É nosso propósito expor através do artigo a seguir, A Revolução Russa: expressão mais avançada de uma onda revolucionária mundial, nossos comentários críticos sobre o texto intitulado As ambigüidades da Revolução Russa: Lênin e a revolução, publicado na Revista Germinal da OPOP [1] (que publicaremos mais adiante)
O interesse de discussões polêmicas acerca da Revolução Russa é óbvio desde que se reconheça que esta primeira tentativa revolucionária mundial constitui, para a classe operária, uma fonte considerável de ensinamentos e, por conta disso, um patrimônio inestimável com vistas à preparação para próximos enfrentamentos revolucionários. É nitidamente em tal perspectiva que se inscrevem o artigo da OPOP e nossas considerações críticas a propósito do mesmo.
Do nosso ponto de vista, o artigo faz uma abordagem do ponto de vista realmente proletário das questões essenciais colocadas pela Revolução Russa. Embora em nosso artigo formulemos observações e até criticas quanto à maneira de colocar certas questões e quanto às respostas feitas a estas, consideramos que este texto merece ser objeto de um debate para além das nossas duas organizações no seio do meio revolucionário. Mantemos este ponto de vista sobre este artigo apesar do mesmo conter uma conclusão inapropriada, em total contradição com seu método global. Com efeito, esta última convida o leitor, para entender melhor a degeneração da Revolução Russa, a estudar "processos similares (na China, em Cuba e na Nicarágua, em todo o Leste europeu, na Ásia e na África)" (destacado por nós) que, ao mesmo tempo, são justamente qualificados pelo artigo de "verdadeiras aberrações ditatoriais (...) em nome do "socialismo" e da "ditadura do proletariado"". O problema reside exatamente nisso, pois os exemplos dados nunca corresponderam a revoluções proletárias (nem sequer burguesas), mesmo que o discurso da propaganda burguesa e, em particular, de suas frações trotskistas e maoístas insistam em afirmar tal caráter. Portanto, não podem ser qualificados como similares à Revolução Russa.
[1] http\\opopssa.info
Só um ponto de vista resolutamente internacionalista, que exclua qualquer possibilidade de construção do socialismo num só país, pode fornecer um quadro que permita analisar a Revolução Russa e, em particular, sua tragédia, quando a revolução mundial - que não conseguia se expandir - a colocou num isolamento trágico, confrontada a contradições insuperáveis. A revolução avançava cada vez mais para um beco sem saída quando as medidas adotadas para poder "se manter" eram entendidas por Lênin (entre outros) e apresentadas como parte das premissas para a construção de uma sociedade socialista. É esta situação que o artigo da OPOP apresenta da seguinte maneira:
Voltaremos a falar, mais adiante, sobre a caracterização desta sociedade "não-socialista numa forma hoje difícil de imaginar", mas desde já entendemos necessário expor a visão do artigo da OPOP quanto ao laço que estabelece entre a degeneração da Revolução Russa e as especificidades da Rússia nessa época.
O artigo toma o contexto russo como ponto de partida de sua análise da Revolução Russa e o caracteriza da seguinte maneira:
O artigo não faz só considerar que o contexto russo é a causa do que ele chama de "as ambigüidades da Revolução Russa", mas também, de maneira totalmente contraditória com seu reconhecimento da impossibilidade do socialismo num só país, deduz que o contexto russo vai em grande medida determinar o destino da revolução neste país:
Trata-se aqui de um equívoco do artigo que não avalia exaustivamente que a ditadura do proletariado isolada num só país é levada necessariamente a degenerar. Será que existe atrás deste equívoco a ideia de que se a revolução tivesse acontecido num país avançado (como Alemanha, por exemplo) e tivesse permanecido isolada, então não teria conhecido um fim semelhante àquele da Revolução Russa?
Seria um erro, pois, isolada, a revolução tem que enfrentar as tentativas do capitalismo em esmagá-la, o que significa que na zona em que o proletariado conseguiu tomar o poder, mantém-se uma série de características da sociedade capitalista: produção de armas que afeta o poder de consumo da classe operária e as possibilidades de desenvolvimento das condições materiais do comunismo, além da existência de um exército que, mesmo sendo "vermelho", continua sendo uma instituição de idêntica natureza ao existente no capitalismo: uma máquina destinada a perpetuar de maneira organizada e sistemática a matança e a coerção. Pode-se facilmente entender a gravidade das ameaças que tais necessidades implicam para o poder proletário. E tudo isso vale tanto para um país avançado como para um país atrasado. Com efeito, um país fortemente industrializado é muito mais dependente do mercado capitalista mundial do que os menos desenvolvidos ou industrializados e não é absurdo pensar que, isolada num país como a Alemanha, a revolução teria sido derrotada ou teria degenerado de forma ainda mais rápida do que na Rússia. [1]
Na sua carta de despedida aos operários suíços em 8 de Abril de 1917, Lênin expõe sua visão do processo revolucionário que se desenvolve na Rússia:
Coube ao proletariado russo a grande honra de inaugurar a série das revoluções engendradas como uma necessidade objetiva colocada pela guerra imperialista. Mas a ideia de considerar o proletariado russo como um proletariado revolucionário eleito entre os operários dos demais países nos é absolutamente alheia... Não são qualidades particulares, mas unicamente condições históricas particulares que fizeram dele, talvez em um tempo muito rápido, a ponta de lança do proletariado revolucionário mundial". (Tradução nossa a partir do francês)
A Primeira Guerra Mundial é um acontecimento de alcance mundial e histórico, que colocou pela primeira vez na história a alternativa "socialismo ou barbárie", que conferiu à onda revolucionária seu caráter internacional. A Rússia foi a linha de frente desta. Lênin, para convencer da necessidade da insurreição, destaca a responsabilidade do proletariado russo em relação ao futuro da revolução mundial:
Quase um ano após a tomada do poder na Rússia, Lênin continua unido à perspectiva da revolução mundial:
Este entendimento do lugar da Revolução Russa na revolução mundial também constitui a base da corajosa determinação demonstrada posteriormente para defender a ditadura do proletariado na Rússia contra todas as tentativas da reação interna e internacional visando derrotá-la através das armas e sufocá-la economicamente. Resistir: isso era uma responsabilidade, um dever em relação ao futuro da revolução mundial. De fato, a queda da ditadura do proletariado na Rússia teria aberto a via à repressão de todos os focos revolucionários na Europa, antes deles tivessem tempo para amadurecer e desembocar em novas insurreições vitoriosas. Assim, a derrota da ditadura do proletariado na Rússia teria significado, com certeza, a derrota da onda revolucionária mundial.
Segundo nossa opinião, o artigo da OPOP não destaca suficientemente a importância dada pelos bolcheviques de labutar na perspectiva da revolução mundial. Podem existir várias explicações para isso sobre as quais não vamos especular visto que uma entre elas é óbvia.
O artigo é muito claro sobre o fato que a revolução na Rússia precisa da revolução mundial:
Mas, ao mesmo tempo, parece ignorar o movimento real da classe operária quando da Revolução Russa que se caracterizava por uma crescente simultaneidade, em particular entre os países europeus. Isso é demonstrado pela seguinte passagem do artigo da OPOP, para quem as condições de uma simultaneidade das lutas operárias só estão dadas agora, pela primeira vez, o que em outros termos significa que tal simultaneidade não se manifestava no momento da primeira onda revolucionária mundial.
Poder-se-ia ter a tentação de afirmar que o artigo da OPOP está "atrasado em uma revolução", pois o panorama que esboça para o agora corresponde exatamente a uma resolução do partido bolchevique adotada em abril de 1917:
Poderia nos opor que a análise atual da OPOP a propósito do período pós-Primeira Guerra é correta enquanto não era o caso da análise dos bolcheviques. Mas isso seria não levar em conta a própria realidade, assim como dos ajuizados comentários emitidos pelos homens políticos da burguesia dessa época que confirmam a visão dos bolcheviques:
Ou tambèm:
Seria incorreto dizer que o artigo da OPOP expressa desinteresse acerca da questão da expansão da revolução mundial no momento da Revolução Russa, pois menciona a criação da Terceira internacional. O problema é que esta última não é entendida como a consequência do movimento real da classe operária, mas sim como uma iniciativa desesperada de Lênin, com o objetivo reverter o curso desfavorável da dinâmica da luta de classe e afastar os operários da influência da social-democracia:
O artigo da OPOP não percebe que foram justamente as maiores expressões da luta de classe que permitiram a fundação da Terceira Internacional, as quais se colocaram em oposição radical às políticas nacionalistas e reformistas dos partidos da Segunda Internacional, mesmo que nem sempre com plena consciência disso.
A Revolução Russa cumpriu plenamente a tarefa que a história tinha especificamente lhe entregado, isto é, a derrubada da burguesia na Rússia. Ao mesmo tempo, lutou com toda energia para a extensão da revolução mundial, através do apoio material e político aos diferentes movimentos nos países europeus, na Alemanha em particular, através do apoio à IC, etc.
Iniciar a transição das relações capitalistas de produção para o socialismo dependia da vitória da revolução em escala internacional. Pela própria impossibilidade de construir na Rússia relações de produção livres das leis do capitalismo, o poder político da classe operária neste país se exercia necessariamente sobre uma sociedade em que as relações de produção eram claramente capitalistas. O artigo da OPOP aproxima-se de tal caracterização na medida em que, ao rejeitar claramente a ideia de uma sociedade em curso de transformação para o comunismo, fala como vimos de uma "sociedade não-socialista numa forma hoje difícil de imaginar".
Não é unicamente o atraso da Rússia que explica as medidas de natureza capitalista que foram adotadas nos primeiros anos do poder dos sovietes. A título de exemplo, podemos lembrar as medidas que teriam sido tomadas na Alemanha para expropriar a burguesia em caso de vitória proletária, isto é, aquelas do programa da Liga Spartakus e do KPD (Partido Comunista da Alemanha). São muito parecidas com as tomadas na Rússia e, entre elas, encontramos especificamente: o confisco de todas as fortunas e rendas dinásticas em benefício da coletividade; a anulação de todas as dívidas do Estado e demais dívidas públicas, assim como os empréstimos de guerra na exceção das subscrições inferiores a certo nível fixado pelo conselho central dos conselhos de operários e soldados; a expropriação da propriedade imobiliária, de todas as empresas agrícolas, grandes ou médias; a formação de cooperativas agrícolas socialistas com uma direção unificada e centralizada para o todo país, as pequenas empresas campesinas permanecendo nas mãos daqueles que as exploram até estes aderirem voluntariamente às cooperativas socialistas; a expropriação de todas as fortunas a partir de certo nível fixado pelo conselho central dos conselhos de operários e soldados.
Neste sentido, as medidas econômicas instauradas na Rússia para enfrentar uma situação desastrosa e a necessidade de manter a aliança com o pequeno campesinato eram inevitáveis e não se pode culpar os bolcheviques de tê-las praticado. Os efeitos de algumas dentre elas poderiam ter sido facilmente revertidos, numa perspectiva de desenvolvimento da revolução mundial (as medidas da NEP), mas dificilmente para outras (a distribuição da terra aos camponeses).
Limitar-nos-emos aqui, propositalmente, aos erros indicados pelo artigo da OPOP, com o intuito de discuti-los. [7]
A. O capitalismo de Estado
Não constitui em nada um passo adiante na edificação de uma sociedade socialista, como o demonstrou, depois, a realidade da URSS, tão capitalista como os países democráticos. Esses últimos também, aplicaram medidas de tipo capitalismo de Estado como, por exemplo, as nacionalizações na França e na Grã-Bretanha, notadamente depois da Secunda Guerra Mundial.
É absolutamente válido criticar os bolcheviques por terem apresentado o capitalismo de estado e as nacionalizações, como etapas necessárias à transição para o comunismo [8]; ou seja, por pretenderem que a "competição econômica com o oeste" comprovava a grandeza da produtividade socialista. Achamos este aspecto bem analisado no artigo da OPOP. Para ilustrar sua postura, este se apóia sobre citações de Lênin muito significativas e, na sua argumentação, encontramos, entre outras, a passagem seguinte:
O artigo da OPOP reconhece a inevitabilidade de recuos táticos no plano econômico, ao mesmo tempo em que lamenta que alguns entre eles tenham contribuído em "afastar o horizonte socialista":
Do nosso ponto de vista, as medidas de liberação do comércio interno da NEP, por exemplo, não entram nessa categoria. O grande erro dos bolchevique, segundo nosso juízo, vamos repeti-lo, foi ter pensado e feito acreditar que algumas medidas, tomadas no plano econômico como "o comunismo de guerra", tinham um caráter progressista, quando, na realidade, eram apenas medidas de capitalismo de estado. É também certo sublinhar, como faz o artigo da OPOP, que algumas entre estas medidas favoreceram o ascenso no Estado de figuras carreiristas do antigo regime.
Assim, o artigo da OPOP destaca também que o próprio Lênin descrevia a utilização de especialistas técnicos burgueses como um "passo para trás" em relação aos princípios da Comuna, pois, para ganhá-los para o poder soviético, deviam ser comprados através de um salário muito superior ao salário médio de um operário. Compartilhamos também a crítica das medidas enunciadas dentro do discurso de Lênin pronunciado em abril de 1918 no comitê central do partido bolchevique (publicado depois sob o título As tarefas imediatas do poder dos sovietes) com o objetivo de fazer aplicar uma disciplina no trabalho e desenvolver a produtividade para reconstruir uma economia arruinada. A propósito disso, Lênin proclama-se a favor da direção de um só homem nas fábricas onde o movimento dos comitês de fábrica era forte e disputava o poder das direções da fábrica, antiga ou nova. Aqui também a defesa por Lênin da "ditadura individual" dos diretores de fábrica não excluía absolutamente em nada o desenvolvimento amplo das discussões, concentrações de massa, sobre a política global; e segundo ele "Esta subordinação pode, com uma consciência e uma disciplina ideais dos participantes no trabalho comum, recordar mais a suave direção de maestro". (As tarefas imediatas do poder dos sovietes) [9]
B. Ditadura do proletariado ou do partido e do Estado?
O artigo da OPOP caracteriza claramente este problema da Revolução Russa onde a ditadura do proletariado é cada vez mais identificada, de maneira equivocada, àquela do partido e da burocracia no seio do Estado, tendo Lênin responsabilidade nesta confusão:
Logo a partir de 1918, aparece claramente, como a OPOP põe em evidência, que o poder político da classe operária estava sendo corroído e abafado pelo aparelho de Estado:
O artigo da OPOP vai mais além do que esta última explicação de Lênin para quem a incapacidade dos comunistas em dirigir o Estado na boa direção resulta do fato que estes são minoritários no seio desta instituição. Constata, com efeito, que o estado constitui o espaço privilegiado da formação de uma nova classe burguesa, processo em que o partido está implicado:
Para nós, e voltaremos mais adiante sobre este assunto, a crescente identificação do Partido Bolchevique com o Estado soviético teve como consequência, para o primeiro, a perda progressiva da capacidade em se auto-criticar assim como criticar o curso geral da revolução.
A. Quem devia tomar o poder na Russia?
Considerando esta questão, o artigo da OPOP destaca vários fatores na origem da tomada do poder pelo Partido Bolchevique:
Concordamos com o artigo da OPOP para constatar que a ditadura do partido e do Estado constituiu um fator da degeneração interna da ditadura do proletariado na Rússia.
Entretanto, quando se trata de explicar porque o partido chegou ao poder, discordamos globalmente com as causas evocadas pela OPOP, sendo todas circunstanciais, com exceção a seguinte que, segundo nossa opinião, aproxima-se mais da realidade: "os próprios bolcheviques não tinham uma ideia clara acerca do caráter da sociedade pós-Outubro". Efetivamente, isso é um fato pertinente ao conjunto do movimento operário nessa época e que, sobre a questão do poder, expressava-se através da ideia errada, decorrente do esquema burguês da revolução, de que a tomada do poder político pelo proletariado consistia de fato na tomada do poder pelo seu partido. Este tinha, então, como função trazer o socialismo à classe, o que constitui uma visão totalmente alheia a esta fundamentação do marxismo: "A emancipação da classe operária só pode ser a obra da própria classe operária". Tal erro era mais ou menos compartilhado pelo conjunto das correntes da Segunda Internacional, inclusive aquelas de esquerda, incluindo Rosa Luxemburgo. Está presente até nos escritos do KAPD em 1921.
O que a experiência russa evidenciou é que cabe ao proletariado, no seu conjunto, assumir sua ditadura, sem delegá-la a seu partido e preservando sua autonomia de classe em relação ao Estado que surge inevitavelmente dentro de uma sociedade ainda dividida em classes. Para mais explicações considerando nossa posição sobre "o Estado no período de transição", aconselhamos a leitura de alguns artigos publicados em nosso site em português [10].
Queremos agora examinar a ideia do artigo segundo a qual os bolcheviques teriam substituído a classe no exercício do poder por conta do fato que esta "não estava preparada para dirigir o Estado pós-revolucionário por via dos Sovietes". O artigo volta a desenvolver essa mesma ideia em outra passagem:
É óbvio que o período de dualidade de poder que antecede a revolução constitui uma oportunidade para a classe operária efetuar uma aprendizagem política considerando, por exemplo, vários aspectos: encarregar-se da gestão da sociedade; adquirir uma compreensão crescente dos meios a sua disposição como classe revolucionária (seu número, sua unidade e sua consciência) e das tarefas que lhe cabem para transformar o mundo, começando pela derrubada da burguesia; conseguir uma compreensão política maior para identificar as manobras que o inimigo de classe tem a capacidade de conceber e desenvolver para mistificar e enfraquecer o proletariado. Todos esses aspectos são importantes, mas, durante este período, o primeiro enunciado não é, de longe, o mais decisivo. Com efeito, pensamos que é um erro pensar, como no artigo da OPOP, que uma melhor preparação da classe operária para gerir a sociedade teria lhe permitido resistir melhor à pressão da burocracia. Adquirir a capacidade de limitar, o mais que for possível, a tendência da burocracia em corroer a ditadura do proletariado decorre de questões políticas da maior importância:
Apesar de ter sido muito importante, a experiência da Comuna de Paris foi insuficiente para permitir ao proletariado internacional, notadamente através de sua vanguarda, tirar as lições necessárias sobre as relações entre a ditadura do proletariado e todas as formas organizacionais que surgem durante o período de dualidade de poder e que se mantém depois dela: conselhos operários, dentro dos quais se organiza a classe operária, e sovietes territoriais, que reúnem o conjunto da população não exploradora convencida da necessidade da revolução, de quem o Estado será a emanação, depois da tomada do poder.
Todas essas questões novas e fundamentais poderiam ter sido resolvidas no calor de uma revolução triunfante se expandindo ao conjunto dos principais países industrializados (do mesmo modo que Lênin tinha sido capaz de escrever O Estado e a Revolução[11] na véspera da tomada do poder na Rússia). Não foi o que aconteceu. A imaturidade das condições subjetivas da revolução pesou de maneira determinante, não só na Rússia, mas no conjunto do proletariado como vamos constatar mais adiante.
B. A imaturidade das condições subjetivas da revolução
Para o artigo da OPOP, a perspectiva de uma revolução proletária na Rússia foi colocada demasiadamente tarde:
Apesar de compartilhar a ideia subjacente a esta passagem, a existência de um atraso nas condições subjetivas da revolução, não podemos nos contentar com a formulação do artigo da OPOP, segundo a qual nenhuma concepção indo mais além da revolução burguesa tinha se manifestado na Rússia antes de 1917. Com efeito, tal formulação não permite dar conta da dinâmica do desenvolvimento da consciência durante os 12 anos que antecederam 1917.
Os acontecimentos de 1905 na Rússia, com o surgimento dos sovietes, tinham constituído uma experiência considerável que permitiu o esclarecimento da questão das formas de organização da luta revolucionária, mas também impulsionaram uma reflexão sobre as etapas da revolução proletária na Rússia.[12] Num primeiro momento, o soviete de deputados era concebido por Lênin como a forma da "ditadura democrática dos operários e camponeses", devendo assumir as tarefas da revolução burguesa. A teoria de Lênin era, neste momento, no melhor dos casos, o produto de um período em que se torna cada vez mais óbvio que a burguesia russa não era uma força revolucionária, mas também em que não se tinha ainda clareza que havia chegado o período da revolução internacional. Quanto a Trotsky, concordava com os bolcheviques em dizer que a revolução tinha ainda tarefas burguesas a cumprir, as quais não podiam ser realizadas pela burguesia. Mas pensava que os interesses do proletariado o levariam não somente a tomar o poder para si próprio, mas também a tomar medidas econômicas e socialistas. Entretanto, para ele, tal esquema só tinha sentido no contexto de uma revolução socialista internacional. Em várias ocasiões, depois de 1905, Lênin aderiu à tese desenvolvida por Trotsky. As teses que escreve em abril de 1917 (conhecidas sob o nome de Teses de abril) concebem de maneira central a Revolução Russa como parte da revolução socialista mundial. Elas armam o partido contra a utilização pelos "leninistas ortodoxos" da fórmula sem substância de "ditadura democrática dos operários e camponeses", que utilizaram como pretexto a seu deslize para menchevismo puro.
De maneia geral, o artigo da OPOP não parece contextualizar o fato que, no momento em que se desenvolve a primeira onda revolucionária mundial, os revolucionários devem então enfrentar uma situação histórica totalmente inédita caracterizada em particular pelas seguintes necessidades:
Por não ter sido capaz de levar em conta a amplidão das dificuldades encontradas pelo proletariado mundial, o artigo não tem obviamente a possibilidade de poder avaliar os passos de gigante efetuados pelo mesmo para enfrentá-las. O proletariado mundial e suas vanguardas revolucionárias dispuseram, como vimos, de um tempo muito curto para entender, através da experiência prática e da teoria, todas as mudanças do novo período antes da revolução acontecer na Rússia. Depois desta, a aprendizagem continua na prática, na Europa em particular, visivelmente através da confrontação com a social-democracia e aos sindicatos. Sem esses avanços muito importantes, obtidos no fogo da luta, a fundação da Internacional Comunista não teria sido possível. E podemos dizer, sem risco de erro, que a continuação da dinâmica de extensão da revolução mundial teria fortalecido mais ainda no plano teórico tais avanços efetuados no plano prático. Em lugar disso, o retrocesso da onda revolucionária mundial implicou em um recuo importante da vanguarda sobre um conjunto de questões essenciais e impediu o esclarecimento das questões totalmente novas colocadas na Rússia relacionadas ao exercício da ditadura do proletariado. Nenhuma dentre essas questões podia ser resolvida na própria Rússia, como dizia Rosa Luxemburgo na sua brochura A Revolução Russa:
"Eis o que é essencial e duradouro na política dos bolcheviques. Nesse sentido, o que permanece seu mérito histórico imperecível é que conquistando o poder político e colocando o problema prático da realização do socialismo abriram o caminho ao proletariado internacional e fizeram progredir consideravelmente o conflito entre capita l e trabalho no mundo inteiro. Na Rússia, o problema só podia ser posto. Não podia ser resolvido na Rússia, ele só pode ser resolvido em escala internacional. E, nesse sentido, o futuro pertence em, toda parte, ao "bolchevismo"."[13]
As posturas adotadas pela IC quando do seu Congresso de fundação são o reflexo do enorme passo à frente dado pelo proletariado durante os anos antecedentes, como testemunha este slogan do seu manifesto: "Sob a bandeira dos Sovietes operários, da luta revolucionária pelo poder e da ditadura do proletariado, sob a bandeira da terceira internacional, operários do mundo, uni-vos!". [14]
Mas em 1920, no segundo congresso da mesma internacional, a direção do Partido Bolchevique tinha voltado para as "táticas" do passado. A esperança da revolução estava se enfraquecendo rapidamente e o Partido Bolchevique defendia então as 21 condições de admissão à Internacional, incluindo o reconhecimento das lutas de libertação nacional, da participação eleitoral, do entrismo nos sindicatos, quer dizer um retorno ao programa social-democrata que era totalmente inadaptado à nova situação. O partido russo passou a ser a direção preponderante da IC. E, sobretudo, a direção bolchevique conseguiu isolar os comunistas de esquerda: a esquerda italiana com Bordiga, os camaradas ingleses em torno de Sylvia Pankhurst, e Pannekoek, Gorter e o KAPD (que foi expulso no terceiro congresso). Os bolcheviques e as forças dominantes da Internacional trabalhavam a favor de uma aproximação com forças que eles mesmos denunciavam dois anos antes por traição; conseguiram efetivamente abortar todas as tentativas para criar as bases de princípio para a fundação de partidos comunistas na Inglaterra, na França ou em outros lugares, graças a suas manobras e calúnias contra a esquerda comunista. Estas ações abriram o caminho para a "Frente Única" (com a social-democracia) de 1922 até o 4° congresso e, enfim, da defesa da pátria soviética e do "socialismo num só país".
A questão da degeneração da Revolução Russa é, antes de tudo, uma questão da derrota internacional do proletariado. A contrarrevolução triunfou na Europa antes de se desenvolver totalmente no seio da Revolução Russa.
Como sublinha justamente o artigo da OPOP, "o poder de Estado dos conselhos operários (...) liquidado e já substituído pela burocracia" é um sinal claro da degeneração da revolução. O artigo assinala de maneira inequívoca um elemento importante dessa degeneração: a revolta de Kronstadt e seu esmagamento pelo exército vermelho[15].
Ao contrário da tese trotskista de uma burocracia cuja natureza de classe não seria burguesa, encabeçando um "Estado operário degenerado" que não seria capitalista, a burguesia retomou o poder na Rússia. Mas isso aconteceu não pela derrubada do poder dos sovietes e pela reintrodução dos métodos de produção capitalista (que na realidade nunca foram eliminados), notadamente a propriedade privada dos meios de produção, mas através da degeneração interna do poder soviético. Com efeito, como a Esquerda Comunista tinha evidenciado há muito tempo [16] e como também o artigo da OPOP menciona, não são as formas jurídicas de propriedade que determinam o caráter de uma classe, mas as relações sociais de propriedade. A burguesia na Rússia era coletivamente proprietária dos meios de produção.
O que na realidade degenerou na Rússia, foi a ditadura do proletariado e não o socialismo, pois não houve nenhum avanço em direção a este. A classe operária progressivamente perdeu o poder em favor de uma nova burguesia proveniente da burocracia, como o evidencia justamente o artigo da OPOP:
A propósito das tentativas de recuperação das grandes figuras revolucionárias, Lênin expressava-se nesses termos:
Assim os stalinistas não hesitaram em falar de um Lênin "nacional-russo". Os exemplos são muitos em que a burguesia, em particular suas frações de esquerda, foi rápida para transformar em verdades eternas erros do movimento operário, muitas vezes encarnados por grandes figuras deste. Ao contrário deste procedimento, há aquele dos revolucionários, para quem não existe revolucionários infalíveis. A responsabilidade de todas as gerações de revolucionários é de se apoiar sobre a herança das experiências e teorizações das gerações passadas, e de passar pelo crivo da crítica os erros passados para tirar deles um máximo de ensinamentos. A Revolução Russa, em particular, deve ser o objeto de tal método, pois a próxima tentativa revolucionária não poderá vencer se as lições essenciais das quais é portadora não forem assimiladas no seio das amplas camadas do proletariado mundial. Isso é fundamentalmente o procedimento adotado pelo artigo da OPOP:
É de maneira totalmente legítima que a OPOP coloca a questão de saber qual papel puderam desempenhar figuras como Lênin, Trotsky, no processo de degeneração:
Se erros dos revolucionários, entre os quais Lênin, efetivamente favoreceram o curso degenerescente da Revolução Russa, como desenvolve amplamente o artigo, este tem cuidado para fazer uma clara distinção entre erros ou recuos impostos pela situação e o procedimento do stalinismo fazendo destes erros a linha diretriz de sua política, de abandono do internacionalismo em benefício notadamente de alianças com potências imperialistas:
O fracasso da onda revolucionária mundial e a degeneração da Revolução Russa engendraram a pior contrarrevolução que o proletariado jamais tinha sofrido antes. Como já vimos, o artigo da OPOP compartilha altamente esta preocupação de tirar as lições do passado para preparar as vitórias do futuro. O problema é que o método que propõe é frágil quando apresenta como revoluções proletárias eventos em que a classe operária de maneira nenhuma se mobilizou para seu próprio projeto revolucionário, mas que constituíram oportunidades para a burguesia desacreditar a própria ideia de revolução de projeto comunista:
Não é inútil lembrar alguns critérios que permitem caracterizar uma revolução proletária e que, até agora, foram reunidos apenas durante a primeira onda revolucionária de 1917-23:
a) A onda revolucionária não pode ser limitada a um país, mas deve considerar, a diferentes graus, os países mais desenvolvidos. Isso é o ABC do marxismo tal como é exposto nos Princípios Básicos do Comunismo em que Engels explica porque a revolução comunista será necessariamente mundial:
b) A onda revolucionária resulta necessariamente de uma dinâmica da classe operária caracterizada pelo desenvolvimento de sua combatividade e sua consciência em escala internacional;
c) Ela é assinalada pela formação de um partido comunista internacional e pelo surgimento dos conselhos operários.
Nenhum destes critérios foi satisfeito, obviamente, nos exemplos de "revolução" apresentados pelo artigo da OPOP. Vamos examinar detidamente três entre esses exemplos de "revolução": na China, em Cuba e na Nicarágua, em que a única luta que houve foi entre frações rivais da burguesia.
A. A China
Segundo a história oficial, uma revolução popular teria triunfado na China em 1949[19]. Esta ideia, sustentada tanto pela democracia ocidental como pelo maoísmo, faz parte da monstruosa mistificação edificada quando da contrarrevolução stalinista considerando a pretendida criação de "Estados socialistas" no mundo depois da formação a URSS.
A China conheceu, durante o período de 1919 até 1927, um grandioso movimento da classe operária, parte integrante da onda revolucionária internacional que sacudiu o mundo capitalista nessa época; entretanto, este movimento terminou em um massacre do proletariado.
Enquanto os melhores elementos revolucionários do Partido Comunista Chinês eram perseguidos e executados, a fração mais stalinista deste partido, à qual pertencia Mao Tsé-Tung, especialmente encarregado das relações entre o Partido Comunista e o Kuomintang, apoiava o banho de sangue em nome da política de colaboração com a burguesia progressista chinesa que correspondia às necessidades do Estado russo.
Desde então privado de base proletária, enquanto continuava sua política antiproletária pregada pelo Comintern nos centros operários, o Partido Comunista começou a teorizar, notadamente através dos escritos de Mao, o "papel revolucionário" do campesinato, refletindo assim a transformação radical da sua própria natureza de classe. Ele se tornou, assim, o defensor dos camponeses, mas também das camadas da pequena burguesia e da burguesia hostis ao autoritarismo do novo dono da China, Chiang Kai-shek. Os novos quadros do partido eram seletivamente escolhidos por Stálin, que utilizava o Partido Comunista Chinês como ferramenta da expansão imperialista russa e como meio de pressão e negociação com o Kuomintang. A afluência massiva para o Partido Comunista Chinês de elementos contrarrevolucionários, de aventureiros de todo tipo, de pequeno burgueses e burgueses em ruptura com Chiang Kai-shek, conferiu-lhe a fisionomia de um verdadeiro escoadouro fétido de maquinações e manobras, onde diversos bandos se enfrentavam violentamente pelo controle do partido.
O episódio da Grande Caminhada, longe de constituir o episódio heróico de "resistência comunista" sob a direção do "grande timoneiro" Mao, teve como objetivo essencial a unificação dos inúmeros focos de guerrilha então existentes na China sob um comando único e centralizado, com a finalidade de constituir um exército burguês digno deste nome para crédito do grande irmão stalinista que controlava estritamente seus quadros. Para isso, as massas de camponeses pobres foram recrutadas e utilizadas como bucha de canhão: a gloriosa Grande Caminhada, que durou de outubro 1935 até outubro 1936, causou algumas centenas de milhares de mortos entre eles. E se foi a linha do grandioso comandante Mao que ganhou, foi, sobretudo, graças à sua capacidade de utilizar as brigas entre seus rivais que, às vezes, ele mesmo suscitava, para assentar seu poder no seio de um "Exército Vermelho" chinês.
Mas pelo menos uma coisa era certa: todos esses bandos, os do Partido Comunista Chinês ou os do Kuomintang, estavam unidos sobre o essencial, a defesa do capitalismo chinês. Assim, quando do conflito entre a China e o Japão em 1936, o Partido Comunista Chinês, novamente aliado com o Kuomintang, destacou-se mais uma vez como principal provedor de bucha de canhão da guerra imperialista. Em 1941, quando o exército alemão entrou na URSS, Stálin, ameaçado em duas frentes de guerra, assinou um pacto de não agressão com o Japão. A consequência imediata disso foi a ruptura do Partido Comunista Chinês com Moscou e a vitória da linha maoísta contra a linha pró-russa no seio deste partido. O Partido Comunista Chinês vai então colaborar numa aliança com o Kuomintang às ordens dos Estados Unidos quando estes últimos entraram em guerra contra o Japão em 1942. De 1943 a 1945, os grandes expurgos anti-stalinistas alcançaram o auge no seio deste partido e o maoísmo tornou-se, a partir deste momento, a doutrina oficial do mesmo.
Os historiadores e intelectuais burgueses alimentam um mito em torno do Maoísmo, "comunismo ao molho chinês", levado por Mao Tsé-Tung, apresentado mentirosamente como um entre dos fundadores do Partido Comunista Chinês, aquele que ia instaurar o "socialismo" neste grande país. Os ideólogos da burguesia apresentam a chegada do "grande timoneiro" ao poder na China como o produto de uma "revolução popular, camponesa e operária", mas a realidade é radicalmente diferente: o Partido Comunista Chinês chegou ao poder como consequência de sórdidas negociações imperialistas. Com efeito, ao empreender seu retorno ao colo de Moscou, contra os Estados Unidos e depois dos acordos de Yalta, o Partido Comunista Chinês irá conseguir eliminar definitivamente seu rival direto, o Kuomintang, em 1949 e fundar a "República Popular Chinesa".
B. Cuba
Guevara se uniu ao grupo cubano de Fidel Castro em 1955 no México, que estava refugiado nesse país depois de uma tentativa abortada de derrubada do ditador cubano, Batista, apoiado durante muito tempo pelos Estados Unidos. Depois de uma série de peripécias, o grupo se instala na Sierra Maestra de Cuba até a derrota de Batista, no início de 1959. Na realidade, o êxito da operação da derrubada de Batista por Castro e Guevara se beneficiou, de fato, do apoio dos EUA e da compreensão de uma parte da direita, que tinha começado a ficar incomodada seriamente com o nível de corrupção do regime.
O núcleo ideológico desse grupo era o nacionalismo. O "marxismo" não foi mais que um conjunto de circunstâncias a uma "resistência anti-ianque" exacerbada, por muito que alguns de seus elementos, o próprio Guevara entre eles, se considerassem "marxistas". O Partido Comunista cubano, que anteriormente tinha apoiado a Batista, mandou um de seus dirigentes, Carlos Rafael Rodríguez, ao encontro de Castro em 1958, alguns meses antes da vitória castrista.
Essa guerrilha não foi de maneira alguma a expressão de sabe-se lá que revolta camponesa e, menos ainda, da classe operária. Foi a expressão militar de uma fração da burguesia cubana que queria derrubar a fração no poder para ocupar seu posto. Não houve nenhum "levante popular" na tomada do poder pela guerrilha castrista. Aparece, como tantas vezes ocorreu na América Latina, como uma troca de uma camarilha militar por outra formação armada, no que as camadas exploradas e pobres da população da ilha, alistadas ou não pelos combatentes da guerrilha, não desempenharam nenhum papel relevante a não ser o de lançar saudações aos novos donos do poder. [20]
C. Nicarágua
A denominada "Revolução Nicaraguense" ou "Revolução Sandinista" é o resultado da confrontação entre frações da burguesia nicaraguense, que se identificavam, uma a favor e outras contra, a ditadura somozista, que governou o país por mais de 40 anos com apoio aberto dos Estados Unidos.
Durante a ditadura somozista, ocorre uma série de divisões nas fileiras dos liberais e conservadores; ambos terminam apoiando ou acomodando-se ao lado da ditadura. Os partidos e organizações de oposição que se constituíram durante o período da ditadura eram fundamentalmente antisomozistas e, na sua maioria, antiamericanos, devido ao apoio incondicional dos EUA à ditadura dos Somoza.
Durante os anos da década de 1950 tem início a formação de organizações de esquerda contra a ditadura, que se consideravam forças independentes de liberais e conservadores, várias delas no meio estudantil. No início dos anos 1960, inspirados pelo triunfo da "revolução cubana" e da Frente de Libertação da Argélia, formam o embrião do que logo viria ser a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). A FSLN retoma as bandeiras de luta de Sandino, baseadas na defesa da pátria, o nacionalismo e o imperialismo norteamericano, incorporando elementos "socialistas" da "revolução cubana". O "programa histórico da FSLN" de 1969 define da seguinte maneira os objetivos da Frente: "A FSLN é uma organização político-militar cujo objetivo é a tomada do poder político mediante a destruição do aparato militar e burocrático da ditadura e o estabelecimento de um governo revolucionário baseado na aliança operário-camponesa e o concurso de todas as forças patrióticas ainti-imperialistas e antioligárquicas do país". [21]
Com efeito, a FSLN se transformou no braço armado das forças burguesas e pequeno-burguesas que se opunham às forças do capital nicaraguense que apoiavam a ditadura. Na medida em que a ditadura somozista perdia força, mergulhava na corrupção e acentuava a repressão, crescia em popularidade a FSLN; desde a metade dos anos 1970, várias forças e personagens do capital nicaraguense (a exemplo de Joaquin Chamorro) começam a fazer uma oposição mais acentuada ao somozismo e dão um apoio mais aberto à FSLN, que derrota as forças somozistas em 1979.
Uma vez no poder, os sandinistas adotam uma série de medidas de expropriações e nacionalizações, e instauram um regime capitalista de Estado com o apoio da URSS e de Cuba. Assim, as novas elites sandinistas no poder passam a fazer parte da classe burguesa nicaraguense.
Como vimos ao longo deste artigo, a OPOP e a CCI compartilham de um quadro comum de análise da Revolução Russa, baseado antes de tudo no internacionalismo proletário, que nos permite discutir as lições a serem tiradas da maior experiência do proletariado mundial. Entretanto, esta ideia exposta rapidamente no final do artigo da OPOP e segundo a qual teriam acontecido revoluções outras proletárias além da Revolução Russa, aparece como um tipo de aberração emprestada de ideólogos da esquerda do capital, quer seja de origem stalinista, trotskista ou dos promotores do "Socialismo do Século 21". Tal ideia, que não percebe claramente o caráter único da Revolução Russa e da onda revolucionária mundial da qual é produto, resulta a nosso ver de uma reflexão insuficiente sobre a natureza particular da revolução proletária. Por conta disso, a OPOP tende em colocar sua análise da revolução na Rússia sobre o mesmo plano que qualquer conflito para o poder no seio da sociedade burguesa. O que está em jogo, se quisermos comparar essas situações, não é a procura de traços comuns entre movimentos genuinamente burgueses e a revolução proletária, mas ao contrário saber identificar as características diferentes que permitirão não só evitar confundi-los mas, sobretudo, ter a capacidade de distingui-los sem a menor ambiguidade. Estamos, obviamente, dispostos a continuar o debate sobre este tema.
[1] Para mais informação sobre esta questão ler em nossas páginas em espanhol o artigo Octubre de 1917, principio de la revolución proletária, nos números 12 [1] e 13 [2] da Revista internacional.
[2] A crise amadureceu (texto distribuído aos membros do comitê central, do comitê de Petersburgo, de Moscou e dos sovietes; Outubro de 1917). Fonte : https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/09/29-1.htm [3]
[3] /content/5/o-stalinismo-nao-e-crianca-da-revolucao-mas-encarnacao-da-contra-revolucao [4]
[4] E.H.Carr; História da Rússia Soviética - A revolução Bolchevique Vol. I; Ed. Afrontamento/Porto, 1977. Pg. 103.
[5] E.H. Carr - História da Rússia Soviética - A revolução Bolchevique Vol.III; Ed. Afrontamento / Porto, 1984. Pg. 145.
[6] Idem, pg 143.
[7] O que não significa que estimaríamos como secundários outros erros de Lênin sobre a questão da autodeterminação nacional em particular.
[8] Entretanto não se deve pensar que Lênin era tão cego que não pudesse diferenciar qualitativamente a simples expropriação da burguesia (em particular quando isso toma a forma da estatização) e a construção real de novas relações socialistas. Sobre esta questão, ele tem pontualmente razão quando, no seu livro Esquerdismo: doença infantil do comunismo, ele recusa críticas provenientes de certas posturas de Esquerdas pela fraqueza de sua argumentação, que leva, por exemplo, alguns (como foi o caso de Bukharin) a confundir a estatização quase completa da propriedade e até da distribuição, que aconteceu durante o período do comunismo de guerra, com o comunismo autêntico. Para nós, se compartilhamos esta precisão de Lênin, concordamos, entretanto, com as críticas das Esquerdas, sobretudo a seguinte proveniente do grupo de Ossinski: "Se o próprio proletariado não sabe criar os requisitos necessários da organização socialista do trabalho, ninguém pode fazer em seu lugar e ninguém pode obrigá-lo a fazer. O bastão, suspenso acima da cabeça dos operários, encontra-se-á nas mãos de uma força social que ou está sob a influência de outra classe social ou sob o poder dos sovietes; mas, naquele caso, o poder dos sovietes será obrigado a procurar o apoio de outra classe (por exemplo, o campesinato) e, agindo assim, destruiria ele mesmo a ditadura do proletariado. O socialismo ou a organização socialista do trabalho só pode ser estabelecido pelo próprio proletariado; do contrário, outra coisa totalmente diferente será colocada em seu lugar: o capitalismo de Estado" (Sobre a construção do comunismo, Kommunist n° 2, abril 1918). Para mais informações sobre este assunto, aconselhamos a leitura da nossa Revista internacional n° 99, "La comprensión de la derrota de la Revolución Rusa (1) [5]", na série El comunismo no es un bello ideal... e do nosso livro em russo, inglês e em breve em francês, A esquerda comunista russa.
[9] https://www.marxists.org/portugues/lenin/1918/04/26.htm [6]
[10] O período de transição do capitalismo ao comunismo (https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/per%C3%ADodo_de_transi%C3%A7cao_do_capitalismo_ao_comunismo [7]) e, particularmente, O estado no período de transição (https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/O_estado_no_per%C3%ADodo_de_transicao [8])
[11] Ler nosso artigo de La Revista Internacional n° 91 El comunismo no es un bello ideal...; "«El Estado y la revolución» (Lenin) - Una brillante confirmación del marxismo [9]"
[12] Ler nosso artigo de La Revista internacional n° 90, El comunismo no es un bello ideal...; "1905: la huelga de masas abre la puerta a la revolución proletaria [10]"
[13] Rosa Luxemburg, A revolução Russa. Ed. Vozes. Pág. 98.
[14] www.moreira.pro.br/docsocintercent.htm [11]
[15] Ler nosso artigo, da Revista Internacional n° 3, "Las enseñanzas de Kronstadt [12]".
[16] Ler nosso artigo de La Revista Internacional nº 131 [13] La experiencia rusa - Propiedad privada y propiedad colectiva [14].
[17] Lênin, O Estado e a Revolução. Cáp 1; seção 1.
[18] Obras Escolhidas em três tomos, Editorial Avante! https://www.marxists.org/portugues/marx/1847/11/principios.htm [15]
[19] A este propósito, recomendamos a leitura da série de artigos, China 1928-1949: eslabón de la guerra imperialista nos números 81 [16] e 84 [17] da Revista internacional e o artigo El maoísmo: un engendro burgués no número n° 94.
[20] Leia nosso artigo Che Guevara: mito e realidade; https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/Che_Guevara_mito_e_realidade_uma_correspondencia [18]
Nenhum homem, mesmo ocupando lugar de destaque na galeria dos maiores e mais reconhecidos gênios da humanidade, foi, é, ou será infalível; mesmo que esteja, por merecimento inconteste, entre gente do calibre de Aristóteles, Newton, Darwin, Einstein, Engels e Marx; mesmo que esse homem se chame Vladimir Ilich Lênin! À primeira vista, a ressalva parece tola, porque a sua obviedade, que resulta da condição humana, soa, quando posta de manifesto, como uma aberração ou crime de lesarevolução inafiançável ao ouvido de muitos - referimo-nos aos espíritos de papagaios de pirata que pululam nas fileiras das mais diversas "escolas" do marxismo - para quem um "bom dogma" é, em se tratando da "defesa" dos "interesses da revolução", sempre preferível à verdade clara. Pois que, infelizmente, temos, nas nossas fileiras, muitos da nefanda espécie dos venerandos Jorges,[1] para quem a opção de uma "sublime recapitulação" ganha status de infalível alternativa na defesa de questionamentos que poderiam pôr em risco os sólidos alicerces do Credo.
A respeito da condição humana, não há muito o que dizer, salvo uma ligeira digressão, apenas para que a alusão ao termo não passe como um velho chavão tão ao gosto de uma literatura medíocre que, por absoluta falta de seriedade e de assunto, tece combinações do tipo "condição", "essência" ou "natureza" humanas para não dizer absolutamente nada acerca de coisa alguma. Aqui, ao contrário do padrão medíocre, o termo recebe conotação teórica precisa e contextualizada, para caracterizar o pensamento humano como um processo que se faz à base de acercamentos e sujeito a tensões de elevado e variado calibre - mais ainda em se tratando do trabalho intelectual de um Lênin durante toda a sua vida política. Tampouco existe, em se falando de Lênin, credo algum, e a maior prova de respeito que se possa ou que se deva dar a esse homem único é a que consiste em revelar seus acertos e erros, uns e outros grandes e generosos, uns e outros resultantes da tentativa, entre as mais honestas e dramáticas vistas na História, consistente em abrir espaço à inteligência dos desafios da revolução por entre ambiguidades que brotavam de um período e de um terreno social acentuadamente refratários a um processo que, não obstante, não podia comportar qualquer recusa; até porque, no caso em questão, o mundo dos revolucionários seria muito monótono, pobre e ausente de motivação, se a Comuna de Paris e a Revolução de 1917 não tivessem acontecido.
Se o que os revolucionários, que se colocam na perspectiva dos interesses históricos do proletariado - que são, sem medo de errar, os pressupostos da sobrevivência da própria humanidade -, desejam e necessitam é conhecer o curso completo e final do revés da Revolução Russa, devem deixar de lado a atitude pueril e sumamente amadorista, que consiste em afirmar - simplificando um pouco, para dar a ênfase devida - que tudo "ia bem" na Revolução Russa enquanto Lênin estava no leme e até que Stálin e sua troupe aparecessem implantando a ditadura da burocracia no lugar da ditadura do proletariado. Esses revolucionários devem aprender a encarar abertamente e com coragem as travas e ambiguidades da Revolução Russa, conhecer e reconhecer as ambiguidades dos grandes revolucionários que, pela posição que nela ocupavam, acabavam por incluir nas suas formulações políticas, nos seus desenhos estratégicos, táticos e organizativos essas ambiguidades, para poder aquilatar com justeza o que aconteceu e o que não deve acontecer no futuro - o que não quer dizer que os revolucionários do futuro estejam isentos de novas e também imensas ambiguidades.
Os fatores objetivos e subjetivos de uma revolução necessária
Para se ter uma visão ampla e segura de um processo tão complexo e difícil como a revolução russa, sobretudo no que diz respeito ao seu revés, é conveniente que o resumamos a alguns traços bem gerais, traços que, muito próximos de sua essência, possam revelar, da maneira mais nítida possível, os revezes de uma Revolução que se perdeu por uma combinação de erros políticos e processos sociais incontornáveis, uma revolução que, junto com a Comuna de Paris, foi, pelo propósito e significado que encerrava, a mais importante da História - mais importante que a própria Revolução Francesa.
A revolução russa contou com fatores objetivos e subjetivos, enunciado óbvio, mas que tem de ser colocado a título de método na abordagem ao tema. Como toda revolução, não nasceu do nada, mas de um processo geral que as massas viveram, sobre o qual aprenderam e ao qual reagiram com iniciativas que foram potencializadas pela direção revolucionária - a direção do POSDR e, particularmente, de Lênin, aquele que, entre os demais dirigentes bolcheviques, teve a visão mais penetrante sobre o estado de ânimo das massas, das suas possibilidades e de seus limites.
Entre os fatores objetivos estavam a crise do sistema feudal e de sua superestrutura, a opressão do Estado czarista, a crise econômica e a Primeira Guerra Mundial. A revolução russa foi, pois, em grande medida, decorrência da Primeira Guerra Mundial, na medida em que as massas, extenuadas ao limite, tiveram condições de avaliar as contradições e a crise do antigo regime com maior nitidez; e o partido bolchevique soube traduzir esse estado de ânimo em palavras de ordem que soavam fundo num front maciçamente camponês, com a bandeira da paz e da terra aos camponeses.
Pelo menos desde a emancipação dos servos, a economia feudal estava estagnada; pelo menos desde a década de 1860 tem início a ação de grupos terroristas, nomeadamente o Narodnik (Vontade do Povo), mais tarde Partido Social-Revolucionário. Eram organizações voltadas para a defesa dos camponeses.
Anos 1890Década de 1890: início e avanço da industrialização, embora ainda assente em poucas cidades da vasta Rússia camponesa e feudal. Dessa social e territorialmente reduzida industrialização capitalista nasceram uma burguesia e um proletariado urbano, envoltos numa ampla economia com traços feudais e de base camponesa. É em tal contexto que a sociedade russa assume uma tessitura social altamente desigual e combinada: uma Rússia feudal e camponesa de um lado e, de outro, uma Rússia com uma indústria, uma burguesia e um proletariado fabril nascentes. A década de 1890 trouxe também as greves operárias, o partido Kadet (Democrata Constitucional), da burguesia, a introdução das idéias marxistas e, em 1897, o Partido Marxista Russo dos Trabalhadores Socialdemocratas de Lênin, Martov e Plekhanov.
O contexto social e histórico da Rússia, que vai perdurar até depois da Revolução de 1917, inclusive em muito determinando, em última instância, seu caráter e seus desdobramentos, era, então, basicamente o seguinte: a) uma sociedade com fortes traços estruturais e culturais feudais; b) um predomínio quase absoluto do campesinato, no âmbito das classes oprimidas, que vai exercer influência fundamental sobre o caráter (ambíguo) e os desdobramentos da revolução; c) um proletariado combativo, mas reduzido e apenas concentrado em algumas poucas cidades. Já desses traços vai depender, numa grande medida, o destino da Revolução de outubro de 1917.
Em face do exposto - ainda que numa apresentação sumária -, uma primeira conclusão pode ser adiantada: uma vasta estrutura econômica ainda portadora de traços feudais; uma cultura camponesa atrasada, também encharcada dos mesmos traços feudais, e um campesinato, portanto, impossibilitado de uma concepção e de uma ação socialista. Isso era mais do que suficiente para travar o movimento da revolução em direção ao socialismo - o proletariado, em minoria e ainda jovem e inexperiente, não tinha acumulado forças, salvo em alguns reduzidos espaços, sobretudo Petrogrado e Moscou, para imprimir seu selo à Revolução. Essa era uma séria limitação da revolução, que só poderia ser superada na perspectiva de um processo revolucionário em cadeia e à escala, pelo menos nos principais países europeus, de cujo único âmbito - internacionalista - poderia retirar o oxigênio que sua maturação haveria de exigir para se completar. Na ausência de tal perspectiva, por ter sido forçada a uma busca estéril, isolada, do socialismo num só país, a revolução na Rússia não pôde oferecer aos dirigentes revolucionários mais do que um terreno apinhado de dificuldades abissais que se refletiam numa recorrente ambiguidade conceitual da política bolchevique pós-Revolução. Essa limitação está na base das muitas peripécias das formulações, iniciativas e propostas de Lênin, não só estratégicas (como saber qual o caráter da revolução e do Estado pós-revolucionário) como táticas - que se refletiram até mesmo, ou principalmente, no interior do Soviete de Petrogrado, o qual esteve nas mãos dos mencheviques e socialistas revolucionários até as vésperas de Outubro.
De 1905 a 1917O caráter dual da Revolução de 1905 deriva basicamente de uma ambiguidade, digamos, estrutural. Esse mesmo caráter vai estar presente também nas revoluções de fevereiro e de outubro de 1917: uma revolução burguesa incapaz de avançar como tal e uma revolução operário-camponesa que também não pôde avançar no sentido do socialismo. Uma tal revolução só teria êxito se houvesse acontecido um pressuposto: a revolução socialista, pelo menos na Europa ocidental, que a tirasse do isolamento e que a ajudasse a suprir grande parte de suas deficiências e contradições. Uma revolução que é travada nos termos aqui colocados e que vai dar lugar a uma formação que não será de um capitalismo privado nem do socialismo - e cujo caráter final, resgatado por uma nova maneira de reprodução do capital, vai ser reforçado com outros ingredientes mais adiante analisados.
A Revolução de Fevereiro não teve na burguesia russa uma classe à altura da tarefa que, por principio, era sua: a de imprimir uma solução radical burguesa que polarizasse trabalhadores e camponeses - até porque estava envolvida pelos trabalhadores dirigidos pelos bolcheviques e por uma guerra da qual as massas trabalhadoras estavam desgastadas ao extremo. A burguesia russa não tinha uma proposta de revolução burguesa radical capaz de oferecer liberdade política aos trabalhadores, terra aos camponeses e independência em relação aos capitais estrangeiros e à própria aristocracia czarista.
O Soviete de Petrogrado era a alma da revolução, porém, a rigor, não pôde sustentar uma saída socialista para ela. Esse soviete foi a plataforma sobre a qual agiam os líderes das organizações revolucionárias: socialistas-revolucionários, mencheviques e bolcheviques. Só muito tarde os bolcheviques lograram ser maioria nesse quartel-general da revolução; somente com atraso puderam assimilar uma concepção - incompleta, acima de tudo - socialista para a revolução dentro dos limites do Soviete de Petrogrado, com seu raio de ação curto para a escala de uma Rússia muito grande e atrasada e sua formação incompleta e tardia. Também os sovietes levavam o selo do atraso numérico e qualitativo da sociedade.
1917
Até abril de 1917 não se tinha avançado para uma concepção que fosse além de uma revolução burguesa - inclusive no POSDR. Lênin, também premido pelas mesmas limitações do caráter da sociedade russa, só avançou para uma proposta socialista - na verdade sempre eivada de ambiguidades, dentro das quais seu pensamento se movia - a partir de abril. Suas posições eram então e por muito tempo ambíguas; todas elas, na verdade, determinadas pelo caráter da sociedade e de sua estrutura de classes.
O atraso das formulações e do ensinamento aos operários organizados nos sovietes pode ser aquilatado pelo fato de que, no I Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, reunido em junho de 1917, a apenas quatro meses da Revolução de Outubro, os bolcheviques eram minoria. Destarte, os bolcheviques, que eram os únicos dirigentes capazes de passar à vanguarda da classe operária, acantonada nos principais sovietes da Rússia revolucionária, careciam de uma concepção que fosse (além da mera organização insurrecional) necessária para contemplar uma formação que os capacitasse à indeclinável tarefa do exercício do Poder, e não puderam preparar a vanguarda da classe nesse sentido - o que certamente explica porque o proletariado russo não se impôs às invectivas da burocracia na usurpação do Poder que deveria ser seu.
Não deixa de ser sintomático que Lênin, em pleno mês de outubro, ao lançar a proposta da tomada do poder com a palavra de ordem "todo o poder aos sovietes", encontrasse forte resistência na própria direção do Partido, fato que, por si só, já revelava uma ambiguidade na compreensão das tarefas da revolução, no centro mesmo daquilo que era a direção revolucionária do proletariado para a revolução socialista.
Ocorre, já depois da Revolução de Outubro, o II Congresso geral dos Sovietes. e os bolcheviques, agora em maioria, passam "o poder aos sovietes", coisa que não encontrava eco na realidade concreta, posto que os sovietes não tinham escala em número e nem em qualidade para exercer - como de qualquer maneira fizeram os comunnards em 1871 - o poder socialista.
1918
As mesmas ambiguidades permanecem e estão presentes na preparação da Assembleia Constituinte, que, na verdade, se opõe ao Soviete. Só em março de 1918 a Assembleia se reúne, mas, com ampla maioria de mencheviques, SRs e outras forças, põe em perigo a revolução e então se resolve, a partir do Soviete de Petrogrado, cassar a AC. Ou seja, essa anulação é feita pela força de um soviete, mas esse mesmo soviete não terá escala para arcar com todas as responsabilidades daí decorrentes - age sem escala qualitativa e quantitativa para dobrar o terreno muito amplo de ambiguidades da revolução vitoriosa.
A outra já mencionada necessidade para a vida do socialismo na URSS foi a revolução em escala mundial, internacional e internacionalista, que foi tentada, que manteve a expectativa, mas que terminou não vingando - e aqui, as causas são muitas, entre as quais a falta de uma IC e de partidos marxistas, sem as traições de grande parte de suas direções, que não prepararam os operários de seus países para intervirem numa conjuntura favorável. Essa lacuna vai colocar a Revolução de Outubro, isolada, numa relação de contradição consigo própria. Estava de certa forma em andamento aquela que era de fato a maior ambiguidade entre as muitas que pontilharam a saga da revolução russa: a tentativa frustrada de manter, em circunstâncias de isolamento, uma sociedade não-socialista numa forma hoje difícil de imaginar (qual?), ou tentar o impossível: construir o socialismo num só país. As difíceis circunstâncias da época levaram, passo a passo, ato a ato, a Revolução de Outubro - que se colocava como uma necessidade social - para a segunda alternativa.
O isolamento da revolução russa também levou, na falta de um apoio vindo dos trabalhadores da Alemanha e de outros países europeus, o Governo Bolchevique a se armar, sozinho, para defender-se das invasões. E aí temos em decorrência mais duas ambiguidades: o Poder deixa de ser da classe para ser do Partido e a Guarda Vermelha, com cerca de 10 mil homens, exército popular, cede lugar ao Exército Vermelho, um exército nos moldes burgueses com chefes trazidos do exército anterior e formado de 5 milhões de homens dirigidos por 30 mil oficiais do passado - um exército profissional e com disciplina centralizada e de ferro.
Como é fácil de ver, cada ambiguidade nova resulta de outras acumuladas e aumenta o volume de ambiguidades que afastam, cada vez mais, a URSS de uma ditadura do proletariado para tornar-se uma ditadura do partido e da burocracia sobre o proletariado. Poder Soviético passou a ser apenas um nome que encobria um enorme revés. O Partido Bolchevique toma o Poder porque: a) depois de tentar a aliança com os mencheviques e os socialistas revolucionários percebe que tais partidos estavam com a contrarrevolução; b) a classe operária também não estava preparada para dirigir o Estado pós-revolucionário por via dos Sovietes; c) os bolcheviques compreenderam que não tinham quadros, entre comunistas e operários, para ocupar cargos no Estado pós-revolucionário; d) os próprios bolcheviques não tinham uma ideia clara acerca do caráter da sociedade pós-Outubro;. e) a ajuda revolucionária esperada da Europa socialista-revolucionária não veio, porque a revolução mundial, esperada com convicção, não aconteceu. Assim, as difíceis circunstâncias - internas e externas - que cercaram a revolução, principalmente depois da tomada do Poder, jogaram o Poder nas mãos do Partido que teve de dividi-lo com a burocracia. Tudo isso já não era, na prática, uma tentativa malograda de salvar - e, na verdade, de construir - o "socialismo num só país"? Como se sabe, o Exército Vermelho, sob a direção de Trotsky, rechaçou inúmeras investidas tanto de fora para dentro como do interior da própria Rússia, mas aí certamente o que se tentava salvar não era mais o socialismo, mas uma outra coisa que precisa ser definida, até porque as tentativas de defini-la feitas, principalmente, por Lênin e Trotsky não contribuíram para elucidá-la; muito ao contrário reforçaram equívocos conceituais que, respaldados pela autoridade intelectual, moral e política desses seus formuladores, se mantêm até hoje na espera de uma solução convincente.
O acúmulo de ambiguidades, sob o peso das quais a revolução batia em retirada, funcionava como uma inexorável fonte de novas ambiguidades, numa espécie de efeito-cascata. Vejamos mais lances desse desesperado processo, em cujo centro debatia-se o próprio Lênin tentando atalhos, soluções provisórias, sempre com a perspectiva de ceder para aliviar tensões e pressões fatais para a revolução, com o firme propósito de reverter cada uma e todas as derrotas temporárias, num futuro que a cada passo ficava mais incerto e distante. Em 1919, ele tenta reverter o cenário comunista mundial dominado pela II IC, criando a III IC, com a qual pensava ganhar o proletariado para uma revolução à escala mundial, mas a III IC nasceu frágil e não conseguiu cumprir a tarefa - e acabou sendo, mais tarde, a chancelaria para o Poder burocrático. Nesse ínterim, os trabalhadores europeus estavam nas mãos das direções patrióticas, nacionalistas, e a onda do movimento operário estava, por volta de 1921, em refluxo. A invasão da Polônia, autorizada pelo próprio Lênin na esperança de um apoio dos trabalhadores poloneses para uma revolução ali, foi um fiasco e uma derrota.
A reação não tardou. A guerra civil foi posta em movimento. Partidos burgueses desalojados, mencheviques, SRs, anarquistas instigaram a reação. O ano era 1918. Tudo isso, produto da situação anterior, levou a economia à desorganização. A I Guerra Mundial, a formação de um exército profissional e a guerra civil desorganizaram a economia. Transportes em pane; as reservas de matérias-primas em baixa; fome e frio assolavam a população. Todo esse impasse levou o governo a tomar mais uma medida de adiamento -ou dissolução, talvez este seja o melhor termo - do "socialismo". Aí ocorreu o "comunismo de guerra" - um nome já de si muito estranho. A escassez de alimentos era o maior problema. Os camponeses não aderiram aos apelos do partido e os alimentos tiveram de ser confiscados. Problemas também com a indústria. Operários que ocupavam cargos não estavam habilitados: a recorrência aos "especialistas", com altos salários, não pôde ser evitada. Como se pode ver, a velha ordem se imiscuía nas entranhas da nova, e as velhas relações, recriadas com selo novo. Dizem-nos historiadores creditados que após três anos de revolução, a população de Moscou estava reduzida a 55% e a de Petrogrado, a cerca de 43%.
1921
A essa altura, o controle operário da produção foi trocado pela obediência e a repressão cegas. Foi implantada a "militarização do trabalho". Mais e mais ambivalências. O "comunismo de guerra" não podia mais continuar, e, no início de 1921, foi abandonado e substituído pela NEP. Mas, antes que isso acontecesse, o "comunismo de guerra" deixou seus "saldos": uma inusitada centralização da economia e do poder e a substituição da distribuição pelo mercado por mecanismos diretos para o consumo - uma espécie de "economia natural". A primeira, que já fora implantada antes, teve continuidade, a segunda, não deu certo. Ademais, a concentração, que foi aplicada na indústria, não deu certo no campo. No que tange à economia "natural", ela, que estava combinada com a política de requisições, não deu certo - e aí não se teve outra alternativa senão recorrer a mais uma ambiguidade: o incentivo capitalista, com comércio a dinheiro; o camponês rico, o kulak, para além do que lhe era requisitado, podia levar um excedente ao mercado - e o kulak tornou-se um pequeno capitalista. Recuperou-se o direito de contratar mão-de-obra e de arrendar a terra. A NEP era vista pelo próprio Lênin como mais uma parada forçada a ser revista num certo futuro, não estabelecido por antecipação.
Diante de tal quadro, era inevitável que surgissem movimentos de oposição, nascidos até mesmo dentro de espaços sociais emblemáticos da Revolução de Outubro, como foi o caso da revolta dos marinheiros do Kronstadt, amotinados, reclamando, entre outras coisas, eleições livres nos sovietes, mas que foram esmagados pelo próprio Exército Vermelho. Uma tal medida, drástica ao extremo, não podia ser vista com simpatia pelos trabalhadores que já se encontravam isolados de qualquer participação na estrutura do Poder... "Soviético". Essa medida, tomada com o assentimento do próprio Lênin, talvez seja a maior das ambiguidades de toda a Revolução.
1922
Um poder centralizado, que emergia do enfrentamento a todas as incursões e a todos os desafios, em continuação com o "comunismo de guerra" e a NEP, era agora corroborado pela necessidade de reconstrução da economia nacional. Essa centralização vai constar do novo texto constitucional da Rússia (o primeiro fora aprovado em julho de 1918, acompanhado da criação do Conselho dos Comissários do Povo): a República Soviética Federal Socialista Russa (RSFSR). Entre 1920 e 1922 foram incorporadas à RSFSR, com convênios e com a força, as repúblicas socialistas ou não-socialistas da Ucrânia, Bielo Rússia, Geórgia, Armênia e Azerbaijão. O poder desse conjunto estava concentrado em Moscou. Em 1922, congressos da RSFSR, Ucrânia, Bielo Rússia e Transcaucásia ratificaram a centralização e criaram a URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A aprovação de uma constituição para o conjunto foi estabelecida pelo Segundo Congresso dos Sovietes, em janeiro de 1924 - que seguia, em geral, as linhas da Constituição da RSFSR. Por sua vez, o Partido tornou-se uma máquina centralizadora com um Politburo de 5 membros, mais forte do que o próprio Comitê Central - e esse Politburo passou a ser, na prática, "o órgão supremo de elaboração da política da URSS". Contactos para abrir caminhos de acesso a trocas comerciais foram abertos com as Inglaterra e com a Alemanha e, à medida que a expectativa da revolução mundial caía, a diplomacia avançava. Acordos militares secretos, para benefício mútuo, que visavam a produção de material bélico, foram assinados - com, inclusive, treinamento militar por especialistas alemães ao Exército Vermelho.
A essa altura o comércio ressurgia, prostitutas podiam ser vistas nas ruas, a instituição da gorjeta reapareceu, o trabalho assalariado se alastrava. Tem início a era Stálin. Todavia, antes de tecer alguma considerações acerca das relações entre as duas eras, a "era Lênin" e a "era Stálin", faz sentido passar a vista no torturante esforço intelectual de Lênin tentando compreender e definir, por entre um denso e contraditório cipoal de ambiguidades - que se mostraram, depois, letais para a revolução e a ditadura do proletariado -, o caráter e as tarefas que a revolução em processo estavam a exigir.
1918
O regime saído da Revolução de Outubro não era ainda socialismo, mas uma fase de transição para o socialismo. Em 1918, eram essas as "estruturas socioeconômicas" existentes na Rússia, segundo Lênin: "1) Patriarcal, quer dizer, uma economia camponesa natural em grau considerável; 2) Pequena produção mercantil (compreende a maioria dos camponeses que vendem seu trigo); 3) Capitalismo privado; 4) Capitalismo de Estado; 5) Socialismo" (In, O Infantilismo de Esquerda e a Mentalidade Pequeno-Burguesa).Nelas, predominava "o elemento pequeno-burguês camponês".
Na fase do "comunismo de guerra", quando houve a "liquidação da burguesia privada" e a apropriação estatal dos meios de produção, o campesinato e os operários já haviam sido despojados dos seus órgãos de administração direta, quando, por meio de uma inusitada centralização das decisões, foram também eliminados os próprios conselhos de empresa, substituídos por via da nomeação direta dos diretores de fábrica pelo governo "socialista", Lênin afirmava que já se havia dado importantes passos na direção do comunismo e distinguia três formas básicas de "economia social": o capitalismo (com a burguesia), a pequena produção mercantil (basicamente os camponeses) e o comunismo (o proletariado). A ideia de uma aproximação do comunismo substituiu, temporariamente, a de um "capitalismo de Estado". Em 1920, o "comunismo de guerra" tinha-se tornado num fracasso contundente e Lênin titubeava entre ambiguidades. Como falar de avanço para o comunismo numa sociedade mal saída de uma revolução, sem a necessária transição - postulada por Marx (Critica ao Programa de Gotha) e pelo próprio Lênin (O Estado e a Revolução) - na qual o poder de Estado dos conselhos operários tinha sido liquidado e já estava substituído pela burocracia? Mesmo assim, Lênin considerava que aquela forma de poder inclinava-se para o comunismo e que a este faltavam apenas "condições materiais". Lênin estava a confundir aquela centralização burocrática com Poder socialista: confundia um Poder do partido e da burocracia com "ditadura do proletariado" (já beirando o comunismo) - de um proletariado que já não se encontrava no poder; uma "ditadura do proletariado, na qual as milícias operárias tinham sido desfeitas e substituídas por um Exército (Vermelho) regular; numa realidade sumamente problemática na qual ocorriam rebeliões camponesas, greves operárias em Petrogrado e a revolta dos marinheiros do Kronstadt. São suas estas palavras (1922): "Esta crise interna trouxe à luz o descontentamento de uma parte considerável dos camponeses e também dos operários. Foi a primeira vez, e espero que seja a última, que largas massas de camponeses estiveram contra nós, não de modo consciente, mas instintivo."
1920 - 1921- 1922
Lênin reconhece um erro na pretensão de passar diretamente para a produção e distribuição comunista e, por meio de um recuo, instaura a NEP. O erro de Lênin, que não é um erro qualquer, consiste em ter confundido traços forçados (logrados por via coercitiva) na produção e na circulação com comunismo, quando não se poderia falar de comunismo, muito menos com tais métodos ou com conquistas obtidas tão rapidamente e descoladas da questão do poder efetivo - sem transição socialista alguma. Há algo mais do que mero economicismo nisso tudo...
Lênin reconhece o fracasso do "comunismo de guerra"- "[...] Cometemos um erro ao decidir passar diretamente para a produção e a distribuição comunista [...]"- e reconhece a volta ao capitalismo numa extensão considerável. Não há como negar: Lênin estava em total desacordo com o que Marx escrevera em Crítica ao Programa de Gotha e consigo próprio em O Estado e a Revolução. Mas Lênin não pensava num capitalismo privado, mas num novo tipo de capitalismo de Estado. Como acontecia com muitos outros "recuos táticos"- tomados sob a pressão de fatos na verdade intransponíveis, e que mais na frente haveriam de ser revertidos -, pensava, novamente, num capitalismo de Estado, que se combinava com traços socialistas. Em 1921, no livro O Imposto em Espécie, ele retoma as ideias de 1918 - às mesmas "estruturas econômicas" que havia identificado na Rússia em 1918. O "elemento socialista" estava no setor estatal da economia - e isso independentemente da questão do Poder das comissões e dos conselhos operários dentro e fora das empresas. E o capitalismo de Estado? O capitalismo de Estado era, na versão de Lênin, um regime onde a primazia estava com a produção mercantil, no qual o setor estatal era minoritário, mas o Poder estava representado pela "ditadura do proletariado" - por um Estado que, nesse contexto, era "um Estado verdadeiramente revolucionário" e representava "inevitável e inexoravelmente a marcha para o socialismo". Parece óbvio que Lênin estava teórica e historicamente equivocado. Teórica e politicamente equivocado porque aquele já não era um Estado proletário, social e historicamente, porque as relações de produção capitalistas não tinham desaparecido nem mesmo no âmbito do setor estatal da economia (confusão entre relações sociais de produção e forma de propriedade).
Na obra O Imposto em Espécie, Lênin identifica os seguintes traços constitutivos do Capitalismo de Estado, que estava a existir na URSS: a concessão (a capitalistas privados, inclusive estrangeiros), a cooperativa, (a pequenos produtores, principalmente camponeses) a comissão (ao comerciante para vender a produção estatal e recolhimento dos produtos do pequeno produtor)) e o arrendamento (de empresas, terras etc. estatais a capitalistas privados). O Capitalismo de Estado era então uma sociedade na qual havia um pequeno setor estatal, a primazia da produção mercantil, a propriedade privada (inclusive arrendada), ou seja, uma sociedade majoritariamente capitalista, controlada por um "Estado proletário" revolucionário - um Estado, diga-se de passagem, que não era proletário e não representava, portanto, nenhuma ditadura do proletariado.
Nesse mesmo ano de 1922, Lênin considera que "o elemento pequeno-burguês (campesinato) é o principal inimigo e que o proletariado está impregnado dessa ideologia e também ‘desclassificado' (fora de sua base de classe), debilitado, disperso etc. Eis a que ficou reduzida a ‘ditadura do proletariado'"!!
Tentando apropriar-se do fato pelo conceito, Lênin tentava, no "Relatório Político ao Comitê Central ao XI Congresso", caracterizar esse capitalismo de Estado da seguinte maneira:
Mas, não são menores as ambivalências do grande Lênin ao tentar compreender a natureza do Estado que dirige. No texto citado mais atrás ele assim define aquele Estado: "Este capitalismo de Estado está conectado com o Estado. E o Estado é a classe operária, é a parte mais avançada dos trabalhadores, é a vanguarda. Nós somos o Estado". No mesmo texto, noutra passagem, encontramos uma surpreendente definição, hoje sabidamente falsa - como tem-na demonstrado Mészáros - que constitui um lamentável equívoco teórico e político, consistente em confundir-se supressão da propriedade privada com superação da relação-capital:
Em "Sobre o Programa do Partido, Informe ao VIII Congresso do PC(b)", de março de 1919, referindo-se aos sovietes, ele afirmara: "Sendo por seu programa órgão da administração exercida pelos trabalhadores, são na prática órgãos da administração para os trabalhadores, exercida pela camada do proletariado que constitui a vanguarda e não pelos trabalhadores em seu conjunto."
Numa outra passagem mais ambígua ainda, fazendo uma alusão ao Partido, no texto "Sobre o Sindicato", de 1920, ele chega a afirmar que
"A ditadura do proletariado [...] só pode ser exercida por uma vanguarda que tenha absorvido as energias revolucionárias da classe [..]) Tal é o mecanismo básico da ditadura do proletariado e a essência da transição do capitalismo para o comunismo.", mas, no Imposto em Espécie, já citado, ele, em alusão ao mesmo Partido, assume uma definição desconcertante: "[...] o contingente avançado do proletariado só representa uma pequena parte de todo o proletariado que, por sua vez, não representa mais do que uma pequena parte de toda a massa da população." Num escrito de 1922, "Condições para a Admissão de Novos Membros no Partido", ele escreve:
Ou seja, a política proletária não foi absorvida respectivamente pelo conjunto da classe, pelo conjunto do segmento mais avançado da classe - a vanguarda da classe -, também não pelo conjunto do Partido, erroneamente visto, em passagens anteriores, como a vanguarda de uma classe incapaz de reconhecê-la conscientemente como tal - resultando que tal política proletária só existia na cabeça de uma Velha Guarda que, se desfeita, perderia as condições de impor sua política. Num outro texto de 1921, se reportando a uma polêmica mantida com Bukharin, que o havia criticado, ele - como fazia sempre que era convencido de seus erros - escreve:
Tratando da burocracia que avançava em todas as instâncias do Estado e da sociedade inteira, algumas formulações feitas por Lênin podem fornecer mais e maiores lições. Porém, façamos um breve parêntesis para lembrar que a formulação "Estado Operário com deformações burocráticas" é um conceito que vai ser empregado por Trotsky para caracterizar o Estado parido da Revolução de Outubro durante todo o tempo em que viveu. Voltemos a Lênin. Numa passagem de um texto de novembro de 1922, "Cinco anos de Revolução Russa e as Perspectivas da Revolução Mundial. Relatório ao IV Congresso da IC", ele escreve:
Até aqui, para Lênin, a burocracia encontra-se arraigada no tecido estatal, mas não na cúpula. Porém, numa passagem de um outro texto, escrito apenas um mês depois do mesmo ano de 1922, nas angustiantes análises feitas por Lênin a tal respeito, ele, agressivo com os próprios camaradas do partido, dessa vez já vê a coisa muito pior:
Agora, Lênin começa a notar que a burocracia, que apenas um mês atrás tinha corroído apenas a larga esfera do funcionalismo do Estado, na verdade encontrava-se instalada em parte da cúpula, nada menos do que na alta esfera ministerial, a esfera do Comissariado do Povo, onde, como se vê, uma outra prática da democracia operária, que a Comuna de Paris implantou e fez valer nos seus dois meses de existência - a revogabilidade dos cargos - , também inexistia, anulada pela imunidade (fato e termo incompreensíveis nas circunstâncias reais e conceituais da ditadura do proletariado) da alta esfera do poder burocrático. São sintomáticas algumas colocações feitas por Lênin ainda nos finais do ano de 1922, tais como:
Ou este, no qual o aparelho de Estado era
Mas, se todos esses pareceres de Lênin preocupam, preocupam muito mais alguns outros que, nas mãos de Stálin e entourage, vão ser assumidos não só sem critica, mas apesar da critica e, sobretudo, contra toda crítica, que constituem uma justificativa para o afastamento dos operários do mecanismo do poder. Vejamos esta longa passagem de um texto escrito por Lênin ("Discurso no III Congresso Pan-Russo dos Trabalhadores de Transporte de Água", de março de 1920):
E desta ilação, constante de um texto de 1922, "Papel e Funções dos Sindicatos", sempre feita a contragosto e em função de pressões socialmente ambíguas, que vai, nas mãos de Stálin & Cia., receber o selo não de uma ação transitória e provisória, mas, ao contrário, um atestado de permanência definitiva:
Ou ainda: "[...] o trabalho deve ser organizado de um novo modo; novos meios de estimular as pessoas a trabalhar e a observar a disciplina no trabalho devem ser encontrados." (In, "Discurso no III Congresso Pan-Russo dos Sindicatos", 1920).
Ou mais nesta, de uma contundência a toda prova: "[...] Poderes ditatoriais e direção unipessoal não são contraditórios com a democracia socialista" (Ibidem).
Portanto, premido pelas ambiguidades do processo material da revolução russa, Lênin estava a justificar o injustificável, ou seja, colocar os interesses da produção na frente da legitimação dos operários no poder - uma postura teórica indefensável, uma postura política abominável, de todo modo uma herança a mais que vai ser assumida pela cúpula do capitalismo de Estado sem qualquer constrangimento depois de encerrada a era Lênin. Na sua obra O Estado e a Revolução, escrito dois meses antes da revolução, Lênin, no encalço de posições de Engels e Marx a respeito do Estado pós-revolucionário, como um exercício para compreender a constituição do Estado socialista, que haveria de ser montado na Rússia logo depois, afirmava, com convicção e brilhantismo, que o Estado Comuna, a ditadura da classe operária sobre a burguesia, teria de ser erguido sobre os escombros do Estado burguês quebrado, eliminado, liquidado pela violência revolucionária do proletariado, naquilo que define a essência do poder da burguesia, ou seja, a burocracia e o exército regular, profissional e aquartelado. Todavia, o que se nota, nas próprias palavras de um Lênin abafado pelos descaminhos do socialismo, é que esse par de instituições, com ele o essencial do poder político da burguesia permaneceram, por conta das inúmeras ambiguidades postas em relevo no nosso artigo. Adeus milícias, adeus Estado mínimo e em extinção, adeus revogabilidade dos cargos, adeus controle direto da produção pelos operários, adeus poder operário de Estado.
Até aqui está visto, portanto, ao contrário do que se diz nas fileiras da maioria dos assim chamados "partidos comunistas", que: a) ao desaparecerem as perspectivas da revolução simultânea em vários países, o que se tentava mesmo era salvar (= construir) o socialismo num só país, tentativa a que o próprio Lênin se jogou com todas as suas energias; b) dessa ausência maior - a única que poderia assegurar as condições de maturação de uma sociedade não-socialista, saída de um solo social imaturo para tal, até o ponto em que o socialismo pudesse ser implantado, de fato, na Rússia pós-revolucionaria -, portanto, dessa ambiguidade maior, combinada com outras tantas que se apresentavam paridas de uma realidade refratária ao socialismo, os bolcheviques foram atolados em concessões em série, tomadas como recuos táticos a serem revertidos em etapas posteriores, mas que, infelizmente, num conjunto no qual essas coisas se integravam cumulativamente, se tornaram irreversíveis, levando os bolcheviques, incluindo o maior deles, a caírem em formulações igualmente ambíguas que não só não davam mais soluções, mas, exatamente, só contribuíam com o afastamento do horizonte socialista; c) resulta que posturas atribuídas a Stálin, como a ideia do socialismo num só país, ou a fórmula tão utilizada por Trotsky de um "Estado operário com distorções burocráticas", entre outras, não eram em nada estranhas ao próprio Lênin; d) a supressão da propriedade privada era confundida com a morte da relação-capital, ao tempo em que velhas relações voltavam à ordem do dia e se combinavam com outras saídas da nova configuração social que recuperava, isto sim, a mesma relação-capital na forma de um Estado pós-capitalista; e) a Revolução Russa estava estiolada desde que saiu do casulo, por força de referidas ambiguidades, e, ao fim e ao cabo, resultou que no lugar do proletariado e seus conselhos estava mandando uma burocracia - que permeava o Estado, o Exército, as empresas -, para além dela um poder fortemente concentrado no Partido, ou então, como o próprio Lênin afirmou, no lugar do partido uma exígua Velha Guarda de veteranos bolcheviques, e assim por diante.
B/Diante de ambiguidades de tal escala, que obrigavam os dirigentes do Partido - Lênin em especial -, diante de inarredáveis pressões dos fatos, a abrirem mãos de conquistas a duras penas alcançadas, com o propósito de recuperá-las quando as tormentas sociais se transformassem em situações mais sólidas e favoráveis, o que diferenciava os dois estilos - a saber: o estilo Lênin e o estilo Stálin - que se fizeram hegemônicos no processo pós-revolucionário?
Colocando inicialmente o problema no plano dos estilos de direção, que estava posto no processo de construção da ditadura do proletariado, há, a nosso juízo, uma diferença que é essencial - uma diferença que revela, de um lado, um revolucionário autêntico e impar, que perseguia, com a máxima dureza, no terreno do debate aberto e leal, ideias e concepções adversárias e, de outro, um indivíduo grosseiro, que se cercou do que havia de pior nas fileiras do Partido, que perseguia, no lugar das ideias, as cabeças dos oposicionistas que as portavam. De fato, enquanto Lênin, de um lado, ao tentar escapulir de uma ambiguidade - por exemplo, lançar mão da NEP, com o claro revés, calculado, de fortalecer o capitalismo no campo, para resolver o desafio iminente do problema do abastecimento, ou de transformar a Guarda Vermelha num Exército regular e profissional, sujeito a uma disciplina burguesa, para dar conta da contrarrevolução nos dois planos, o interno e o externo -, agia na esperança de retomar o curso desviado da revolução, Stálin, do outro lado, tomava como um dado a tendência cumulativa dos desvios, que já configuravam uma sociedade não-socialista, jamais questionando o desencadear dos fatos e, para justificar uma ação política genuinamente revisionista, não titubeava em cometer as mais ousadas e grosseiras adulterações e falsificações, as mais hediondas perseguições aos adversários oposicionistas e celebrar os mais abjetos acordos internacionais com governos imperialistas - como o ato de dissolução da III IC (e de qualquer Internacional), desde que estivesse em questão a sua sagrada tarefa de "construção do socialismo num só pais", a Rússia. Nas mãos de Stálin e dirigentes seus, um marxismo coagulado e torpe figurou como a superestrutura ideológica do capitalismo de Estado que eles assumiram sem questionar e tentando, à base das mais grosseiras fraudes teóricas e políticas, justificar.
C/Mas uma análise que incida sobre os dois estilos básicos dos dirigentes que estavam à testa dos destinos da Revolução Russa tem, decerto, certa relevância, mas ela só pode ser verdadeiramente eficaz para uma concreta compreensão de referido processo se compreendida como parte de uma abordagem das determinações de classes que estavam no centro das ambiguidades atrás ressaltadas. E aqui é forçoso esclarecer em que planos a análise das determinações de classe pode e deve ser realizada. Num primeiro plano está a necessidade da identificação das classes sociais que estavam ativadas nos desdobramentos da própria Revolução; no outro, essas classes faziam suas intervenções na tessitura da sociedade , na mesma Revolução, procurando incliná-la para o âmbito de seus interesses.
De todo o exposto no curso da análise levada a efeito acerca das ambiguidades da revolução é possível concluir que a classe social - uma burguesia de Estado -, que acabou prevalecendo nos desdobramentos do processo da revolução russa, foi constituída de uma complexa combinação dos caracteres e dos respectivos interesses dos seguintes segmentos sociais: a) de um lado os camponeses ricos, aqueles que, no mínimo, se beneficiaram e que, por conseguinte, se desenvolveram com interesses específicos com a NEP; b) os militares, sobretudo os que, contados em torno de algumas dezenas de milhares, passaram a ocupar postos de comando no Exército Vermelho; c) todo um corpo de funcionários, originários do Estado czarista, que foram resgatados e cooptados para pôr em andamento o Estado pós-revolucionário; d) de suma importância, e não poucos, os membros do próprio Partido, que se tornaram parte da burocracia e no conjunto diluíram sua fisionomia comunista, trocando-a pela fisionomia de uma burguesia de Estado. São essencialmente esses segmentos que vão ser a um só tempo resultado e agentes do processo de transformação da ditadura do proletariado numa ditadura de uma burocracia que culminou com uma burguesia de Estado à testa da qual estavam Stálin e sua entourage.
Demais, torna-se necessário compreender como se deu o processo concreto da viragem em questão e, acima de tudo, como e porque o próprio Partido - nele incluindo os próprios Lênin, Trtosky e demais membros que, de alguma forma e em alguma medida compartilhavam, a tal altura do andamento do processo, da orientação geral de Lênin-tornou-se mediador da nova estrutura de Poder que tomava corpo a partir da insurreição de Outubro. Por tudo o quanto foi visto, é óbvio que seria um disparate supor que homens como Lênin, Trotsky, Bukharin ou Sverdlov pudessem ser responsabilizados por uma intervenção conscientemente deliberada no sentido da desmontagem da ditadura do proletariado em proveito da ditadura do partido e da burocracia sobre o proletariado. Mas também não se pode omitir que a intervenção, que se viram obrigados a levar a efeito, como homens de partido, diante das gigantescas ambiguidades paridas do próprio processo da revolução, terminou por se constituir como mediação do referido processo. As ambiguidades nasciam da combinação de problemas sociais objetivos que emergiam das entranhas de uma sociedade material que, política e ideologicamente resistia, nas circunstâncias dadas, ao desenvolvimento da ditadura do proletariado. Na medida em que cada intervenção posta em prática pelo Partido era acionada como um necessário recuo - embora apenas um recuo tático, para aqueles dirigentes - e produzia um reforço dos interesses e das respectivas posições de classes da amálgama vista mais atrás, esses segmentos ganhavam contornos adicionais de burguesia de Estado e, normalmente, a partir de cada nova posição assim alcançada, aumentavam seu poder de fogo na desmontagem em curso da ditadura do proletariado e no consequente reforço do capitalismo de Estado. Esses obstáculos que se colocavam como dados outros diante da ação geral do Partido - como as reações de certas esferas do campesinato - nasceram não como obstáculos, mas como fatores ativos da revolução, tornando-se obstáculos exatamente quando a própria revolução, em sua marcha progressiva, teve de colocar em questão certos interesses dessas esferas do campesinato. Entre alguns dos obstáculos gerais ao curso da revolução, que se constituíram como pressões objetivas - por exemplo, a crise de abastecimento, que levou ao "comunismo de guerra" e, depois, à NEP - e as posições crescentemente articuladas dos referidos segmentos de classe interessados na volta dos mecanismos de mercado e do Poder, havia uma relação dialética de simultaneidade, nunca um sistema de causa e efeito linear. Pois é exatamente no âmbito das contradições objetivas dessa dialética que a ação do Partido, operando a contragosto de Lênin e parceiros seus, funcionava como mediação. Diante da pressão dessas forças de resistência, o Partido mediava com um recuo tático provisório, que implicava num fortalecimento das posições de classes dos segmentos mais atrás relacionados; posições essas que, uma vez fortalecidas, agiam, no retorno, no fortalecimento dos referidos processos objetivos, cavando ainda mais o fosso existente entre a realidade pós-revolucionária e a perspectiva da ditadura do proletariado. Esses recuos, como foi visto, acumulavam-se num crescendo até que, no limite, resultaram na consolidação de um capitalismo de Estado que, já na década de 1920, era um sistema social completo, com uma classe social formada, com um Estado correspondente, à testa do qual o stalinismo, como direção e ideologia adequada, assumiu-o de ponta a ponta.
D/
Diante de tudo o que acaba de ser exposto, uma pergunta se impõe: haveria alguma alternativa? Positivamente, qual? É bom ter essas limitações claras em mente para não embarcarmos em formulações fáceis, como: a) o stalinismo pegou uma ditadura da classe e, traindo a revolução, deu início, após a morte de Lênin, ao capitalismo burocrático de Estado; b) Lênin, Trotsky, Bukharin teriam feito diferente. Para avaliarmos melhor, indaguemos: diante das circunstâncias de isolamento, interno e externo, do país, do partido e da própria revolução, qual a saída que poderia evitar a via stalinista de cristalização de uma ordem do capital pós-capitalista? Uma saída que colocasse a revolução russa num caminho que desse lugar ao socialismo, quando as condições da realidade mundial se fizessem presentes? Teria sido possível uma tal forma de sociedade de transição?Por quanto tempo?
Como todas as experiências de tentativas de revoluções socialistas em condições de imaturidade para tais, e nas condições de ausência de simultaneidade de socialismos em nações que os fizessem brotar de capitalismos desenvolvidos, não puderam evitar o malogro, tornando-se invariavelmente sociedades reprodutoras do capital. O avanço dessa compreensão necessária e impostergável para o destino da humanidade passa pelo estudo dos processos similares ao da Revolução Russa (na China, em Cuba e na Nicarágua, em todo o Leste europeu, na Ásia e na África) - para inclusive entender como tentativas não bem sucedidas puderam e ainda podem chegar a situações nas quais se configuram e podem-se configurar verdadeiras aberrações ditatoriais, a exemplo do que aconteceu, em nome do "socialismo" e da "ditadura do proletariado", na própria China, na Coreia do Norte, na Romênia, etc.
E/
Devemos levar em conta, no presente e no futuro, duas ordens de preocupações que podem evitar erros e marchas forçadas como os que aconteceram até aqui: de um lado, que a História oferece, pela primeira vez, no plano objetivo, a possibilidade de revoluções socialistas simultâneas, inclusive em países capitalistas desenvolvidos, fato novo que poderá combinar, na base de um internacionalismo proletário autêntico, a ajuda mútua de nações pós-revolucionárias, sobretudo a dos países desenvolvidos, onde o socialismo já pode florescer imediatamente às revoluções, aos países atrasados, em que as revoluções se coloquem como necessidades, mas em circunstâncias nas quais o socialismo ainda não possa ser construído de imediato. A outra coisa a ser levada em conta é o fato, reiteradamente posto em manifesto por Stivan Mészáros, baseado em Marx, de que o que tem de ser superado não é só o capitalismo mas toda a vida e a sobrevida do capital, o que deve compreender que não basta suprimir a propriedade privada dos meios de produção para que o socialismo possa se desenvolver como tal, mas o próprio capital como fator de exploração, dominação, controle e articulação de toda uma ordem de metabolismo social.
(Junho de 2009)
[1] Famoso personagem de O Nome da Rosa, de Umberto Ecco, que justificava de modo extremado a defesa dos postulados do pensamento agostiniano, portado pela Igreja, contra as invectivas de monges que, afirmando princípios aristotélicos, induziriam o "rebanho infectado a duvidar de Deus."
Ligações
[1] https://es.internationalism.org/revista-internacional/197801/1066/octubre-de-1917-principio-de-la-revolucion-proletaria-i
[2] https://es.internationalism.org/node/2362
[3] https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/09/29-1.htm
[4] https://pt.internationalism.org/content/5/o-stalinismo-nao-e-crianca-da-revolucao-mas-encarnacao-da-contra-revolucao
[5] https://es.internationalism.org/revista-internacional/199912/1153/viii-la-comprension-de-la-derrota-de-la-revolucion-rusa-1-1918-la-
[6] https://www.marxists.org/portugues/lenin/1918/04/26.htm
[7] https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/per%C3%ADodo_de_transi%C3%A7cao_do_capitalismo_ao_comunismo
[8] https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/O_estado_no_per%C3%ADodo_de_transicao
[9] https://es.internationalism.org/revista-internacional/199712/1217/ii-el-estado-y-la-revolucion-lenin-una-brillante-confirmacion-del-
[10] https://es.internationalism.org/revista-internacional/199201/1225/i-1905-la-huelga-de-masas-abre-la-puerta-a-la-revolucion-proletari
[11] http://www.moreira.pro.br/docsocintercent.htm
[12] https://es.internationalism.org/revista-internacional/197507/940/las-ensenanzas-de-kronstadt
[13] https://es.internationalism.org/node/2113
[14] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200711/2089/la-experiencia-rusa-propiedad-privada-y-propiedad-colectiva
[15] https://www.marxists.org/portugues/marx/1847/11/principios.htm
[16] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200704/1823/china-1928-1949-i-eslabon-de-la-guerra-imperialista
[17] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200703/1779/china-1928-1949-ii-un-eslabon-de-la-guerra-imperialista
[18] https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/Che_Guevara_mito_e_realidade_uma_correspondencia
[19] https://cedema.org/digital_items/3400