "ponte para as massas". E era efetivamente uma ponte! Porém uma ponte construída pelas butguesias imperialistas democráticas e stalinistas com o objetivo de militarizar o proletariado e a população na preparação de uma nova divisão do mercado mundial.

Assim que Hitler chega ao poder em 1933, Trotsky chega até exortar o imperialismo americano a apoiar a Rússia para opor-se a ameaça do Japão e Alemanha! [2]. Esta perspectiva "transitória", "tática" de apoio a um campo imperialista contra outro (sem admitir abertamente) foi colocada em prática pelo trotskismo sob múltiplas expressões nos anos 30: apoio a "resistência colonial" na Etiópia, China, México, apoio a Espanha republicana, etc. Esta perspectiva "transitória", "tática" de apoio a um campo imperialista contra outro também foi muito clara durante este período todo (Polônia, Finlândia, 1939) dissimulado por detrás da consigna de "defesa da pátria soviética"

O começo da guerra

As atividades dos trotskistas durante a Segunda Guerra mundial onde, fora raras exceções, participaram ativamente nos movimentos de resistência financiados pelos imperialismos "aliado" e stalinista, constituíram o passo definitivo, lógico, do movimento trotskista para o campo do capital. A partir de então a natureza de classe do trotskismo como corrente política não podia ser mais que capitalista. Os cães de guarda mais radicais e mais ruidosos da ala esquerda do capitalismo, é o que todas as organizações trotskistas, grandes ou pequenas, tem sido desde a guerra.

Na Europa os trotskistas utilizaram três argumentos principais para justificar a participação na guerra imperialista ao lado as democracia burguesa e o stalinismo:

  • 1) "A defesa incondicional da URSS" (o que significava o apoio ao imperialismo russo).
  • 2) A defesa da democracia burguesa (enquanto um "mal menor") contra o fascismo (o que significava o apoio a um bando de gangsteres imperialistas contra outro. O que é uma posição social-patriota e não uma posição comunista internacionalista!)
  • 3) A questão "nacional" na Europa. Esta tinha-se tornado segundo o trotskismo uma realidade depois da ocupação pelo exercito alemão da França, Bélgica, Holanda, Noruega, etc. As massas desejavam a "independência nacional" diante do "invasor nazi" segundo seu linguajar. O combate das nações oprimidas da Europa teria sido "progressista" nada menos e isso obrigaria os trotskistas encontrar uma "ponte" direcionada às aspirações das massas. As "massas" incluíam supostamente, Roossevelt, Churchil, De Gaulle, a GPU além de todo o aparato de Estado Imperialista da Europa que tinha sido abalado pelo imperialismo alemão, italiano e japonês. A "ponte" que buscavam os trotskistas não era muito difícil de encontrar. Foi avidamente posta de pé com a ajuda do ouro e as armas dos aliados que financiaram a resistência e os maquis (guerrilheiros).

Com estas três justificativas, os trotskystas na França, Bélgica, Itália, etc. se uniram a resistência e foram muito ativos. Na frança, em todas partes ode os trotskystas alcançaram uma certa influência no interior do exército alemão (como em Brest por exemplo), chamaram os soldados alemães a entregar suas armas a resistência "pela defesa da URSS". Para os trotskystas franceses, o imperialismo alemão era o "inimigo nº1" [3]. As publicações em alemão dos trotskistas franceses (em particular o grupo La vérité, o Partido Operário Internacionalista) conclamavam aos soldados alemães na frança a voltar suas armas contra seus oficiais e a Gestapo e a confraternizar com o maquis (a guerrilha) (significa dizer com as tropas de uma parte da burguesia francesa). Porém não chamavam as tropas do maquis a voltarem suas armas contra seus próprios oficiais da resistência ou contra os agentes stalinistas que dirigiam o maquis [4]

Alguns trotskistas franceses "criticaram" esses "desvios nacionalistas" praticados pelos patriotas trotskistas mais toscos. Porém todos defendiam as premissas políticas do trotskismo que conduzem implacavelmente ao abandono do internacionalismo (apoio à Rússia, a democracia burguesa, etc.) Não foi um acidente se essas críticas jamais levaram a nenhum desses grupos "ortodoxos" (inclusive o "mais puro" dentre eles, a União Comunista de Barta, precursor do grupo francês Lutte Ouvrière) a abandonar as posições burguesas do trotskismo. Para todos os trotskistas franceses que criticavam os "desvios nacionalistas" no seu seio, estas eram o resultado de "erros" ou de "oportunismo" e não uma questão decisiva que implicasse a passagem das fronteiras de classe.

Os melhores inimigos de Hitler

Nos Estados Unidos, o "Socialist Workers Party" (SWP) prometia ao governo travar um "verdadeiro combate" contra Hitler com a única condição de que a administração Roosevelt lhe permitisse atuar no "controle sindical da circunscrição" e na economia de guerra. Estas ofertas não foram aceitas e por outro lado não impediu o SWP de ser perseguido por engano, como um "perigo claro e presente" contra o esforço de guerra americano no juizado de Minneapolis em 1941. Aembora Cannon e o resto da direção do SWP se postaram aos pés do júri, isso não os salvou da condenação a pena de prisão, relativamente curtas. Porem sua prestação ante a justiça não foi simplesmente o resultado da sua covardia pessoal; era lógica em função da capitulação, anterior à guerra, dos trotskismo diante da ideologia antifascista do imperialismo democrático.

Algumas semanas depois que Trotski foi assassinado por ordem de Stálin, Cannon desenvolve até o fim a lógica implícita na própria política oportunista de Trotsky diante da guerra. Por ocasião de uma conferência especial que o SPW promoveu em Chicago no mês de setembro de 1940, Cannon defendia a "proletarização" das forças armadas americanas: "Desejamos combater Hitler. Nenum operário deseja ver esse bando de bárbaros facistas invadirem este país ou qualquer país que seja. Porém desejamos combater o fascismo sob uma direção na qual possamos ter confiança... Não permitiremos jamais que suceda o que sucedeu na França... Os trabalhadores por eles mesmos devem tomar este combate contra Hitler, contra todo aquele que usurpe seus direitos... A contradição entre o patriotismo da burguesia e o das massas deve ser o ponto de partida da nossa atividade revolucionária. Devemos basearmos na realidade da guerra e na reação das massas aos acontecimentos da guerra" (Os marxistas na segunda guerra mundial - de Brian Pearce).

Assim as "aspirações das massas" constituem a razão dada para determinar o apoio do trotskismo ao imperialismo dos aliados. Porém esta suposta aspiração "antifascista" do proletariado não existia em nenhuma parte em 1939, sobretudo à escala inventada pelo trotskismo. E ainda se isso fosse o caso, teria representado a dominação da ideologia democrática burguesa sobre a consciência da classe no seio do proletariado. Uma coisa que os revolucionários deveriam ter combatido (o que fizeram na realidade, mas nao os trotskistas), exatamente como Lênin e os bolcheviques lutaram contra outras formas de patriotismo nacional que encerrava as massas durante a Primeira Guerra mundial.

Porém o trotskismo compreendia que este apoio ao imperialismo deveria basear-se em certa vontade de resistência do proletariado contra a barbarie. Tal era o único caminho que para arrastar os operários a apoiar um campo da burguesia contra outro na guerra imperialista. A ideologia antifascista foi a mistificação ideal que necessitava o capital para esta finalidade, o stalinismoe o trotskismo foram seus seus principais propagadores no seio da classe operária durante a guerra. Os trabalhadores ingleses que produziam os blindados para o exército russo por exemplo, foram autorizados a escrever "Greetings to Uncle Jô" ("saudações ao tio Stálin") no lado dos blindados, o que os animava a trabalhar mais duramente e a produzir mais blindados em menos tempo. O trotskismo jamais se opuseram a tais campanhas. O fato de que os blindados foram mais tarde utilizados para os desígnios imperialistas da Gran Bretanha, para assassinar e mutilar outros trabalhadores uniformizados, não contava para os trotskistas desde o momento em que os blindados iriam defender a "pátria dos trabalhadores".

A ideologia antifascista dos trotskistas serviu de justificativa para a defesa de todos os imperialismos aliados, inglês, russo, francês, americano, etc. Isso quer dizer que o trotskismo tinha numerosos grandes chefes na época, tal como hoje.

Munis e Natalia Trotsky rompem com o trotskismo

As atas judiciais oficiais do juizado de Minneapolis jamais foram oferecidos ao público pelo SWP americano. A versão editada pelo SWP (sob o título "O Socialismo em Julgamento") difere das atas oficiais em vários pontos importantes. Os propósitos de Cannon reportados na ata oficial argumentam com efeito a favor de uma orientação pro americana e expressam as lamentações de um patriota americano incompreendido. No entanto, na versão do SWP os piores excessos de Cannon são devidamente eliminados, embora o tom vil da declaração da defesa não desaparece jamais. O trotskista espanhol Grandizo Munis que se opunha à posição defensista do SWP e dos seus partidários irmãos escreveu em 1942 uma crítica fraternal do SWP durante o julgamento que se traduz em Qual política para os revolucionários? Marxismo ou ultra-esquerdismo? A resposta de Cannon igualmente publicada neste folheto ilude e portanto confirma as críticas de Munis. Esta replica em O SWP e a guerra imperialista, uma crítica mais elaborada da atitude no julgamento, que reduzia a nada os argumentos em favor do social patriotismo sustentados pelo SWP. Este folheto não foi posto em circulação pelo SWP apesar do fato de que Munis era ainda formalmente membro dirigente da IV internacional (em 1946)

Natalia Trotski, que mais tarde seguiu o caminho de Munis e da maioria dos trotskistas espanhóis e rompeu com o trotskysmo em 1951, levanta as mesmas acusações contra a IV internacional. É importante notar que Munis, Péret, Natalia Trotsky e outros revolucionários deste período foram capazes de ver que a "defesa incondicional da URSS" de Trotski tinha sido uma das cortinas de fumaça atrás das quais o trotskismo capitulava frente aos seus próprios imperialismos nacionais (na França, Grã-bretanha, Bélgica, Estados Unidos...) Estes revolucionários tiveram obviamente de revisar sua posição sobre a Rússia e a reconheceram enquanto capitalismo de Estado. Porém as críticas de Munis e Peret sobre o trotskismo iam mais além da questão russa. Continham também uma denuncia profunda - embora parcial - das concepções e da prática do Comitnern no passado.

O segundo congresso da IV Internacional, em 1948 ignora naturalmente o conteúdo das críticas de Munis. Assim este congresso prova que o trotskismo tinha aderido, sem ser profundamente sacudido enquanto corpo unido, ao campo burguês. A traição ao internacionalismo, em uma guerra imperialista é o critério definitivo para determinar a natureza burguesa de uma organização política anteriormente proletária. O congresso de 1948 ratificou esta traição.

Os grupos trotskistas que revisaram posteriormente sua posição sobre a Rússia (por exemplo, as tendências Chaulieu, Tony Clif, Johnson-Forest, etc...) porém ignoraram ou foram incapazes de denunciar implacavelmente o papel do trotskismo durante a guerra e por conseguinte a maior parte dos erros pro gramáticos de fundo do Comintern no passado (apoio a libertação nacional, trabalho nos sindicatos, parlamentarismo, frentes únicas etc.) retornaram ao esquerdismo ou ainda à política de esquerda.

O congresso de 1948 não ratificou somente o patriotismo dos trotiskistas durante a guerra, adotou igualmente a defesa total do stalinismo. Isto constitui uma das razões principais da existência do trotskismo atualmente. Em 1949 Tito, que executou trotiskistas em Belgrado em 1941, disporá do apoio da IV° Internacional; em 1950 a teoria da "assimilação estrutural" será ruminada pelo trotskismo com a finalidade de demonstrar que os países da Europa do Leste deveriam ser defendidos da mesma maneira que o Estado "operário" russo original.

A segunda guerra mundial não termina com a vitória do proletariado, mas com sua derrota absoluta. Porém segundo o trotskismo o balanço foi finalmente positivo porque a economia nacionalizada russa tinha sido exportada para a Europa do Leste. O fato que isto tenha se realizado sobre as costas de mais de 50 milhões de cadáveres, depois do desmembramento imperialista de todo planeta, não tinha a mínima importância. A lógica bárbara da política capitalista do trotskismo fica contida na afirmação de que as "formas de propriedade socialistas" podem expandir-se no mundo por meio do maior assassino do proletariado: o stalinismo! A Liga Spartaquista americana carregou esta concepção reacionária até sua conclusão mais horrível quendo afirma em 1964 que em "que o guarda chuva nuclear soviético deve cubrir Hanói"! Para os trotskistas, a consigna original dos bolcheviques contra a guerra se transforma no seu contrário: transformar a guerra imperialista... em barbárie imperialista.

No campo do capital para sempre

O papel do trotskismo atualmente consiste em defender o imperialismo, tal como fez em 1939-45. A maioria destes grupos stalinistas de esquerda nos Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, etc., estão já firme e legalmente associados ao aparato político do Estado capitalista e da política da esquerda do capital (os sindicatos, os partidos stalinistas e socialdemocratas).

Para o Trotskismo atualmente o mundo do pós-guerra está dividido por uma luta entre dois campos sociais diferentes e inimigos: o mundo imperialista ocidental de um lado e Rússia mais seus "Estados operários degenerados estruturalmente assimilados" do outro (além de alguns outros "Estados operários" que vegetam entre estes dois campos). A luta de classes descrita por Marx com tanta precisão, paixão e convicção está completamente desaparecida na visão de mundo trotskista. A divisão de classes que separa o proletariado mundial da burguesia mundial não é mais a luta central que forma a base da sociedade capitalista. No seu lugar, a humanidade estaria confrontada a uma luta entre Estados nacionais, entre "sistemas econômicos" supostamente opostos: o capitalista ao oeste, o "socialismo" no Leste. O que significa que o trotskismo põe a classe operária mundial a reboque das políticas adotadas pelo Estado "operário" (quer dizer da política exterior russa). Como estas políticas devem ser progressistas, o proletariado deve defendê-las independente da necessidade da sua própria luta de classe. Além disso, a classe está obrigada a defender todos estes Estados que os trotskistas têm classificado como "Estados operários". Isto é feito completamente em sintonia com a política "internacional" preconizada em 1928 pelo Comintern stalinista ao proletariado mundial.

  • "A União Soviética é a verdadeira pátria do proletariado, é a defensora mais firme dos seus interesses e é fator principal da sua libertação internacional. Isto obriga ao proletariado mundial em contribuir para o êxito da edificação socialista na União Soviética, e a defender o país da ditadura do proletariado por todos os meios contra os ataques das potencias capitalistas" (Programa da internacional Comunista, VI congresso 1928).

Os trotskistas atualmente saúdam não a uma mas numerosas "Uniões Soviéticas", que "necessitam" da defesa incondicional do proletariado mundial. Ambora Trotski tenha afirmado em 1940 que a questão da conservação da forma de propriedade do Estado nacionalizado na Rússia estava subordinada à questão da extensão da revolução mundial, para o trotskismo de hoje, a revolução mundial desapareceu completamente e só se trata de uma questão de apoio ao stalinismo, embora de maneira "crítica"

Em 1940 Trotski realizou a falsa previsão a propósito do desenvolvimento do stalinismo:

  • "a alternativa histórica colocada de maneira extrema se apresenta como segue: seja o regime de Stálin é um resíduo repugnante no processo de transformação da sociedade burguesa em uma sociedade socialista, seja o regime de Stálin é a primeira etapa de uma nova sociedade de exploração. Se o segundo prognóstico se revelou correto, então seguramente a burocracia se transformará em uma nova classe exploradora. No entanto se o proletariado se revelar atualmente incapaz de cumprir a missão colocada à frente no curso do desenvolvimento, não ficará nada salvo o reconhecimento de que o programa socialista, baseado nas contradições da sociedade capitalista, era uma utopia" (Em "Defesa do Marxismo").

Porém Trotski insistia igualmente no fato que só o final da 2ª Guerra mundial decidiria finalmente a natureza de classe do stalinismo. Como temos visto, os trotskistas responderam à guerra traindo o internacionalismo e apoiando o imperialismo russo que demonstrou sem equívocos sua natureza de potência capitalista. Contudo a maioria dos trotskistas saudaram o fim da guerra, o avanço do exército vermelho na Europa do Leste e Alemanha como uma grande vitória do socialismo! Na realidade o exército vermelho - como todos exércitos no conflito - acabava com toda possibilidade de resistência proletária que surgia em oposição a guerra. E o exército stalinista era ainda um dos mais experimentados e mais capazes de desarmar e massacrar o proletariado. Aque por exemplo temos o que dizia a propagandista Ilya Ehrenburg, uma hiena stalinista, a propósito dos operários alemães no começo dos anos 40:

  • "Se os operários alemãs realizarem uma revolução e se aproximarem do exercito vermelho como irmãos, seriam abatidos como cachorros" (citado em "invading Socialist Society" pela tendência Johnson-Forest, setembro de 1947).

Ao final da guerra, suas próprias mãos manchadas de sangue de operários devido a sua marcha "heróica" na resistencia antifacista, os trotskistas, cúmplices dos aliados e do stalinismo, não podiam aceitar tal qual o último prognóstico pessimista de Trotsky que via no stalinismo como uma nova classe social no caso da derrota da sua superação pelos operários russos. Para eles, a guerra foi uma grande vitória do proletariado. Paradoxalmente o trotskismo de pós-guerra continuou ao seu modo a falsa lógica da perspectiva pessimista e não marxista de Trotski em 1940. O fim da guerra viu a consolidação e extensão do stalinismo. E que fizeram os trotskistas frente a isso? De acordo com as teses de Trotski o stalinismo seria supostamente completamente reacionário no plano internacional. Porém se pôs a criar novos "Estados operários" em todas as partes! Não episodicamente, conjunturalmente, como na Polônia em 1939, mas de maneira permanente. Se denominar uma nova classe exploradora- (o que não é, pois o Estado stalinista não é mais que uma simples fração da classe capitalista mundial), os trotskistas o consideram como tal nos fatos. Também atribuem à burocracia a tarefa progressista de criar cada vez mais Estados "operários" nos séculos por vir! (Pablo)

Que papel resta então ao trotskismo, o auto denominado "partido mundial da revolução socialista"? Nenhum, salvo o de advogado do stalinismo.

Em 1951 durante a guerra da Coréia, os dirigentes trotskistas - senhores Mandel, Frank y outros menores Stalin acusaram de maneira ignóbil Natalia Trotski de sucumbir às "pressões" do imperialismo quando ela rompeu com a IV Internacional e descreveu a Rússia como uma potencia capitalista de Estado. Só o aviltamento total desses renegados poderia fazê-los acusar os revolucionários de seus próprios crimes! A Stalin o que é de Stalin! Um dos principais deveres dos revolucionários atualmente é a denuncia implacável do trotskismo como um aborto sangrento do stalinismo. O passado dos trotskistas fala por si mesmo.

(World Revolution nº 21, dezembro de 1987, órgão da CCI na Grã-Betanha)


[1] As posições adotadas por Bilan durante a guerra da Espanha estão publicadas na nossa série Espanha 1936: Franco e a República massacram o proletariado; https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/Espanha_1936_Franco_e_a_Republica_massacram_o_proletariado.htm [5]

[2] Citado por Isaac Deutscher em O "Profeta no Exílio" Trotski 1920-1940

[3] Os trotskystas se uniram aos stalinistas para denunciar os verdadeiros internacionalistas como agentes de Hitler e de Mussolini contribuindo com isso na sua perseguição e extermínio. Os sobreviventes da Esquerda Italiana continuaram no entanto difundindo sua propaganda derrotista e internacionalista contra a guerra, apesar das condições difíceis de clandestinidade. Com efeito, é no apogeu da guerra imperialista, as revistas Internationalisme na França e Prometeu na Itália , apareceram pela primeira vez.

[4] As atividades patrióticas dos trotskistas franceses durante a Segunda Guerra mundial são notadamente evocadas em Les enfants du prophète (Os filhos do profeta) de J. Rousel nas edições Spartacus-Paris 1982. Porém não existe um trabalho, concernente ao movimento trotiskista no seu conjunto.

A Segunda Guerra mundial e o passo das organizações trotskistas para a contrarrevolução

  • 4901 leituras

A IIª guerra mundial e passagem dos Trotskistas à contrarevolução

Atualmente é possível ter acesso aos documentos [1] que dão testemunho do papel contra-revolucionário de todas as seitas Trotskistas durante a segunda guerra mundial. Mas os fatos superam todo entendimento, e é ainda com maior vigor e repugnância que devem ser denunciados quando suas posições políticas são lidas.

Fosse qual fosse o grupo ao qual pertenciam, os Trotskistas renegaram, abandonado o campo operário e o internacionalismo proletário no curso da segunda guerra mundial. As posições revolucionárias clássicas do movimento operário sobre a guerra imperialista no século XX: derrotismo revolucionário, rejeição de toda palavra de ordem nacionalista e combate contra a própria burguesia de seu próprio país, foram pisoteadas por todos os Trotskistas.

A defesa de um campo imperialista: a URSS leva-os naturalmente ao terreno nacionalista e burguês através de táticas conjunturais muito diversas, mas todas contra-revolucionárias.

É assim que enredados pelos interesses de um campo burguês, participaram da guerra imperialista e o que é mais dramático, conduziram os operários que lhes seguiam a se fazer massacrar pelos interesses que não são os seus, mas o de um campo imperialista.

Da ocupação da França à entrada da URSS na guerra (Junho 1940-Junho 1941)

As duas frações Trotskistas existentes na França em 1939 (provenientes do ex -POI e do ex -PCI) foram excluídas uma depois da outra do PSOP de Marceau Pivert [2]. Os Trotskistas, depois de ter realizado toda uma política de entrismo a social-democracia quer dizer no campo inimigo dos trabalhadores, tinham efetivamente recomeçado as mesmas políticas de entrismo com os "socialistas de esquerda" do PSOP. São excluídos durante o outono de 1939 depois da declaração de guerra. Tomam então atitudes opostas, ambas apoiando, no entanto a uma fração da burguesia:

  • 1) O comitê francês pela IV internacional, que reagrupa a antigos militantes do POI do pré-guerra, sustenta à fração "democrática" gaulista [3].
  • 2) Os militantes do ex PCI de pré-guerra apóiam à fração fascista.
O "comitê francês pela IVª Internacional"

Este se constituiu a partir de  ex-militantes do POI (fração reconhecida pela IV internacional). Ele publica em 1940 as Teses nacionais do comitê francês (boletim do Comitê pela IV internacional), adotadas em 20 de setembro de 1940 por unanimidade do comitê central, que consideravam a França como uma "nação oprimida", "semicolonial". Estas teses conduzem esta fração a defender a idéia de que era necessário libertar o estado nacional antes de fazer a revolução. É a posição clássica dos Trotskistas, válida para todas as nações do terceiro mundo. Por esta via, esta fração apoiará ao que chama as "aspirações libertadoras das massas" e de maneira "crítica", a resistência". Ainda que a partir de um ponto de vista Trotskista, estas posições vão tão longe na abjeção nacionalista e contra-revolucionária que serão condenadas em seguida pelas teses da Conferência européia da IV internacional de fevereiro de 1944 [4]: "em lugar de distinguir entre o nacionalismo da burguesia vencida (...) e o "nacionalismo" das massas (...) a direção do POI considera como progressista a luta de sua própria burguesia, não toma distância face ao gaulismo e se conforma em dar-lhe uma forma de terminologia mais "revolucionária". Pondo a burguesia francesa imperialista e vencida no mesmo nível que o das burguesias coloniais, a direção do POI adquire uma concepção completamente falsa da questão nacional e difunde perigosas ilusões quanto ao caráter das organizações nacionalistas que, longe de constituir "aliados" hipotéticos para o proletariado revolucionário, são como a vanguarda contra-revolucionária do imperialismo"

Esta condenação não resolve em nada do ponto de vista revolucionário; pelo contrário confirma as posições nacionalistas da IV Internacional e seu apoio "critico" ao movimento de massas da Resistência.

Efetivamente, ao prosseguir a leitura destas Teses é constatado que criticam igualmente a atitude da outra fração, o ex-PCI, conhecido a partir de 1943 com o nome de "Comitê Comunista Internacionalista" (CCI), de ter uma atitude "sectária".

Evidentemente que esta fração não é a melhor.

O ex-PCI

Ele publica então La Seule Voie [A Via Única]. Por que a conferência européia da IV Internacional critica suas políticas nas Teses? Porque esta se isola das massas! Isso quer dizer que os primeiros a se misturar com as massas nacionalistas teriam então a Razão? Sim! O texto de condenação prossegue denunciando o CCI "que recusa obstinadamente distinguir entre o nacionalismo da burguesia e o movimento de resistência das massas".

A conferência européia confirma de fato e oficialmente nestas Teses, o apoio do movimento trotskista à Resistência.

As orientações políticas desta fração (do ex-PCI) são igualmente nacionalistas e não têm nada a invejar daquelas do Comitê francês. Com efeito, a organização deu "como missão" a Henri Molinier [5] e Roger Foirier a de trabalhar "no interior de uma organização fascista e entre seus círculos dirigentes" [6]. Henri Moliner jogou um papel relativamente importante no Rassemblement National Populaire [Agrupamento Nacional Popular] (RNP) de Marcel Deat, que era um movimento favorável ao nazismo [7]. Este "entrismo" seria justificado por esta corrente com a idéia de que os alemães ganhariam a guerra e que o fascismo seria instalado por um longo período na Europa. Neste contexto as organizações fascistas se convertiam em organizações de massas, e teria que se aprender a conviver com elas.

A IV Internacional se encontrava desde a sua criação gangrenada pelo centrismo, mas com a guerra mundial perde tudo o que ainda lhe restava de orientação marxista.

Tanto a um como a outro grupo, a defesa do Programa de transição e a posição de "não se isolar das massas" levam-os a sustentar uma fração da burguesia contra outra e por meio disto, conduzem os operários à guerra em favor de um campo imperialista.

Voltemos às orientações do Comitê francês o mais apto para mistificar os operários ao lutar contra o fascismo, a outra fração era menos perigosa sob o ponto de vista dos trabalhadores, porque a classe operária na França não pensava então que Hitler ou Pétain defendessem seus interesses!

La Verité  [A Verdade] órgão do Comitê francês

Escreve: "Integrar-nos no movimento de patriotismo popular, ampliar nossa base de ação, (...) não pode mais do que nos permitir progredir e enraizar nossa atividade nas massas (...) E o renascimento de nosso país depende da iniciativa do povo da França (...) Só a iniciativa popular pode reviver a França. Só os comitês formados para criá-la, organizá-la, dirigí-la, podem substituir as engrenagens da França defunta (...) A França não sairá do atoleiro mais do que pela iniciativa das massas populares, unidas na luta por uma nova França" [8].

Não se pode fazer nada melhor em matéria de chauvinismo e em chamados aos operários a se fazer massacrar na guerra imperialista através da Resistência. Para culminar, La Verité (n° 6, 15 nov 1940) lança a palavra de ordem de criação de Comitês de vigilância nacional, "para controlar o movimento". Tratava-se de dirigir, organizar o "movimento de comemoração do 11 de novembro de 1918" (festa da vitória do imperialismo francês durante a Primeira Guerra mundial) depois da manifestação nacionalista em Paris, sob o Arco do Triunfo, em 11 de novembro de 1940.

A entrada da URSS na guerra (Junho de 1941)

Desde a entrada na guerra por parte da URSS, a política dos Trotskistas evolui e tende a se homogeneizar no apoio comum à URSS. Porque, claro, "é necessário defender à URSS" [9] e por isso, "constituir comitês operários de resistência". Mas não se atrevem ainda a falar abertamente da Resistência: a Resistência francesa gaulista contra o ocupante é caracterizada então pelo Comitê francês como um movimento anti-imperialista da pequena burguesia. Mas a criação dos Comitês operários de resistência são apesar de tudo, a preparação e a porta entreaberta para defender abertamente a futura Resistência.

Nas teses adotadas em 1942 [10] pode-se encontrar uma expressão adornada de verborréia radical para camuflar de fato, uma política também burguesa, guerreira e chauvinista: "Na situação atual, a raiva da pequena e média burguesia se dirige naturalmente contra a dominação sobre a Europa do capital financeiro alemão e da Gestapo".

Eis aqui como através deste apoio "critico", os Trotskistas se justificam e se arrojam na guerra imperialista. A Social-democracia francesa durante a primeira guerra mundial tinha então justificado, seu apoio à burguesia francesa pela luta contra a reação prussiana. Os Trotskistas adornam sua participação na guerra imperialista com justificativas igualmente falaciosas. Para estes últimos tratava-se de lutar contra a Gestapo e o capital financeiro alemão. Onde está a diferença? Lênin e os revolucionários romperam com a Social-democracia e fundaram a 3ª Internacional para romper contra esta política militarista e imperialista. É toda esta experiência do movimento operário que os Trotskistas pisoteiam com estas Teses sobre a questão nacional.

Estas teses foram criticadas pelos grupos que publicam La Lutte de Classes e La Seule Voie (o ex-PCI) que as consideram como abandonos do derrotismo revolucionário e como "stalinismo de esquerda" [11]. Mas o que fizeram estes grupos?

La lutte de classes

Esta crítica que pode parecer revolucionária oculta de fato as mesmas posições burguesas de fundo. Já Falamos do ex-PCI.  A política do grupo La lutte de classes (ou grupo Barta, ancestral do agrupamento Lutte Ouvriere atual que cindiu do Comitê francês pela IV Internacional em outubro de 1939 para separar-se "de um meio pequeno burguês cujas práticas organizacionais procedem mais da social-democracia que de um bolchevismo verdadeiro" [12] não se encontra muito afastada fundamentalmente destes últimos. Toma partido pela URSS, o que quer dizer que esta confraria Trotskista, como as outras, acorrenta a classe operária na defesa de um campo imperialista: o campo stalinista contra o campo fascista: "É necessário ajudar à URSS por meio de uma política independente de classe. É necessário impedir que a máquina de guerra do imperialismo alemão funcione contra a URSS derrubando o capitalismo europeu (...). O Grupo Comunista (IV Internacional) chama os trabalhadores franceses a dar uma ajuda acentuada e sistemática à União Soviética (...) É necessário sabotar ao máximo a "reabilitação" imperialista. Nem um voluntário para prolongar a guerra!. Este texto termina com: "viva o exército vermelho!" " (La lutte de classes n° 3, nov. de 1942). Este apoio ao campo imperialista russo é justificado por este grupo com o argumento de que a URSS continua sendo um Estado "vermelho" fundado sobre "a economia planificada" [13]. E isso justifica então ações de sabotagem e uma atividade armada contra o aparelho militar alemão [14]. É assim, que este grupo Trotskista defendia a necessidade da luta contra o STO (Serviço de Trabalho Obrigatório) na Alemanha, e isso, ainda por meio da ação de sabotagem. "Os operários conscientes devem duplicar as possibilidades mínimas de ação legal, por meio da organização de núcleos clandestinos formados por operários seguros que considerarão todos os meios de propaganda e de ação que permitam à classe operária ganhar terreno". [15]

É assim, que um de seus militantes, Mathieu Bucholz que se ocupava da sabotagem ao STO, desapareceu [16], vítima certamente dos stalinistas. O grupo Lutte de masses justifica esta forma de resistência à Alemanha com a idéia de que todo operário francês que partia ao trabalho obrigatório nas fábricas alemãs, deixava livre então a um operário alemão que podia partir a bater-se na frente do Leste contra o exército vermelho e o "Estado operário degenerado", a URSS (!). É claro que esta palavra de ordem não tem nada a ver com a palavra de ordem internacionalista de denúncia a todos os campos imperialistas, para voltar suas armas contra sua própria burguesia. Esta palavra de ordem se aplicava do mesmo modo contra o Estado russo. Para Lutte de classes trata-se de sabotar os esforços de um campo imperialista para ajudar a outro, a URSS!

Como o vimos, Lutte Ouvriere que atualmente se vangloria de um suposto "internacionalismo" de seus ancestrais não tem nada a invejar dos outros grupos Trotskistas. A defesa do "Estado operário degenerado", a URSS, conduziu-lhe a enviar os proletários à carnificina imperialista.

E o cúmulo da abjeção. Face à Resistência não somente L.O. (Grupo francês Lutte Ouvrière [Luta Operária] que publica Lutte de classes [Luta de classes] jamais a denunciou, mas ao contrário, impulsionou os operários a participarem ativamente nela. É assim que o número 24 de Lutte de classes de 8 de fevereiro de 1944 desenvolve uma defesa "radical" e "revolucionária" da Resistência: "Onde quer que estejas, na Alemanha, (...) no maquis (N. do t: guerrilha rural da Resistência) ou nos grupos de partisans, se não podes ocultar-te nas cidades, não esqueças que és filho da classe operária que luta contra os capitalistas. (...) Nos grupos de resistência, nos maquis, exige teu armamento e a eleição democrática dos chefes pelos membros dos grupos".

Durante este período, é o Comitê francês pela IV Internacional quem leva a palma do chauvinismo. A 31 de março de 1943, La Verité [A Verdade] num artigo intitulado A segunda frente e a frente operária escreve: "Os aliados contribuirão primeiramente com as armas: seria indigno de revolucionários recusá-las, porque, sem armas, a luta contra o imperialismo, qualquer que seja, é impossível. Mas não é suficiente discutir sobre "a insurreição nacional", é necessário definir os meios e os objetivos. Libertação do território...)"..Eis aí como com uma fraseologia revolucionária a classe operária é chamada a fazer-se massacrar e continuar a guerra em favor de um campo que não é o seu. Claramente, diz aos operários: "É necessário fazer a guerra primeiro, é necessário fazer a união nacional com a burguesia, liberar o território e depois... será talvez a questão para vocês, a revolução".

Os revolucionários sabem o que esta linguagem chauvinista de chamados à união nacional entre todas as classes quer dizer. É a mesma linguagem que a Social-democracia utilizou durante a guerra de 1914 para justificar o alistamento da classe operária na guerra imperialista. Os revolucionários não têm mais do que uma só política, a defesa dos interesses da classe operária que são totalmente antagônicos aos da burguesia, aos do Estado capitalista. A política dos Trotskistas, como a da social-democracia conduz ao abandono do proletariado de seu terreno de classe, à sua derrota e a mais massacres de milhões dos seus. Mas em um período em que a classe se encontra vencida, como era o caso no momento da segunda guerra mundial, tais declamações "revolucionárias" são então ainda mais graves, porque empurram a classe operária à maior desmoralização terminando com a derrota. Eis aqui como, sob uma linguagem radical, os Trotskistas tocaram o fundo da abjeção e desempenharam para a classe operária o papel de recrutadores para os interesses imperialistas da burguesia.

Da reunificação do movimento Trotskista à "Libertação" (de Fevereiro ao verão de 1944)

O início do ano 1944 abre para os Trotskistas franceses e europeus um período chave: o avanço do exército vermelho faz as tropas alemãs retrocederem para além das fronteiras dos Estados bálticos e da Polônia e a situação da luta de classe na Itália anunciam sinais de crise revolucionária na Europa. Para enfrentar esta situação, os 2 grupos: o Comitê francês convertido novamente em 1940 em POI (Parti Ouvrier Internationaliste, [Partido Operário Internacionalista]) e o Comité Communiste Internationaliste [Comitê Comunista Internacionalista] se reagrupam em 1944 para formar um novo PCI (Parti Communiste Internationaliste, [Partido Comunista Internacionalista].

Os Trotskistas apóiam então a Resistência e enviam assim os operários ao massacre ainda que não desempenhassem um papel quantitativamente importante nos "maquis" devido ao fato afortunado de seu pequeno número, salvo na Bretanha (região francesa) onde o responsável era André Calves [17].

Nas Teses sobre a liquidação da segunda guerra imperialista e o levantamento revolucionário (IV Intetnationale n° 4, 5 de fev.-mar. de 1944) adotadas na Conferência européia da IV Internacional, é dito "Ante o caráter, em parte espontâneo do movimento dos partisans, expressão da revolta aberta e inevitável de amplas camadas trabalhadoras contra o imperialismo alemão... os B-L (bolcheviques-leninistas) estão obrigados a tomar em consideração esta vontade de luta das massas... Assim, os B-L não podem se contentar em denunciar que estas organizações trabalham a serviço do imperialismo... As seções da IV Internacional devem continuar esta política, tanto fora das organizações de partisans como no interior destas últimas". Dito de outra maneira, para ser menos dissimulado do que a conferência européia da IV Internacional, "podemos (enquanto Trotskistas) trabalhar no interior de organizações de partisans ainda que sejam nacionalistas".

Citemos alguns fatos!

  • Em 26 de maio de 1944 La Verité (órgão do PCl) demanda aos operários "estabelecer relações com os partisans vermelhos (!), os camponeses pobres...". Os Trotskistas chegam até a publicar uma revista dirigida aos partisans, Ohé partisans! [Ei partisans!] sob a responsabilidade de André Calves que tinha entrado nos FTP (Franco-Atiradores e Partisans: grupos armados paramilitares) da coluna Fabien.
  • Yvan Craipeau (membro do comitê central do PCI) entra em contato com Albert Bayet, presidente da Federação Nacional da Imprensa Francesa, para a legalização de La Verité [A Verdade] e estuda com ele a possibilidade de se tornar membro do Comitê Nacional da Resistência (CNR). Este último se mostra favorável e acerta a autorização à La Verité para aparecer desde agosto de l944 com fundos governamentais [18]. É o PCF (Partido Comunista Francês) quem vai se opor em seguida sob o pretexto de que La Verité não era um órgão da Resistência.
  • Mas é o chamado à "insurreição nacional" o que os mete definitivamente na participação de maneira efetiva e física no alistamento do proletariado em um campo imperialista: o dos anglo-americanos e russos. Os grupos operários criados desde 1943 (criados pelo ex-CCI), sobretudo o da seção de Puteaux-Surennes servirão de massa de manobra durante a "libertação" de Paris ao lado do PCF e outras organizações nacionalistas. Sob palavras de ordem "radicais" e de coloração "proletária" como: "estar com as massas" (boletim interno do POI), "greve geral", "milícias operárias" por oposição às "milícias patrióticas" do PCF, os operários serão empurrados a servir como carne de canhão em um combate que não é o seu. Neste registro, os Trotskistas se orgulham ainda que se lamentem... de não ter tido mais do que uma só seção com uma organização militar que representa uma milícia armada de 80 operários [19].

Seus grandes feitos armados...! O responsável militar do PCI, Henri Molinier é morto desde o início da insurreição "nacional" por um obus; um grupo de Trotskistas participa no assalto do Senado e outros na ação dos FTP. Assim André Calvés com a companhia FTP Saint-Just executa o prefeito colaborador de Puteaux, Barthélemy, antes de ser nomeado comissário técnico de sua companhia durante "a insurreição".

Limitaremos-nos a esses exemplos. É amplamente suficiente para pôr em evidência sua participação efetiva na segunda guerra mundial, para denunciar sua política nacionalista e sua passagem ao campo da contra-revolução durante a segunda guerra imperialista. Não se trata de erros isolados. É o resultado da política seguida pelo Secretariado europeu da IV Internacional e por todas suas seções européias.

Quanto ao grupo francês L.O (Lutte Ouvrière [Luta operária]) sob a cobertura do purismo, serve para emendar ao resto da "família". Retomemos o raciocínio de L.O.

  • De uma parte L.O. reivindica o "purismo" Trotskista que desejaria não ter tido uma posição de defesa de sua burguesia nacional [20]. Todo este jargão hipócrita não impede L.O. de reclamar sempre o Trotskismo que colaborou em todos seus componentes com a burguesia e de manter sempre boas relações com o secretariado Internacional da IV Internacional e com sua seção francesa atual, a LCR. Claramente, L.O. no fundo não tem nada a replicar contra as posições contrarrevolucionárias, burguesas e nacionalistas defendidas pela IV Internacional oficial durante a Segunda Guerra imperialista mundial [21].
  • Por outra parte, o "purismo" de Lutte de classes [Luta de classes] (ancestral da L.O.) não existe. Este grupo não tem nada a invejar dos seus primos Trotskistas: "O lugar de todo operário consciente é na milícia do povo: é somente aí onde pode lutar verdadeiramente por si mesmo e sua classe" (Autodefesa operária contra os bandos fascistas! artigo no n° 13 de 22 de junho de 1944).

É necessário afirmar alto e claro que L.O. participou como os outros da "insurreição nacional" e enviou os operários para se matarem em um terreno que não é o seu. A esse respeito há que a denunciar como os outros grupos Trotskistas.

A política dos Trotskistas nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos onde o secretariado internacional da IV° Internacional se encontrava, o partido norte-americano (S.W.P, Socialist Workers Party, [Partido Socialista dos Trabalhadores]) que detinha a maioria no interior do Comitê Executivo Internacional, toma uma posição pacifista. Assim, quando os Estados Unidos entram na guerra em 1941 o SWP "aplaca" a posição do derrotismo revolucionário que é em "princípio" a sua. O partido não organiza nem manifestação, nem comício contra a entrada na guerra dos EUA. A burguesia acreditando estar às voltas com revolucionários internacionalistas e temendo que se levantem contra sua política guerreira incrimina 21 de seus dirigentes. Não somente o SWP não reage como ainda enquanto estes 21 dirigentes são acusados pelo governo de serem "internacionalistas" e de quererem transformar a guerra em guerra civil, se defendem firmemente negando tal acusação em seu processo de Minneapolis. Não se pode ser mais claro na submissão ao Estado burguês!

Natalia Trotsky e a seção espanhola da IV° Internacional se indignam ante esta atitude [22], mas mantêm ainda a ilusão de que as seções européias ao final da guerra poderão "corrigir" a corrente Trotskista. Teriam que voltar à realidade quando a política chauvinista e nacionalista das seções européias foi conhecida. Natalia Trotsky e Munis rompem então com o conjunto da corrente Trotskista [23]). O conjunto dos acontecimentos relatados aqui falam por si mesmos e denunciam a corrente Trotskista, a que se passou como um todo ao campo do capital.


[1] Les Trotskistes et la guerre [Os trotskistas e a guerra], 1940-44. Ed. Enthropos. Paris 1980.

[2] O Parti Socialiste Ouvrier et Paysan [Partido Socialista Operário e Camponês] nasceu o 8 de junho 1938 com uma cisão do SFIO social-democrata.

[3] Do nome do general De Gaulle, homem político francês de direita

[4] CF Teses sobre a situação no movimento operário e as perspectivas de desenvolvimento da IV° da conferencia

[5] Henri Molinier é o irmão de Raymond Molinier, militante bem conhecido desde os anos 1930 nas fileiras trotskistas.

[6] Sobre a política do Secretariado unificado da IV° internacional, comissão de Março 1944, 2P. Arquivas R. Prager e PCI, secretariado geral :"Esclarecimento considerando a atitude do companheiro Roger Foirier diante das organizações  antifascistas de jovens e do movimento da IV° Internacional desde 1940"

[7] Cf. Les Trotskiste et la guerre [Os trotskistas e a guerra]

[8] Só o povo da França pode reconstruir a França, em La Vérité [A Verdade]

[9] La Vérité [A Verdade]

[10] Tesess sobre a questão nacional (adotadas a unanimidade em julho de 1942 pelas secções da IV° internacional) em Quatrième internatinale [Quarta internacional] N° 2

[11] Volta a Lênin, 10 de fevereiro 1943, em Bulletin intérieur [boletim interno] do POI N° 12. O comitê francês pela IV° tinha tomado o nome de POI, Parti Ouvrier Internationaliste [Partido Operário Internacionalista] durante sua conferencia internacional dos 26 e 27 de dezembro 1942.

[12] Informe sobre a organização em La lutte de classes [A luta de classes], julho de 1943.

[13] As vitórias do exercito vermelho serão a vitória do socialismo em La lutte de classes [A luta de classes] n° 10, 28 de fevereiro 1943.

[14] O avanço soviético aproxima a hora da revolução socialista na Europa. Viva os Estados Unidos socialistas de Europa! em La lutte de classes [A luta de classes] n° 8, 20 de janeiro 1943.

[15] La lutte de classes [A luta de classes] n° 26, 16 de março 1944.

[16] La lutte de classes [A luta de classes] n° 67, 18 de setembro 1945.

[17] Les Trotskiste et la guerre [Os trotskistas e a guerra] p. 205. Resistente desde os primeiros momentos, André Calves  escreveu um livro em 1984 (Sem botas nem medalhas) onde se mostra muito crítico com as divisões imperantes no "movimento de resistência ainda que o faça a partir de uma postura democrática e antifascista.

[18] Entrevista com Albert Demazière, citado em Les Trotskistes et la guerre [Os trotskistas e a guerra]

[19] Entrevista com Raoul, citado em Les Trotskistes et la guerre [Os trotskistas e a guerra]

[20] Vimos como na realidade os antepassados deste grupo participaram de ações de sabotagem do STO.

[21] Natalia Trotski (Carta do 9 de maio 1951 em Les enfants du prophète [Os filhos do profeta]

[22] Munis em  Les enfants du prophète [Os filhos do profeta] p. 97 e sua brochura Le SWP et la guerre impérialiste [O SWP e a guerra imperialista].

[23] Explicacion y llamamiento a los militantes, grupos e secciones de la IV° Internacional. Setembro de 1949, secção espanhola da IV° Internacional.

A função dos trotskistas atuais

  • 3931 leituras

Trinta anos depois do congresso de fundação da IV Internacional, os grupos políticos que perpetuavam a tradição trotskista vegetavam à sombra dos partidos comunistas stalinistas e às vezes ainda, alguns, em seu interior. Desde finais dos anos 60, entretanto, esses grupos viram reforçadas suas fileiras e sua importância no seio do aparelho político do capital. Mas esta mudança notável não pode explicar-se por uma transformação de suas posições políticas. O que se constata realmente é a persistência dos erros de Trotsky levados até o absurdo, quer dizer, a defesa dos interesses burgueses. Os grupos trotskistas de hoje, todos são a continuidade da política contrarrevolucionária dos trotskistas durante a 2ª guerra mundial e defensores do famoso "Programa de Transição" quaisquer que sejam por outra parte as diferenças de interpretação que cada um desses grupos possa fazer. Que se julgue:

Garantia de esquerda e correia de transmissão dos sindicatos

O programa de transição estabelecia como princípio fundamental que os militantes da IV Internacional deviam participar dos sindicatos. O resultado foi que em todas as partes os trotskistas se tornaram fiéis guardiões do enquadramento das máquinas sindicais. Certo que, eles criticam as eternas "traições" das "direções burocráticas", mas omitem, obviamente, de ajudar à classe operária a lutar contra os sindicatos. Para os trotskistas, trata-se de preservar a "forma" sindical, o "conteúdo" do sindicalismo e somente eliminar alguns punhados de maus "burocratas", como se estes últimos não fossem o puro produto da forma e o conteúdo do sindicalismo na fase de decadência do capitalismo! De fato para os trotskistas trata-se de competir com os burocratas colocados no seu mesmo terreno, e quando chegam, à através de manobras, ocuparem um mandato sindical, os trotskistas se revelam como perfeitos dublês  dos stalinistas ou dos social-democratas.

Assim, enquanto a classe operária abandona a via sindical, os trotskistas tentam dar uma aparência de vida proletária a estes verdadeiros órgãos de polícia nas empresas que são os sindicatos. Embutidos nas engrenagens dos sindicatos, os trotskistas fazem parte dos que preparam as derrotas das lutas operárias, sua sabotagem e seu enquadramento. Militantes de base sempre, delegados sindicais freqüentemente, chefes sindicais às vezes, eles participam do conjunto de campanhas de mistificação organizadas pelos diferentes sindicatos e mantêm todas as ilusões que subsistem no seio da classe operária (reformismo, corporativismo, fetichismo da fábrica, chauvinismo, legalismo, etc)

Quando os operários nas lutas enfrentam os sindicatos e alguns sindicalizados rasgam sua carta de adesão, os trotskistas propõem a conciliação com os sindicatos, tenta fazer retornar às filas sindicais quem as abandona sobre bases ilusórias do tipo: "voltemos para os sindicatos para lutar contra as direções traidoras!", o que desorienta ainda mais os operários... Certos trotskistas chegam a propor a adesão a dois sindicatos ao mesmo tempo para favorecer a unidade sindical fraudulentamente assimilada à unidade operária. Claramente, se trata para os trotskistas, com inúmeros métodos sórdidos, de propor aos operários pressionar aqueles que "os traem" para que se unam e tornem "democráticos" (quer dizer, outorguem mais postos aos trotskistas e pervertam ainda mais operários combativos). Em todos os casos o papel dos trotskistas contribui sempre para fortalecer e afirmar o enquadramento sindical.

Quando nas lutas surgem comitês de greve, os trotskistas, que têm a cara de pau de apresentarem-se como partidários de verdadeiros órgãos unitários da classe operária, são evidentemente os primeiros a exigir que os sindicatos possam continuar expressando e ser representados. Cada vez, em nome da solidariedade e da unidade operária e da extensão da luta, demandam, ou melhor, imploram o apoio dos sindicatos, permitindo-lhes assim retomar em suas mãos o movimento graças a seu aparelho burocrático, de retomar o controle de mais lutas "espontâneas" a fim de poder quebrá-las.

De fato, garantia de esquerda e correias de transmissão dos sindicatos, os trotskistas (tal como o resto dos outros esquerdistas ) ao mascarar a natureza e a função real de tais órgãos antiproletários, participam ativamente no desarmamento da classe.

Cúmplices dos massacres do proletariado

O Programa de Transição destacava, mediante a palavra de ordem de "frente única operária" e o de "governo operário e camponês" a luta pela união dos partidos que se reclamavam da classe operária e ainda do campesinato... Mais de trinta anos depois, continuam apresentando os partidos social-democratas e stalinistas como partidos "operários" que teriam o simples defeito de serem "reformistas" (quando a base material do reformismo desapareceu desde o início do século com a entrada do capitalismo em sua decadência), os trotskistas chamam à unidade destes últimos e convidam os trabalhadores a levá-los ao poder. Quer dizer a levar ao poder (aí onde não estão) os assassinos dos operários e revolucionários alemães, russos ou espanhóis nos anos 20 e trinta, aos fornecedores de bucha de canhão das duas últimas carnificinas mundiais e de todos os enfrentamentos imperialistas posteriores. Certo, eles "criticam" a política levada por estes partidos, pedem-lhes uma vez ou outra que "rompam com a burguesia" (!!!), o que é o cúmulo do cinismo! Cada vez que o Estado capitalista necessitou dos partidos de esquerda, para reprimir a classe operária, para alistá-la na guerra, para reconstruir e administrar a economia nacional, para assegurar o bom funcionamento dos poderes públicos, dos serviços "sociais", responderam e continuam respondendo "presente"... Pedir-lhes que "rompam com a burguesia", é lhes pedir para trocar de natureza, de aconselhar o capital que faça o hara-kiri [1], é pedir que um tanque de guerra se transforme em ambulância. Semelhante política, criminosa e absurda, conduz a:

  • reforçar as ilusões dos operários sobre a natureza desses partidos que não têm de operário mais que o sangue de inúmeros proletários que tem feito derramar;
  • fazer regressar para o interior da esquerda, mediante uma crítica pseudorradical, os elementos que se desvencilharam;
  • preparar o massacre da classe operária nas mãos destes mesmos partidos de esquerda.

Peças de reposição do aparelho de Estado

O Programa de Transição afirmava a necessidade de participar das eleições e do parlamento. Desde o pós-guerra de 1945 - a continuidade obriga! - os trotskistas não faltaram em uma só das eleições que dão o ritmo à vida política da burguesia decadente. Desde finais dos anos 60, na França, por exemplo, os trotskistas apostaram fundo neste tipo de intervenção.

Começam por recordar - às vezes, não sempre- essa realidade que o terreno eleitoral não é verdadeiramente o terreno de luta para a classe operária, mas depois destas polidas referências dos princípios revolucionários, tiram a melhor justificativa para a participação no circo eleitoral burguês destinado a desviar e mistificar a consciência da classe operária. Os pretextos invocados são do mais "realista": "Os operários não compreenderiam que em tais circunstâncias, os revolucionários não tivessem nada a dizer", "é a ocasião, o momento em que toda a atenção dos operários se concentra sobre as eleições, de fazer uma agitação revolucionária, de utilizar as tribunas que nos oferece a burguesia". O que quer dizer claramente: "os operários são mistificados, atomizados, conservam ilusões sobre as eleições, então participamos da manutenção desta situação de mistificação."

Quanto à agitação "revolucionária" dos trotskistas, resume-se em apoiar de palavra "as lutas legítimas dos trabalhadores" (o que qualquer padre de esquerda pode fazer), "exigir" dos partidos "operários" que defendam verdadeiramente os interesses dos trabalhadores e rompam, é obvio, com a burguesia, em "denunciar à direita" em uma linguagem mais radical que o da própria esquerda, de vez em quando, alguma referência aos conselhos operários ou à violência de classe. Tudo isso se reserva, sobretudo, para o início da campanha, ou para o primeiro turno das eleições (segundo o sistema eleitoral)... depois do qual, bem entendido, fiéis a sua verdadeira natureza de "apoio crítico" da esquerda do capital, chama freqüentemente o voto por esta última com o fim, dizem eles, de "não contrariar" o nível de "consciência" da classe operária que eles confundem cinicamente com as ilusões dos operários. Como o dizia o grupo trotskista Lutte Ouvriere, "nenhuma de nossas vozes deve lhe faltar"... para poder assumir sua função de defensor do capital nacional no mais alto nível do aparelho de Estado. Novamente, a função dos trotskistas e esquerdistas em geral, é fazer voltar para ao terreno eleitoral e democrático os operários que se afastam e isso com toda uma fraseologia pseudorrevolucionária que serve finalmente para engajar os operários no meio da esquerda e especialmente os que começam a perder as ilusões nela. Por outro lado, terá que se recordar que aí onde os trotskistas alcançaram certo peso eleitoral, a classe operária pagou caro (Ceilão, Bolívia,...)

Defesa «radical»do capitalismo de Estado

O Programa de Transição destacava uma série de reivindicações econômicas chamadas "transitórias" na medida em que, supostamente, respondiam às necessidades objetivas das massas, ao mesmo tempo eram inaceitáveis pelo capitalismo. Deviam permitir, se a classe operária lutasse por fazê-las cumprir, uma dinâmica de luta de classe em que os trotskistas apareceriam como os dirigentes "naturais" do proletariado e lhe conduziria à revolução. A lógica das reivindicações "transitórias" consistia em dar uma natureza intrinsecamente revolucionária a determinadas exigências econômicas formuladas de antemão pelos peritos "em revolução" que os trotskistas supõem ser .

Trinta anos depois, esta problemática tomou toda sua significação contrarevolucionária... Atualmente, as reivindicações salariais "radicais", a escala móvel de salários, a repartição das horas de trabalho, as nacionalizações sem indenização e sob "controle operário" das empresas em quebra, bancos, monopólios, etc., toda a miscelânea reivindicativa que os trotskistas destacam não serve mais que para enganar e iludir os trabalhadores seja mediante uma reciclagem do papel dos sindicatos, ou mediante as mistificações "autogestionárias" como o "controle operário"; no que concerne às reivindicações salariais, os trotskistas se contentam sobrepujando em relação às reivindicações oficiais da esquerda acrescentando alguma percentagem. A escala móvel de salários é uma medida utópica que não faria mais que manter o nível de exploração da classe operária alcançado no momento de sua aplicação, e implicaria um reforço do peso dos sindicatos encarregados evidentemente de "controlar" a aplicação desta escala móvel. A repartição das horas entre todos os trabalhadores é uma proposta de racionalização da exploração capitalista que implica na permanência do trabalho assalariado, o caráter semiutópico desta proposta não deve ocultar seu conteúdo demagógico e reacionário. Quanto às nacionalizações, são perfeitamente aceitáveis pelo capitalismo e desde que são aplicadas em grande escala, não tem melhorado a sorte da classe operária, nem facilitado sua luta. Quanto ao "controle operário", não é mais que uma forma entre outras das mistificações eleitas pela burguesia para fazer a classe operária participar na gestão de sua própria exploração sob o controle do Estado burguês. Pode-se julgar o caráter "revolucionário" de tais reivindicações.

Mediante este sistema de reivindicações tão elaborado e que varia ademais segundo os diferentes grupos trotskistas que, não deixam de brigar a respeito do oportuno de tal ou qual reivindicação específica, contribuem em vários níveis para debilitar e desviar as lutas operárias:

  • Reforçam as ilusões dos operários em relação à possibilidade de obter melhorias duradouras de suas condições de vida e de trabalho no capitalismo decadente.
  • Participam do isolamento das lutas operárias no marco econômico do capital, na oficina, na fábrica, na categoria ou na corporação, e na nação.
  • Atuam como partidários das medidas de capitalismo de Estado no seio da classe operária passando estas medidas como marcos para o "socialismo". Igualmente aos outros partidos de esquerda se situam, portanto no terreno da manutenção do capitalismo decadente.
  • Mantêm, com sua hábil separação entre luta econômica e luta política da classe operária, a dificuldade para a classe operária de tomar consciência de sua força, de seu papel histórico, do conteúdo revolucionário de suas lutas reivindicativas.
  • Retardam, portanto o surgimento da revolução proletária esperando manter a classe operária em uma simples visão "sindicalista" de sua luta.

Por outro lado, os trotskistas continuam sustentando que na URSS a economia teria algo de "socialista", que o Estado reflete relações de produção que a classe operária deveria conservar (dado que as teria instaurado em 1917!!), assim que o proletariado russo não deveria: nem destruir o Estado que lhe oprime, nem transformar radicalmente o sistema econômico no qual é explorado ferozmente. Assim, quando os operários russos, como os do mundo inteiro, lutavam e lutam contra a exploração furiosa que sofrem, confrontam-se violentamente com os sindicatos, a polícia do Estado, o exército "vermelho", atacam o "Partido Comunista" no poder, quer dizer o Estado capitalista fiador de sua exploração e miséria, os trotskistas destacam a luta por uma simples mudança de equipe no seio das engrenagens do aparelho de Estado, a luta para trocar os "maus" burocratas pelos "bons."... São os defensores mais nocivos do capitalismo de Estado que propõem aos operários a sua "democratização".

Apóstolos do imperialismo russo

O Programa de Transição preconizava a "defesa incondicional da URSS" em caso de guerra e destacava por outro lado a ordem de independência nacional para os países atrasados submetidos ao imperialismo.

Fiéis à letra de tais orientações, apesar de seus desacordos sobre a maneira de concretizá-las atualmente, os trotskistas no seu conjunto não perderam, desde o fim da segunda guerra mundial, uma só ocasião de apoiar ao bloco imperialista russo contra o bloco imperialista americano.

Detrás de uma linguagem antiimperialista demagógica, têm militado para que o imperialismo americano abandone suas incursões nas regiões e nos países do globo que constituem o objeto da rivalidade entre os dois grandes blocos, quer dizer para que deixe o lugar ao imperialismo russo.

Sob pretexto de "lutar pela independência nacional" - quer dizer pelo direito de cada burguesia de poder explorar sem compartilhar a "sua" própria classe operária no marco "das fronteiras nacionais de seu Estado" - os trotskistas chamaram os operários dos países do "terceiro mundo" para se envolver e morrer ao lado da fração da burguesia nacional "mais progressista", "menos reacionária" ou "mais revolucionária" que se revelará de fato ser a mais "pró-russa".

De fato os trotskistas lutaram para que os trabalhadores do mundo inteiro apóiem essas "lutas de libertação nacional" abrindo ainda mais o fosso entre os proletários de cada país, fazendo-os assassinar-se entre eles, desviando-os de seu verdadeiro inimigo: a burguesia mundial, cada burguesia nacional, cada imperialismo.

Assim, como se viu, a atividade dos grupos trotskistas desde finais dos anos 60 se inscreve completamente na linha da degeneração dos anos 30 e da sua passagem ao campo burguês durante a Segunda Guerra mundial. O crescimento relativo dos grupos trotskistas nestes últimos anos se explica, à luz das mudanças acontecidas na vida do capitalismo no final dos anos 60 e sua entrada em uma nova fase de crise econômica, com o ressurgimento das lutas do proletariado mundial. É à luz dos problemas e necessidades que se impõem ao capital que se pode compreender o reforço do lugar dos trotskistas.

 (Revolution Internationale N° 28, órgão da CCI na França; Agosto de 1976)


[1] Harakiri é um dos mais intrigantes e fascinantes aspectos do código de honra do samurai: consiste na obrigação ou dever do samurai de suicidar-se em determinadas situações, ou quando julga ter perdido a sua honra.


URL de origem:https://pt.internationalism.org/ICConline/2009/Sera-que_o_trotskismo_pertence_ao_campo_do_proletariado

Ligações
[1] https://pt.internationalism.org/icconline/2005_esquerda_comunista [2] https://pt.internationalism.org/icconline/2007/leninismo-stalinismo [3] https://www.marxists.org/portugues/sedova/1951/05/09.html [4] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200608/1028/en-memoria-de-munis-militante-de-la-clase-obrera [5] https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/Espanha_1936_Franco_e_a_Republica_massacram_o_proletariado.htm