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Artigos da CCI sobre os acontecimentos recentes no Magreb e Oriente Médio

  • 3157 leituras
Publicamos seguir artigos da imprensa da CCI sobre as recente revoltas populares no Magreb e Oriente Médio publicados na imprensa da CCI, traduzidos espontaneamente por simpatizantes.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Organização revolucionaria [1]

A desumanidade da burguesia (26/02/2010)

  • 2200 leituras
Todos os políticos ocidentais hoje se lamentam sobre a repressão e a miséria que golpeiam a Líbia, a Tunísia e o Egito. Todos juram, com a mão no peito, plena solidariedade com "os sofrimentos do mundo árabe". Mas os seus atos reais provam a sua hipocrisia sem limite e sua total desumanidade. Perante os milhares de emigrados que fogem, tentando alcançar o território europeu, todas as burguesias estão se organizando para erguer uma cortina de ferro intransponível.No sábado, 25 de fevereiro, a comissária europeia, Cecilia Malmström anunciou: "Tenho o prazer [SIC!] de anunciar que a partir de domingo, 20 de fevereiro, a missão "Hermes" da Frontex (agência de vigilância das fronteiras européias) será mobilizada oficialmente para ajudar as autoridades italianas a gerir os fluxos de imigrantes provenientes da África do Norte, e em especial os que vieram da Tunísia na ilha de Lampedusa". A Frontex prestará igualmente um apoio naval e aéreo à vigilância das fronteiras.No total, uma dezena de Estados, entre os quais a França, se dizem prontos para participar desta missão. A França é, além disto, um país "de ponta" por sua política de imigração e pela defesa do espaço Schengen [1].

Assim, o governo de Paris mostrou-se muito firme em relação aos tunisianos que desembarcaram sobre a ilha italiana de Lampedusa, e cuja maioria quer ir à França: o ministro do Interior preveniu que serão tratados como imigrantes clandestinos convocados a serem reconduzidos ao seu país. Interrogado na Assembleia Nacional, Brice Hortefeux recordou a regra em política migratória: "Um estrangeiro em situação irregular está destinado a ser reconduzido ao seu país de origem, exceto situação humanitária específica." Pensando bem, com Hortefeux, este amigo dos "Auvergnats" [2], as situações humanitárias específicas…não existem, só há unicamente trapaceiros e aproveitadores. E para se fazer compreender mais claramente: "Não é o interesse nem da Tunísia, que o compreende perfeitamente, nem da Europa, nem da França o de encorajar e aceitar estas migrações clandestinas." Isso não vale somente para os tunisianos, porque o presidente do serviço francês de imigração e integração, Dominique Paillé, afirmou nesta quinta-feira, 24 de Fevereiro, que "os clandestinos" provenientes da Líbia também "serão reconduzidos". Não se poderá mais dizer que a burguesia francesa usa dois pesos e duas medidas! Todos mergulhados na mesma miséria e no horror capitalista, mas sem injustiça! 

Mulan (26 de Fevereiro)
Revolution Internationale n°420, órgão da CCI na França.



[1]              Kadafi, aliás, se permitiu alfinetar Sarkozy publicamente a respeito disto quando da sua estada nos jardins Elysée, sob a sua tenda de beduíno. Interrogado sobre a questão dos direitos do homem na Líbia,respondeu: "Antes de falar dos direitos do Homem, é necessário verificar que imigrantes são beneficiados por estes direitos entre vocês."

[2]              Referência à declaração racista de Hortefeux em setembro de 2009, durante a reunião do seu partido a União por um Movimento Popular (UMP, de direita) no país basco francês. Um jovem franco-argelino, Amine Benalia-Brouch, se aproximou do ministro pedindo para ser fotografado com ele, que comentou com o presidente do partido, Jean-François Cope: "Ele não corresponde em nada ao estereótipo...Quando há um deles, tudo bem. É quando há muitos deles que os problemas chegam". A declaração, gravada em um vídeo amador, teve mais de 800 mil acessos no site do Le Monde em um dia. A situação piorou quando Hortefeux tentou contradizer a declaração, dizendo primeiro que se referia ao número de fotos e depois que se referia não aos árabes e sim aos Auvergnats (ou occitanos, da Occitânia, localizada na região sul da França). Parte da imprensa explorou o caso e grupos nacionalistas occitanos utilizaram-no como comprovação do racismo anti-occitano existente na França.

A democracia arma a brutal repressão de Kadafi (01/03/2011)

  • 3412 leituras

Se a escolha do momento certo é a essência da comédia, então a viagem de David Cameron - há muito tempo planejada – vendendo armamentos no Golfo e no Oriente Médio não pôde funcionar melhor. Mas fornecer a carniceiros meios para atacar suas populações está longe de ser cômico.A natureza repugnante desta farsa sinistra foi reforçada ainda mais pelo seu comparecimento a uma cerimônia no Kuwait, junto ao ex-primeiro-ministro John Major, para comemorar o vigésimo aniversário da primeira Guerra do Golfo, na qual centenas de milhares de inocentes foram mortos pelo armamento mais letal das democracias avançadas.Ao mesmo tempo em que centenas, talvez milhares, eram mortos na Líbia pelas armas vendidas a Kadafi pelos governos trabalhista e conservador, Cameron, que parou brevemente para uma apressada ocasião de ser fotografado na praça Tahrir (com oito executivos da defesa e das indústrias aeroespaciais), barganhou seus bens mortais à sua clientela gângster. Em resposta às críticas Cameron, alongando palavras quase além da compreensão, disse que não fornecer armas a estes regimes árabes era "negar aos povos seus direitos básicos", "racismo" e algo não-democrático. Ao regime de Kadafi foram vendidos até muito recentemente, entre outras coisas: rifles de longa distância, granadas de gás lacrimogêneo, armas para controle de multidões, munição para armas ligeiras, granadas de efeito moral, canhões antiaéreos, morteiros, veículos blindados de transporte de tropas, aviões militares, silenciadores de armas, miras, coletes à prova de balas e tecnologia de aviação militar.Foram todos, nas palavras do Gabinete de Relações Exteriores, "cobertos por garantias de que não seriam usados na repressão aos direitos humanos". A Grã-Bretanha teve, de longe, o maior espaço na última feira líbia de armamentos e na última semana, na feira de armas em Abu Dhabi: 10% de toda a exposição mundial era britânica. O ministro Gerald Howarth, liderando a delegação, declarou: "Nós temos planos ambiciosos". Ao mesmo tempo, o porta-voz de defesa do partido trabalhista, Jim Murphy, cujo governo empreendeu guerras no Iraque, Afeganistão e vários outros "teatros", tentando fazer um ponto político, mas mostrando a unidade da burguesia britânica, disse: "O Reino Unido tem uma responsabilidade além de suas fronteiras e precisa manter a força."Foi o governo trabalhista que abraçou e fortaleceu o regime de Kadafi e conduziu vendas de armas ao Líbano, ao Iêmen, à Jordânia, à Síria, ao Kuwait, ao Iraque, ao Marrocos, a Israel, ao Qatar, à Argélia, à Tunísia, aos Emirados Árabes, a Omã, ao Barein e ao Egito. E foi o governo trabalhista que esteve envolvido em toda a investigação do tráfico de armas dentro da BAE saudita de Al-Yamanah citando "interesse nacional" [1]. Agora que os LibDems (liberais-democratas) sentiram o gosto do poder, fugiram camuflados do terreno da alta moral. A secretária de negócios Vince Cable é cúmplice dos acertos e Nick Clegg vice primeiro-ministro, aparentemente responsável pelo país quando Cameron estava fora do comércio de morte e destruição, esquiando enquanto pessoas que protestavam pelo básico, transeuntes e crianças estavam sendo assassinados pelas armas fornecidas pela Inglaterra.Os crimes e a hipocrisia destes cúmplices de massacres são ilimitados e Cameron ainda propôs vender armas aos "rebeldes líbios", para quem são o governo líbio na espera, que deve derrubar Kadafi. E ao condenar o uso de "violência excessiva" pelo regime, (que está usando as armas que forneceu para essa finalidade), a Inglaterra seguiu os chamados da suposta "comunidade internacional" por sanções e ajuda humanitária – que mostraram ser no passado armas no interesse dos imperialismos concorrentes que executam-nas.A secretária de defesa Liam Fox tem buscado "ampliadas exportações de defesa" com "o Ministério da Defesa… à frente da estratégia de crescimento das exportações conduzidas pelo governo" e o ministro do comércio, Lord Green (ao lado de Vince Cable), disse que os ministros poderiam ser "responsabilizados" se as companhias falharem em obter negócios. A única negociação de armas que foi bloqueada nos últimos dois anos foi a venda de $65 milhões em helicópteros, rifles de assalto, carros blindados e metralhadoras ao pequeno estado africano da Suazilândia. Então, o governo britânico alegou que isto era porque estas armas poderiam ser usadas para uma "possível repressão interna". Mas os documentos da embaixada dos EUA publicados por Wikileaks mostram que os americanos interromperam a venda por causa de "preocupações com o usuário final", isto é, que as armas provavelmente iriam parar no Irã. Isto não impediu a Campanha Contra o Comércio de Armas (Campaign Against Arms Trade), de saudar a manobra como uma recusa a "vender armas a um conhecido abusador dos direitos humanos". Isto quando o total de armas britânicas para a África despedaçada por guerras chegou a mais de um bilhão de libras no ano passado.A Inglaterra naturalmente, não está sozinha neste comércio mortal, todos os grandes países estão envolvidos e a venda global de armas aumentou 60% desde 2002 para totalizar $400 bilhões (com base em números oficiais) em 2009. A BAE Systems britânica foi a segunda maior companhia envolvida nesse período com seus $33.25 bilhões atrás apenas da Lockheed Martin dos EUA. Mas é o papel da Grã-Bretanha na defesa e armamento do regime de Kadafi que é particularmente nauseante nas circunstâncias atuais; festejado pelo governo trabalhista, por financiadores, por acadêmicos e pela família real, o atual governo inglês de coalizão estava prestes a continuar o trabalho de preparar Saif al-Islam Kadafi (o filho do ditador) como seu apadrinhado no regime assassino.A Rússia, entre outros, igualmente abasteceu os regimes locais com armas; e a França, competindo com os EUA e a Grã-Bretanha no mediterrâneo, Magreb e Oriente Médio, forneceu a Kadafi mísseis antitanque, telecomunicações militares e manutenção para seus caças-bombardeiros Mirage. A classe dominante francesa não tem nada a aprender da Pérfida Albion [2]. Já enviou dois carregamentos aéreos de uma suposta ajuda "humanitária" da qual o primeiro-ministro francês diz: "será o começo de uma operação em massa de apoio humanitário para as populações dos territórios libertados".Não é só fornecendo o armamento a estes regimes assassinos que a Grã-Bretanha lucra estratégica e economicamente. As várias forças especiais fornecem treinamento aos assassinos como um acessório ao comércio de armas e, de modo não surpreendente, sem ter absolutamente nenhum escrúpulo. Uma das realizações das mais notáveis do SAS (força de elite inglesa) consistia em treinar os quadros do Khmer Vermelho genocida de Pol Pot nos anos 60. Mais recentemente, foi visto o papel dos oficiais de polícia de West Mercia e de Humberside treinando os esquadrões da morte do governo de Bangladesh.E, finalmente, vale a pena recordar que as armas de destruição em massa - químicas e biológicas -, que Kadafi supostamente abandonou para retornar aos braços da "comunidade internacional" estão ainda intactas nos bunkers estatais e são uma possível ameaça a um grande número de pessoas na região.

Baboon 01/03/11
World Revolution, órgão da CCI na Grã-Bretanha

"Democracy arms Gaddafi’s brutal repression [2]".

 Por WorldRevolution

 

[1]              Os atuais vazamentos de informações diplomáticas realizados por Wikileaks revelam que a British Aerospace Systems (BAE) há pelo menos 10 anos subornou príncipes árabes (mais de 73 milhões de libras), pagando também dinheiro não declarado para seus agentes de marketing empregados pelo governo árabe. O suborno serviu como "influência" para aceitação do contrato irregular com a empresa em Al-Yamanah. O governo trabalhista pressionou o fim da investigação em 2006, com apoio saudita, o que não impediu pedidos de reabertura no início de março.

[2]              Apelido depreciativo da Inglaterra atribuído pela monarquia francesa na Guerra dos Cem Anos.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Organização revolucionaria [1]

Líbia: Insurreição popular enterrada por lutas entre facções burguesas (05/03/11)

  • 2655 leituras
O desenrolar dos eventos na Líbia é extremamente difícil de acompanhar. Mas uma coisa é clara: a população sofreu semanas de repressão, medo e incerteza. Talvez milhares possam ter morrido inicialmente nas mãos dos aparatos repressivos do regime, mas agora são cada vez mais atingidos no fogo cruzado enquanto o governo e a oposição lutam pelo controle do país. Pelo que estão morrendo? De um lado, a fim de manter o controle do Estado por Kadafi, e, por outro, a fim de colocar todo o país sob o controle do Conselho Nacional Líbio - autoproclamado "voz da revolução". A classe trabalhadora dentro e fora da Líbia está sendo solicitada a escolher entre dois grupos de gângsteres. Na Líbia ambos dizem que ela deve participar ativamente desta crescente guerra civil entre as partes rivais da burguesia sobre o controle do Estado e da economia. No resto do mundo somos incentivados a apoiar a "brava luta da Oposição". Os trabalhadores não têm nenhum interesse em apoiar uma facção ou outra.

Os eventos na Líbia começaram a partir de um protesto em massa contra Kadafi, inspirado pelos movimentos no Egito e na Tunísia. O impulso para a explosão de raiva em muitas cidades parece ter sido a repressão brutal das primeiras manifestações. De acordo com The Economist (26/02/11), a faísca inicial foi a manifestação em Benghazi em 15 de Fevereiro,composta por aproximadamente 60 jovens. Manifestações similares ocorreram em outras cidades e foram todas recebidas à bala. Face aos incontáveis assassinatos de jovens, milhares tomaram as ruas em batalhas desesperadas contra as forças do Estado. Estas lutas testemunharam ações de grande coragem. A população de Benghazi, ouvindo falar que os mercenários estavam circulando no aeroporto, desceu em massa até ele e sobre seus guardas e tomaram-no, apesar das grandes perdas. Em outra ação, civis apropriaram-se de escavadeiras e outros veículos e atacaram quartéis fortemente armados. A população em outras cidades expulsou as forças repressivas do Estado. A única resposta do regime era sempre mais repressão, mas esta conduziu à dissolução de boa parte das forças armadas, como os soldados e os oficiais que recusaram cumprir ordens de matar manifestantes. Um soldado matou com um tiro um oficial-comandante que deu ordem de atirar para matar. Inicialmente esta parece ter sido uma explosão genuína de raiva popular confrontada com repressão brutal e crescente miséria econômica, especialmente por parte da juventude urbana.

Por que as coisas tomaram uma direção diferente na Líbia?

A profunda crise econômica e uma recusa crescente em aceitar a repressão têm sido o grande plano de fundo dos movimentos na Tunísia, Egito e em outras partes no Oriente Médio e África do Norte. A classe trabalhadora e a população em geral sofreram anos de pobreza e de exploração brutais enquanto a classe dominante acumulou vasta riqueza.

Mas por que a situação na Líbia foi tão diferente daquela na Tunísia e no Egito? Naqueles países, quando havia repressão, o principal meio para trazer o descontentamento social sob controle foi o uso da democracia. Na Tunísia, as crescentes manifestações da classe trabalhadora e da maior parte da população contra o desemprego foram desviadas quase do dia para a noite para o beco sem saída da sucessão de Ben Ali. Sob a orientação dos militares dos EUA, os militares tunisianos disseram ao presidente para lançar esta isca. No Egito, a saída de Mubarak levou mais tempo para ser alcançada, mas mesmo sua resistência assegurou que o descontentamento focalizasse somente descartá-lo. Algo importante: uma das coisas que finalmente o afastaram foi a deflagração de lutas exigindo melhores salários e condições de vida. Isto mostrou que quando os trabalhadores participavam das manifestações em massa contra o governo não tinham esquecido seus próprios interesses e não estavam dispostos a pô-los de lado em nome de "dar uma chance à democracia".

No Egito e na Tunísia as forças armadas são a espinha dorsal do Estado e podiam pôr os interesses do capital nacional acima dos interesses de pequenas associações particulares. Na Líbia as forças armadas não têm o mesmo papel. O regime de Kadafi manteve deliberadamente as forças armadas fracas por décadas, juntamente com qualquer outra parte do Estado que pudesse ser uma área de influência para seus rivais. "Kadafi tentou manter os militares fracos, porque assim eles não poderiam derrubá-lo, como ele derrubou o rei Idris" diz Paul Sullivan, um perito em África do Norte na Universidade de Defesa Nacional (National Defense University), sediada em Washington. O resultado é "militares mal treinados, dirigidos por uma liderança mal treinada que está à beira do colapso, não muito estáveis pessoalmente, e com muitas armas extras circulando ao redor." (Bloomberg 02/03/11). Isto significa que a única resposta que o regime tem para qualquer descontentamento social é a repressão despida.

A própria brutalidade da resposta estatal varreu a classe trabalhadora em uma desesperada manifestação de raiva ao ver seus filhos sendo massacrados. Mas aqueles trabalhadores que se juntaram às manifestações fizeram-no em sua maior parte como indivíduos: apesar da grande coragem que tiveram até para fazer frente às armas de Kadafi, não puderam levar adiante seus próprios interesses de classe.

Na Tunísia, como dissemos, o movimento começou entre a classe trabalhadora e os pobres contra o desemprego e a repressão. O proletariado no Egito participou do movimento depois de tomar parte em diversas ondas de lutas nos anos recentes, e esta experiência deu-lhe confiança na sua habilidade de defender seus próprios interesses. A importância desta foi demonstrada no fim das manifestações contra Mubarak, quando estourou uma onda de greves. 

O proletariado líbio participou no atual conflito em uma posição fraca. Houve relatos de uma greve em um campo petrolífero. Mas é impossível dizer se houve alguma outra expressão da atividade da classe trabalhadora. Pode ter havido, mas devemos dizer que a classe trabalhadora como uma classe está mais ou menos ausente. Isto significa que a classe no início esteve vulnerável a todo o veneno ideológico gerado por uma situação de caos e confusão. A aparição da velha bandeira monarquista e sua aceitação como símbolo da revolta em uma questão de alguns dias marcam como esta fraqueza é profunda. Esta bandeira chegou com o slogan nacionalista "de uma Líbia livre". Igualmente, tem havido algumas expressões do tribalismo, com o apoio ou oposição ao regime de Kadafi sendo determinados em alguns casos por interesses regionais ou tribais; e líderes tribais usando sua autoridade para se colocar à cabeça da rebelião. Parece estar havendo igualmente uma forte presença do islamismo com o canto de "Allah Akbar" ("Deus é grande"), que está sendo ouvido em muitas manifestações.

Este pântano de ideologia exacerbou uma situação onde dezenas - se não centenas - de milhares de trabalhadores estrangeiros sentiram a necessidade de fugir do país. Por que os trabalhadores estrangeiros se alinhariam atrás de uma bandeira nacional, não importa sua cor? Um verdadeiro movimento proletário incorporaria os trabalhadores estrangeiros desde o início porque as demandas seriam comuns: melhores salários, condições de trabalho e o fim da repressão para todos os trabalhadores. Estariam unidos porque sua força seria sua unidade, sem levar em conta nação, tribo ou religião.

Kadafi fez amplo uso de todo este veneno para tentar e conseguir o apoio dos trabalhadores e da população contra a alegada ameaça erguida à sua "revolução": estrangeiros, tribalismo, islamismo, o ocidente.

Um novo regime em espera

A maioria da classe trabalhadora odeia o regime. Mas o perigo real e mais grave para a classe trabalhadora é seguir a "oposição". Esta "oposição", com o "Novo Conselho Nacional" que assume cada vez mais uma posição de liderança, é um conglomerado de várias frações da burguesia: antigos membros do regime, monarquistas, etc., junto com líderes tribais e religiosos. Todos levaram ampla vantagem do fato de este movimento não ter nenhuma direção proletária independente - para impor seu desejo de substituir a gerência de Kadafi do Estado líbio pelas suas próprias.

O Conselho Nacional de Ehe é claro sobre o seu papel: "O objetivo principal do Conselho Nacional é ter uma cara política... para a revolução, " "nós ajudaremos a libertar outras cidades líbias, em particular Trípoli, através de nosso exército nacional, das nossas forças armadas, parte das quais anunciou seu apoio ao povo," (Reuters África, 27/02/11) "não existe tal coisa de uma Líbia dividida" (Reuters, 27/02/11). Em outras palavras, seu objetivo é manter a ditadura capitalista atual, mas com uma cara diferente.

No entanto, a oposição não está unida. O ex- ministro da justiça de Kadafi, Mustafa Mohamed Abud Ajleil anunciou a formação de um governo provisório no fim de fevereiro com o apoio de alguns ex-diplomatas. Era sediado em Al-Baida. Esta manobra foi rejeitada pelo Conselho Nacional sediado em Benghazi.

Isto mostra que dentro da oposição há profundas divisões que eventualmente explodirão se ela conseguir se livrar de Kadafi. Ou quando estes "líderes" se digladiarem para conservar suas peles se Kadafi conseguir permanecer no poder.

O Conselho Nacional tem um rosto público melhor. É encabeçado por Ghoga, conhecido advogado pró-direitos humanos e, assim, pouco manchado por ligações com o regime, ao contrário de Ajleil. Todos tentam vender o melhor possível este grupo à população.

A mídia fez muito estardalhaço sobre os comitês que brotaram nas cidades, povoados e regiões onde Kadafi perdeu o controle. Muitos destes comitês parecem ter sido autonomeados por dignitários locais. Mesmo se alguns deles foram expressões diretas da revolta popular, podem ter sido arrastados para o enquadramento estatista, burguês, do Conselho Nacional. Os esforços do Conselho Nacional para estabelecer um exército nacional significam somente morte e destruição da classe trabalhadora - e da população no seu conjunto -, enquanto este exército luta com as forças de Kadafi. A fraternização social, que ajudou originalmente a minar os esforços repressivos do regime, será substituída por intensas batalhas em uma frente puramente militar, enquanto a população será chamada a fazer sacrifícios para assegurar a luta do exército nacional.

A transformação da oposição burguesa em um novo regime está sendo acelerada pela defesa cada vez mais aberta pelas principais potências: EUA, Grã-Bretanha, França, Itália, etc. Os gângsteres imperialistas agora se afastam de seu ex-colega Kadafi a fim de assegurar de que se uma nova equipe chega ao poder, eles possam manter alguma influência sobre ela. O apoio será para aqueles que se ajustarem com os interesses imperialistas das grandes potências.

O que aparentemente começou como uma desesperada resposta à repressão por setores da população foi usada muito rapidamente pela classe dominante na Líbia e no exterior para seus próprios fins. Um movimento que começou como uma furiosa luta para deter o massacre de jovens terminou em outro massacre de jovens, mas agora em nome de uma Líbia livre.

O proletariado dentro e fora da Líbia só pode responder aumentando sua determinação para não se deixar afundar em lutas sangrentas entre facções da classe dominante - em nome da democracia ou de uma nação livre. Nos dias e nas semanas a seguir, se Kadafi segurar firmemente o poder, o coro internacional de apoio à oposição nesta guerra civil estará cada vez mais alto. E se for derrubado, haverá uma campanha igualmente ensurdecedora sobre o triunfo da democracia, do poder do povo e da liberdade. Em ambas as formas, os trabalhadores serão convidados a se identificar com a face democrática da ditadura do capitalismo. 

Phil 05/03/11
World Revolution, órgão da CCI na Grã-Bretanha.

https://en.internationalism.org/wr/342/libya [3]

Herança da Esquerda comunista: 

  • Organização revolucionaria [1]

Os amigos esquerdistas de Kadafi (04/03/11)

  • 2332 leituras
O que está acontecendo na Líbia tem mudado rapidamente, sendo marcado por muitas incertezas, mas muitos na esquerda são completamente claros sobre o que querem que seus demagogos façam.

No The Guardian de 28/02/11, com o artigo intitulado "Como os líderes ‘revolucionários' da América Latina podem apoiar Kadafi?" Mike Gonzales critica os presidentes Ortega da Nicarágua e Chávez da Venezuela, juntamente com Fidel Castro, por expressarem simpatia por Kadafi e pelo governo líbio. Diz que "não podem apoiar um regime opressivo que enfrenta agora um movimento democrático de massas vindo de baixo" quando, aparentemente, o fazem.

A natureza exata do movimento está em aberto para a discussão, mas não pode haver nenhum pseudo-debate com o fato de que o estado capitalista líbio é repressivo.

Em contraste com o regime de Kadafi, Gonzales diz que Ortega e Chávez "chegaram ao poder como resultado de uma insurreição de massas" e que ao derrubar Batista, Castro "era imensamente popular". Independente das suas rotas ao poder Ortega, Chavez e Castro são partes integrantes da classe dominante capitalista em seus países. Acontece que Ortega e Chavez passaram a ser presidentes após eleições. Entretanto, quer estejam no poder através da urna eleitoral, quer estejam através de um golpe militar como Kadafi, fazem o melhor que podem para servir seus capitais nacionais.

O que Gonzales quer ouvir é uma denúncia apaixonada da repressão líbia e expressões de solidariedade com o povo. Sua explicação para a falha de seus heróis caídos é a de que "A Líbia investiu em todos os três países e se apresentou como um poder antiimperialista." Esta é uma explicação um pouco crua, parcialmente materialista. Na realidade, todos estes líderes de esquerda proclamam suas credenciais do antiimperialistas, e reconhecem Kadafi como um dos seus, um dos patrões que podem falar como 'radicais'. Enquanto isso, a classe trabalhadora explorada e outros estratos sociais oprimidos resistem à realidade capitalista que eles dirigem.

Há uma exceção a este padrão. O presidente iraniano Ahmadinejad criticou "o mau comportamento do governo líbio para com o povo" e disse que o estado deve escutar os desejos do povo. Isto é o que líderes ‘radicais' supostamente fazem, e, se criticam outros governos sua mensagem será transmitida por seus admiradores esquerdistas.

Hipocrisia esquerdista sobre as conexões líbias do WRP [1]

O golpe de Kadafi de1969 parece um pouco de diferentes através dos olhos do WRP, que publica "Newsline". Referem-se a ele como "a revolução líbia, através da qual o povo líbio tomou o controle do seu país do imperialismo da Inglaterra e dos EUA em 1969." (28/02/11).

Outros esquerdistas riem do WRP por causa dos acordos e comunicados que assinou com o governo líbio, em sua lealdade servil ao estado ‘socialista' líbio e ao Iraque de Saddam Hussein (ambos deram dinheiro ao WRP), a sua defesa da execução de stalinistas no Iraque, e toda uma série de atividades sórdidas de colaboração com regimes no Oriente Médio durante o final dos anos 70 e no início dos 80. Mesmo agora, depois que todas as contribuições líbias possivelmente secaram há muito tempo, "concitamos as massas e a juventude líbias a se posicionar ao lado do coronel Kadafi para defender as conquistas da revolução líbia, e para desenvolvê-las. Isto só pode ser feito pela derrota da rebelião atual" (Newsline 23/02/11), e publica um dos maiores trechos disponíveis do discurso de Kadafi "feito ao povo líbio... para reuni-lo contra as forças internas da contra-revolução e seus apoiadores da Inglaterra e dos EUA." (idem, 24/02/11).

Mas os esquerdistas que apontam o dedo acusador ao WRP por aceitar o dinheiro do regime sangrento de Kadafi são suspeitos para dizer alguma coisa. O que o WRP era pago para fazer a maioria de grupos esquerdistas faz de graça.

Tomemos o exemplo da guerra do Vietnã. Nos anos 60 e 70 o grupo International Socialists (que se tornaram o SWP mais tarde [2], descreveu o Vietnã do Norte como um ‘estado capitalista', quando trotskistas mais ortodoxos chamaram-no de ‘estado operário deformado', e os stalinistas chamaram-no de ‘socialista'. Estas diferenças pouco afetaram a insistência unitária da esquerda na necessidade dos trabalhadores e camponeses no Vietnã sacrificarem suas vidas pelo norte capitalista contra o sul capitalista.

Na guerra de oito anos entre Irã e Iraque nos anos 80, durante a qual aproximadamente um milhão de pessoas morreu, a esquerda pôs toda a ênfase em sua propaganda no apoio dos EUA e outros ao regime iraquiano de Saddam Hussein. Pode ter havido algumas reservas sobre o regime iraniano e sua ideologia religiosa arcaica, mas o consenso à esquerda era o de que era melhor morrer pelo Irã que pelo Iraque. Naturalmente, quando o Iraque estava sob ataque dos EUA e suas ‘coalizões' os esquerdistas descobriram um Saddam defensável, mesmo que a situação da classe trabalhadora não tenha sido alterada de modo nenhum.

Durante os conflitos que desintegraram a Iugoslávia no começo dos anos 90, os esquerdistas escolheram seu campo uma vez mais. A lógica da defesa da Bósnia ou de Kosovo levou ao apoio do bombardeio de Belgrado. O apoio à Sérvia e a uma Iugoslávia unida significou apoio aos massacres empreendidos por forças ‘oficiais' e paramilitares

A bestialidade do WRP é fácil de ver, mas o ‘apoio crítico' oferecido por outros esquerdistas para várias facções da burguesia é abertamente venenoso. Com os chamados à intervenção militar na Líbia crescendo em voz alta será interessante ver a quem os esquerdistas vão se unir. A experiência passada mostra que não será com a classe trabalhadora em defesa de seus interesses.

Car 04/03/11
World Revolution, órgão da CCI na Grã-Bretanha

 

https://en.internationalism.org/wr/342/leftists-gaddafi [4]



[1] Workers Revolutionary Party: Partido Revolucionário dos Trabalhadores, grupo trotskista inglês ligado ao PSOL brasileiro de Heloísa Helena e Plínio de Arruda Sampaio. É importante sublinhar que atualmente no Brasil (e também no exterior), todas as organizações burguesas "radicais" grandes e pequenas declaram solidariedade ao governo líbio diante da ameaça imperialista pró-EUA: o jornal getulista-stalinista-lulista (sim, eles podem!) "Hora do Povo", a LBI, o PSTU, etc.

[2] SWP: Socialist Workers Party, Partido Socialista dos Trabalhadores, outra agremiação trotskista inglesa. Mike Gonzales é integrante deste partido


URL de origem:https://pt.internationalism.org/ICConline/2011/acontecimentos_recentes_no_Magreb_e_Oriente_M%C3%A9dio

Ligações
[1] https://pt.internationalism.org/tag/1/6/Organiza%C3%A7%C3%A3o-revolucionaria [2] https://en.internationalism.org/worldrevolution/201103/4235/democracy-arms-gaddafi-s-brutal-repression [3] https://en.internationalism.org/wr/342/libya [4] https://en.internationalism.org/wr/342/leftists-gaddafi