Publicado em Corrente Comunista Internacional (https://pt.internationalism.org)

Início > ICConline - 2010s > ICConline - 2014

ICConline - 2014

  • 2988 leituras

Comunicado aos nossos leitores: A CCI é atacada por uma nova agência do Estado burguês

  • 2751 leituras

Em outubro de 2013, nasceu um novo “grupo político” autodenominado pelo pomposo nome de “Grupo Internacional da Esquerda Comunista” (GIGC). Este novo grupo não se sente à vontade em fornecer a sua identidade: foi constituído a partir da fusão entre 2 indivíduos do grupo Klasbatalo de Montreal e elementos da suposta ex- “Fração Interna” da CCI (FICCI) que foram excluídos da CCI em 2003 devido aos seus comportamentos indignos da militância comunista: além do roubo, das calúnias e da chantagem, esses elementos atravessaram o Rubicão devido a seus comportamentos deliberados de delatores, entre outras “proezas” publicando por antecipação na internet a data da conferência da nossa secção no México e repetindo insistentemente as verdadeiras iniciais de um dos nossos camaradas apresentado como “o chefe da CCI”. Os leitores não informados podem consultar nossos artigos publicados naquela oportunidade na nossa imprensa 1.

Em um desses artigos, Os métodos policiais da FICCI [1] colocamos claramente em evidência que esses elementos oferecem graciosamente seus bons e leais serviços ao Estado burguês. Ocupam a maior parte do seu tempo em uma atividade persistente em acompanhar o site da CCI na Internet, buscando se informar de tudo que acontece em nossa organização, alimentando-se – e difundindo rapidamente – as fofocas mais asquerosas, recolhido dos esgotos (e especialmente do casal Peter – Louise, 2 militantes da CCI, pelos quais tem obsessão e lhes excita de maneira extrema há mais de 10 anos). Posteriormente à publicação do artigo mencionado acima, tem se agravado ainda mais o seu caso ao divulgar publicamente um documento de 114 páginas, que reproduzem numerosos extratos das reuniões do nosso órgão central internacional, com o que propunham demonstrar suas acusações contra a CCI. O que este documento mostrava na realidade, é que esses elementos possuem um cérebro doentio, totalmente cego pelo ódio contra nossa organização e que de forma consciente liberam para a polícia informações sensíveis a fim de favorecer o seu trabalho.

Recém-nascido, esse pequeno aborto chamado “Grupo Internacional da Esquerda Comunista” lança seu primeiro grito desencadeando uma propaganda histérica contra a CCI, como o prova o apelo publicitário postado na sua página da internet: “¡Una nueva (¿la última?) Crisis interna en la CCI!” acompanhada a seguir por um “Llamamiento al campo proletario y a los militantes de la CCI”.

Há vários dias, este “grupo internacional” (composto por 4 indivíduos) desenvolve uma atividade frenética, dirigindo uma carta após outra a todo o “meio proletário”, assim como a nossos militantes e a alguns simpatizantes (aos quais pegaram os endereços) com a finalidade de salvá-los das “garras” de uma suposta “fração liquidacionista” (um clã formado por Louise, Peter e Baruch).

Os membros fundadores desse novo grupo, dois delatores da ex-FICCI, acabam de dar mais um passo na infâmia, revelando claramente seus métodos policiais que tentam a destruição da CCI. Esse pretenso “Grupo Internacional da Esquerda Comunista” faz soar o alarme e proclama a torto e a direita o que fizeram com boletins internos da CCI. Exibindo o seu troféu de guerra e com muito barulho e alvoroço, a mensagem que esses acreditáveis delatores nos lançam é muito clara: haveria um “infiltrado” na CCI que trabalha de mãos dadas com a ex-FICCI!. Trata-se claramente de um trabalho policial que não pretende outra coisa a não ser semear a suspeita generalizada, a confusão e a discórdia no seio da nossa organização. Trata-se dos mesmos métodos que foram utilizados pela GPU, a polícia política de Stálin, para destruir desde o interior o movimento trotskista dos anos 30. Trata-se dos mesmos métodos que já utilizaram em oportunidades anteriores os membros da ex-FCCI (e mais concretamente dois deles, Juan e Jonás, membros fundadores do GIGC) quando fizeram viagens “especiais” a várias seções da CCI em 2001 com objetivo de organizar reuniões secretas e fazer circular rumores segundo os quais uma das nossas camaradas (a “mulher do chefe da CCI”, segundo sua expressão) seria uma “infiltrada”. Hoje, o mesmo procedimento para semear o pânico e destruir a CCI por dentro revela-se ainda mais repugnante: com o pretexto hipócrita de querer “estender a mão” aos militantes da CCI e salvá-los da “desmoralização” esses espiões profissionais lançam na realidade a seguinte mensagem a todos os militantes da CCI: “haveria um (ou mais) traidor nas suas fileiras que fez chegar até nós seus Boletins Internos, porém nós não os daremos seu nome, pois são vocês que devem buscá-los”. Na realidade este é o objetivo de toda a febril agitação desse novo “grupo internacional”: introduzir uma vez mais o veneno da suspeita e da desconfiança dentro da CCI para tentar destruí-la a partir do seu interior. Trata-se claramente de um autêntico empreendimento de destruição cujo grau de perversidade nada fica a dever aos métodos da polícia política de Stálin ou aos da Stasi.

Como lembramos várias vezes na nossa imprensa, Victor Serge, no seu livro bem conhecido e que é uma referência no movimento operário, O que todo revolucionário deve saber sobre a repressão 2, coloca claramente em evidência que a difusão da suspeita e da calúnia constitui uma arma privilegiada do Estado burguês para destruir as organizações revolucionárias “a confiança no partido é o cimento de toda força revolucionária (...) Os inimigos da ação, os covardes, os acomodados, os oportunistas, buscam suas armas nas lixeiras! A suspeita e a calúnia lhes servem para desacreditar os revolucionários (...) Este mal – a suspeita entre nós – não pode ser circunscrito mediante um grande esforço de vontade. Faz falta – e é desde já a condição prévia para a luta vitoriosa contra a verdadeira provocação, da qual cada acusação formulada contra um revolucionário seja rigorosamente verificada. Cada vez que alguém sofra semelhante suspeita, um júri de camaradas deve realizar uma investigação e se pronunciar sobre a acusação ou sobre a calúnia. Regras simples que se deve observar se quisermos preservar a saúde moral das organizações revolucionárias”. A CCI é a única organização revolucionária que continua sendo fiel a esta tradição do movimento operário defendendo o princípio dos júris de honra frente à calúnia: só os aventureiros, os elementos dúbios, e os covardes não querem que se façam os esclarecimentos diante de um júri de honra 3.

Victor Serge afirma também que as motivações que conduzem certos militantes a prestarem seus serviços às forças de repressão do Estado burguês não são invariavelmente a miséria material ou a covardia: “há outros mais perigosos, os diletantes, os aventureiros que em nada acreditam, cansados do ideal que até então tinham servido, amantes do perigo, da intriga, da conspiração, que gostam de levar um complicado jogo enganando a todo o mundo. Esses indivíduos podem ter talento e jogar um jogo realmente indecifrável”. Dentro do perfil do delator ou do agente provocador, encontramos segundo Victor Serge, ex-militantes, “feridos pelo partido”. O orgulho ferido, recriminações pessoais provocadas pelo ciúme, a frustração ou a decepção, podem conduzir militantes a desenvolver um ódio incontrolável contra o partido (ou contra alguns dos seus membros considerados como rivais) até o extremo de oferecer seus serviços as forças de repressão do Estado burguês.

Todos os “chamados” estrondosos dessa agência oficiosa do Estado burguês que é o GIGC não são outra coisa que chamados ao pogrom contra alguns de nossos camaradas (em ocasião anterior denunciamos em nossa imprensa as ameaças proferidas por um membro da ex-FICCI que disse a um dos nossos militantes: “vou cortar teu pescoço”). Não é nenhuma casualidade se esse novo “chamado” dos delatores da ex-FICCI tenha sido imediatamente reproduzido por um dos seus cúmplices e “amigos”, um tal de Pierre Hempel (que publica um lixo tão indigesto como delirante chamado “O Proletariado Universal”, autêntica imprensa amarela) na qual se pode ler barbaridades do estilo “Peter e sua cadela”. A “cadela” em questão seria nossa camarada a quem os delatores e potenciais assassinos da ex-FICCI tem acusado e assediado há mais de 10 anos, apoiados pelos seus cúmplices na pequena audiência que contam. Podemos apreciar o gênero de literatura (muito “proletária”) que sustenta o “chamado” do pretenso “Grupo Internacional da Esquerda Comunista”, que atiça a curiosidade e o voyeurismo de todos carniceiros do pequeno meio que se proclama “proletário”. Eles possuem os amigos que merecem.

Mas não acaba aqui a coisa. Se acessarmos os links que figuram na nota 4, nossos leitores que pertencem verdadeiramente ao campo da Esquerda Comunista, poderão ter uma ideia um pouco mais precisa do pedigree desse novo “Grupo Internacional da Esquerda Comunista”. Está sendo patrocinado desde vários anos por uma tendência pertencente à outra agência do Estado burguês, o NPA 5 (partido de Olivier Besancenot que se apresenta nas eleições e que é convidado regularmente aos programas televisivos franceses). Essa tendência do NPA faz regularmente uma ruidosa publicidade com bastante destaque do seu portal na internet. Se um grupo da extrema esquerda do Capital faz tanta publicidade para a FICCI e ao seu novo disfarce (o GIGC) é claramente a prova de que a burguesia sabe reconhecer seus fiéis servidores: sabe com quem pode contar para destruir a CCI. Assim, os delatores da GIGC poderão reclamar uma condecoração do Estado (concedida evidentemente pelo ministério do interior!) a que tem prestado serviços mais eminentes que a maior parte dos beneficiados por tais medalhas.

A CCI agirá com toda claridade e informará aos leitores das consequências desse assunto. Talvez tenhamos sido infiltrados por um ou vários elementos dúbios (não seria a primeira vez e temos uma larga experiência sobre esse tipo de problema, no mínimo desde o fato Chénier, um indivíduo excluído da CCI em 1981 e que, alguns meses mais tarde, trabalhava oficialmente para o Partido Socialista Francês à época no governo). Se esse for o caso aplicaremos nossos Estatutos como sempre fizemos.

Mas tampouco podemos descartar outra hipótese: um dos nossos computadores poderia ter sido hackeado pelos serviços da polícia (que vigia nossas atividades há mais de 40 anos). E não se pode excluir a possibilidade de que tenha sido a própria polícia (fazendo-se passar por um “infiltrado” militante anônimo da CCI) que tenha passado para a FICCI alguns de nossos boletins sabendo oportunamente que esses delatores (e em especial os dois membros fundadores do pretenso GIGC) fariam de imediato o uso adequado deles. Desse modo, não seria surpresa nenhuma uma vez que os cowboys da FICCI (que se apressaram em disparar mais rápido que a sua sombra!) tiveram uma grande decepção quando em 2004, ao flertar com um desconhecido de uma agência stalinista na Argentina, o cidadão B que se escondia atrás de um suposto “Círculo de Comunistas Internacionalistas”. Este “círculo”, puramente virtual, apresentava a oportunidade sonhada de publicar mentiras infames e grosseiras contra nossa organização, encontrou um eco complacente na FICCI. Desde o momento em que suas mentiras foram desmascaradas e o cidadão B desapareceu imediatamente de circulação, a FICCI se viu imersa na decepção e na maior frustração.

A FICCI pretende que “o proletariado tenha mais que nunca a necessidade das suas organizações políticas com objetivo de se orientar para a revolução proletária. Um enfraquecimento da CCI significa um enfraquecimento do campo proletário no seu conjunto. E um enfraquecimento do campo proletário significa um enfraquecimento do proletariado na luta de classe”. Trata-se de uma hipocrisia repugnante. Os partidos stalinistas se proclamam defensores da revolução comunista quando são seus mais ferozes inimigos. Ninguém pode ser enganado: qualquer que seja o cenário – a presença em nossas filas de um “infiltrado” da FICCI ou manipulação pelos serviços do Estado – a última “façanha” da FICCI-GIGC demonstra claramente que sua vocação não é de maneira nenhuma defender as posições da Esquerda Comunista e atuar pela revolução proletária, mas a de destruir a principal organização atual da Esquerda Comunista: trata-se de uma agência policial do Estado Capitalista, seja ou não retribuída pelos seus serviços.

A CCI sempre se defendeu dos ataques de seus inimigos, especialmente daqueles que tentam destruí-la mediante campanhas de calúnias e mentiras. A CCI não vai permitir suas atuações. Não vai deixar se desestabilizar por este ataque do inimigo de classe. Todas as organizações proletárias do passado enfrentaram as ataques do Estado burguês com o intuito de destruí-las. Elas se defenderam energicamente e, frequentemente, esses ataques em vez de debilitá-las, pelo contrário, reforçaram sua unidade e a solidariedade entre os militantes. Foi dessa forma como a CCI e seus militantes reagiram sempre aos ataques e a delação da FICCI. Por isso desde que foi tomado conhecimento do repugnante “chamado” do GIGC, todas as secções e todos os militantes da CCI se mobilizaram imediatamente com a máxima determinação para defender nossa organização, como os camaradas diretamente assinalados como alvo neste “chamado”.

Corrente Comunista Internacional, 4 de maio 2014.

1 Em espanhol: - Os métodos policiais da FICCI [1]; - La FICCI em ação: mentiras e comportamento de “brutamontes” [2] .

2 Em espanhol: https://www.marxists.org/espanol/serge/represion/index.htm [3]

3 Ver nosso comunicado de 21 de fevereiro de 2002 O combate das organizações revolucionárias contra a provocação e a calúnia [4] (em espanhol [5])
 

4 tendanceclaire.org/breve.php?id=655 [6]; tendanceclaire.org/breve.php?id=2058 [7]; tendanceclaire.org/breve.php?id=7197 [8].

5 NPA: Novo Partido Anticapitalista, França.

Tags: 

  • Comunicado da CCI [9]

Rubric: 

Comunicado

Mandela: uma face humana para o capitalismo

  • 3810 leituras

Na parte final de sua vida Nelson Mandela foi amplamente considerado um “santo” moderno. Aparecia como um modelo de humildade, integridade e honestidade, demonstrando uma incrível capacidade de perdoar.

Segundo um boletim recente da Oxfam, a África do Sul é “o país mais desigual do planeta e significativamente mais desigual do que no fim do “apartheid”. O Congresso Nacional Africano (CNA) está há quase 20 anos governando uma sociedade em que as privações da maioria negra continuam aumentando. Ainda assim, apesar de fazer parte do CNA desde os anos 40, Mandela sempre foi visto na África e no resto do mundo como alguém diferente de outros líderes.

Um cristão verdadeiro?

Sua autobiografia de 1994, “Longa Caminhada Até a Liberdade”, é um valioso guia sobre a vida e ideias de Mandela. Mesmo que com um viés parcial, ela demonstra as preocupações e prioridades do autor (as citações em itálico no decorrer do texto foram retiradas do livro)Por exemplo, depois de 27 anos na prisão, ao ser solto em fevereiro de 1990, Mandela não demonstrava qualquer sinal de rancor contra seus algozes: 

  • “Na prisão, a raiva que sentia dos brancos diminuiu, mas minha raiva contra o sistema aumentou. Queria que a África do Sul visse que eu amava até mesmo meus inimigos, ao mesmo tempo que odiava o sistema que nos jogava uns contra os outros”. Se isso soa como o ditado cristão “ame o pecador, odeie o pecado”, é em parte por ser isso mesmo. Relembra que ao receber a visita de dois editores do Washington Times na prisão “disse a eles que era e sempre tinha sido um cristão”. 

Fica claro também como este traço de sua personalidade foi útil ao capitalismo sul-africano. Após Mandela deixar a prisão, uma das principais tarefas do Congresso Nacional Africano foi garantir potenciais investidores que um futuro governo do partido não ameaçaria seus interesses. Na “Mensagem de Mandela ao Big Business” (19/06/1990), está dito por ele em diversas ocasiões:“o setor privado, tanto doméstico como internacional, trará uma contribuição vital para a reconstrução da África do Sul após o apartheid... Somos sensíveis ao fato de que para investir numa África do Sul pós-apartheid, vocês terão que ter confiança na segurança de seus investimentos, um retorno adequado de seu capital e um clima geral de paz e estabilidade”. Mandela pode ter falado como um cristão, mas um cristão que compreendia as necessidades dos negócios.

Um nacionalista consistente

Mandela era certamente consistente, capaz de ver no presente a continuidade do passado. Quando, por exemplo, o CNA se sentou pela primeira vez para conversar oficialmente com o governo em maio de 1990, o futuro presidente disse ter lhes dado uma lição de história. “Expliquei a nossos interlocutores que desde sua fundação em 1912 o CNA sempre procurou negociar com o governo”.

Mandela frequentemente se referia à “Carta da Liberdade” do CNA, adotada em 1955:“Em junho de 1956, no boletim mensal Liberation, eu apontei que a carta endossava a iniciativa privada e permitiria que o capitalismo florescesse entre os africanos pela primeira vez”. Em 1988, durante negociações secretas com o governo, ele se referiu ao mesmo artigo, dizendo:“a Carta da Liberdade não era um guia para o socialismo, mas para o capitalismo em estilo africano. Disse a eles que não havia mudado de ideia desde então”.

Quando Mandela foi visitado em 1986 por uma comissão, disse-lhes “que era um nacionalista sul-africano, não um comunista e que existem nacionalistas de todas as cores e formatos”. Este nacionalismo era intransigente. Quando se aproximavam as eleições de 1994 e ele se encontrou com o presidente F.W. de Klerk num debate televisivo, afirmou: “senti que havia sido áspero demais com o homem que viria a ser meu parceiro num governo de unidade nacional. Resumindo, disse que ‘as trocas entre o senhor de Klerk e eu não deveriam obscurecer um fato importante. Considero que somos um exemplo brilhante para o mundo todo de pessoas vindas de grupos raciais diferentes que têm em comum lealdade e amor por seu país”

A partir da metade da década de 1970, Mandela recebeu visitas do ministro das prisões: “no decorrer dos anos o governo havia mandado ‘pegadinhas’, começando com a tentativa do ministro Kruger de me convencer a ir morar no Transkei. Não eram esforços para negociar, mas tentativas de me deixar isolado da minha organização. Em várias outras ocasiões Kruger me disse: ‘Mandela, podemos trabalhar com você, mas não com seus colegas’”.

O governo sul-africano reconhecia que havia algo diferente em sua personalidade que finalmente possibilitaria algum tipo de negociação. E, em dezembro de 1989, ao encontrar de Klerk pela primeira vez, Mandela pôde dizer que “o senhor de Klerk parecia representar uma real mudança em relação aos antigos políticos do Partido Nacional. Ele era um homem com quem nós poderíamos fazer negócio”.

No final, este respeito mútuo fez com que o Prêmio Nobel da Paz de 1993 fosse dado conjuntamente a Mandela e de Klerk,por “seu trabalho pelo fim pacífico do regime de Apartheid e por construírem as fundações de uma nova África do Sul democrática”.

Este objetivo a longo prazo não foi uma preferência pessoal de Mandela, mas algo que correspondia às necessidades do capitalismo. Após o massacre de Sharpeville em 1960, como conta a biografia de Mandela,“A bolsa de valores de Johannesburgo desabou e o capital começou a se retirar do país”.

O fim do Apartheid deu início a um período de crescimento do investimento estrangeiro na África do Sul. A democracia, no entanto, não beneficiou a maioria da população. Na década de 50, Mandela disse que “o objetivo secreto do governo era criar uma classe média sul-africana para diminuir o apelo do CNA na luta de libertação”.

Na prática, a “libertação” e um governo do CNA aumentaram pouco a classe média africana. Ela também acarretou repressão, remilitarização da polícia, proibição de protestos e ataques aos trabalhadores como, por exemplo, na greve dos mineiros de Marikana, em que 44 operários foram mortos e dezenas ficaram seriamente feridos.

Mandela foi capaz de afirmar que “todos os homens, até mesmo de sangue mais frio, têm um núcleo de decência e se seus corações são tocados, eles são capazes de mudar”.  Pode ser verdade em relação a indivíduos, mas não em relação ao capitalismo, que não tem um “núcleo de decência” e não pode ser mudado. As caras do governo do CNA são diferentes de seus predecessores brancos, mas a exploração e a repressão continuam.

Meios para um fim

O CNA com sua luta de “libertação” fez uso tanto da violência como da não-violência em suas campanhas. Ao perceber que táticas não-violentas não estavam funcionando, o partido criou uma ala militar, na qual Mandela exerceu um papel central: “Consideramos quatro tipos de atividades violentas: sabotagem, guerrilha, terrorismo e revolução aberta”. Esperavam que a sabotagem “traria o governo para a mesa de negociação”, mas instruções precisas foram dadas para que “vidas fossem poupadas. Mas se a sabotagem não desse os resultados que queríamos, estávamos preparados para seguir ao próximo estágio: guerrilha e terrorismo”.

Então, em 16 de dezembro de 1961, quando “bombas caseiras foram detonadas em centrais elétricas e escritórios do governo em Johanesburgo, Port Elizabeth e Durban, isso não significou que os objetivos do CNA haviam mudado – a democracia ainda era a meta.

Depois de maio de 1983, quando o CNA explodiu seu primeiro carro bomba, matando 19 pessoas e ferindo mais de 200, Mandela disse que “a matança de civis foi um trágico acidente e sinto profundo horror em relação às mortes. Mas por mais incomodado que estivesse por causa das vítimas, sabia que acidentes do tipo eram as consequências inevitáveis da decisão de embarcar na luta militar”. Hoje, utiliza-se para tais “acidentes” o eufemismo mais moderno de “danos colaterais”.

Homem e Mito

Na década de 1950, a esposa de Mandela se tornou Testemunha de Jeová. Ele disse que apesar de “considerar alguns aspectos da (publicação) A Sentinela interessantes e valorosos, eu não compartilhava sua devoção. Havia um elemento obsessivo que me desestimulava”. Nas discussões do casal, relembra:“eu explicava a ela pacientemente que a política não era uma distração e sim o trabalho da minha vida, uma parte essencial e fundamental do meu ser”.

Tais diferenças os levaram a uma “batalha pelas mentes e corações dos nossos filhos. Ela queria que eles fossem religiosos e eu pensava que eles deveriam ser politizados”. E a que política eles foram expostos? 

  • “Eu tinha imagens de Roosevelt, Churchill, Stálin, Gandhi e da tomada do Palácio de Inverno em São Petersburgo em 1917 nas paredes da casa. Expliquei aos meninos quem era cada um daqueles homens e o que eles defendiam. Eles sabiam que os líderes brancos da África do Sul defendiam algo totalmente diferente”. 

Há um contraste interessante aqui. De um lado, quatro lideranças da classe dominante capitalista (não tão diferentes assim da burguesia sul-africana) e, do outro, um dos momentos mais importantes da história da classe trabalhadora.

Mandela disse ter tido pouco tempo para estudar Marx, Engels ou Lenin, mas ele “concordava com o mandamento básico de Marx, que era a simplicidade e generosidade da Regra de Ouro: de cada um conforme suas habilidades, a cada um conforme suas necessidades”.

Por mais que ele “concordasse com o mandamento”, a história do CNA demonstra um século a serviço do capitalismo sul-africano. Seja em protestos ou guerrilha, os objetivos eram nacionalistas ou apenas uma válvula de escape, já que ele acredita que“o povo deve poder dar vazão à sua raiva e frustração”. No governo, as fases mudaram de Mandela a Mbeki a Motlanthe e agora Zuma, mas não houve mudanças na vida da maioria. A única diferença entre os presidentes é que Mandela tinha uma imagem melhor.

Mandela percebia bem seu próprio mito. Ele fazia questão de dizer que não era um “santo” nem um “profeta” nem um “messias” num mundo em que a maioria dos políticos se devota à autopromoção e enriquecimento.

Esta modéstia era uma das características mais atraentes de Mandela. Ela poderia ser explicada por suas origens na religião Metodista. Em seus 27 anos preso, ele perdeu o culto dominical apenas uma vez, “Apesar de ser metodista, eu frequentava as cerimônias de cada uma das outras religiões”.

Independente das origens da modéstia de Mandela ou de sua aparente decência, está claro que ele será a face da campanha eleitoral do CNA em 2014. E além da África do Sul, o mito de Mandela continuará sendo um dos pilares da ideologia democrática moderna.

Em sua carreira como advogado, Mandela foi, como ele próprio relata,“de uma visão idealista da lei como uma espada da justiça à percepção da lei como uma arma usada pela classe dominante para moldar a sociedade a seu favor”.

Ele não faz uma crítica similar da democracia. Em seu depoimento de 1964 ao tribunal ele expressou sua “admiração” pela democracia: “Tenho grande respeito pelas instituições políticas britânicas e pelo sistema de justiça do país. Considero o parlamento britânico a instituição mais democrática do mundo e sempre fico admirado com a independência e a imparcialidade do poder judiciário. O congresso americano, a doutrina do país de separação dos poderes, assim como a independência de seu judiciário também me causam sentimentos semelhantes”.

Seja qual for seu caráter como pessoa, o trabalho de sua vida foi a serviço da democracia capitalista. Já o capitalismo, continua utilizando as melhores qualidades de Mandela para o pior fim possível: a preservação de sua ordem social decadente.

Car 13/7/13

Recente e atual: 

  • Nelson Mandela [10]

URL de origem:https://pt.internationalism.org/cci/201401/342/icconline-2014

Ligações
[1] https://es.internationalism.org/node/306 [2] https://es.internationalism.org/node/976 [3] https://www.marxists.org/espanol/serge/represion/index.htm [4] https://fr.internationalism.org/ri321/calomnie_provocation [5] https://es.internationalism.org/cci-online/201405/4022/la-lucha-de-las-organizaciones-revolucionarias-contra-la-provocacion-y-la-cal [6] https://tendanceclaire.org/breve.php?id=655 [7] https://tendanceclaire.org/breve.php?id=2058 [8] https://tendanceclaire.org/breve.php?id=7197 [9] https://pt.internationalism.org/tag/5/41/comunicado-da-cci [10] https://pt.internationalism.org/tag/recente-e-atual/nelson-mandela