Publicado em Corrente Comunista Internacional (https://pt.internationalism.org)

Início > ICConline - 2010s > ICConline - 2010 > As rupturas em reação à degeneração do Trotskismo

As rupturas em reação à degeneração do Trotskismo

  • 3724 leituras

Publicamos a seguir um conjunto de documentos ilustrando este fenômeno do surgimento de correntes proletárias saindo do seio do trotskismo em reação à traição deste (ler nossa série Será que o trotskismo pertence ao campo do proletariado? [1]):

  • Prefácio ao Segundo Manifesto Comunista (1965) escrito por G. Munis (e B. Péret) que saiu da organização trotskista espanhola e fundou o Fomiento obrero revolucionário;
  • Em memória de Munis, militante da classe operária, escrito por nossa corrente quando da morte do revolucionário;
  • Carta de ruptura de Natalia Sedova Trotsky com a IV Internacional datada de 9 de maio 1951. Apesar de manter-se totalmente fiel à lógica do próprio Trotsky responsável pelo curso oportunista do trotskismo nos anos trinta, este documento constitui entretanto uma reação saudável à passagem da organização trotskista para o campo da burguesia.

[1] https://pt.internationalism.org/ICConline/2009/Sera-que_o_trotskismo_pertence_ao_campo_do_proletariado [1]

Prefácio da obra de G. Munis "Segundo Manifesto Comunista" (1965)

  • 2433 leituras
Em luta com a perversão reacionária da Internacional Comunista, a Oposição de Esquerda que originou a IV Internacional expressava a continuidade ideológica e orgânica da revolução, como os grupos internacionalistas de 1914 frente à corrosão patriótica da socialdemocracia. No movimento trotskista recaía, além disso, um encargo novo eriçado de obstáculos: assegurar a luta internacionalista contra a paz dos blocos militares prosseguindo a oposição revolucionária à guerra. O derrotismo revolucionário tão admiravelmente reivindicado em 1914-1918 por Karl Liebknecht diante de um tribunal militar germânico, por Lênin na contramão e contra a corrente, exigia ser levado até o triunfo do homem sobre o capitalismo e guerra, seu posterior alcance. Era preciso, pois, dar forma de reivindicações imediatas às medidas políticas e econômicas susceptíveis de desvincilhar o mundo de armamentos e exércitos, do labirinto de nações, do sistema industrial e político baseado na mercadoria-homem. Mas os rábulas que se apoderaram da IV Internacional depois do assassinato de Trotsky não souberam sequer se aferrar ao antigo derrotismo marxista, cominação de programa, e mancharam sua bandeira nas resistências nacionais.

Por outra parte, fazia-se indispensável reconsiderar a tática tradicional, que data da Comuna de Paris e da Revolução Russa, bem como determinados aspectos da estratégia, a fim de adequá-los às importantes mudanças sobrevindas desde 1917. De fato, o retrocesso termidoriano da Revolução russa iniciado em 1921 (N.E.P.= Nova Política Econômica), completou-se depois em contrarrevolução capitalista de Estado. E graças principalmente a esse fato, o capitalismo em geral conseguiu perdurar e aumentar seu potencial explorador em forma cada vez mais centralizada e prejudicial aos homens.

Esse mesmo processo acarretou uma modificação radical dos partidos antes comunistas fazendo deles, não organizações oportunistas ou lacaios operários da burguesia, mas representantes diretos de uma forma particular de capitalismo, a intrínseca à lei de concentração de capitais anexa ao automatismo da sociedade atual e deliberadamente acelerada na Rússia. Por sua vez os sindicatos, foram dominados pelo stalinismo ou independentes dele, foram se moldando sem cessar ao sistema de exploração, do qual já parecem pelo menos inseparáveis.

O proletariado mundial padecia enquanto isso de uma série de derrotas que nada veio interromper até agora. Quando falsos amigos apresentavam-nas como suas vitórias, China ou Cuba, Argélia ou Gana, isto só serve para desmoralizá-lo e pô-lo, inerte, ao gosto de seus inimigos. Essas vitórias, que são na realidade as de determinados círculos capitalistas frente a outros, representam outras tantas derrotas do proletariado; tornadas possibilitadas pelo peso material da contrarrevolução russa no mundo, sim, mas não sem que deixasse a via livre para uma vanguarda revolucionária prisioneira de suas próprias idéias envelhecidas. Mais do que nunca "a crise da humanidade é uma crise de direção revolucionária" como dizia Leon Trotsky, mas as organizações que se dizem trotskistas ficaram encalhadas, por trágico sarcasmo, nas águas lamacentas do stalinismo.

Da luta contra a degeneração da IV Internacional nasceu a maioria das idéias e proposições contidas no presente manifesto. A origem de algumas das modificações ideológicas enunciadas ascende ao período mais incandescente da revolução espanhola, 1936-1937, quando pela primeira vez fora da Rússia, o stalinismo revela toda sua natureza contrarrevolucionária, em relação à qual quaisquer Kerensky ou Noske parecem apenas daninhos. Por tal razão, entre outras, resulta indispensável conhecer a fundo as peripécias da revolução espanhola, tão falsificadas ou desnaturalizadas em livros como o de P. Broué e E. Témine. Ela fecha uma etapa combativa e ideológica do proletariado mundial e abre outra. Seus ensinamentos servirão de luz a uma futura reincidência de combatividade dos oprimidos.

Ainda não encontramos tempo para considerar a rica experiência da revolução espanhola, quando os organismos dirigentes da IV Internacional deram frente à guerra mundial provas de uma carência de internacionalismo, cujas conseqüências últimas seriam a esterilidade ideológica e a aproximação ao stalinismo. Não só a revolução espanhola, senão também os importantíssimos acontecimentos da guerra e do pós-guerra desfilaram diante deles sem maior conseqüência do que acentuar sua inaptidão.

Desde os primeiros sintomas de degeneração ideológica, o grupo espanhol da IV Internacional no México se alçou vigorosamente contra ela, ao mesmo tempo em que se lançava em um amplo trabalho de interpretação dos acontecimentos mundiais e da revolução espanhola em particular. Surdos e estultos, os organismos dirigentes impediram que informação, críticas e proposições chegassem à base de todos os partidos, excluindo deliberadamente a própria possibilidade da discussão. No primeiro congresso do pós-guerra, em 1948, a seção espanhola rompeu com a IV Internacional acusando-a de abandono do internacionalismo e de curso pró-stalinista. Pouco tempo depois, e sobre as mesmas bases, rompia também com ela Natalia Sedova Trotsky, que desde 1941 esteve ao nosso lado.

A situação do proletariado mundial foi piorando sem cessar desde o aniquilamento da revolução espanhola. Continuamente empurrado a apoiar causas reacionárias chamadas de libertadoras, ideologicamente defraudado dia-a-dia em todos os países, esse proletariado se encontra amordaçado e enquadrado por organizações escravizantes. A humanidade inteira, pelo ato único de achar-se submetida ao terror termonuclear além e aquém da cortina de ferro, vive uma situação degradante, sem dela se desvencilhar, da qual toda modificação a agravará. Assim, a sociedade capitalista, consubstancial à guerra de classes e a guerra inter-nações, atinge o grau de desenvolvimento em que sua simples continuidade destrói ao homem, a não ser que o homem dê cabo dela. Indicadora da rebelião da humanidade, só a do proletariado frente ao capital e ao trabalho assalariado é susceptível de transtornar tão grosseira condição e acender a alvorada do sonho revolucionário, fator histórico materialista entre todos primordial.

Estão, no entanto, longe de bastar para tal embate as idéias concretas da revolução russa, que o Programa de Transição acolhe. Escrito por Leon Trotsky em 1937-38, quando ainda não se perfilava bem o significado do período que a derrota da revolução espanhola abre, esse programa revela-se hoje, mais do que insuficiente, suscetível de propiciar oportunismos frente à contrarrevolução stalinista e suas vielas. Caducou do mesmo modo que, em 1917, o programa anterior de Lênin. Sem superá-lo conforme à experiência, às condições objetivas nascidas da rotação capitalista e às possibilidades subjetivas do proletariado em pleno ardor revolucionário, este não conseguirá triunfar em parte alguma e qualquer movimento insurrecional será esmagado pelos falsários.

A obviar tal carência ideológica se emprega o presente Manifesto, que inspira nossa atividade na Espanha e internacionalmente. Dirigimo-nos a todos os grupos e organizações do mundo que vêem a mesma necessidade de revolução socialista no bloco oriental e no ocidental. Convidamos-lhes a meditar as idéias aqui expostas. O renascimento de uma organização operária em escala planetária exige a ruptura com numerosos atavismos e um pensamento em permanente inventiva. Estamos dispostos, quando expomos, a discutir publicamente com qualquer grupo cuja atividade prática e teórica mostre seu apego à revolução. Mas desdenharemos aqueles nos quais o diletantismo domina, ainda que pretendam acolher totalmente ou em parte a nossas idéias. O intelecto revolucionário "não é uma paixão cerebral, mas o cérebro da paixão" (Karl Marx), e como tal reivindica algo muito diferente de aventuras livrescas ou protestos só mentais. Todo diletantismo é uma reverberação do mundo contra o qual nos batemos.

Fica por notificar que algumas partes do nosso Manifesto foram publicadas em 1949 com o título "O Proletariado frente aos dois blocos", sob a responsabilidade de um agrupamento de vida efêmera chamada União Operária Internacional. Mas tanto aquela versão sucinta como a atual são a elaboração ideológica e redação de Benjamín Péret e G. Munis como militantes de Fomento Operário Revolucionário[Fomento Obrero Revolucionario], cuja origem é a seção espanhola da IV Internacional. Em plena revolução de 1936, no México ainda sob a ameaça dos assassinos de Stálin, na Espanha outra vez desafiando a repressão franquista, Benjamín Péret não cedeu um só instante no combate ao nosso lado. É este lugar apropriado para recordar ao amigo, revolucionário, poeta cuja pluma transluz aqui e ali neste Manifesto.

G. Munis
Paris, 1965.

Em memória de Munis, militante da classe operária

  • 2293 leituras

Em 4 de fevereiro de 1989 morreu Manuel Fernandez Grandizo, apelidado de G. Munis. Com ele, o proletariado perdeu um militante que entregou toda sua vida ao combate de sua classe.

Munis nasceu em princípios do século em Extremadura, Espanha. Ainda muito jovem, iniciou sua vida revolucionária militando no trotskismo, numa época na qual essa corrente ainda pertencia ao proletariado e estava levando a cabo uma luta sem quartel contra a degeneração stalinista dos partidos da Internacional Comunista. Foi membro da Oposição de Esquerda Espanhola (OIE) criada em Liège, Bélgica, em Fevereiro de 1930, em torno de F. García Lavid, conhecido por H. Lacroix. Militou em sua seção de Madri, tomando posição a favor da tendência Lacroix em Março de 1932 contra o centro dirigido por Andrés Nin. A discussão no seio da Oposição de Esquerda (OI) residia na necessidade de criar ou não um «segundo partido comunista» ou ainda manter a Oposição nos PCs para fazê-los voltar ao bom caminho. Esta última posição, que foi a de Trotsky durante os anos 30, ficou em minoria na IIIª Conferência da OIE, que mudou então de nome para converter-se em Esquerda Comunista Espanola (ICE). Munis, apesar de seu desacordo, continuará militando nela.

Essa orientação de criar um novo partido acabou plasmando-se na fundação, em setembro de 1934, do POUM (Partido Operário de Unificação Marxista), partido centrista, catalanista e sem princípios que agrupou à ICE e ao Bloco Operário e camponês (BOC) de J. Maurín. Munis se opôs então a essa dissolução dos revolucionários no POUM, fundando o Grupo Bolchevique-Leninista da Espanha.

Quando chegaram as primeiras notícias do levante de 1936 na Espanha, regressou a este país abandonando o México, onde as circunstâncias da vida o tinham levado; volta a formar o grupo B-L que tinha desaparecido e, sobretudo, participa com valentia e decisão, ao lado dos "Amigos de Durruti", na insurreição dos operários de Barcelona em Maio de 1937 contra o governo da Frente Popular. É detido em 1938, mas consegue evadir-se dos cárceres stalinistas em 1939.

O desencadeamento da IIª Guerra Mundial levou Munis a romper com o trotskismo sobre a questão de defender a um campo imperialista contra o outro, adotando uma clara posição internacionalista de derrotismo revolucionário contra a guerra imperialista. Munis denunciou a Rússia como país capitalista que era, o que acabou na ruptura de sua seção espanhola com a IVª Internacional, no primeiro congresso do pós-guerra em 1948. (Ver "Explicação e apelo aos militantes, grupos e seções da IV° Internacional", setembro de 1949).

Após essa ruptura, continuou sua evolução política para uma maior clareza revolucionária, em especial sobre a questão sindical e a questão parlamentar, sobretudo depois de ter mantido discussões com militantes da Esquerda Comunista na França.

No entanto, o Segundo Manifesto Comunista, que publicou em 1965, depois de ter passado longos anos nos cárceres franquistas, testemunha suas dificuldades para romper completamente com a orientação Trotskista, ainda que tal documento se situe claramente em um terreno de classe proletário.

Em 1967 participou na companhia de camaradas de Internacionalismo (Venezuela), de um contato com o meio revolucionário da Itália. No final dos anos 60, com o ressurgir da classe operária no palco histórico, estará mobilisado junto às fracas forças revolucionárias existentes e, entre elas, as que fundariam Revolution Internationale [1]. No início dos anos 70, Munis ficou, infelizmente, à margem do esforço de discussão e agrupamento que desembocaria em especial, na constituição da Corrente Comunista Internacional. Por outro lado, Fomento Operário Revolucionário (FOR), organização por ele fundada em torno das posições do Segundo Manifesto, participou da Primeira Conferência de Grupos da Esquerda Comunista, realizada em Milão em 1977. No entanto, esta atitude foi abandonada na Segunda Conferência, da qual FOR se retirou desde o seu início, plasmando-se assim uma atitude de isolamento sectário que até hoje prevaleceu em tal organização.

É evidente que nós tínhamos divergências muito importantes com FOR, as quais levaram-nos polemizar em numerosas ocasiões na nossa imprensa com esta organização (ver, por exemplo, a Revista Internacional nº 52 - em espanhol). No entanto, apesar dos erros que Munis pudesse ter cometido, até o final foi um militante dos mais fiéis ao combate da classe operária. Foi dos raríssimos militantes que resistiram à terrível pressão da contrarrevolução mais sinistra que o proletariado pôde viver em toda sua história, isso quando muitos desertaram do combate militante e até traíram, para estar presente nas fileiras da classe operária desde a recuperação de seus combates de classe no final dos anos 60.

Ao militante do combate revolucionário, à sua fidelidade ao campo proletário, a seu indefectível envolvimento queremos hoje prestar homenagem.

Aos seus camaradas do FOR dirigimos nossa saudação mais fraterna.

Corrente Comunista Internacional


[1] Revolution internationale participou do agrupamento a base da fundação da Corrente Comunista Internacional

Carta de ruptura de Natalia Sedova Trotsky com a IV Internacional

  • 3770 leituras
Para: o Comitê Executivo da Quarta Internacional

Para: o Comitê Político do Socialist Workers Party

Camaradas:

Vocês sabem muito bem que não tenho estado de acordo politicamente com vocês durante os últimos cinco ou seis anos, desde o final da guerra e até mesmo antes. As posições tomadas por vocês sobre os importantes acontecimentos dos últimos tempos, demonstram que, em vez de corrigirem seus erros anteriores, vocês persistem neles e os aprofundam Na rota que vocês assumiram, chegaram a um ponto em que já não me é possível permanecer silenciosa ou me limitar a protestos privados. Devo expressar agora minhas opiniões publicamente.

Sinto-me obrigada a dar um passo grave e difícil para mim, e só posso lamentá-lo sinceramente. Mas não há outra via. Após muitas reflexões e hesitações sobre um problema que me afligiu profundamente, acredito que não há outra maneira senão dizer-lhes abertamente que nossos desacordos não me permitem permanecer mais tempo em suas fileiras.

As razões para esta minha atitude final são conhecidas pela maioria entre vocês. Eu as repito aqui brevemente somente para aqueles que não estão familiarizados com as mesmas, mencionando apenas nossas diferenças fundamentais e não as diferenças sobre questões de política cotidiana que estão relacionadas a elas ou que delas decorrem.

Obcecados por fórmulas velhas e ultrapassadas, vocês continuam considerando o estado stalinista como um Estado operário.

Eu não posso e não seguirei vocês nesse ponto. Depois do começo da luta contra a burocracia stalinista usurpadora, L.D. Trotsky repetia praticamente a cada ano que o regime estava se deslocando para a direita, sob as condições de retardo da revolução mundial e da conquista de todas as posições políticas na Rússia pela burocracia. Repetidas vezes ele sublinhou que a consolidação do stalinismo na Rússia conduzia a uma deterioração das posições econômicas, políticas e sociais da classe operária, e ao triunfo de uma aristocracia tirânica e privilegiada. Se esta tendência continuar, disse ele, a revolução chegará a um fim e o capitalismo será restaurado. Infelizmente, isso é o que aconteceu, ainda que em formas novas e inesperadas. Dificilmente há um país no mundo onde as ideias e defensores autênticos do socialismo sejam perseguidos de maneira tão bárbara. Deveria estar claro para qualquer um que a revolução foi completamente destruída pelo stalinismo, não obstante vocês ainda continuarem a dizer que sob este regime inominável, a Rússia é ainda um Estado operário. Considero isto como um golpe desfechado ao socialismo. O stalinismo e o Estado stanilista não têm absolutamente nada em comum com um Estado operário e com o socialismo. Eles são os mais perigosos inimigos do socialismo e do proletariado.

Vocês consideram agora que os Estados da Europa Oriental, sobre os quais o stalinismo estabeleceu sua dominação durante e após a guerra, são igualmente Estados operários. Isto é equivalente a dizer que o stalinismo preencheu um papel socialista revolucionário. Eu não posso e não quero segui-los neste ponto. Após a guerra e antes mesmo que terminasse, houve um movimento revolucionário ascendente das massas nestes países. Mas não foram as massas que tomaram o poder e, não foram estabelecidos Estados operários pelas suas lutas. É a contra-revolução stalinista que se apossou do poder, reduzindo esses países ao estado de vassalos do Kremlin, estrangulando as massas trabalhadoras, as suas lutas e aspirações revolucionárias. Ao considerar que a burocracia stalinista estabeleceu Estados operários nesses países, vocês lhe atribuem um papel progressista e até mesmo revolucionário. Ao propagarem esta inverdade monstruosa vocês negam à IV Internacional qualquer razão fundamental de existência como partido mundial da revolução socialista. No passado, nós sempre consideramos o stalinismo como uma força contra-revolucionária em todos os sentidos do termo, vocês já não o fazem, mas eu continuo a fazê-lo.

Em 1932 e 1933, para justificar a capitulação desavergonhada diante do hitlerismo, os stalinistas declararam que pouco importava se os fascistas chegassem ao poder, porque o socialismo viria depois e através do domínio do fascismo. Só brutos desprovidos de humanidade sem uma gota de pensamento ou espírito socialistas poderiam se expressar assim. Hoje, independentemente dos objetivos revolucionários que animam vocês, pretendem que a reação stalinista despótica que triunfou na Europa Oriental é uma das vias pelas quais o socialismo eventualmente virá. Este ponto de vista  marca uma ruptura irremediável com as convicções mais profundas que nosso movimento sempre defendeu e que continuo a partilhar.

 É impossível segui-los na questão do regime de Tito na Iugoslávia. Toda a simpatia e todo o apoio dos revolucionários, e até de todos os democratas, deveriam ser levados ao povo iugoslavo na sua resistência determinada aos esforços de Moscou para reduzir-lhes e reduzir seu país à servidão, é necessário aproveitar cada concessão que o regime iugoslavo é agora obrigado a fazer ao seu povo. Mas toda a sua imprensa agora está consagrada a uma indesculpável idealização da burocracia titoísta, para a qual não há nenhuma base nas tradições e princípios de nosso movimento. Essa burocracia não é mais que uma réplica, sob uma nova forma, da velha burocracia stalinista. Ela foi educada nas ideias, na política e na moral da GPU. Seu regime não difere em nada de fundamental do regime de Stalin. É absurdo crer ou ensinar que a direção revolucionária do povo iugoslavo desenvolver-se-á desta burocracia ou por outras vias que não a de uma luta contra ela.

 O que é mais insuportável que tudo é a posição sobre a guerra com a qual vocês se comprometeram A terceira guerra mundial que ameaça a humanidade põe o movimento revolucionário diante dos problemas mais difíceis, as situações mais complexas, as decisões mais graves. Nossa posição pode ser tomada apenas após discussões feitas da maneira mais séria e mais livre. Mas face aos acontecimentos dos anos recentes, vocês continuam a preconizar a defesa do Estado stalinista e engajando todo o movimento operário nela. Vocês apóiam inclusive agora os exércitos do stalinismo na guerra à qual está submetido o crucificado povo coreano. Eu não posso e nem quero segui-los neste ponto. Em 1927 que Trotsky, em uma resposta a uma questão desleal dirigida a ele no Burô Político, expôs suas posições como segue: Pela pátria socialista, sim! Pelo regime stalinista, não! Isso foi em 1927! Hoje, vinte e três anos depois, Stalin nada deixou da pátria socialista. Ela foi substituída pela escravização e pela degradação do povo pela autocracia stalinista. Este é o estado que vocês propõem defender na guerra, que vocês já estão defendendo na Coréia. Sei muito bem que vocês dizem seguidamente criticar o stalinismo e que o estão combatendo. Mas o fato é que a sua crítica e sua luta perderam o seu valor e não podem dar resultados, porque são determinadas pela posição de defesa do estado stalinista e subordinadas a ela. Quem quer que defenda esse regime de opressão bárbara abandona, independente dos seus motivos, os princípios do socialismo e do internacionalismo.

Na mensagem que me foi enviada pelo último congresso do SWP, está escrito que as ideias de Trotsky continuam a guiá-los. Devo dizer-lhes que li estas palavras com muita amargura. Como puderam constatar pelo que acabo de escrever, não vejo as ideias dele nas suas políticas. Eu tenho confiança nessas ideias. Permaneço convencida de que a única saída para a situação atual é a revolução social, a autoemancipação do proletariado mundial.

Natalia Sedova Trotsky
México D.F., 9 de maio de 1951

FONTE:  REVOLUTAS
SITE: https://www.revolutas.net [2]
PUBLICAÇÃO:  08/03/2005


Versão original: https://www.marxists.org/francais/4int/urss/natalia.htm [3]

 


URL de origem:https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/As-rupturas_em_reacao_a_degeneracao_do_Trotskismo

Ligações
[1] https://pt.internationalism.org/ICConline/2009/Sera-que_o_trotskismo_pertence_ao_campo_do_proletariado [2] https://www.revolutas.net [3] https://www.marxists.org/francais/4int/urss/natalia.htm