“Um espectro ronda o mundo”, o espectro da INDIGNAÇÃO. Há mais de dois anos do despertar da chamada “Primavera Árabe” que sacudiu de maneira surpreendente os alicerces de vários países do Norte da África cujas consequências ainda são sentidas; há dois anos do movimento dos Indignados na Espanha, dos Ocuppy nos Estados Unidos… e simultaneamente com os movimentos que ainda sacodem a Turquia, em junho passado levanta-se no Brasil uma onda de manifestações que chegou a mobilizar milhões de pessoas em mais de 100 cidades, com características inéditas neste país.
Esses movimentos que tem ocorrido em países tão dessemelhantes e tão distantes em sua geografia possuem vários aspectos em comum: sua espontaneidade, uma repressão brutal do Estado, sua massividade, uma participação majoritária de jovens, são promovidos através das redes sociais, etc.; entretanto, o denominador comum que os identifica é uma grande INDIGNAÇÃO diante da deterioração das condições de vida do conjunto da população mundial, causada pela profunda crise que sacode os fundamentos do sistema capitalista, que se acelerou depois de 2007. Deterioração que se expressa numa precarização acelerada, sobretudo no nível de vida das massas trabalhadoras e; cria no seio juventude proletarizada ou em processo de proletarização uma grande incerteza frente ao futuro. Não é casual que o movimento na Espanha se identificou com o nome de “Indignados”, e dentro dessa maré de movimentos sociais foi o mais avançado tanto na sua denúncia contra o sistema capitalista quanto na sua forma de organização através de assembleias massivas [1].
Esses movimentos, como observamos, podem surgir em qualquer parte do mundo e algumas vezes por motivos aparentemente pouco significativos, são um indicativo de que as lutas sociais tendem a se colocarem em primeiro plano no cenário mundial. Por suas reivindicações, seus meios de luta, sua confrontação contra o Estado burguês e contra os partidos do status quo, sejam de direita ou esquerda, se inscrevem na perspectiva de luta do proletariado mundial pela superação do modo de produção capitalista, que se mostra incapaz de garantir o desenvolvimento da humanidade, sem contar a potencial ameaça à sua sobrevivência. Presenciamos desta maneira como os movimentos iniciais dessa “velha toupeira” que Marx se referia começam a escavar as bases da ordem capitalista, e tenta atingir a superfície.
Os movimentos sociais de junho no Brasil, que saudamos e nos quais pudemos intervir na medida das nossas forças, tem um significado muito importante para o proletariado brasileiro, da América Latina e do resto do mundo, pois transcendem em grande medida o marco local deste país. Foram movimentos massivos que se diferenciam radicalmente dos “movimentos sociais” sob o controle do Estado, do PT e outros partidos políticos, e organizações sociais como o MST, por exemplo. Além disso, também se diferenciam de movimentos que surgiram em vários países da região nas últimas décadas, como o da Argentina no início do século, o indigenista na Bolívia e Equador, o movimento zapatista no México e do chavismo na Venezuela, que foram o resultado de confrontações entre frações burguesas e pequenas burguesas, entre elas grupos, movimentos sociais, organizações esquerdistas e partidos de esquerda, defensores do capital nacional, que buscavam o controle do Estado. Nesse sentido, as mobilizações de junho no Brasil representam a maior mobilização espontânea de massas nesse país e na América Latina nos últimos 30 anos. Por isso, é fundamental para os que lutam contra o capitalismo e por uma nova sociedade, façamos um balanço deste movimento a partir de uma perspectiva de classe e que se aproprie das lições desses acontecimentos.
Sem dúvida este movimento surpreendeu a burguesia brasileira e mundial, as organizações revolucionárias dentro e fora do Brasil [2], bem como os próprios grupos e organizações que inicialmente o impulsionaram. A luta contra o aumento do preço das passagens (acordo celebrado anualmente entre os empresários do transporte com o Estado) foi apenas o detonante para que brotassem expressões de indignação que vinham se acumulando há muito tempo na sociedade brasileira [3], que se manifestaram em 2012 com as lutas dos funcionários públicos, nas universidades e nas construções de grandes obras públicas do PAC; e em “inúmeras greves contra a baixa dos salários e precarização das condições de trabalho, educação e saúde” que aconteceram no Brasil nos últimos anos.
Diferentemente dos movimentos sociais massivos que ocorreram em vários países desde 2011, o do Brasil surgiu e se unificou ao redor de uma reivindicação concreta que permitiu a mobilização espontânea de amplas camadas do proletariado: contra o aumento da passagem do transporte público [4]. O movimento tomou um caráter massivo em escala nacional depois do dia 13 de junho, quando as manifestações de protesto contra o aumento, convocados pelo MPL [5] em São Paulo. Entretanto, desde antes, há varias semanas antes das grandes mobilizações em SP, realizaram-se protestos pela mesma reivindicação em várias cidades do país, promovidas pelo MPL e outros movimentos a tal ponto que, por exemplo, em Porto Alegre, Goiânia e outras cidades governos locais foram obrigados a revogar o aumento da passagem, depois de árduas lutas violentamente reprimidas pelo Estado. Isso deixava claro o movimento social de Goiânia em 19/06/2013:
O movimento apresentou elementos que o identificam como um movimento claramente inscrito no campo do proletariado. Em primeiro lugar, é preciso destacar que a maioria dos manifestantes pertencem à classe trabalhadora, principalmente eram jovens proletários e estudantes, na sua maioria filhos de famílias proletárias e futuros proletários. A imprensa burguesa apresentou o movimento como expressão das “classes médias”, com a clara intenção de criar divisão entre os trabalhadores, já que a maioria dos catalogados como classe média, economicamente recebem salários precários, menores do que muitos operários qualificados das zonas industriais do país. Isto explica o apoio e simpatia que o movimento despertou contra o aumento do preço das passagens, pois representa um ataque direto nos rendimentos das famílias proletárias. Também explica porque essa reivindicação inicial rapidamente se ampliou para uma denúncia contra o Estado devido ao péssimo estado dos sistemas de saúde, educação e assistência social, além da denúncia contra o imenso volume de dinheiro público investido para a celebração da Copa do Mundo do próximo ano e para os Jogos Olímpicos de 2016 [7], eventos que ocasionaram o despejo forçado de comunidades próximas dos estádios, como foi o caso da Aldeia Maracanã no Rio no primeiro semestre desse ano e vários incêndios em favelas em zonas de interesses de empresas imobiliárias em São Paulo. Tal situação foi denunciada pelo Bloco de Lutas Pelo Transporte 100% Público de Porto Alegre em 20/06/13:
Foi bastante significativo que o movimento se organizou para realizar protestos nas proximidades dos estádios das diversas cidades onde eram realizados os jogos da Copa das Confederações, pois permitiu utilizar a cobertura midiática a nível internacional para mostrar seu rechaço ao espetáculo preparado pela burguesia brasileira; bem como mostrar a brutal repressão do Estado contra os que protestavam em volta dos estádios, e que provocou a morte de alguns manifestantes. Foi uma grande lição para o proletariado mundial o fato dos proletários brasileiros se manifestarem por essa via, levando-se em conta que o futebol é o esporte nacional e muito explorado sabiamente pela burguesia brasileira como parte do circo necessário para o controle da sociedade. A população brasileira mostrou que gosta de futebol, mas não está disposta a suportar sobre as suas costas os custos dos eventos esportivos preparados pela burguesia brasileira para exibir suas qualidades de “burguesia do primeiro mundo”. Por tal motivo, os manifestantes exigiam qualidade de serviços “padrão FIFA”. Os movimentos de junho jogaram água no chopp da festa promovida pela burguesia brasileira.
Ao lado dessas reivindicações o movimento mostrou sua indignação diante dos altos níveis de decomposição demonstrados pela burguesia brasileira, rechaçando o gasto, a corrupção, a indolência e a arrogância do Estado, orientando o protesto contra as instituições mais emblemáticas do Estado brasileiro: em Brasília, a capital, o prédio do Congresso foi tomado e houve tentativas de adentrar no Palácio do Itamaraty, emblema da política exterior do Estado; no Rio de Janeiro tentaram entrar na Assembleia Legislativa e vários habitantes das favelas, dentre as quais a da Rocinha, protestaram diante da residência do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral do PMDB; em São Paulo tentaram entrar na prefeitura e na Assembleia Legislativa e em Curitiba tentaram entrar na sede do Governo Estadual. Do mesmo jeito, houve um rechaço massivo aos partidos políticos, principalmente ao PT, bem como organizações sindicais ou estudantis: em SP foram expulsos vários de seus membros das manifestações por portarem bandeiras do PT e da CUT e outras organizações, partidos da esquerda, eleitorais ou não, como PSTU, PSOL, PC do B, PCB e sindicatos.
Aconteceram outras expressões do caráter de classe do movimento, manifestadas, contudo, de forma minoritária. No calor do movimento foram realizadas assembleias para organizar as ações, embora não com a difusão e grau de organização dos Indignados na Espanha. Temos como exemplo as que foram celebradas no Rio de Janeiro e Belo Horizonte, sendo que nesta segunda cidade adotaram a identificação de “Assembléia Popular e Horizontal” que se propuseram fazer um “novo espaço espontâneo, aberto e horizontal de debate”, onde chegaram a participar mais de 1000 pessoas.
Essas assembleias, apesar de ter mostrado a vitalidade que teve o movimento e a necessidade de organização das massas por suas reivindicações, apresentaram várias debilidades:
O movimento também colocou algumas referências aos movimentos sociais em outros países, principalmente ao da Turquia, que também fazem referências ao do Brasil [9]. Embora fosse através de expressões minoritárias, foi possível ver algo em comum em ambos os movimentos.
Em Goiânia em uma Frente de Luta contra o Aumento que reuniu várias organizações de base destacava a necessidade de solidariedade e do debate entre os diferentes atores:
Ademais, em várias manifestações foram exibidos cartazes que proclamava a seguinte palavra de ordem:
A grande indignação que reside no proletariado brasileiro fica concretizada na seguinte reflexão da Rede Extremo Sul, rede de movimentos sociais da periferia de São Paulo:
Publicado em https://passapalavra.info/2013/06/79539 [1]
Por que dizemos que as causas das mobilizações no Brasil vinham sendo gestadas há algum tempo?
A burguesia brasileira, tal como aspira em maior ou menor grau cada burguesia nacional, tem trabalhado há décadas para fazer o Brasil uma potência regional e mundial. Para conseguir esse fim, não bastava dispor de um imenso território que ocupa quase a metade da América do Sul, nem contar com grandes quantidades de recursos naturais. Era necessário criar as condições para manter o controle social, principalmente dos trabalhadores. Não sob a bota militar, mas através dos mecanismos mais sofisticados da democracia. Com essa finalidade, preparou uma transição nos anos 80 de um regime de ditadura militar a um de democracia republicana, objetivo alcançado no plano político com a conformação de dois polos: um de forças de direita formada por partidos surgidos nos anos 80, como o PSDB (composto por intelectuais, burguesia e pequena burguesia) e partidos de direita ligados com forças da ditadura (PMDB, DEM, etc); outro de centro-esquerda que se consolidou ao redor do PT, com uma grande influência a nível popular, mas principalmente a nível operário e camponês. Desse modo, estabilizou-se um marco de alternância de governos de direita e centro-esquerda, baseado em eleições “livres e democráticas”, imprescindível para poder fortalecer o capital brasileiro no mercado mundial [12].
Assim a burguesia brasileira conseguiu fortalecer seu parque industrial e suportar o pior da crise económica dos anos 1990, enquanto na esfera política o PT ganhava força, e graças à sua juventude conseguiu cooptar organizações e dirigentes sindicais, membros da igreja católica adeptos da “Teologia da Libertação”, os trotskistas que viam no PT como o partido revolucionário de massas, intelectuais, artistas e elementos democratas. O PT representou a resposta de esquerda da burguesia brasileira, depois da derrubada do bloco russo em 1989 que deixou enfraquecidas as forças da esquerda do capital a nível mundial. Assim, conseguiu algo que causava inveja nas outras burguesias da região: uma força política que lhes permitia o controle das massas pauperizadas, pero sobretudo manter a “paz trabalhista” no que se refere à força de trabalho. Por fim, a situação consolidou-se com a ascensão do PT ao poder nas eleições de 2002, utilizando o carisma e o perfil “operário” de Lula [13].
Com estes precedentes, na primeira década do novo século a economia brasileira se colocou como a sétima economia do mundo segundo o Banco Mundial, de modo que atualmente faz parte da “nata” dos países emergentes do grupo dos BRICs. Além disso, a burguesia mundial elogia o “milagre brasileiro” alcançado pelos governos de Lula, que supostamente permitiu tirar da pobreza milhões de brasileiros e inserir na “classe média” outros milhões. Entretanto, algo que nunca fizeram menção nem o PT, nem Lula, nem o conjunto da burguesia, é que esse “grande êxito” se fez sobre a base de uma reorganização do Estado para orientar parte da mais-valia para repartir migalhas às massas mais miseráveis, sustentada numa precarização progressiva das massas trabalhadoras.
Quando irrompeu a crise económica de 2007, cujos efeitos depois de 6 anos continuam afetando a economia mundial, Lula, assim como outros governantes da região, disse que a economia brasileira estava “blindada”. Enquanto as principais economias do mundo se balançavam, a economia brasileira continuava galopante. Embora o Brasil não estivesse no olho do furacão da crise, não há dúvidas que em uma economia mundial tão inter-relacionada, onde nenhum país que podia escapar aos seus efeitos, não seria diferente para o Brasil que depende em grande medida das exportações de matérias primas e commodities. Para exemplificar temos a China (o grande sócio do Brasil no grupo dos BRIC’s,) cuja economia está seriamente abalada pela crise mundial.
Para suavizar os efeitos da crise, a burguesia brasileira desenvolveu uma agressiva política de ampliação do mercado interno, criando um boom na construção a nível público e privado, que se ampliou com as reformas e construções da infraestrutura esportiva para os compromissos esportivos de 2014 e 2016. Promovendo um endividamento das famílias, ao facilitar a compra, desde apartamentos e automóveis até eletrodomésticos, essa política tem ocasionado um incremento do gasto público devido aos subsídios diretos e indiretos as famílias.
A crise mundial e sua consequente retração do comércio mundial, aliada a pressão monetária afetaram negativamente as exportações brasileiras, evidenciado no déficit da balança de pagamentos em 3,0 bilhões de dólares no primeiro trimestre deste ano, o pior semestre desde 1995. Este quadro provocou um enfraquecimento da economia nos últimos dois anos (crescimento de 0,9% em 2012; e uma queda nas estimativas de crescimento para este ano entre 2,9% a 2,4%), e um crescimento progressivo da inflação (de 5,8% em 2012, 30% maior que o estimado; de 3,15% no primeiro semestre, com projeção anual de 6,7%) que repercute bastante no poder aquisitivo dos trabalhadores devido ao aumento dos bens e serviços. Do mesmo modo, há uma tendência à diminuição dos postos de trabalho e ao incremento do desemprego, situação percebida pela população.
Nesse sentido, o movimento de protestos no Brasil não surge do nada. Há um conjunto de causas que o fizeram surgir, que não só se mantém como vão se agravar, com o aprofundamento da crise econômica. Devido aos protestos o Estado se viu obrigado a aumentar os gastos na área social, mas a realidade é que a crise econômica o obriga a tomar medidas para a redução de gastos. Por isso a própria presidente Dilma Rousseff declarou que tem de cortar o gasto público.
Como era de se esperar, a burguesia brasileira não ficou de braços cruzados para enfrentar a crise social, que embora acalmada, continua latente. A única coisa concreta que outorgou, por causa da pressão das massas, foi a revogação do aumento das passagens em várias cidades, que o Estado terá de cobrir por outros meios para subsidiar os empresários do transporte, embora seja evidente que os preços sejam absurdamente altos. Em São Paulo, as passagens de ônibus e do metrô custam R$ 3,00, algo em torno de U$ 1,53.
No início dos protestos, para acalmar os ânimos, enquanto o governo preparava sua estratégia para tentar controlar o movimento, a presidente Dilma Rousseff declarou, através de uma cadeia nacional de rádio e televisão, que considerava “legítimas e próprias da democracia” o protesto da população, enquanto seu mentor Lula, “criticava” os “excessos” da polícia. Mas a repressão do Estado não cessava e os protestos tampouco.
Uma das armadilhas mais elaboradas contra o movimento foi a criação do mito do “golpe de Estado” de direita propagado não só pelo PT e o PCdoB, como também pelos trotskistas do PSTU e PCO e ainda PSOL e PCB. Desta maneira se tentou desviar o movimento para um apoio ao governo de Dilma, fortemente debilitado pelo movimento. Mas não só isso, e sim com essa armadilha se pretendeu encorajá-lo no falso dilema “Ditadura versus democracia” ou “democracia versus fascismo” mediante o qual as frações burguesas de direita e esquerda do capital têm levado desde o século passado as lutas proletárias ao campo de defesa do capitalismo. As forças de esquerda e esquerdistas do capital brasileiro fazem seu grande aporte neste sentido ao identificar o fascismo com repressão ou com regimes de direita: a repressão feroz contra os protestos de junho no Brasil exercida pelo governo de esquerda do PT foi às vezes foi tão brutal que a dos regimes militares.
Diante da queda abismal da popularidade de Dilma, que atenta contra sua possível reeleição nas eleições presidenciais de outubro de 2014, a ala governista lançou uma cortina de fumaça com uma “reforma política”, que visa entre outros objetivos enfrentar a corrupção na esfera dos partidos políticos e fazer algumas reformas no Estado. Estão tentando, por essa via, mobilizar a população para um processo votação, mediante um plebiscito ou referendo, que aparentemente não vai arregimentar grandes parcelas da população em sua defesa.
Como uma tentativa de ganhar as ruas e as mobilizações sociais, os partidos políticos da esquerda do capital e sindicatos, com várias semanas de antecedência anunciaram a convocatória de um “Dia Nacional de Lutas” para o dia 11 de julho, supostamente com objetivo de protestar pelo cumprimento dos acordos trabalhistas e contra direitos trabalhistas retirados nos últimos 20 anos. Desta forma também se antecipavam a qualquer manifestação de apoio ao movimento por parte de setores da classe trabalhadora. Nesta simulação de mobilização, onde participaram apenas dirigentes e membros dos sindicatos, foram de mãos dadas todas as organizações sindicais tanto do governo como da oposição.
Do mesmo modo, Lula, mostrando sua grande experiência contra os trabalhadores, se reuniu em 25 de junho com “representantes” de movimentos sociais e organizações estudantis controladas pelo PT e pelo PCdoB, integrantes da base aliada do governo (União da Juventude Socialista- PCdoB), Consulta Popular e Levante Popular da Juventude, UNE - União Nacional dos Estudantes (PT e PCdoB), CUT (sindicato controlado pelo PT), e Conselho Nacional da Juventude; com o fim expresso de tomar a rua e neutralizar o movimento de protestos [14].
A grande força do movimento foi que desde seu início se afirmou como um movimento contra o Estado, não só pela reivindicação central contra o aumento da passagem, mas também pela denúncia do abandono nos serviços públicos bem como o repúdio à orientação de recursos para os espetáculos esportivos. Assim também, a amplitude e contundência dos protestos que obrigaram a burguesia a voltar atrás na medida de aumento das passagens em diversas cidades.
O fato de ter uma reivindicação concreta foi uma característica a favor do movimento, embora por outro lado representou uma limitação em vários sentidos. Em primeiro lugar, a tendência natural ao seu enfraquecimento depois de conseguida a revogação do aumento das passagens; por outro lado, e é o mais importante, não se via como um movimento contra a ordem capitalista, aspecto que foi central por exemplo no movimento dos indignados na Espanha.
Outro ponto positivo foi o rechaço aos partidos políticos e sindicatos, que expressa uma desconfiança para os principais meios de controle social da burguesia. Representa uma fratura no plano ideológico para a burguesia, devido ao peso da decomposição nas suas filas e uma tendência ao esgotamento dos planos políticos que surgiram depois da ditadura. Embora por trás desse rechaço, esconda-se o perigo do apoliticismo, que se expressou na desorientação política do movimento, pois tende a rechaçar a discussão e a compreensão da raiz dos problemas pelos quais se protesta, que são eminentemente políticos, pois requerem de uma crítica aos fundamentos do sistema capitalista de produção. Sem debate político não existe possibilidade de avanço real dos movimentos de luta.
Estreitamente relacionado com o debate político estão os meios para consegui-lo. Neste sentido, uma das debilidades do movimento foi a ausência de assembleias de rua abertas a todos os participantes onde se debatam as ações a realizar, a organização do movimento, o balanço e os objetivos. As redes sociais são um meio para a convocação, mas nunca irão substituir o debate vivo e aberto das assembleias.
Uma das maiores debilidades do movimento foi o peso do nacionalismo, que se expressou não só na presença das bandeiras do Brasil e palavras de ordem nacionalistas nas mobilizações, bem como no frequente canto do hino nacional. Neste sentido, o movimento de junho no Brasil apresentou as mesmas debilidades das mobilizações na Grécia ou nos países árabes, onde a burguesia conseguiu diluir a grande vitalidade dos movimentos para um reforçamento ou salvação do Estado. Neste sentido, a denúncia do movimento contra a corrupção promovida por setores da burguesia e pequena burguesia, favorece ao capital a burguesia e seus partidos políticos principalmente os de oposição, que por essa via pretendem tirar algum ganho política diante das próximas eleições. O nacionalismo é um beco sem saída para as lutas do proletariado e prejudica a solidariedade internacional dos movimentos de classe.
Mesmo que o movimento apresentasse uma participação majoritária de camadas do proletariado, essa presença ocorreu de maneira atomizada. O movimento não alcançou mobilizar os trabalhadores dos setores industriais que possuem um grande peso, principalmente em SP; nem se propôs a isso. A classe operária, que sem dúvida alguma viu com simpatia o movimento e se identificou com ele, pois se lutava por uma reivindicação que a beneficiava, não conseguiu se mobilizar como tal. Esse comportamento não deve nos surpreender, já que ela esteve sujeita há décadas de imobilização devido à ação exercida no seu interior pelos partidos políticos e sindicatos, principalmente do PT e da CUT.
Esta situação nos leva a levantar a questão da identidade de classe, que não só está debilitada a nível da classe operária no Brasil, mas a nível mundial. Isso explica de alguma maneira a emergência dos movimentos sociais com as características do Brasil, Turquia, Espanha, Estados Unidos, Egito etc., onde são as novas gerações de proletários, alguns deles sem empregos, que se revelam e percebem que o capitalismo impede as possibilidades de terem uma vida decente e sentem na própria carne os sofrimentos da precarização dos seus familiares.
Nesse sentido, as mobilizações no Brasil são uma fonte de inspiração e deixam um grande ensinamento para o conjunto do proletariado brasileiro e mundial: que não há saída possível para os nossos problemas sob o capitalismo. Espera-se que o proletariado assuma sua responsabilidade histórica de lutar contra o capital, buscar novamente sua identidade de classe através da solidariedade não só do proletariado no Brasil, mas a nível mundial. Assim, sua luta convergirá com as dos jovens proletários que hoje se mobilizam contra o capital e será uma referência para eles.
[1] Leia em referência o artigo sobre o movimento dos indignados em:
- 2011: da indignação à esperança. https://pt.internationalism.org/ICConline/2012/2011_da_indignacao_a_esperanca [2]
- Movimento de indignados na Espanha, Grécia e Israel: Da indignação à preparação dos combates de classe [3]. /content/325/movimento-de-indignados-na-espanha-grecia-e-israel-da-indignacao-preparacao-dos-combates [3]
[2] Referimo-nos às organizações que defendem o proletariado como sujeito da revolução, que estão contra qualquer expressão de apoio ao nacionalismo e que defendem o internacionalismo, que lutam pela revolução proletária como via de superação do capitalismo e pela construção do comunismo. Sob esses alicerces que se fundamenta as posições da Esquerda Comunista.
[3] Uma reunião pública realizada pela CCI e outros companheiros na Universidade Federal de Santa Catarina em abril de 2012, onde apresentamos o tema do movimento dos indignados na Espanha, despertou um grande interesse entre os participantes que fizeram muitas perguntas sobre as características desse movimento: suas causas, seus fins, forças sociais que o impulsionaram, formas de organização, etc. Naquela oportunidade uma estudante presente nos fez a seguinte pergunta: “Por favor, explique-nos porque no Brasil não tem acontecido um movimento como o dos indignados na Espanha, se aqui também estamos bastante indignados?” Pois o próprio proletariado brasileiro, principalmente seus setores mais jovens, está dando a resposta.
[4] Leia em: Manifestações contra o aumento dos preços das passagens: a repressão policial desencadeia fúria da juventude [4]. https://pt.internationalism.org/node/339 [4].
[5] Movimento Passe Livre, organização que tem um programa de reformas que considera que o Estado capitalista deve garantir como direito o transporte público e gratuito para toda população. saopaulo.mpl.org.br
[6] Cf. artigo publicado pela Frente de Luta contra o aumento. https://passapalavra.info/2013/06/79588/ [5]
[7] Segundo estimativas os dois eventos custaram ao Estado brasileiro 31,3 bilhões de dólares, cerca de 1,26% do PIB, enquanto o investimento no programa social Bolsa Família, emblemático programa implantado pelo governo Lula, só representa 0,5% do PIB.
[8] Publicado em sul21.com.br/jornal/2013/06/bloco-de-luta-pelo-transporte-100-publico-divulga-nota-com-reivindicacoes-em-porto-alegre.
[9] Logo publicaremos um artigo em que faremos um balanço dos movimentos de Turquia e Brasil, que aconteceram de modo simultâneo.
[10] Publicado em https://passapalavra.info/2013/06/79539/ [6]
[11] Publicado em https://passapalavra.info/2013/06/79419/ [7]
[12] Uma transição estratégica e calculada pelos militares e articuladores civis do regime, de modo a evitar qualquer contratempo na execução do projeto que consistia em primeiro lugar uma "distensão", depois uma "abertura" e por fim "eleições democráticas", onde finalmente as diversas orientações políticas pudessem formar novos partidos, na esteira desses acontecimentos surgem os diversos partidos que desde a instauração da ditadura militar estavam confinados em apenas dois: ARENA (partido de sustentação política dos militares e da direita) e MDB que se constituía em uma frente onde abrigava elementos socialdemocratas, esquerdistas, etc. Assim, para participarem das eleições diretas, a ARENA dá lugar ao nascimento do PDS e PP, formado por elementos da direita e dissidentes respectivamente; MDB agrupando a chamada burguesia nacional desenvolvimentista e organizações stalinistas (PCB e PCdoB, MR8 e outros agrupamentos menores); PT foi formado por elementos socialdemocratas de diversas orientações, trotskistas e dissidências dos PC’s juntamente com os novos sindicalistas (inspirado na socialdemocracia europeia) e lideranças católicas que atuavam no movimento operário em sindicatos ou nas comissões de fábricas; esses últimos arregimentaram para suas bases operários, camponeses e segmentos importantes do movimento popular influenciados pelas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja católica. Completando essa primeira rearrumação das forças da burguesia, os trabalhistas representados pelo PDT e PTB. Resumidamente, dessa maneira se consolidou um marco de alternância de governos de direita e centro-centro esquerda, imprescindíveis para poder fortalecer o capital brasileiro no mercado mundial.
[13] Evidentemente que para se consolidar como alternativa de poder o PT ao longo da sua trajetória teve que se despojar em grande medida do perfil socialdemocrata apresentado em seu programa para ampliar o apoio de setores da burguesia mais reticentes e paralelamente excluir das suas fileiras elementos das tendências trotskistas e outros mais aparentemente mais radicais que vieram a constituir o PSTU(Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados), PSOL(Partido Socialismo e Liberdade ) e PCO (Partido da Causa Operária).
[14] - UJS: União da Juventude Socialista, entidade vinculada ao PCdoB. Com atuação no meio estudantil e movimentos culturais;
Uma onda de protestos está acontecendo em grandes cidades do Brasil contra o aumento dos preços das passagens do sistema de transporte coletivo, com destaque maior para a cidade de São Paulo, mas que foi seguida também por Rio de Janeiro, Porto Alegre, Goiânia, Aracaju e Natal. É um despertar que tem reunido muitos jovens e estudantes e, em menor número, mas não ausente, um número de trabalhadores assalariados e autônomos (prestadores de serviços pessoais) para lutar contra esse aumento num preço que já era alto por um serviço de péssima qualidade, o que vem a piorar ainda mais as condições de vida de amplas camadas da população.
A burguesia brasileira, encabeçada pelo PT e seus aliados, tem insistido em afirmar que tudo vai bem. Embora a realidade vista é que se tem encontrado dificuldades em conter a inflação, ao tempo que adota medidas de subsídios ao consumo das famílias, como uma tentativa desesperada de evitar que a economia entre em recessão. Sem nenhuma margem de manobra, a única alternativa que podem contar para combater a inflação é, em uma ponta, aumentar a taxa de juros e, na outra, cortar as despesas com os serviços públicos de educação, saúde e assistência social, deteriorando ainda mais as condições de vida do conjunto da população que depende de tais serviços.
Nos últimos anos, muitas greves foram deflagradas contra a baixa dos salários e precarização das condições de trabalho, educação e saúde. Entretanto, em sua maioria as greves foram controladas pelo cordão de isolamento dos sindicatos ligados ao governo petista e muito desse descontentamento foi contido para que não atrapalhasse a "paz social", em benefício da economia nacional. E é nessa linha que o aumento da tarifa dos transportes em São Paulo e no resto do Brasil se coloca: cada vez mais sacrifícios para os trabalhadores apoiar a economia nacional, quer dizer o capital nacional.
Sem dúvida alguma os exemplos de movimentos que tem explodido ao redor do mundo nos últimos anos, com participação majoritária da juventude, evidenciam que o capitalismo não tem nenhuma alternativa a oferecer para o futuro da humanidade a não ser mais desumanidade. Por isso, a recente mobilização da Turquia tem ecoado tão forte nos protestos contra o aumento da tarifa de transportes. A juventude brasileira tem mostrado que não quer aceitar a lógica dos sacrifícios imposta pela burguesia e se inscreve nas lutas que sacudiram o mundo nos últimos anos a exemplo dos filhos da classe trabalhadora da França (luta contra o CPE em 2006), da juventude e dos trabalhadores da Grécia, do Egito e Norte da África, dos indignados da Espanha, dos Occupy dos Estados Unidos e da Inglaterra.
Uma semana de protestos e a reação brutal da burguesia
Inspirado pelo êxito das manifestações nas cidades de Porto Alegre e Goiânia, que enfrentaram forte repressão, mas mesmo assim conseguiram a suspensão dos aumentos das tarifas, as manifestações em São Paulo se iniciaram com o ato do dia 06 de junho. Convocada pelo Movimento Passe Livre (MPL), grupo integrado majoritariamente por jovens estudantes influenciados por posições de esquerda, e por anarquistas, ganhou uma adesão surpreendente estimada entre 2 e 5 mil pessoas. Depois ocorreram protestos nos dias 07, 11 e 13. Desde o primeiro dia, a repressão foi brutal, com o saldo de muitos jovens feridos e detidos. É de ressaltar a coragem e combatividade demonstrada e o rápido ganho de simpatia por parte da população que surpreendeu os próprios organizadores desde os seus momentos iniciais.
Diante da manifestação, a burguesia desatou um grau de violência poucas vezes visto na história de movimentos dessa natureza, completamente respaldada pela mídia que tratou de imediato em classificar os manifestantes de vândalos e irresponsáveis. Um indivíduo do alto escalão do Estado, o Promotor de Justiça, Rogério Zagallo manifestou-se publicamente aconselhando que a polícia batesse e matasse:
"Estou há duas horas tentando voltar para casa, mas tem um bando de bugios revoltados parando a Faria Lima e a Marginal Pinheiros. Por favor alguém pode avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial", (...) "Que saudades do tempo em que esse tipo de coisa era resolvida com borrachada nas costas dos merdas". Somado a isso, vimos o alinhamento de discursos de políticos pertencentes a partidos adversários, como o governador do Estado Geraldo Alckmin, do PSDB, e o prefeito de São Paulo Fernando Haddad, do PT, ambos vociferaram em defesa da repressão policial e condenando o movimento. Tal sintonia não é muito comum, pois o típico jogo da burguesia é atribuir a responsabilidade pelos problemas existentes à fração que está momentaneamente no poder.
Em resposta à repressão crescente e à cortina de fumaça dos principais jornais, redes de televisão e rádio, o que ocorreu na continuação do movimento foi que mais gente reunia-se a cada ato, contando com cerca de 20 mil manifestantes na quinta-feira, dia 13. A repressão foi mais feroz ainda resultando em 232 detidos e vários feridos.
Ressalte-se, ainda que de forma minoritária, o surgimento de uma nova geração de jornalistas que numa clara demonstração de solidariedade tem registrado e ao mesmo tempo sofrido na pele os atos da violência da polícia. Conscientes das manipulações sempre presentes nas editorias das grandes mídias conseguem de alguma maneira fazer ver que as ações de violência dos jovens são uma reação de autodefesa e que, em alguns momentos, as depredações que acontecem são, majoritariamente, em gabinetes governamentais e da justiça, numa manifestação de indignação incontida contra o Estado. Além disso, foram registradas ações de elementos provocadores da polícia usualmente empregados nas manifestações.
A colocação em evidência de uma série de manipulações que desmentiram as versões das fontes oficiais do Estado, da mídia e da polícia nas suas tentativas inverter os fatos, desmoralizar e criminalizar o legítimo movimento, teve efeito multiplicador no aumento da participação de manifestantes e no aumento do apoio da população. Nesse sentido, é importante destacar que a ação de ativistas e simpatizantes do movimento nas redes sociais tem sido uma grande contribuição. Com medo de que a situação fuja do controle, alguns setores da burguesia já começam a mudar o seu discurso. As grandes empresas de comunicação, em seus jornais e TV, depois de uma semana de silêncio sobre a repressão policial, enfim mostraram os "excessos" da ação policial. Alguns políticos, do mesmo modo, criticaram os "excessos" e prometeram investigá-los.
A violência da burguesia através de seu Estado, independente de qual seja sua face, "democrática" ou "ditatorial", tem como fundamento o terror totalitário contra as classes que se explora e oprime. Mesmo que no Estado “democrático" essa violência não seja tão aberta como nas ditaduras, e se faça de modo oculto para fazer com que os explorados aceitem a condição de explorados e se identifiquem com ela, isso não significa que o Estado abra mão dos mais variados e modernos métodos de repressão física quando a situação exigir.
Não é surpresa, portanto, que a polícia utilize tamanha violência contra o movimento. Entretanto, como vimos, o "tiro saiu pela culatra" e o aumento da repressão ao invés de intimidar os manifestantes só fez aumentar e gerar uma solidariedade crescente pelo Brasil e até pelo mundo ainda que de forma muito minoritária. Atos em solidariedade e em protesto à violência policial estão sendo marcados no mundo afora, principalmente por brasileiros que vivem no exterior. É preciso deixar claro que a violência policial é da própria natureza do Estado e não um caso isolado ou um "excesso" de demonstração de força pela polícia como querem fazer crer a mídia burguesa e as autoridades ligadas ao sistema.
Ou seja, não é uma simples falha dos “governantes”, e não adianta pedir “justiça” ou um comportamento “mais cortês da polícia”, porque para se enfrentar a repressão e impor uma força de classe não há outra alternativa que a extensão do movimento para amplas massas da classe trabalhadora. Por isso, não podemos nos dirigir ao Estado e pedir piedade. A denúncia contra a repressão e o aumento das passagens deve ser feita para o conjunto da classe trabalhadora, chamando-a para engrossar os protestos em uma luta comum contra a precarização e a repressão.
As manifestações, que estão longe de acabar, também se estenderam por todo o Brasil e os protestos estiveram presentes no início da Copa das Confederações de 2013, que ficou marcada pelas vaias direcionadas à presidente Dilma Rousseff, e também para o presidente da FIFA, Joseph Blatter, antes da partida de estreia do torneio entre Brasil e Japão. Os dois não esconderam o incômodo e abreviaram os seus discursos para diminuir o desconcerto.
Em torno do estádio houve também uma grande manifestação, que contou com cerca 1200 pessoas, expressando solidariedade ao movimento contra a tarifa dos transportes e denunciando o desvio de recursos que seriam para gastos com prestações sociais, mas foram direcionados nesses últimos anos para a realização da Copa do Mundo e das Confederações. Também foram fortemente reprimidos pela polícia e deixaram pelo menos 27 feridos, além de outros 16 detidos. Para fortalecer ainda mais a repressão, o Estado declarou que serão proibidas quaisquer manifestações próximas aos estádios durante a realização da Copa das Confederações, sob a justificativa de não prejudicar o evento, o trânsito de pessoas e veículos e o funcionamento regular de serviços públicos.
Como se sabe o MPL é um movimento que ganhou âmbito nacional graças a sua presença e capacidade de mobilização de jovens estudantes para protestar contra os aumentos dos preços nas tarifas de transporte. Entretanto, é importante considerar que tem como objetivo de médio e longo prazo a existência de um transporte público gratuito para toda população fornecido pelo Estado.
Acontece que exatamente aí se encontra o limite da sua principal reivindicação, pois um transporte universal e gratuito na sociedade capitalista não existe, uma vez que para a sua existência a burguesia e o seu Estado necessariamente teriam de fazer acentuar ainda mais o grau de exploração sobre a classe operária e outros trabalhadores assalariados através dos aumentos de impostos sobre os salários. Assim, é necessário levar em conta que a luta não deve ser colocada na perspectiva de uma reforma impossível, mas sempre na orientação de que o Estado revogue os seus decretos.
No momento, as perspectivas do movimento parecem superar a simples reivindicação contra o aumento da tarifa. Já há manifestações previstas para a próxima semana em dezenas de cidades de grande e médio porte em todo o Brasil.
O movimento deve estar alerta em relação à esquerda do capital, especializada em tomar para si o controle de manifestações e dirigi-las a becos sem saída, tais como encaminhar para que os tribunais de justiça resolvam o assunto e que os manifestantes voltem para casa.
Para que esse movimento se desenvolva é necessário criar meios para ouvir e discutir coletivamente as diversas opiniões e isso só se torna possível com a realização de assembleias gerais com a participação de todos, onde seja assegurado o direito de palavra indistintamente aos manifestantes. Além disso, chamar os trabalhadores assalariados e convidá-los às assembleias e protestos, pois eles e as suas famílias são afetados de maneira direta pelo aumento das passagens e dos serviços.
O movimento de protesto que tem se desenvolvido no Brasil vem desmentir a campanha que a burguesia brasileira tem se encarregado de divulgar, secundada pela burguesia mundial, de que o Brasil é um “país emergente” a caminho de superar a pobreza e alcançar seu pleno desenvolvimento. Tal campanha é promovida principalmente por Lula, que é reconhecido mundialmente por ter supostamente tirado da pobreza milhões de brasileiros, quando na realidade seu grande feito para o capital foi repartir algumas migalhas entre a população mais miserável para mantê-la iludida e acentuar a precariedade do proletariado brasileiro.
Diante do agravamento da crise mundial e seu consequente ataque às condições de vida do proletariado, não há outro caminho senão a luta contra o capital.
Revolução Internacional (Corrente Comunista Internacional) 16/06/2013
Prosseguimos a série sobre a onda revolucionária mundial de 1917-23 iniciada na Revista Internacional nº 139 [1].
O objetivo que tínhamos era "tratar de reconstruir aquela época mediante um estudo dos testemunhos e relatos diretos dos protagonistas. Temos dedicado muitas páginas à Revolução na Rússia e na Alemanha. Por isso, publicaremos trabalhos sobre experiências menos conhecidas dos diferentes países, tudo isso, com o objetivo de dar uma perspectiva mundial. Quando se conhece um pouco aquela época, resulta surpreendente a multiplicidade de lutas, o eco tão amplo que teve a Revolução de 1917."
Entre 1914-23 o mundo conheceu a primeira manifestação da decadência do sistema capitalista que tomou a forma de uma Guerra Mundial que abarcou toda Europa e que estendeu suas repercussões pelo mundo, provocando uns 20 milhões de mortos. E essa matança indiscriminada não acabou pela vontade dos governantes, mas por causa de uma onda revolucionária do proletariado internacional, à qual se uniu um bom número de explorados e oprimidos do globo e cuja ponta de lança foi a revolução russa de 1917.
Atualmente estamos vivendo outra nova manifestação da decadência capitalista. Desta vez, toma a forma de um enorme cataclismo, o de uma crise econômica (que por sua vez se vê agravada por uma forte crise ambiental, pela multiplicação das guerras imperialistas localizadas e por uma alarmante degradação moral). Em um bom número de países [2] estamos vendo erguerem-se contra seus efeitos as primeiras tentativas de resposta – ainda muito limitadas – por parte do proletariado e dos oprimidos. Torna-se indispensável tirar lições daquela primeira onda revolucionária (1917-23), vendo tanto o que tem em comum com a situação atual, quanto o que tem de diferente. As lutas futuras terão muito mais força incorporando as lições daquela experiência.
A agitação revolucionária que sacudiu o Brasil entre 1917-19 constitui, junto com os movimentos da Argentina (1919), a expressão mais importante na América do Sul da onda revolucionária mundial concomitante com a revolução russa.
Nesta agitação influenciaram tanto a situação no Brasil como a situação mundial, a Guerra e particularmente a solidariedade com os operários russos e as tentativas de seguir seu exemplo. Não surgiu do nada, pois o Brasil foi o teatro da maturação tanto das condições objetivas quanto subjetivas no curso dos 20 anos precedentes. O propósito deste artigo é analisar no subcontinente brasileiro tanto essa maturação como a eclosão de acontecimentos que se sucederam entre 1917-19. Não pretendemos estabelecer conclusões definitivas e estamos abertos a um debate permitindo dar mais precisão às questões, os dados e as análises visto que realmente existe pouco material sobre aquela época. Os documentos nos quais temos nos baseado serão citados em notas auxiliares.
A evolução da situação mundial no curso da primeira década do século XX manifesta-se em três planos:
Nesse contexto, qual era a situação no Brasil? Não podemos desenvolver aqui uma análise da formação do capitalismo nesse país, mas vamos apresentar alguns traços gerais. Sob a dominação portuguesa, desenvolveu-se a partir do século XVI uma poderosa economia de exportação baseada primeiro na extração do pau-brasil [4] e desde o princípio do século XVII na cultura da cana de açúcar. Tratava-se de uma produção escravagista, pois logo fracassou a tentativa de exploração da mão-de-obra dos índios, razão pela qual desde meados do século XVII foram trazidos milhões de escravos africanos para o país. Depois da independência (1822), no último terço do século XIX, a produção de café e de látex substituiu o açúcar como principal produto de exportação, acelerando o desenvolvimento capitalista e provocando a emigração massiva de trabalhadores, que vinham de países como Itália, Alemanha, Espanha, etc.. Estes proporcionaram mão-de-obra para uma indústria que começava a despontar e, por outro lado, eram encaminhados à colonização do vasto território em grande medida inexplorado.
Uma das primeiras manifestações do proletariado urbano teve lugar em 1798 com a famosa Conjuração Baiana [5], uma rebelião protagonizada, sobretudo, por alfaiates que, além de reivindicações corporativas, pedia a abolição da escravidão e a independência do Brasil. Durante o século XIX, pequenos núcleos proletários impulsionaram a luta pela República [6] e pela abolição da escravidão. Tratava-se evidentemente de reivindicações no quadro do capitalismo que animavam seu desenvolvimento e preparavam assim as condições futuras para a revolução proletária.
A onda emigratória do final do século modificou notavelmente a composição do proletariado no Brasil [7]. Como resposta a condições de trabalho insustentáveis – jornadas de 12 a 14 horas, salários de fome, moradas subumanas [8], duras medidas disciplinares que incluíam castigos corporais – as greves começam a surgir desde 1903, sendo as mais significativas as do ramo têxtil no Rio (1903) e a de Santos (o porto paulista) em 1905, que se estendeu espontaneamente até tornar-se geral.
A Revolução russa de 1905 produziu um grande impacto. No Primeiro de Maio de 1906 numerosos comícios lhe foram dedicados. Em São Paulo houve um ato massivo num teatro; no Rio de Janeiro uma concentração em praça pública; em Santos uma reunião em solidariedade aos revolucionários russos.
Foi nessa época que aconteceram os primeiros encontros entre minorias revolucionárias compostas majoritariamente de emigrantes. Esses encontros deram nascimento em 1908 à Confederação Operária Brasileira (COB), que reagrupou organizações do Rio, Santos e São Paulo e era fortemente marcada por uma orientação anarcossindicalista e inspirada na CGT francesa [9]. A COB propôs a celebração do Primeiro de Maio, realizou um grande trabalho de cultura popular (principalmente de arte, pedagogia e literatura) e organizou uma enérgica campanha contra o alcoolismo que fazia estragos entre os trabalhadores.
Em 1907, a COB mobilizou os trabalhadores para a jornada de 8 horas. As greves se multiplicaram desde maio na região paulista. As mobilizações tiveram êxito: os pedreiros e os carpinteiros conseguiram uma redução de jornada. Mas logo essa onda refluiu, como consequência do fracasso da greve dos estivadores de Santos pela jornada de 10 horas, da entrada da economia numa fase recessiva no final de 1907 e da onipresente repressão policial que enchia os cárceres de operários grevistas e expulsava os emigrantes ativos.
O retrocesso nas lutas abertas não significou o retrocesso das minorias mais conscientes que se dedicaram então a um debate sobre as principais questões que se discutiam na Europa: a greve geral, o sindicalismo revolucionário, as causas do reformismo... A COB, que as agrupava, realizou atividades de orientação internacionalista. Lançou uma campanha contra a guerra entre Brasil e Argentina. Igualmente se mobilizou contra a pena de morte decretada pelo governo espanhol contra Ferrer Guardia [10].
O estouro, em agosto de 1914, da Primeira Guerra Mundial levou a uma forte mobilização da COB com os anarquistas à frente. Em março de 1915 criou-se no Rio uma Comissão Popular de Agitação contra a Guerra e em São Paulo uma Comissão Internacional contra a Guerra. Em ambas as cidades organizaram-se no Primeiro de Maio de 1905 manifestações contra a guerra, nas quais se dava vivas à Internacional dos trabalhadores.
Os anarquistas brasileiros trataram de enviar delegados a um Congresso contra a Guerra que devia ser realizado na Espanha [11] e, diante do fracasso dessa tentativa, organizaram em outubro de 1915 um Congresso Internacional pela Paz que teve lugar no Rio de Janeiro.
Neste congresso participaram anarquistas, socialistas, sindicalistas e militantes da Argentina, Uruguai e Chile. Foi aprovado um manifesto dirigido ao proletariado da Europa e da América chamando a "lançar por terra as quadrilhas de potentados e assassinos que mantêm os povos na escravidão e no sofrimento" [12]. Este chamamento somente poderia ser posto em prática pelo proletariado, pois somente ele "poderia empreender uma ação decisiva contra a guerra, pois ele é quem proporciona os elementos necessários aos conflitos bélicos, fabricando todos os instrumentos de destruição e morte e proporcionando o elemento humano para servir de carne de canhão" (Ibid.). O congresso decidiu desenvolver uma propaganda sistemática contra o nacionalismo, o militarismo e o capitalismo.
Estes esforços foram silenciados pela agitação patriótica, favorável ao comprometimento do Brasil na guerra. Numerosos jovens de todas as classes sociais alistaram-se como voluntários no exército, estabeleceu-se um clima de defesa nacional que fazia com que as posturas contra o nacionalismo ou simples críticas fossem brutalmente reprimidas por grupos de voluntários patriotas. 1916 foi muito duro para o proletariado e os internacionalistas que ficaram isolados e acossados.
Contudo, esta situação não durou muito tempo. As indústrias haviam se desenvolvido, especialmente na região de São Paulo, aproveitando o lucrativo negócio que supunha o abastecimento de todo tipo de mercadorias aos dois lados beligerantes. Mas esta prosperidade apenas impactou positivamente sobre a massa trabalhadora. Era fortemente visível a existência de duas "São Paulo": uma minoritária, de casas luxuosas e ruas com todos os inventos procedentes da Europa da Belle Époque e outra, majoritária, de bairros insalubres de onde escorria a miséria.
Como havia pressa em retirar os máximos benefícios, os empresários aumentaram brutalmente a pressão sobre os trabalhadores: "No Brasil, era crescente o descontentamento do proletariado devido às condições abusivas de trabalho nas fábricas, semelhantes às do início da Revolução Industrial na Inglaterra: jornadas de 14 horas, sem feriados, sem descanso semanal remunerado; comia-se ao lado das máquinas; os salários eram insuficientes e seu pagamento irregular; não havia nenhuma assistência social ou de saúde; as reuniões e a organização dos operários eram proibidas; estes careciam absolutamente de direitos e não existia nenhuma indenização pelos acidentes de trabalho [13]". Para coroar a situação, havia se desencadeado uma forte inflação que afetava, sobretudo, os produtos de primeira necessidade. Tudo isto provocou que a indignação e o descontentamento começassem a se tornar visíveis, estimulados pelas notícias que começaram a chegar da Europa sobre a revolução de fevereiro na Rússia. Em maio, estouraram várias greves no Rio de Janeiro, destacando-se a da fábrica têxtil Corcovado. Em 11 de maio, 2.500 pessoas conseguem se reunir na rua com a intenção de se dirigir à referida fábrica e expressar sua solidariedade, apesar da proibição expressa de reuniões operárias, feita uns dias antes pelo chefe de polícia. A polícia fecha o caminho e acontecem violentos enfrentamentos.
No começo de julho estoura uma greve massiva na área de São Paulo que ficará conhecida como "a Comuna de São Paulo". Sua motivação era a intolerável carestia da vida e, sobretudo, algo que expressa uma rejeição à guerra: em muitas fábricas, os patrões haviam imposto uma "contribuição pró-pátria", que consistia em um desconto suplementar no salário para apoiar a Itália. Isto foi rechaçado pelos trabalhadores da fábrica têxtil Cotonifício Crespi, que exigiram um aumento salarial de 25%. A greve se espalhou como uma mancha de azeite aos bairros industriais de São Paulo: Mooca, Brás, Ipiranga, Cambuci... Mais de 20 mil trabalhadores aderiram a ela. Um grupo de mulheres redigiu um panfleto que foi distribuído aos soldados, onde se dizia "Não deveis perseguir vossos irmãos de miséria. Também pertenceis à massa popular. A fome reina em nossos lares e nossos filhos pedem pão. Para sufocar nossas reclamações os patrões contam com as armas que lhes entregaram".
Uma brecha pareceu abrir-se na frente operária quando os trabalhadores da Nami Jaffet aceitaram voltar ao trabalho porque lhes foi concedido um aumento salarial de 20%. No entanto, nos dias seguintes produziram-se incidentes que levaram à continuidade da greve: em 8 de julho uma multidão de operários reunidos às portas do Cotonifício Crespi saiu em defesa dos menores que iam ser presos pelos soldados da cavalaria. Veio a polícia em auxilio destes soldados e ocorreu uma batalha campal. No dia seguinte houve um novo choque nas portas da fábrica de cerveja Antarctica. Os operários depois de ultrapassar a polícia, dirigiram-se à fabrica têxtil Mariângela, conseguindo que seus operários entrassem em greve. Nos dias seguintes outros incidentes acontecerem e também novas greves que encheram as fileiras dos grevistas.
Em 11 de julho se soube da morte de um operário sapateiro golpeado até morrer pela polícia. Foi a gota que fez o copo transbordar, "a notícia da morte do operário, assassinado nas imediações de uma fábrica de tecidos no Brás foi visto como um desafio à dignidade do proletariado. Foi como um violento choque emocional que sacudiu todas as energias. O enterro da vítima foi uma das mais impressionantes demonstrações populares jamais vistas em São Paulo" [14]. Seguiu uma impressionante manifestação de luto com mais de 50 mil participantes. A multidão, terminado o enterro, dividiu-se em dois cortejos: um foi para a casa do operário assassinado no Brás, onde foi realizada uma Assembleia ao término da qual uma multidão assaltou uma padaria. A notícia correu como rastilho de pólvora e em numerosos bairros os assaltos a armazéns de alimentos se multiplicaram.
O outro cortejo se dirigiu à Praça da Sé, onde foi realizada outra Assembleia, na qual vários oradores tomaram a palavra para animar a continuidade da luta. Os participantes decidiram organizar-se em vários cortejos que se dirigiram aos distintos bairros industriais, onde conseguiram fechar novas empresas e convenceram os trabalhadores da Nami Jaffet a voltarem à greve.
A determinação e a unidade dos operários cresceram de forma espetacular: na noite do dia 11 e durante todo o dia 12, foram organizadas assembleias nos bairros operários com a decidida contribuição dos militantes anarquistas e nas quais se resolveu formar Ligas Operárias. No dia 12 entrou em greve a fábrica de gás e os bondes pararam. Apesar da ocupação militar, a cidade estava completamente tomada pelos grevistas.
Na "outra São Paulo", os grevistas eram donos da situação: a polícia e o exército não podiam entrar, assediados por multidões distribuídas em barricadas levantadas em pontos estratégicos, onde ocorreram violentos enfrentamentos. Paralisados os transportes e o abastecimento, foram os grevistas que organizaram o fornecimento de alimentos, dando prioridade aos hospitais e às famílias operárias. Foram organizadas patrulhas operárias para evitar roubos e saques e alertar os vizinhos de incursões da polícia ou do exército.
As Ligas Operárias de Bairro, junto com delegados eleitos por algumas fábricas em luta e membros das distintas seções da COB, estabeleceram reuniões para unificar as reivindicações, o que desembocou no dia 14 na formação de um Comitê de Defesa Proletária, que propôs 11 reivindicações, sendo as principais a liberdade de todos os detidos e um aumento de 35% para os salários inferiores e de 25% para os demais. Um setor influente de empresários compreendeu que a repressão não bastava e que era necessário fazer algumas concessões. Um grupo de jornalistas se ofereceu como mediadores com o governo. No próprio dia 14 ocorreu uma assembleia geral com mais de 50 mil participantes que chegaram em cortejos massivos até convergir ao antigo hipódromo da Mooca, onde se decidiu finalizar a greve e retomar o trabalho se as reivindicações fossem aceitas. No dia 15 e no dia 16 foram realizadas diversas reuniões entre os jornalistas e o governador, assim como com um comitê que reunia os principais empresários. Estes aceitaram um aumento geral de 20%, enquanto que o governador ordenou a imediata libertação dos detidos. No dia 16, numerosas assembleias aprovaram a volta ao trabalho. Uma gigantesca concentração de 80 mil pessoas celebrou o que se considerava uma grande vitória. Houve ainda greves isoladas em julho e agosto para forçar empresários reticentes a aplicar o acordado.
A greve de São Paulo provocou a solidariedade imediata nas indústrias do Estado do Rio Grande do Sul e da cidade de Curitiba, onde se produziram manifestações massivas. O eco solidário tardou, no entanto, a chegar ao Rio. Uma empresa de móveis entrou em greve no dia 18 de julho – quando a luta havia terminado em São Paulo. Pouco a pouco se estendeu a outras empresas de tal maneira que no dia 23 de julho havia já 70 mil grevistas de diferentes setores. Desvairada, a burguesia disparou uma violenta repressão: ataques contra as manifestações, detenções, fechamento de organismos proletários. No entanto, teve que fazer algumas concessões que levaram ao encerramento da greve no dia 2 de agosto.
A Comuna de São Paulo teve uma grande repercussão em todo o Brasil, apesar de não ter conseguido se estender. O primeiro que se destaca nela é que segue plenamente as características que Rosa Luxemburgo vira na Revolução Russa de 1905 e que definem a nova forma de luta operária na decadência capitalista. Uma greve que não foi preparada por uma estrutura organizativa prévia, mas que foi produto de uma maturidade da consciência, da solidariedade, da indignação, da combatividade, nas fileiras operárias; Tinha criado em seu próprio curso sua organização direta de massas e, sem perder seu caráter econômico, desenvolveu rapidamente seu caráter político através da afirmação de uma classe que se enfrenta abertamente com o Estado. " A greve geral de junho de 1917 não se pode dizer que fosse uma greve preparada, uma greve organizada nos moldes clássicos seguidos comumente pelos delegados dos sindicatos junto à Federação Operária. Foi uma greve que irrompeu no desespero em que se encontrava o operariado paulistano, sujeito a salários de fome, a um trabalho exaustivo. Estava-se em pleno estado-de-sitio, com as associações operárias fechadas pela polícia, as portas lacradas, uma vigilância severa e permanente sobre todos os elementos considerados “agitadores perigosos à ordem pública”" [15].(Citação original na ágina 224 da obra História das Lutas Sociais no Brasil)
Como vamos ver na continuidade, animado pelo triunfo da revolução de outubro na Rússia o proletariado brasileiro empreendeu novas lutas; a Comuna de São Paulo constituiu entretanto o momento culminante de sua participação na onda revolucionária mundial de 1917-23. Não surgiu do ímpeto direto da Revolução de Outubro, ou melhor, contribuiu para gerar as condições mundiais que a prepararam. Com efeito, entre julho e setembro de 1917, assistimos junto com a greve paulista a greve geral de agosto na Espanha, greves massivas e rebeliões de soldados na Alemanha em setembro, o que levaria Lênin a insistir na necessidade de que o proletariado tomasse o poder na Rússia, pois "é incontestável que o final de setembro nos trouxe uma grandiosa virada na história da revolução russa e, ao que parece, da revolução mundial." [16]
Voltando à situação no Brasil, apesar da agitação social, a burguesia seguia empenhada em entrar na guerra mundial. Não é que tivesse interesses econômicos ou estratégicos diretos, mas era movida pelo objetivo de "ser alguém" no concerto imperialista mundial, fazer uma demonstração de poder para se fazer respeitar pelos demais abutres nacionais. Apostou no lado que emergia como vencedor – o da Entente (França e Grã-Bretanha), que acabava de receber o apoio decisivo dos Estados Unidos – e, dessa forma, aproveitou o bombardeio de um navio brasileiro por um navio alemão para declarar guerra à Alemanha.
A guerra necessita do embrutecimento da população, convertida num populacho que atua irracionalmente. Para isso, foram organizados comícios patrióticos em todas as regiões. O presidente da República, Wenceslau Brás, interviu pessoalmente para que parasse a greve numa fábrica têxtil do Rio. Alguns sindicatos colaboraram organizando "batalhões patrióticos" para alistarem-se na guerra. A igreja declarou que a guerra era uma "Cruzada Santa", com os bispos inflamando suas homílias de ardor patriótico. Simultaneamente, todas as organizações operárias foram declaradas fora da lei, suas sedes foram fechadas, foram alvo de ferozes e constantes campanhas de imprensa, taxando-as de "estrangeiros sem coração", "fanáticos do internacionalismo alemão" (sic) e outras maravilhas.
Mas esta violenta campanha nacionalista de guerra teve um impacto limitado já que rapidamente foi compensada pelo estouro da Revolução Russa, que teve um efeito eletrizante sobre muitos operários brasileiros, especialmente nos grupos anarquistas que assumiram de maneira entusiasta a defesa da Revolução Russa e dos bolcheviques. Um deles, Astrojildo Pereira, reuniu seus escritos em um opúsculo publicado em fevereiro de 1918 – A Revolução Russa e a Imprensa – no qual defendia que os "maximalistas[17] russos não se apoderaram da Rússia. Eles são a imensa maioria do povo russo, único senhor verdadeiro e natural da Rússia. Kerensky e seu bando haviam se apoderado indevidamente da Rússia". Este autor defendia igualmente que "se tratava de uma revolução de tipo libertário que abre o caminho ao anarquismo". [18]
O "efeito atraente" da Revolução de Outubro apareceu no Brasil primeiro no nível do amadurecimento da consciência e não tanto provocando uma nova explosão de lutas. O refluxo inevitável depois do avanço alcançado com a Comuna de São Paulo, a comprovação de que, apesar da força despendida havia se alcançado apenas algumas melhoras, tudo isso, junto com a pressão ideológica patriótica que supunha a mobilização para a guerra, levou a certa desorientação, acompanhada por uma busca de respostas que as notícias da Revolução Russa estimulava e acelerava.
Esse processo de "amadurecimento subterrâneo" – na aparência os operários estavam passivos, mas na verdade atravessava-lhes uma corrente de dúvidas, perguntas e também algumas primeiras respostas – acabou se concretizando num movimento de lutas. Em agosto de 1918 estourou a greve da Cantareira (companhia que garantia a navegação entre o Rio de Janeiro e Niterói). Em julho a empresa subiu o salário unicamente dos empregados terrestres. O pessoal marítimo, sentindo-se discriminado, declarou-se em greve. Logo começaram as mostras de solidariedade, especialmente em Niterói. A cavalaria da polícia dispersou a multidão na noite de 6 de agosto. No dia 7, os soldados do 58º Batalhão de Infantaria do Exército enviados a Niterói, juntaram-se à multidão para enfrentar as forças combinadas da polícia e de outros destacamentos militares. Ocorreram graves enfrentamentos nos quais houve mortos: um soldado do 58º Batalhão e um civil. Niterói viu-se invadida por novas tropas que finalmente conseguiram restabelecer a calma. No dia 8 ocorreu o enterro dos mortos com uma enorme multidão desfilando pacificamente. No dia 9, a greve terminou.
O entusiasmo suscitado pela Revolução Russa, o desenvolvimento de lutas reivindicativas, o motim de um batalhão do exército proporcionava bases suficientes para que fosse lançada a luta revolucionária insurrecional? À esta pergunta um grupo de revolucionários do Rio respondeu afirmativamente, levando-o a preparar uma insurreição. Analisemos os acontecimentos.
Em novembro de 1918 ocorreu no Rio de Janeiro uma greve praticamente geral para exigir a jornada de 8 horas. O governo havia exagerado a situação dizendo que esse movimento era uma "tentativa insurrecional". É certo que o movimento era influenciado pelo exemplo russo e igualmente por um sentimento de alívio e alegria pelo fim da guerra mundial. É verdade que, em última instância, todo movimento proletário tende a unir seu lado reivindicativo com seu lado revolucionário. No entanto, a luta do Rio nem havia se estendido a todo o país, nem havia se auto-organizado, nem mostrava ainda uma consciência revolucionária. Não obstante, alguns grupos do Rio acreditavam que havia chegado o momento do assalto revolucionário. Um fator adicional acendia os ânimos: uma das mais graves sequelas da guerra tinha sido uma pavorosa epidemia de gripe espanhola[19] que tinha se propagado pelo Brasil a tal extremo que o recém eleito presidente da República – Rodrigues Alves – sucumbiu a ela antes de sua investidura no cargo, tendo que ser substituído pelo vice-presidente.
Constituiu-se no Rio de Janeiro, sem coordenação com outros centros industriais, um Conselho que pretendia organizar a insurreição. Junto com elementos anarquistas, participavam líderes operários da indústria têxtil, jornalistas, advogados e também alguns militares. Um deles – o tenente Jorge Elias Ajus – era na verdade um espião que informou as autoridades das atividades do Conselho.
Ocorreram várias reuniões nas quais foram distribuídas tarefas aos operários de distintas fábricas e distritos: tomada do palácio presidencial; ocupação de depósitos de armas e munições da Intendência de Guerra; assalto à fábrica de cartuchos de Realengo; ataque ao quartel geral da Polícia; ocupação da central elétrica e da central telefônica. Vinte mil trabalhadores estavam previstos para participar na ação que devia acontecer no dia 18.
Na reunião do dia 17 de novembro, Ajus deu um golpe de efeito: "alegou que não poderia cooperar com o movimento por não estar de serviço no dia 18 e pediu que a insurreição fosse adiada para o dia 20 " [20]. Isto desestabilizou os organizadores que depois de muita hesitação, decidiram seguir adiante. No entanto, em uma nova reunião ocorrida no dia 18 no início da tarde, a polícia irrompeu subitamente no local e deteve a maioria dos dirigentes.
Estava prevista uma concentração no Campo de São Cristóvão para, a partir dali, organizar as colunas que ocupariam edifícios governamentais ou estratégicos. Os participantes apenas chegavam a mil e foram rapidamente rodeados por tropas da polícia e do exército. As demais operações combinadas não foram sequer executadas e a tentativa de dinamitar duas torres de abastecimento de energia fracassou no dia 19.
O Governo levou a cabo centenas de detenções, fechou sedes sindicais e proibiu qualquer manifestação ou concentração. A greve começou a recuar no dia 19 e de forma sistemática policiais e soldados passaram a entrar nas fábricas paradas, obrigando à ponta de fuzil que o trabalho fosse retomado. Nos diversos atos de resistência realizados morreram 3 operários. Por volta de 25 de novembro a calma era total na região.
Apesar deste fiasco, as chamas da combatividade e da consciência operárias estavam ainda ardentes. A notícia de que a revolução havia estourado na Hungria (março de 1919) e do triunfo de uma Comuna revolucionária na Baviera (abril de 1919), insuflou um grande entusiasmo. Tudo isto desembocou em manifestações gigantescas em numerosas cidades para marcar o Primeiro de Maio. Nas do Rio, São Paulo e Salvador foram adotadas resoluções de apoio à luta revolucionária na Hungria, Baviera e Rússia.
Em abril de 1919, diante da alta constante dos preços, uma forte agitação operária havia se apoderado de numerosas fábricas de São Paulo e cidades limítrofes como São Bernardo do Campo, e outras como Campinas e Santos. Estouravam greves parciais aqui e ali, formando uma lista de reivindicações, mas o mais notável era a realização de assembleias e a decisão de eleger delegados para estabelecer uma coordenação, o que desembocou na constituição de um Conselho Geral de Operários que organizou o ato do Primeiro de Maio e aprovou uma série de reivindicações: jornada de 8 horas, aumento de salários indexado à inflação, proibição do trabalho de menores de 14 anos e do trabalho noturno de mulheres, redução dos preços de artigos de primeira necessidade e dos aluguéis. Em 4 de maio, a greve já era geral.
A resposta do Governo e dos capitalistas foi dupla: por um lado, uma feroz repressão para impedir manifestações e concentrações e perseguir os operários considerados dirigentes, que eram encarcerados sem acusação e deportados para regiões longínquas do Brasil. Mas, por outro lado, os empresários e o próprio governo mostraram-se receptivos às reivindicações e, de forma comedida e semeando todas as divisões possíveis, foram aplicando aumentos salariais, a redução da jornada, etc..
A tática teve êxito. Em lugares como a fábrica de louça Santa Catarina a greve terminou em 6 de maio com a oferta da empresa de implantar a jornada de 8 horas, eliminar o trabalho de menores e conceder um aumento salarial. Os trabalhadores portuários de Santos fizeram o mesmo no dia 7. A Companhia Nacional de Tecidos Yute no dia 17. Em nenhum momento se colocou a necessidade de uma postura unificada – não voltar ao trabalho se não fossem atendidas as reivindicações de todos – nem tampouco se decidiu estender o movimento ao Rio, apesar de nesta cidade terem surgido greves desde meados de maio, adotando a mesma plataforma reivindicativa. Apagado o foco paulista, as greves no Rio, Salvador e Recife, apesar de sua massividade, foram finalmente silenciadas, combinando algumas concessões e uma repressão seletiva. Uma greve massiva em Porto Alegre em setembro de 1919 iniciada na companhia elétrica Light & Power pedindo aumento salarial e redução de jornada, suscitou a solidariedade de padeiros, motoristas, trabalhadores da Telefônica, etc.. A burguesia recorreu à provocação – estouraram bombas em umas instalações da companhia elétrica e na casa de um fura-greve – o que imediatamente foi utilizado como desculpa para proibir manifestações e assembleias. Em 7 de setembro uma concentração massiva na Praça Montevidéu foi atacada pela polícia e pelo exército resultando numa morte. No dia seguinte, numerosos grevistas foram detidos pela polícia, as sedes dos sindicatos foram fechadas. No dia 11 acabou a greve sem que se alcançasse nenhuma reivindicação.
O cansaço, a falta de uma clara orientação revolucionária, concessões seletivas em vários setores, foram pautando o refluxo geral. O governo incrementou de forma brutal a repressão, organizando uma nova onda de detenções e deportações, fechamentos de locais proletários, demissões disciplinares. O parlamento aprovou novas leis repressivas: bastava uma provocação, o estouro de uma bomba em casas de militantes destacados ou em lugares frequentados, para disparar a aplicação das leis repressivas. Uma tentativa de greve geral em novembro de 1919 em São Paulo fracassou lamentavelmente e o governo aproveitou este evento para um novo turno de detenções de todos aqueles considerados líderes, os quais, antes de serem deportados, foram selvagemente torturados em Santos e São Paulo.
No entanto, a combatividade operária e o descontentamento tiveram seu canto do cisne em março de 1920: a greve da Leopoldina Railways no Rio de Janeiro e da Mogiana na área de São Paulo.
A primeira começou em 17 de março a partir de uma pauta reivindicativa diante da qual a companhia respondeu com o uso de empregados públicos como fura-greves. Os trabalhadores fizeram apelos à solidariedade, saindo todos os dias às ruas. No dia 24 estourou uma primeira onda de greves em apoio: metalúrgicos, taxistas, padeiros, alfaiates, construção civil... Ocorreu uma grande assembleia na qual se fez um apelo a que "todas as classes trabalhadoras apresentem suas próprias queixas e reclamações". No dia 25, os trabalhadores da indústria têxtil se incorporaram ao movimento. Houve também uma greve solidária nos transportes de Salvador e em cidades do Estado de Minas Gerais.
A resposta governamental consistiu numa feroz repressão que levou a que somente no dia 26 fossem detidos mais de 3 mil grevistas. Os cárceres estavam tão cheios que foi necessário usar como prisão os armazéns das docas portuárias.
A partir do dia 28, o movimento começou a decair, sendo os primeiros a retornar ao trabalho os operários da indústria têxtil. Sindicalistas reformistas apresentaram-se como "mediadores" para que as empresas readmitissem os "bons trabalhadores" com "pelo menos 5 anos de serviço". A debandada foi geral e no dia 30 a luta havia terminado sem ter alcançado as reivindicações.
A segunda, começada na linha ferroviária do norte de São Paulo sustentou-se entre 20 de março e 5 de abril e recebeu a solidariedade da Federação Operária de São Paulo, que decretou uma greve geral que foi seguida parcialmente pelos trabalhadores da indústria têxtil. Os grevistas ocuparam estações tratando de explicar sua luta aos viajantes, mas o Governo regional mostrou-se implacável. As estações ocupadas foram atacadas por tropas, produzindo-se numerosos choques violentos – no mais destacado, o de Casa Branca, morreram 4 trabalhadores. Uma violenta campanha de imprensa foi orquestrada contra os grevistas como complemento de uma selvagem repressão com numerosas deportações e detenções não somente de operários, mas também de suas mulheres e filhos. Homens, mulheres e crianças eram encarcerados em quartéis onde lhes eram infligidos castigos corporais cruéis.
Indiscutivelmente os movimentos vividos no Brasil entre 1917-20 fazem parte da onda revolucionária mundial de 1917-23 e somente podem ser compreendidos à luz das lições que dela possam ser tiradas. O leitor pode consultar dois artigos onde tratamos de fazer um balanço da mesma [21]. Aqui vamos nos centrar em alguns ensinamentos que nos mostram mais diretamente a experiência brasileira.
A fragmentação do proletariado
A classe operária no Brasil estava muito fragmentada. A maioria dos trabalhadores emigrantes tinha poucos laços com o proletariado autóctone, em grande medida vinculado ao artesanato ou constituído por trabalhadores agrícolas em grandes fazendas agropecuárias completamente isoladas [22]. Os próprios trabalhadores emigrantes estavam divididos em "guetos linguísticos": italianos, espanhóis, portugueses, alemães, etc.. "São Paulo era uma cidade onde se ouvia mais o italiano, em seus diversos dialetos pitorescos, que o português. Essa influência do idioma e da cultura peninsular afetava a todos os segmentos da vida paulista." [23]
Tem que assinalar também a dispersão dos centros industriais. Rio e São Paulo nunca conseguiram sincronizar suas lutas. A Comuna de São Paulo se estendeu ao Rio quando a luta já havia terminado. A tentativa insurrecional de novembro de 1918 se circunscreveu ao Rio, sem que fosse considerada uma ação conjunta pelo menos com São Paulo e Santos.
À dispersão do proletariado se acrescentou o pouco apoio que sua agitação encontrou nas massas camponesas – maioria na população – tanto das regiões longínquas (Mato Grosso, Amazonas, etc.) como das que permaneciam em condições de semiescravidão nas plantações de café e cacau [24].
A fragmentação do proletariado e seu isolamento em relação à grande maioria não exploradora outorgaram uma enorme margem de manobra para a burguesia que, depois de fazer algumas concessões, pôde empregar uma repressão selvagem.
As ilusões sobre o desenvolvimento do capitalismo
A guerra mundial tinha posto a nu que o capitalismo, ao formar o mercado mundial e ao atar a suas leis todos os países da terra, havia chegado a seus limites históricos. A revolução na Rússia evidenciou que a destruição do capitalismo não somente era necessária senão que era igualmente possível.
No entanto, existiam ilusões sobre a capacidade do capitalismo para se desenvolver [25]. No caso do Brasil, havia um enorme território a ser colonizado. Como em outros países da América – começando pelos próprios Estados Unidos – os operários eram muito vulneráveis à mentalidade da "nova fronteira", de "tentar a sorte" e esculpir uma nova vida através da colonização agrícola ou da descoberta de minérios. Muitos emigrantes consideravam sua condição operária como "um momento transitório" até alcançar o "sonho" de se converter em um colono acomodado. O fracasso da revolução na Alemanha e em outros países, o crescente isolamento da Rússia, os graves erros da Internacional Comunista sobre as possibilidades de desenvolvimento do capitalismo em países coloniais e semicoloniais, deram asas a estas ilusões.
A dificuldade para desenvolver o impulso internacionalista
Os proletários no Brasil contribuíram com a Comuna de São Paulo para o amadurecimento internacional das condições que favoreceram a Revolução de Outubro na Rússia e também se sentiram muito animados por ela. Como em outros países havia os germens de uma perspectiva internacionalista, que constituem o ponto de partida imprescindível de qualquer revolução proletária.
Essa perspectiva internacionalista dá ao proletariado as bases para derrubar o Estado em cada país, para o que necessitam de 3 requisitos: a unificação das minorias revolucionárias no Partido Mundial; a formação de Conselhos Operários; sua coordenação crescente em escala internacional. Nenhum dos 3 estava presente na situação brasileira:
A falta de reflexão teórica e o ativismo das minorias revolucionárias
O grosso da vanguarda no Brasil era formado por companheiros de orientação anarquista internacionalista [26]. Tiveram o mérito de defender posições claras contra a guerra, em apoio à revolução russa e ao bolchevismo. Foram eles que criaram em 1918 um "Partido Comunista do Rio de Janeiro" por sua própria iniciativa, sem contato com Moscou e que incentivaram que a COB se unisse à IC.
No entanto, não tinham uma perspectiva histórica, teórica e mundial, tudo era baseado na "ação" que devia levar as massas ao combate. Consequentemente, todos seus esforços concentraram-se em criar organizações sindicais e na convocação incansável de concentrações e ações de protesto. Em outros termos, relegou-se quase completamente a atividade teórica de compreensão de quais eram os objetivos da luta, quais os seus meios, quais os obstáculos que estavam em seu caminho, quais as condições em que ela se desenvolvia, elementos imprescindíveis para que o movimento tivesse uma clara consciência, soubesse ver os passos a dar, evitar as armadilhas e não ser escravo dos acontecimentos e das manobras de um inimigo como a burguesia, que é, no plano político, a classe exploradora mais inteligente da história. Esse ativismo lhe foi fatal. Uma mostra eloquente disso foi, como vimos, a falida insurreição do Rio, da qual não se tirou – pelo que sabemos – nenhuma lição.
[1] Ver na Revista Internacional nº 139 1914-23, 10 anos que abalaram o mundo https://es.internationalism.org/node/2678 [8]
[2] Ver uma contribuição ao balanço dessas experiências em 2011: da indignação à esperança, https://es.internationalism.org/node/3349 [9]
[3] Greve de massas, partido e sindicatos, capítulo 7: O papel da greve de massas na revolução, https://www.marxists.org/espanol/luxem/06Huelgademasaspartidoysindicatos_0.pdf [10]
[4] Uma árvore grande (Caesalpinia echinata) cujo tronco contém uma apreciada tintura vermelha e que foi quase extinta como resultado da superexploração.
[6] Até o golpe de Estado de 1889, o Brasil foi um Império com um imperador procedente da dinastia portuguesa.
[7] Calcula-se que entre 1871 e 1920 chegaram ao Brasil 3.390.000 imigrantes procedentes do sul da Europa.
[8] O artigo Trabalho e vida do operariado brasileiro nos séculos XIX e XX de Rodrigo Janoni Carvalho (Arma da Crítica ano 2 nº 2 março de 2010), contém uma assustadora descrição das moradias do proletariado em São Paulo no início do século XX. Por exemplo, até 20 pessoas tinham que compartilhar um único banheiro.
[9] Naquela época a CGT francesa era um pólo de referência para os setores operários enojados pelo crescente oportunismo dos Partidos socialdemocratas e pela atividade cada vez mais conciliadora dos sindicatos. Ver Revista Internacional nº 120, "História do movimento operário: o anarcosindicalismo diante da mudança de época, a CGT francesa até 1914 [12]".
[10] Francisco Ferrer Guardia (Alella, 1859 – Barcelona, 1909), foi um famoso pedagogo libertário espanhol. Em junho de 1909 foi preso, acusado de ter sido o instigador de uma revolta conhecida como a Semana Trágica. Foi declarado culpado diante de um tribunal militar e às 9 h da manhã de 13 de outubro de 1909 foi fuzilado na prisão Montjuïc. É bem conhecido que Ferrer Guardia não teve relação com os fatos e que os tribunais militares acusaram-no e condenaram-no sem provas. (https://es.wikipedia.org/wiki/Ferrer_Guardia [13] ). Seu assassinato suscitou uma viva solidariedade internacional no movimento operário da época.
[11] Ver A CNT diante da guerra e da revolução [14], na Revista Internacional nº 129.
[12] Pereira, Formação do PCB, citado em Anarquistas e comunistas no Brasil, livro de John W. Foster Dulles, pág. 37.
[13] Cecilia Prada: As barricadas de 1917: a morte de um sapateiro anarquista provoca a primeira greve geral do país, ver: www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=292&Artigo_... [15].
[14] Tomado do artigo "Traços biográficos de um homem extraordinário" do periódico Dealbar, São Paulo, 1968, ano 2, nº 17. Refere-se ao militante anarquista Edgard Leuenroth, que participou ativamente na greve de São Paulo.
[15] Everardo Dias. Historia das lutas sociais no Brasil, p. 224.
[16] La crisis ha madurado,Obras Completas de Lenin, tomo 34 página 281 edicção española.
[17] Nome que a imprensa brasileira dava aos bolcheviques.
[18] Dulles, Anarquistas e comunistas no Brasil, p. 63.
[19] A gripe espanhola – conhecida também pelo nome de A Grande Pandemia da Gripe, A Epidemia de Gripe de 1918 ou A Grande Gripe – foi uma pandemia de uma dimensão desconhecida até então. Considera-se que foi a epidemia mais letal da história da humanidade, provocando entre 50 e 200 milhões de mortos em todo o mundo entre 1918 e 1920. Os Aliados da Primeira Guerra Mundial chamaram-na de Gripe Espanhola porque a pandemia chamou a atenção da imprensa na Espanha, enquanto que, ao contrário, foi mantida em segredo pelos países comprometidos na guerra, que censuravam as informações concernentes ao enfraquecimento das tropas afetadas pela doença. (https://es.wikipedia.org/wiki/Gripe_espa%C3%B1ola [16] )
[20] Dulles, Anarquistas e comunistas no Brasil, p. 68.
[21] Ver Revista Internacional nº 75 "A Revolução Russa (III): O isolamento é a morte da revolução [17]" e Revista Internacional nº 80 "Lições de 1917-23 [18]".
[22] A partir das greves de 1903, onde trabalhadores rurais e camponeses nativos tinham sido empregados como fura-greves, a desconfiança e as censuras mútuas entre os operários emigrantes e operários nativos tinham criado grandes feridas. Ver o ensaio de Colin Everett, Trabalho organizado no Brasil 1900-1937, em inglês. https://translate.google.es/translate?hl=es&langpair=en%7Ces&u=https://libcom.org/history/organized-labor-brazil-1900-1937-anarchist-origins-government-control-colin-everett [19]
[23] Barricadas de 1917, Cecilia Prada, Tese de doutorado.
[24] Pelo que temos recolhido, o movimento camponês mais significativo ocorreu em 1917 em Ribeirão Preto, o qual congregou mais de 15 mil grevistas, entre colonos e trabalhadores agrícolas.
[25] Estas ilusões afetavam a própria Internacional Comunista que via como possível a liberação nacional nos países coloniais e semi-coloniais. Ver as teses a respeito do II Congresso da IC www.marxismo.org/?q=node/1549 [20].
[26] Pelo que sabemos, no Brasil só houve grupos marxistas somente muito tardiamente, em 1916 (depois de uma tentativa falida em 1906), formou-se um partido socialista que rapidamente se dividiu em duas tendências igualmente negativas, uma abertamente partidária de entrar na guerra e outra que defendia a neutralidade do Brasil.
Ligações
[1] https://passapalavra.info/2013/06/79539
[2] https://pt.internationalism.org/ICConline/2012/2011_da_indignacao_a_esperanca
[3] https://pt.internationalism.org/content/325/movimento-de-indignados-na-espanha-grecia-e-israel-da-indignacao-preparacao-dos-combates
[4] https://pt.internationalism.org/cci/201306/339/manifesta%C3%A7%C3%B5es-contra-o-aumento-dos-pre%C3%A7os-das-passagens-repress%C3%A3o-policial-desencadei
[5] https://passapalavra.info/2013/06/79588/
[6] https://passapalavra.info/2013/06/79539/
[7] https://passapalavra.info/2013/06/79419/
[8] https://es.internationalism.org/node/2678
[9] https://es.internationalism.org/node/3349
[10] https://www.marxists.org/espanol/luxem/06Huelgademasaspartidoysindicatos_0.pdf
[11] https://es.wikipedia.org/w/index.php?title=Conjura_bahiana&oldid=48090413
[12] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200510/203/historia-del-movimiento-obrero-el-anarcosindicalismo-frente-al-camb
[13] https://es.wikipedia.org/wiki/Ferrer_Guardia
[14] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200705/1903/historia-del-movimiento-obrero-la-cnt-ante-la-guerra-y-la-revoluci
[15] http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=292&Artigo_ID=4588&IDCategoria=5225&reftype=1
[16] https://es.wikipedia.org/wiki/Gripe_espa%C3%B1ola
[17] https://es.internationalism.org/cci/200602/749/el-aislamiento-es-la-muerte-de-la-revolucion
[18] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200704/1829/lecciones-de-1917-23-la-primera-oleada-revolucionaria-del-proletar
[19] https://translate.google.es/translate?hl=es&langpair=en%7Ces&u=https://libcom.org/history/organized-labor-brazil-1900-1937-anarchist-origins-government-control-colin-everett
[20] http://www.marxismo.org/?q=node/1549