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O significado histórico do impasse da economia capitalista

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Relatório (extratos) sobre a situação econômica

A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos perturbou significativamente a ordem econômica global, que se mantinha praticamente unida desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Essa ordem era baseada em instituições que regulavam o comércio e as moedas, e em certa coerência com as orientações dos diversos capitais nacionais. A guinada americana para o protecionismo excessivo e sua rejeição a toda cooperação internacional não só teve um impacto imediato em todos os países centrais do capitalismo, mas, acima de tudo, abriu um período de incerteza. Essa incerteza está ligada ao apagamento brutal, e provavelmente definitivo, de todos os esforços feitos até então pela burguesia internacional para manter a economia capitalista o mais longe possível do caos e do "cada um por si".

Essa política contribui fortemente para o enfraquecimento dos principais equilíbrios globais, particularmente nos níveis econômico e político, com consequências inevitáveis na dinâmica da luta de classes, cuja extensão futura permanece difícil de mensurar hoje.

O marxismo não é uma teoria dogmática que teria fornecido a resposta para tudo há 150 anos. Acima de tudo, é um método que adota uma abordagem fundamental da ciência: verificar constantemente a validade da teoria em relação aos fatos. Analisar a situação com distanciamento, portanto, não significa de forma alguma distanciar-se dos fatos; muito pelo contrário.

A primeira pergunta que devemos nos fazer como marxistas diante dessas convulsões é se nossa estrutura geral de análise das tendências históricas do capitalismo deve ser questionada ou se, ao contrário, os eventos atuais a confirmam. Em seguida, a partir dessa estrutura de análise, devemos considerar qual o impacto da combinação de diferentes fatores — como guerras, crise econômica, desestabilização comercial e mudanças climáticas — sobre o capitalismo, a fim de fornecer à nossa classe a análise mais clara possível dessas convulsões e dos desafios que elas representam para o futuro.

Os extensos trechos do relatório sobre a crise econômica, ratificado pelo nosso 26º Congresso Internacional, em maio de 2025, que publicamos abaixo, demonstram a validade do nosso arcabouço analítico e nos permitem delinear perspectivas históricas. No entanto, o processo nunca para e, em uma situação tão fluida como a que vivemos hoje, cabe mais do que nunca às organizações revolucionárias aprofundar constantemente esse arcabouço. Desde a redação do relatório, os acontecimentos apenas confirmaram ainda mais a perspectiva delineada pelo Congresso.

A implementação aleatória e volátil, mas em última análise brutal, de tarifas pelo governo Trump está levando a uma aceleração até então inimaginável da lógica do "cada um por si" na esfera econômica, à evaporação das "oportunidades" da globalização e a uma desorganização brutal e caótica dos circuitos de produção e logística em todo o mundo, sobretudo ao pressionar cada capital nacional a assumir o controle de setores estratégicos de produção, o que, além disso, não pode escapar da realidade das condições de saturação do mercado global. Essa exacerbação da lógica do "cada um por si" está acentuando seriamente a crise de superprodução.

A crise de superprodução é, portanto, apenas exacerbada pelo peso crescente da desestabilização do comércio global, das políticas protecionistas e, especialmente, da explosão dos gastos militares.

Longe de pôr fim aos conflitos sangrentos e intermináveis que minam o planeta, como Trump constantemente se gaba, os Estados Unidos são os primeiros a colocar lenha na fogueira, como ilustram a situação em Gaza, o conflito com o Irã ou, mais recentemente, sua política agressiva em relação à Venezuela, o que aumenta a pressão da economia de guerra sobre as finanças públicas e a saúde geral do capital. O divórcio histórico entre os Estados Unidos e a Europa se reflete, em particular, na chantagem americana contra outros países da OTAN para que comprem e produzam armas para a Ucrânia e aumentem seus gastos e produção de armas para assumir o controle de sua própria defesa.

Tudo isso ocorre em um contexto em que as burguesias nacionais perdem o controle de seu jogo político, afetando assim sua capacidade de cooperar e tentar regular ao mínimo um mercado global devastado. Nos Estados Unidos, frações da classe dominante estão se dividindo em torno da adoção de políticas. Na Europa, os Estados estão encontrando cada vez mais dificuldade em manter a coerência na defesa do capital nacional e da estabilidade que lhes permitiria identificar direções para o futuro.

Tal panorama só confirma o estado de decadência do capitalismo e o fato de que a esfera econômica – que, por meio de artifícios e contornos das leis fundamentais do sistema, ainda escapou em grande parte dessa decadência – está hoje se tornando não apenas presa dela, mas acima de tudo um acelerador do turbilhão infernal que está arrastando esse sistema para a decomposição.

Então, como podemos continuar hoje a defender a ideia de que o capitalismo ainda é capaz de relançar novos ciclos de acumulação através da destruição do capital provocada pela guerra, como as organizações do meio político proletário continuam a defender? [1] A dívida abismal de todos os Estados capitalistas, as perdas gigantescas ligadas à destruição e à economia de guerra, a desorganização dos mercados e a realidade da superprodução crônica invalidam qualquer ideia da possibilidade de um desenvolvimento eterno do sistema.

Como podemos ainda defender a visão do século XIX de um progresso tecnológico capaz de aumentar a produtividade geral? O progresso tecnológico atual certamente não é comparável ao do período ascendente do capitalismo. Além disso, ele é quase exclusivamente direcionado para a esfera militar, uma tendência que começou no início da decadência. Além disso, os ganhos de produtividade evaporam em superprodução devido à impossibilidade de vender todos os bens produzidos e, portanto, de realizar toda a mais-valia esperada. Portanto, esses ganhos de produtividade são incapazes de contribuir para um "novo ciclo de acumulação", mesmo que certos setores ou um certo número de empresas ainda possam ter um bom desempenho, uma vez que os mercados que poderiam oferecer o escoamento necessário para a realização da mais-valia estão, em escala global, saturados há muito tempo.

Esse raciocínio levanta a seguinte questão: a decadência do modo de produção capitalista, e mais ainda seu período de decomposição, é entendida pela CCI como uma dinâmica inescapável que traçaria um caminho natural para o comunismo? Nada disso! A decomposição traça um caminho para o colapso do sistema capitalista, não para abrir caminho para o comunismo. Ela nos leva para a destruição massiva da humanidade, de seu desenvolvimento e de seu meio ambiente, caso a classe trabalhadora não consiga impor sua perspectiva histórica. E essa perspectiva do comunismo permanecerá sempre o fruto de uma luta de vida ou morte contra o capital.

É por isso que cabe aos revolucionários ter perfeita clareza sobre a responsabilidade histórica do proletariado, que não tem a eternidade diante de si para superar suas dificuldades, para se libertar do peso das ideologias burguesas e pequeno-burguesas e para redescobrir sua identidade como classe revolucionária portadora do único futuro viável e possível para a humanidade: o do comunismo.

Nesse contexto, o objetivo de um relatório de congresso é permitir que a organização se dote de uma estrutura analítica sólida para compreender a situação nos próximos anos. Assim, adotando uma visão de longo prazo, um relatório não pode permanecer preso aos eventos atuais e deve recuar, como era o objetivo deste, em particular por meio de duas questões centrais para compreender os eventos recentes no plano econômico:

  • a crescente interação entre decomposição e crise econômica, que ilustra o turbilhão em que a sociedade burguesa é arrastada do ponto de vista econômico;

  • o caráter cada vez mais implacável do impasse da superprodução.

  1. 1. O crescente turbilhão de interdependências entre a decomposição e a crise econômica

A interdependência entre a crise econômica e as manifestações de decomposição em diferentes níveis se manifesta por meio de uma multiplicidade de fenômenos:

  • Por um lado, a superprodução continuou a abalar a economia global: por exemplo, uma grande crise eclodiu na indústria alemã, particularmente na indústria automobilística. Os problemas econômicos da Alemanha espelham os da UE, enquanto nos Estados Unidos uma bolha especulativa no mercado de ações também estourou.

  • Por outro lado, a interrupção do comércio e da produção globais dobrou em apenas alguns meses. Por exemplo, devido aos ataques dos Houthis, 95% dos navios que deveriam ter atravessado o Mar Vermelho tiveram que ser desviados. Em 2023, uma seca causou atrasos no Canal do Panamá, aumentando o custo das mercadorias e matérias-primas transportadas entre os Estados Unidos e a China, bem como em outras rotas marítimas globais.

  • E há também os estragos causados pela interação entre as mudanças climáticas e uma economia capitalista devastada por mais de 50 anos de crise, que se fazem sentir em todo o mundo. Grandes inundações no Paquistão, os efeitos da seca na Europa e em outros lugares, e as inundações devastadoras em Valência, a terceira maior cidade da Espanha, destruíram ou enfraqueceram as economias locais e regionais. 

  • O aumento do custo de vida, a destruição, os problemas de transporte e a poluição têm, de fato, tido um impacto crescente na economia americana. O impacto dos incêndios de Los Angeles não se limita à destruição de edifícios: "A AccuWeather calculou seu impacto econômico examinando não apenas perdas relacionadas a danos materiais, mas também perdas salariais devido à desaceleração ou paralisação da atividade econômica nas áreas afetadas, reparos de infraestrutura, problemas na cadeia de suprimentos e dificuldades de transporte. Mesmo quando casas e empresas não são destruídas, os moradores podem ficar impossibilitados de trabalhar devido a evacuações; as empresas podem fechar devido à dispersão de seus clientes ou à incapacidade de seus fornecedores de fazer entregas. A inalação de fumaça pode ter consequências para a saúde a curto, médio e longo prazo, que pesam fortemente sobre a atividade econômica geral." 

  • Esses efeitos podem ser ainda mais amplificados pelas ondas de incêndios florestais que assolam a maior parte do ano nos Estados Unidos e no Canadá.

Essa turbulência econômica, imperialista e “natural” está sendo acelerada pelo terremoto político desencadeado pela eleição de Trump. Mesmo antes de ele chegar ao poder, a ameaça de tarifas e de mais quatro anos de caos político era iminente. “A incerteza paira sobre 2025, incluindo o potencial para tensões comerciais e desafios geopolíticos em curso. 

As perspetivas comerciais para 2025 são obscurecidas por potenciais mudanças políticas, incluindo tarifas mais significativas que podem perturbar as cadeias de valor globais e impactar os principais parceiros comerciais. Tais medidas correm o risco de desencadear retaliações e outras repercussões negativas, afetando indústrias e economias ao longo das cadeias de abastecimento. A mera ameaça de tarifas cria imprevisibilidade, enfraquecendo o comércio, o investimento e o crescimento econômico.” [2]

O caos e imprevisibilidade dessa "terra incógnita" abala as três principais potências capitalistas rivais.

  1. 1.1. Os Estados Unidos

A maior economia do mundo continua em declínio. Houve uma recuperação após a pandemia, mas isso se deveu em parte ao enorme pacote de estímulos de Biden, que visava reverter o declínio da indústria americana. Os empregos na indústria, a principal fonte de lucro, caíram 35% desde 1979. Em 2023, havia 12,5 milhões de empregos na indústria, o mesmo número de 1946 (deve-se ter em mente que a população dos EUA mais que dobrou desde então [1946: 141,4 milhões; 2023: 336,4 milhões]).

Para lidar com o crescente impacto da crise econômica, a burguesia americana tem tomado cada vez mais dinheiro emprestado. Os Estados Unidos viram sua relação dívida/PIB aumentar de 32% em 1980 para 123% em 2024. Isso significa que estão retirando trilhões de dólares do restante da economia global para pagar suas dívidas. A cada ano, o governo americano gasta tanto com o pagamento da dívida quanto com a defesa. Em 2023, a diferença entre os gastos e a receita dos EUA era de US$ 1,8 trilhão — quase o dobro do orçamento militar!

A onda de ataques do novo governo contra funcionários públicos federais é, em parte, uma resposta ao seu crescimento descontrolado. A maneira irresponsável e brutal com que estão sendo realizados terá um impacto caótico no capitalismo americano. A interrupção repentina do financiamento público para serviços essenciais, como saúde, arrecadação de impostos, contribuições para a previdência social, pesquisas médicas essenciais, etc., terá consequências cada vez mais prejudiciais para a economia e a sociedade.

A postura de Trump no cenário internacional, marcada pela quebra de regras, gera significativa incerteza e instabilidade na economia global. A imposição de tarifas a todos os concorrentes dos EUA — e a ameaça de outras ainda mais draconianas em caso de retaliação — eleva as tensões não apenas entre Washington e seus rivais, mas também entre estes. Essa política de terra arrasada empurrará o capitalismo ainda mais para a crise: “...as políticas propostas por Trump não conseguem reduzir o défice comercial global. Reduzir o déficit bilateral com a China apenas aumentaria os défices com outros países. Isto é inevitável, dadas as persistentes pressões macroeconômicas. 

Além disso, as suas políticas comerciais discriminatórias, com tarifas de 60% sobre a China e de 10-20% sobre os outros países, estão destinadas a alastrar-se. Trump e os seus aliados descobrirão que as exportações de outros países substituem as da China através de transbordo, montagem noutros países, ou concorrência direta… haverá, sem dúvida, retaliações. Tal propagação de tarifas elevadas nos Estados Unidos e em todo o mundo conduzirá provavelmente a um rápido declínio no comércio e na produção mundial” [3].

Além disso, essa instabilidade econômica será exacerbada pela política de deportação do governo Trump. O Conselho Americano de Imigração declarou que deportar todos os imigrantes indocumentados poderia custar até US$ 315 bilhões e exigiria entre 220.000 e 409.000 novos funcionários públicos e policiais. O Conselho também indicou que deportar um milhão de pessoas por ano custaria US$ 967 bilhões ao longo de 10 anos. O retorno em massa de migrantes, somado à drástica redução das remessas, desestabilizará diversas regiões da América Central e Latina. Essa crise, por sua vez, agravará a instabilidade econômica nos Estados Unidos.

  1. 1.2. China

A China não é mais a "salvadora" da economia global que era depois de 2007: sua super capaciade industrial tornou-se um trem desgovernado que está arrastando a economia global para uma crise cada vez mais profunda: "Simplificando, em muitos setores econômicos cruciais, a China produz muito mais do o mercado interno e externo conseguem absorver de forma sustentável. Como resultado, a economia chinesa corre o risco de cair em um ciclo vicioso de queda de preços, insolvência, fechamento de fábricas e, finalmente, perda de empregos. 

A queda dos lucros forçou os produtores a aumentar ainda mais a produção e os descontos em seus produtos para obter dinheiro para pagar dívidas. Além disso, como as fábricas são forçadas a fechar e as indústrias buscam consolidação, as empresas que sobrevivem não são necessariamente as mais eficientes ou as mais lucrativas. Em vez disso, os sobreviventes são aqueles com melhor acesso a subsídios governamentais e financiamento barato."

Para o Ocidente, o problema do excesso de capacidade produtiva da China representa um desafio de longo prazo que não pode ser resolvido simplesmente pela construção de novas barreiras comerciais. Por um lado, mesmo que os Estados Unidos e a Europa conseguissem limitar significativamente a entrada de produtos chineses em seus mercados, essa medida seria insifuciente. Isso não resolveria as ineficiências estruturais que a China acumulou ao longo de décadas, fruto da priorização de investimentos industriais e metas de produção. Qualquer reformulação do modelo econômico exigiria uma política de Estado persistente, ao longo de anos, para obter êxito. 

Por outro lado, a crescente ênfase de Xi Jinping na autossuficiência econômica da China — uma estratégia que é, em si mesma, uma resposta às supostas tentativas ocidentais de isolar economicamente o país — aumentou, em vez de aliviar, as pressões que levam à superprodução. Além disso, os esforços de Washington para impedir que Pequim inunde os Estados Unidos com produtos baratos em setores-chave provavelmente criarão novas ineficiências na economia americana, ao mesmo tempo em que transferirão o problema da superprodução da China para outros mercados internacionais” [4]. 

A citação acima é uma excelente descrição do impacto da crise de superprodução na China e na economia global.

  1. 1.3. A União Européia (UE)

A Alemanha, o gigante econômico e político europeu, mergulhou em uma crise econômica e política nos últimos dois anos. A instabilidade política da burguesia alemã torna ainda mais difícil a gestão da crise econômica, que se acelerou em 2024. O agravamento dramático da crise de superprodução na Alemanha, com o anúncio de uma onda de demissões e fechamentos de empresas no segundo semestre de 2024, revelou a fragilidade desse gigante industrial diante do agravamento da crise econômica global. A Alemanha foi particularmente afetada pela crise chinesa.

Esse declínio é acelerado pela necessidade do Estado alemão de aumentar seus gastos com defesa e, consequentemente, reduzir seus gastos públicos. A turbulência econômica do capitalismo alemão é fundamentalmente uma expressão dos profundos problemas que a UE enfrenta como um todo: “A UE também se beneficiou de um ambiente global favorável. O comércio mundial floresceu graças às regras multilaterais. A segurança proporcionada pelo guarda-chuva de segurança americano liberou os orçamentos de defesa para outras prioridades.” 

“Em um mundo geopolítico estável, não havia motivos para temer a crescente dependência de países que considerávamos parceiros permanentes. Mas os alicerces sobre os quais construímos nosso país estão agora abalados. O antigo paradigma global está desaparecendo. A era de rápido crescimento do comércio global parece ter acabado, já que as empresas europeias enfrentam tanto o aumento da concorrência internacional quanto o acesso limitado aos mercados estrangeiros. A Europa perdeu abruptamente seu principal fornecedor de energia, a Rússia. Ao mesmo tempo, a estabilidade geopolítica está enfraquecendo e nossas dependências se revelaram vulnerabilidades...”

“A UE está entrando no primeiro período de sua história recente em que o crescimento não será impulsionado pelo crescimento populacional. Até 2040, a força de trabalho deverá diminuir em quase 2 milhões de trabalhadores por ano. Precisaremos depender mais da produtividade para impulsionar o crescimento. Se a UE mantivesse sua taxa média de crescimento da produtividade desde 2015, isso seria suficiente apenas para manter o PIB constante até 2050, mesmo diante de uma série de novas necessidades de investimento que precisarão ser financiadas por um crescimento mais forte.” 

“Para que a Europa consiga digitalizar e descarbonizar sua economia e, ao mesmo tempo, fortalecer sua capacidade de defesa, será necessário elevar a taxa de investimento em aproximadamente 5 pontos percentuais do PIB. Esse patamar equipararia os níveis históricos das décadas de 1960 e 1970. Isto é inédito: em comparação, os investimentos adicionais do Plano Marshall entre 1948 e 1951 representaram cerca de 1 a 2% do PIB por ano” [5]. 

Estima-se que as economias em desenvolvimento da UE, para enfrentar este desafio necessitarão de 750 a 800 mil milhões de euros, particularmente na área de armamentos: um investimento significativo em armamentos de todos os tipos, compensado por uma redução inevitável nas despesas sociais.

Este atoleiro cada vez mais instável, composto por contradições econômicas fundamentais, manifestações de decomposição em vários níveis e tensões imperialistas, bem como pela interdependência de todos esses fatores, está claramente semeando o caos na economia mundial. Soma-se a isso o crescente impacto da barbárie bélica.

O capitalismo russo parece ter resistido ao impacto da guerra e das sanções. Na verdade, essa ilusão se baseia no aumento dos gastos militares, na alta dos preços da energia, no aumento dos investimentos na economia de guerra (a classe capitalista russa só pode investir na Rússia por causa das sanções) e no aumento dos déficits públicos. Como já observado, essa situação mascara a profundidade do enfraquecimento do capitalismo russo causado pela guerra. 

O peso triturador do militarismo é a prova mais flagrante disso. O domínio do militarismo sobre a economia está mergulhando a Rússia de volta na instabilidade da ex-URSS: "Em suma, 40 anos após o reinado de Mikhail Gorbachev, Moscou enfrenta o ressurgimento dos problemas enfrentados por ele e seus antecessores. Os militares dominarão a economia russa nos próximos anos." Um acordo de paz não interromperá as exigências militares do Kremlin: repor estoques, manter a corrida armamentista e reciclar seu exército. O complexo militar-industrial continuará a drenar investimentos, recursos humanos e capacidades do setor civil.

Quanto à burguesia israelense, ela enfrenta uma dinâmica semelhante. As guerras em Gaza, na Cisjordânia e no Líbano tiveram um impacto fenomenal no déficit do Estado israelense. Antes do início da guerra, o Ministério das Finanças projetava um déficit de 1,1% do PIB em 2024; agora, estima-se que seja de 8%. O orçamento de segurança de Israel é o segundo maior do mundo. As guerras tiveram um impacto dramático na atividade econômica no sul e no norte do país. A perda de trabalhadores palestinos em certos setores e o impacto do recrutamento militar obrigatório tiveram consequências adversas. A classificação de crédito do capitalismo israelense despencou pela primeira vez em sua história. 

Tudo isso aumentou sua dependência do apoio dos EUA. A ideia de que Israel e os Estados Unidos realizarão uma limpeza étnica em Gaza e construirão um resort no Mediterrâneo é tão ilusória quanto revoltante. A remoção dos escombros exigiria 100 caminhões trabalhando 24 horas por dia durante 21 anos. Pelo menos 14.000 corpos e 7.500 toneladas de munições não detonadas permanecem sob os escombros.

A barbárie militar, o caos econômico e a ascensão ao poder de facções populistas da burguesia estão criando um nível de instabilidade sem precedentes no sistema capitalista.


  1. 2. A agonia de um mundo dominado pelas relações capitalistas

O colapso do stalinismo em 1989, após um período de crise aberta iniciado nos anos 1960, não significou o fim das contradições do capitalismo. Na época desse colapso, a CCI destacou que essas manifestações de um sistema moribundo não apenas persistiram, como se acumularam e se aprofundaram. Esse processo levou a uma fase de decomposição, que coroa mais de 70 anos de agonia de um modo de produção que a história já condenou.

Quanto à crise do capitalismo de Estado, representado pelo da URSS, a nossa organização destacou então:

  • que o colapso do capitalismo de Estado stalinista demonstrou a incapacidade dessa forma política desubjugar permanentemente as leis do mercado, além de evidenciar a impotência da burguesia mundial diante da crise de superprodução;

  • que a falta de perspectiva gerou, no seio da classe dominante e sobretudo no seu aparelho político, uma tendência crescente à indisciplina e ao "cada um por si";

  • que a falência do stalinismo e, posteriormente, do Terceiro Mundo, anunciou a falência do capitalismo em seus polos mais desenvolvidos.

A CCI também analisou que, no quadro caótico desta nova fase histórica e num mundo capitalista profundamente alterado pelos efeitos da decadência, o desaparecimento dos blocos ofereceu uma oportunidade para manter a rentabilidade do capital e prolongar a sobrevivência do capitalismo graças à "globalização". Isso ocorreu deviso a uma extensão da exploração capitalista e das relações sociais capitalistas aos rincões mais remotos do planeta, até então inacessíveis devido à existência dos blocos imperialistas [6]. Essas mesmas condições permitiram a ascensão da China [7].

No entanto, indicamos que a "globalização" apenas formou um interlúdio, permitindo ao sistema capitalista preservar relativamente a sua economia dos efeitos da decomposição: a piora do estado real da economia, o enfraquecimento da dinâmica da globalização, o enfraquecimento da realização da acumulação ampliada de capital, o peso das despesas militares e o impasse da superprodução destruíram a sustentação das finanças globais baseadas num endividamento colossal.

A crise de 2008, a mais grave desde 1929, marca uma reviravolta na história do naufrágio do modo de produção capitalista em sua crise histórica. Ela confirmou que o sistema capitalista se encontra ainda mais totalmente aprisionado a uma situação em que (devido ao esgotamento dos últimos mercados extracapitalistas) a hegemonia universal das relações de classe capitalistas torna cada vez mais difícil a concretização da acumulação ampliada de capital [8].

Nessas condições de impasse e decomposição da sociedade, os fenômenos já existentes na decadência assumem uma nova qualidade, devido à incapacidade da burguesia de oferecer outra perspectiva que não seja "resistir passo a passo, mas sem esperança de sucesso, ao avanço da crise. É por isso que a atual situação de crise aberta se apresenta em termos radicalmente diferentes da crise anterior do mesmo tipo, a da década de 1930" (Teses sobre a Decomposição).

Após 2008, o encerramento das "oportunidades" da globalização e a incapacidade cada vez mais manifesta de superar sua crise de superprodução resultaram, para a classe dominante, na explosão do "cada um por si" nas relações entre as nações capitalistas, mas também dentro de cada nação. Enquanto isso, os efeitos da decomposição assumiram magnitude poderosamente destrutiva sobre a economia capitalista a partir do início da década de 2020. 

Eles estão se acelerando e retornando para atingir o coração do capitalismo à medida que os efeitos combinados da crise econômica, da guerra e da crise climática interagem e multiplicam seus efeitos, desestabilizando a economia e sua infraestrutura produtiva. "Embora cada um dos fatores que alimentam esse efeito “turbilhão” de decomposição represente, por si só, um sério fator de risco para o colapso dos Estados, seus efeitos combinados excedem imensuravelmente a simples soma de cada um deles tomado isoladamente." Entre os vários fatores do efeito turbilhão, o da guerra constitui um fator de aceleração do agravamento da crise.

  1. 2.1. A decomposição alimenta a corrida precipitada ao militarismo

Esta “mudança histórica”, que traz o retorno da guerra de alta intensidade, gera alguns efeitos:

  • alimenta a onda de choque de conflitos militares na economia global (Ucrânia, Oriente Médio, Mar Vermelho); a perspectiva do surgimento de grandes conflitos (Taiwan) ou conflitos 'regionais' (Índia/Paquistão, Marrocos/Argélia) expõe a economia a perturbações incalculáveis e imprevisíveis; a guerra enfraquece e esgota as economias nacionais (Rússia, Ucrânia, Israel);

  • produziu uma notável unanimidade global entre as diferentes frações de cada burguesia nacional para priorizar gastos militares, uma tendência claramente refletida na evolução da OTAN. Durante o primeiro mandato de Trump, apenas 3 dos 30 membros (apenas um deles europeu, a Grécia) cumpriram a meta de 2% do PIB para defesa. Atualmente, esse número evoluiu a ponto de apenas 8 países (7 europeus) permanecerem abaixo da meta. Além disso, desde a cúpula da OTAN de junho de 2025, está previsto elevar essa meta para 5% do PIB, destinando 3,5% somente para a compra de equipamentos militares.

Para atingir isso, todos os Estados estão comprometidos em fortalecer a economia de guerra, adaptando seu aparato de produção, o que envolve:

  • a reconstituição dos estoques estratégicos — tanto de alimentos quanto militares — exige um esforço massivo para acelerar a produção. Na França, por exemplo, toda a indústria de defesa foi transferida para um regime de três turnos de 8 horas (3x8), o que permitiu reduzir à metade os prazos de produção, como no caso dos canhões César.

  • a busca pela padronização do equipamento militar entre aliados para permitir que a indústria aumente suas capacidades de produção;

  • a realocação para o território nacional das capacidades de produção militar passíveis de transferência (a fabricação de pólvora, no caso da França).

Sendo o poder industrial a base do poder militar, cada capital nacional faz um esforço de reindustrialização que envolve essencialmente:

  • investimentos em setores-chave do poder militar, como robotização, digitalização ou IA. Assim, os EUA empreenderam a repatriação para o seu território da produção de semicondutores de última geração, a fim de garantir o seu monopólio;

  • a integração de outros aspectos que condicionam o crescimento destes setores: a formação de mão de obra qualificada e a adaptação da educação (vítima da redução de custos), a capacidade de produzir eletricidade abundante e barata;

  • manter artificialmente setores estratégicos como a indústria siderúrgica (com excesso de capacidade de 25 a 30% em todo o mundo e até 60% na França) que sobrevivem por meio da intervenção estatal, o que reforça irracionalmente a superprodução.

Mesmo a nível estratégico, porém, a reindustrialização esbarra nas próprias causas da desindustrialização: a rentabilidade insuficiente que levou ao desaparecimento de filiais ou à sua deslocalização; o peso da dívida que disparou desde 2020 e que restringe a margem de manobra de cada capital nacional. Por outro lado, o aumento dos gastos improdutivos, como o militar, está colocando uma forte pressão sobre o capital nacional e gerando inflação.

Além disso, o desenvolvimento geral do "cada um por si" e as tensões de guerra no contexto da rivalidade entre EUA e China:

  • fortalece a competição entre nações e leva a uma reorganização global da produção industrial ao longo dos pontos de tensão imperialistas. A dissociação impossível das economias americana e chinesa deu lugar à "redução de risco" (de-risking) que os Estados Unidos querem impor aos seus aliados. Essa dinâmica é acompanhada pela tendência à cartelização das cadeias de suprimentos de materiais e produções estratégicas — sob o pretexto de "assegurar" a sua segurança— uma estratégia usada como meio de pressão e chantagem para se obter uma posição de força. Isso é particularmente evidente no caso de metais e minerais raros,cujo refino está mais de 50% sob controle chinês, o que dificulta o acesso em larga escala necessário para operar todas as cadeias de valor; o mesmo se aplica às fontes de energia.

  • interrompe o comércio mundial por meio de restrições à exportação e subsídios públicos a indústrias consideradas vitais para a segurança e soberania nacionais (isso afeta 12,7% das importações dos países do G20 e 10% globalmente).

  • está pressionando por um uso maior de tecnologias digitais e manufatura aditiva que permitam às empresas mover a produção para mais perto do ponto de venda, a fim de acelerar o ritmo de reorientação das cadeias de suprimentos, mas também para reduzir a atratividade transferir a produção para a China.

  • modifica e desestabiliza profundamente as condições internas da produção nacional para cada capital nacional. Como resumiu o Ministro da Defesa da França, Lecornu, a respeito da zona cinzenta da guerra híbrida em que as potências estão permanentemente envolvidas: "sem estar em guerra, não é mais possível afirmar que estamos em paz"; "os ataques cibernéticos estão se multiplicando e visando um grande número de empresas, instituições públicas e até mesmo autoridades locais. Os exércitos estão implementando capacidades para identificar, frustrar e resistir a esses ataques dentro do Estado, mas cada líder empresarial, cada gerente administrativo e cada autoridade eleita local também deve proteger sua estrutura contra essa ameaça que afeta a todos.”; "os saltos tecnológicos, a militarização do espaço, a tecnologia digital, a guerra da informação e a exploração das fragilidades econômicas permitem que os concorrentes elaborem e implementem novas ameaças cujos efeitos podem ser extremamente graves. Um dos riscos para a França hoje é ser derrotada sem ter sido invadida.”

  • leva a um aumento geral dos preços (de 2 a 6 vezes superiores) e uma mudança nos parâmetros de precificação; a determinação pelo menor custo deixa de ser o único critério; a isto junta-se o preço da “raridade” e da “segurança”, bem como a capacidade financeira do maior licitante.

  1. 2.2 A decomposição agrava a crise do capitalismo de Estado nos países centrais

Dentre todas as partes centrais do capitalismo, o Estado, garantidor dos interesses do capital nacional, é o ator central da economia: em um ambiente econômico, social e imperialista em profunda transformação, sua intervenção permanece preponderante. No entanto, a gravidade do impasse do capitalismo, bem como as necessidades da construção da economia de guerra, alimentam confrontos dentro de cada burguesia nacional, e isso em um contexto no qual cada capital nacional está profundamente enfraquecido:

- pelo peso das dívidas que restringem severamente a capacidade de investimento dos Estados e que reduzem a margem de manobra de cada capital nacional para apoiar a economia nacional,

- pelo desaparecimento da concertação entre poderes para enfrentar as contradições e as convulsões (previsíveis) do sistema sempre ameaçado pelas crises financeiras.

Diante dos desafios da "soberania nacional" e dos efeitos caóticos da decomposição, em particular suas repercussões na economia, diante da questão da dívida acumulada (superior ou equivalente a várias vezes o PIB), o equilíbrio dos orçamentos dos Estados e da balança de pagamentos (em sua maioria deficitária) assume uma importância crucial para cada capital nacional, com sua resiliência diante de seus rivais, e representa uma nova e fragilidade devido ao agravamento do contexto de decomposição. 

A questão do equilíbrio orçamentário surge enquanto cada economia nacional está cada vez mais presa às contradições inerentes à dificuldade de alcançar a acumulação, enquanto a trapaça com a lei do valor assumiu uma escala historicamente sem precedentes desde a pandemia.

A dívida – ou melhor, sua magnitude – divide as frações burguesas: nos Estados Unidos, para a aprovação do orçamento, Trump exigiu um aumento ilimitado do teto da dívida pública, proposta que acabou sendo rejeitada, mesmo com o apoio de uma parcela dos republicanos. 

Na Alemanha, a questão dos fundos especiais fora do orçamento e a necessidade – defendida por uma parcela da burguesia – de abandonar o "freio da dívida" (consagrado na Constituição), visto como um "freio para o futuro", foram uma das principais causas da implosão da coalizão governamental. Na China, o Partido Comunista está alinhando o setor financeiro, precionando-o a se colocar mais a serviço da economia e a contribuir mais para a riqueza nacional.

A tendência da classe dominante de perder o controle do seu jogo político devido aos efeitos da decomposição sobre a burguesia e a sociedade – e a instabilidade e o caos resultantes – afetam a coerência, a visão de longo prazo e a continuidade da defesa dos interesses globais do capital nacional:

  • A crise política na França está impedindo a adoção de um orçamento; as divisões entre facções burguesas na Alemanha estão afetando a capacidade da UE de se preparar para as consequências econômicas da chegada de Trump ao poder.

  • A ascensão ao poder de frações populistas irresponsáveis ​​(com programas irrealistas para o capital nacional) enfraquece a economia e as disposições impostas pelo capitalismo desde 1945 para impedir o contágio descontrolado da crise econômica. Trump chega ao poder com um projeto diametralmente oposto à política anteriormente adotada pelo Estado americano, adotando uma agenda que aposta na promoção das criptomoedas e na desregulamentação financeira a todo custo.

A camarilha em torno de Trump quer trazer esses projetos de criptomoedas para os Estados Unidos e fazer dos ativos digitais e outras inovações um instrumento crucial para "tornar a América mais poderosa do que nunca". As criptomoedas são essencialmente produtos especulativos, e Trump as vê como uma nova fonte de renda. Muitas delas têm lastro nas principais ações de tecnologia dos Estados Unidos ou no próprio dólar e são negociadas em bolsa por meio de instrumentos como os ETFs. Quando usadas como meio de pagamento alternativo, entram em concorrência direta com as moedas emitidas e garantidas pelos bancos centrais, contribuindo para enfraquecê-las.

Por sua natureza volátil — já que sua estabilidade depende da empresa emissora, e não de um banco central —, e por operarem fora do sistema bancário, sem mecanismos de supervisão eficazes, o uso amplo das criptomoedas tende a comprometer a estabilidade financeira do capitalismo e a reduzir o controle dos Estados sobre a taxa de câmbio e a oferta de moeda.

A ascensão de Trump ao poder e suas políticas econômicas agressivas são outro fator que divide e desestabiliza cada burguesia em relação à política e à forma de lidar com ela (veja as tensões com o Canadá e a renúncia de Trudeau, além das divisões dentro da UE). E as medidas propostas pelo populismo só aumentam o caos e a incerteza.

De modo mais geral, a tendência a perder de vista os interesses coletivos do capital se confirma diante das profundas divisões dentro da classe dominante sobre a gestão da crise econômica. A burguesia aparece fragmentada por conflitos que ultrapassam as simples relações de concorrência: suas frações lutam por sobrevivência diante dos dilemas e contradições insolúveis enfrentados por cada capital nacional, em que qualquer escolha implica a criação de novos perdedores.

Esses conflitos alimentam uma tendência cada vez mais evidente de dominação do Estado por clãs e panelinhas movidos, sobretudo, pela defesa de seus próprios interesses. A obsessão em preservar posições leva à marginalização sistemática de qualquer rival potencial: os órgãos decisórios são povoados por partidários fiéis e, nesse processo, os próprios princípios de funcionamento do Estado — como a separação dos poderes, a independência do Judiciário e o respeito aos resultados eleitorais — passam a ser abertamente questionados.

Essa tendência se acentua com a ascensão do populismo ao poder. Foi o caso de Trump, que chegou à Casa Branca com uma equipe de quatro mil seguidores escolhidos para realizar uma “limpeza profunda” do chamado deep state. A gestão estatal adquire, então, um caráter nitidamente oligárquico: gigantes da tecnologia, como Musk e Zuckerberg, financiam e apoiam o governo com o declarado propósito de colher vantagens diretas dessa aliança.

Em última análise, esse processo só pode resultar em incompetência, desperdício e enfraquecimento do senso de responsabilidade, conduzindo ao declínio da eficiência e da eficácia econômica. A isso se somam os inevitáveis conflitos e convulsões gerados pelo desejo de manter o poder a qualquer custo — inclusive por meio da violência e de golpes —, o que acaba por fragilizar o próprio capital nacional. Exemplos eloquentes dessa dinâmica são o chamado de Trump para a marcha sobre o Capitólio ao fim de seu primeiro mandato, a tentativa de golpe de Bolsonaro no Brasil e a do presidente Yoon Suk-yeol na Coreia do Sul, em dezembro de 2024.

“Se o capitalismo de Estado ocidental conseguiu sobreviver ao seu rival stalinista, é porque um organismo com uma constituição mais sólida resiste à mesma doença por mais tempo. (...) o capitalismo hoje apresenta tendências semelhantes às que causaram a queda do capitalismo de Estado stalinista. No caso do capitalismo de Estado chinês — marcado pelo atraso stalinista, pela hibridização de sua economia com o setor privado e por inúmeras tensões no seio da classe dominante —, o enrijecimento do aparato estatal constitui um sinal de fraqueza e indícios de instabilidade futura.”

  1. 2.3. O impasse da superprodução está se tornando cada vez mais implacável

"O quadro apresentado pelo sistema capitalista confirma as previsões de Rosa Luxemburgo: o capitalismo não experimentará um colapso puramente econômico, mas mergulhará no caos e nas convulsões:

- a quase completa ausência de mercados extracapitalistas modifica agora as condições em que os principais Estados capitalistas devem realizar a acumulação ampliada: cada vez mais, isso só pode ocorrer, como condição para sua própria sobrevivência, em detrimento direto de rivais do mesmo nível, enfraquecendo suas economias. A previsão feita na década de 1970 pela CCI — de um mundo capitalista que só poderia sobreviver reduzindo-se a um pequeno número de potências ainda capazes de realizar um mínimo de acumulação — está se tornando cada vez mais realidade.”

- Expressão desse impasse — em especial devido ao peso crescente das despesas militares improdutivas—, a inflação continuará sendo um fator permanente de perturbação da estabilidade da economia.

- por estas razões, todo o sistema capitalista permanece altamente exposto à ocorrência de crises financeiras de grande magnitude; bem como à desestabilização das moedas.

O grau de impasse da superprodução, aliado à anarquia inerente à produção capitalista, bem como as repercussões dos conflitos imperialistas e a crescente destruição dos ecossistemas, estão desestabilizando profundamente a produção capitalista e expondo cada vez mais a sociedade à probabilidade de escassez e rupturas nas cadeias de suprimentos. Tudo isso produzirá consequências sociais e econômicas incalculáveis, devido à ocorrência de choques que ameaçam a própria sustentação do processo produtivo. 

Além disso, começa a tornar-se evidente – como já ocorre com certos produtos básicos em certas áreas, como os da agricultura, dos fármacos e de outros segmentos produtivos – que o aprofundamento na decomposição do capitalismo leva à paralisação da produção de certas commodities, cuja rentabilidade já não é suficiente para justificar a continuidade da produção. Assim, a superprodução e a dificuldade de acumulação que ela induz levam, paradoxalmente, à escassez.

A superprodução também se expressa na grave crise do setor agrícola, que deu origem a revoltas camponesas em nível global, inclusive nos países centrais. Essa crise se aprofunda com o aumento dos custos de energia e insumos e, na Europa, agrava-se ainda mais pelo declínio histórico da produção devido ao clima e pelo aumento histórico de zoonozes, que levam ao abate em massa de rebanhos. Diante disso, muitas fazendas estão condenadas ao desaparecimento: na França, por exemplo, estima-se que até 2050 sejam perdidos 84 mil empregos equivalentes a tempo integral e desapareçam cerca de 200 mil propriedades rurais — ou seja, metade das existentes hoje.

Em resposta, os Estados — especialmente no âmbito da União Europeia — vêm pressionando por uma maior industrialização da produção animal e vegetal, acompanhada do abandono progressivo de qualquer meta de “esverdeamento”. Essa intensificação do produtivismo agrícola, na qual todo o capitalismo global está imerso — e que constitui uma das principais causas da destruição ambiental —, cria condições favoráveis ao surgimento de novas zoonoses, como a atualmente incubada em território americano, que poderia, potencialmente, ter consequências semelhantes às da gripe espanhola de 1918.

Por fim, a introdução da IA no capitalismo de produção busca impulsionar o crescimento do PIB global e reverter a tendência de queda geral da produtividade do trabalho observada nas últimas duas décadas. Segundo estimativas, “a automação afetará uma parcela crescente da força de trabalho. Nas últimas duas décadas, substituiu principalmente ocupações de qualificação média, como operadores de máquinas, metalúrgicos e trabalhadores de escritório. Agora, passará a atingir profissões de alta renda — médicos, advogados, engenheiros e professores universitários. Embora novos empregos surjam, haverá um descompasso entre os que desaparecem e os que são criados, prolongando o desemprego para muitos trabalhadores” [9]. Outro estudo prevê que “a automação pode eliminar 9% dos empregos existentes e transformar radicalmente cerca de um terço deles nos próximos 15 a 20 anos” [10], o que poderia significar a extinção de até 40% das horas trabalhadas nos países centrais.

Essa chamada “quarta revolução industrial” representa, portanto, mais uma tentativa de escapar temporariamente das contradições da superprodução. No entanto, ao reduzir as dimensões do mercado solvente, enquanto o aumento da composição orgânica do capital exige uma acumulação cada vez mais ampla, a IA tende apenas a aprofundar esse impasse estrutural.

Além disso, a ascensão da IA, cuja infraestrutura exige grandes volumes de água para resfriamento — muitas vezes em regiões áridas — e um consumo crescente de eletricidade (que deverá ser dez vezes maior nos Estados Unidos até 2026), acarreta graves repercussões ambientais. O avanço da IA impulsiona o uso de combustíveis fósseis, como demonstram os Estados Unidos, que planejam ampliar em 18% a perfuração de poços, e a China, ainda fortemente dependente do carvão. Estima-se, inclusive, que o uso intensivo de IA possa provocar escassez hídrica em determinadas regiões norte-americanas.

A economia capitalista, portanto, está cada vez mais marcada pela incerteza, pela desestabilização e pelo caos, pela fragilidade estrutural do sistema e pelo aumento contínuo de suas crises. O desaparecimento da coordenação internacional para enfrentar esses problemas, junto com a tendência dos Estados à autossuficiência nacional, evidencia a incapacidade do capitalismo de gerar novas “locomotivas” capazes de reanimar a economia global — um papel que, no passado, foi desempenhado pelos Estados Unidos na década de 1980 e pela China após 2008.

Diante do enfraquecimento geral do sistema, todos os Estados capitalistas se veem imersos em crise. A escassez de mercados extracapitalistas suficientes altera as condições em que os principais países realizam a acumulação expandida: cada vez mais, essa acumulação só é possível, como condição de sobrevivência, à custa da diminuição relativa da capacidade econômica de rivais do mesmo nível, enfraquecendo ainda mais suas próprias economias.

CCI


[1] A Tendência Comunista Internacional, por exemplo: Refinando o conceito de decadência

[2] Comércio e Desenvolvimento da ONU

[3] Por que a guerra comercial de Trump causará caos. 19/11/2024

[4] A crise económica real da China

[5] O futuro da competitividade europeia. A UE, setembro de 2024

[6] Ver “Esta crise tornar-se-á a mais grave de todo o período de decadência”, International Review 172, 2024, pp. 43-44.

[7] Ibidem, págs. 45-46.

[8] Ibidem, págs. 45-46.

[9] “O mundo em 2040 visto pela CIA” , p102



 



 

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