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Outubro de 17, o começo da revolução mundial: As massas operárias tomam seu destino em suas próprias mãos (Brochura da CCI)

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Outubro de 17, o começo da revolução mundial: As massas operárias tomam seu destino em suas próprias mãos (Brochura da CCI) - Introdução

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A revolução na Rússia continua sendo até agora a ação mais grandiosa das massas exploradas para tentar destruir um sistema que as reduz a meras bestas de carga da máquina econômica e carne de canhão nas guerras entre potências imperialistas. Foi a ponta de lança de uma onda revolucionária mundial que se desenvolveu em reação contra a barbárie da Primeira Guerra mundial. Para fazerem-se donos de seu próprio destino e começarem a construção de outra sociedade, uma sociedade comunista, sem exploração, sem miséria, sem guerras, sem classes, sem nações, milhões de proletários conseguiram romper com sua atomização, unir-se conscientemente, dar-se meios para atuar coletivamente como uma só e única força. Pela Primeira vez em sua história, o proletariado conseguiu tomar o poder político em um país.

Unindo contra a Revolução todas as forças que estavam se enfrentando na Primeira Guerra mundial, a burguesia conseguiu vencê-la antes que se generalizasse a revolução mundial, esmagando, em particular, a classe operária na Alemanha, coração do proletariado industrial mundial. Foi a burguesia a que, ao afogar a Revolução russa com o bloqueio de suas fronteiras, precipitou a degeneração e a perda progressiva do poder político da classe operária. Assim favoreceu objetivamente a vitória na Rússia do stalinismo, braço armado da contra-revolução nesse país em que se impôs mediante a repressão sistemática e maciça da classe operária, mediante a eliminação no próprio Partido bolchevique das maiores figura de Outubro de 1917.

Esse primeiro intento revolucionário mundial é para a classe operária uma fonte considerável de ensinamentos, um patrimônio inestimável para a preparação dos próximos enfrentamentos revolucionários [1].

Nada pode encolerizar mais uma classe exploradora que a sublevação dos explorados. As revoltas dos escravos no Império romano, a dos servos sob o feudalismo sempre foram reprimidas com uma crueldade desumana. A revolta da classe operária contra o capitalismo é uma ofensa ainda maior contra a classe dominante, ao escrever claramente em sua bandeira a perspectiva de uma nova sociedade, uma sociedade autenticamente comunista que liberará a humanidade das calamidades de todas as sociedades de classes da história até o capitalismo. É por isso que, para a classe capitalista, não basta só reprimir as tentativas revolucionários da classe operária, banhando-as em seu sangue; a contra-revolução capitalista é sem sombra de dúvidas a mais sangrenta da história, mas necessita ir além transfigurando o seu inimigo para desprestigiá-lo.

Por isso a burguesia, além de seu arsenal repressivo, utilizou seu arsenal ideológico para pôr em cena e manter a maior mentira da história, afirmando que o stalinismo seria a continuidade do regime político nascido na Revolução de 1917 na Rússia. De igual modo, outra mentira afirma que todos os países dominados pela URSS teriam sido também "regimes comunistas". Todas as frações da burguesia, dos PC até a extrema-direita passando pelos social-democratas (sem esquecer a corrente trotskista desde que passou para o lado da burguesia ao trair o internacionalismo proletário durante a Segunda guerra mundial) contribuíram para essa mistificação desde finais dos anos 1920. As ensurdecedoras campanhas democráticas que se desencadearam com a derrocada dos regimes stalinistas a princípios dos anos 1990 arrastaram o movimento operário pelas ruas da amargura, seus momentos gloriosos (outubro de 1917), suas organizações revolucionárias (o Partido bolchevique) e suas figuras (Marx, Lênin) reativando essa mentira com o objetivo parcialmente obtido de debilitar a consciência da classe operária.

Entretanto, a burguesia não conseguiu erradicar a consciência de classe do proletariado. De novo, sob os efeitos do desmoronamento na crise econômica e dos ataques contra a classe operária, diante das manifestações cada vez mais evidentes da quebra do capitalismo, saem de novo à luz, tentativas de reatar com o passado revolucionário de sua classe por parte de algumas minorias. As mentiras mais sórdidas da burguesia sobre a Revolução Russa serão incapazes de resistir a suas perguntas e a sua busca de verdade. Por isso não vamos insistir especialmente neste folheto em pôr de relevo que o stalinismo, não foi, nem muito menos, a continuidade do movimento revolucionário, mas sim seu principal verdugo [2].

Com a esta seleção de artigos já publicados em nossa Revista internacional, queremos responder a certas perguntas ou dúvidas que regularmente se expressam assim que se evoca a Revolução de Outubro:

  • Foi a insurreição de Outubro um golpe do Partido bolchevique ou a emanação da vontade dos sovietes?
  • O proletariado acompanhou cegamente o Partido bolchevique para Revolução de Outubro ou Outubro foi o resultado de um autêntico movimento da classe operária?
  • Como se explica a influência crescente do Partido bolchevique nas fileiras operárias? Equivocados e mistificados pelo Partido bolchevique, teriam os operários abandonado progressivamente suas responsabilidades para deixá-las em mãos daquele? Ou, essa vanguarda da classe defendia realmente os interesses imediatos e históricos desta, contra as posições dos demais partidos (incluídos os partidos pretensamente "operários") a favor da defesa do capital nacional e da guerra?
  • Teria sido possível que o proletariado, depois de ter abandonado o poder a um partido burguês em fevereiro de 1917, tivesse conseguido, sem partido, tomar o poder em outubro?
  • Como explicar a degeneração da Revolução Russa? Estava já escrita de antemão no programa do Partido bolchevique, que conteria já, de forma subjacente, o projeto stalinista? Ou, deveu-se ao isolamento internacional do bastão proletário?

[1] Leia-se nosso folheto a Rússia 1917, princípios da revolução mundial - A maior experiência revolucionária da classe operária.

[2] Recomendamos aos leitores interessados os folhetos O terror stalinista: um crime do capitalismo, não do comunismo e O afundamento do stalinismo, assim como também nosso manifesto Revolução comunista ou destruição da humanidade.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Revolução russa alemã [3]

A revolução proletária de outubro de 1917 é produto da ação consciente e massiva dos trabalhadores

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Em 1914 os senhores "bons funcionários" de governantes, reis, políticos, militares, como expressões e agentes de um sistema social que entrava na sua época de decadência, levaram o mundo ao cataclismo da Primeira Guerra Mundial: mais de 20 milhões de mortos, destruições jamais vistas até então, desabastecimento, penúria e fome na retaguarda; morte, selvageria da disciplina militar, sofrimentos sem limites no front; toda Europa se viu inundada no caos, na barbárie, na aniquilação de indústrias, edifícios, monumentos...O proletariado internacional, depois de ter se deixado arrastar pelos venenos patrióticos e as falácias democráticas dos governos, avalizados pela traição da maioria dos partidos social-democratas e dos sindicatos, começou a reagir contra a barbárie guerreira desde finais de 1915. Greves, revoltas contra a fome, manifestações contra a guerra, explodem na Rússia, Alemanha, Áustria, etc. E no front, sobretudo nos exércitos russo e alemão, surgem motins, deserções coletivas, confraternização entre soldados de ambos os lados. À cabeça do movimento estão os internacionalistas, os bolcheviques, os espartaquistas, toda esquerda da Segunda Internacional que desde a explosão da guerra em agosto de 1914, a denunciam sem vacilar como uma rapina imperialista, como uma manifestação da débâcle do capitalismo mundial, como o sinal para que o proletariado cumpra sua missão histórica: a revolução socialista internacional.

 

Herança da Esquerda comunista: 

  • Herança da Esquerda comunista [2]

O desenvolvimento do movimento, de fevereiro a outubro de 1917

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À vanguarda deste movimento internacional que acabará com a guerra e abrirá a possibilidade da revolução mundial, os operários russos desde finais de 1915 protagonizam greves econômicas que são duramente reprimidas. No entanto, o movimento cresce: o 9 de janeiro de 1916 - aniversário do início da Revolução de 1905 - é comemorado pelos trabalhadores com greves massivas. Novas greves estouram ao longo do ano acompanhadas por comícios, discussões, reivindicações, choques com a polícia.

A revolução russa, ponta de lança do movimento internacional do proletariado contra a guerra mundial

"No fim de 1916, os preços estão subindo vertiginosamente. À inflação e a desorganização dos transportes se acrescenta uma enorme escassez de mercadorias. O consumo da população se reduz neste período a menos da metade. A curva do movimento operário ascende bruscamente. Em outubro, a luta entra numa fase decisiva, unindo todas as formas de descontentamento numa só. Petrogrado tomava impulso para o grande salto de fevereiro. Uma onda de comícios recobre as fábricas. Temas: abastecimento, carestia de vida, a guerra, o governo. Panfletos bolcheviques são distribuídos; começam greves políticas. Manifestações improvisadas nos portões das fábricas. São observados casos de fraternização entre certas fábricas e os soldados. Estoura uma tulmutuosa greve de protesto contra o processo dos marinheiros revolucionários da Frota do Báltico. (...) os operários sentem cada vez mais que não há mais retirada possível. Em cada fábrica, um núcleo ativo estava se formando, geralmente em torno dos bolcheviques. Durante as duas primeiras semanas de fevereiro, as greves e comícios se sucediam ininterruptamente. No dia 8, na fábrica Putilov, os policiais foram recebidos por uma "chuva de escórias e ferro-velho". (...) No dia 19, uma massa de pessoas se reúne perto dos armazéns de provisões, formada principalmente por mulheres, exigindo pão. No dia seguinte, padarias foram saqueadas em várias partes da cidade. Eram os alvores da revolução, que chegaria alguns dias mais tarde." [1]

Um movimento de massas

Acabamos de ver as etapas sucessivas de um processo social que hoje muitos operários consideram utópico: a transformação dos trabalhadores de uma massa atomizada, apática, dividida, em uma classe unida que atua como um só homem e se volta capaz de lançar ao combate revolucionário, como demonstram os 5 dias que vão de 22 a 27 de fevereiro de 1917.

"No dia seguinte, o movimento não apenas não diminuiu, mas dobrou. Cerca de metade dos trabalhadores industriais de Petrogrado estavam em greve de manhã; ao invés de irem trabalhar, eles organizaram reuniões; então iniciaram cortejos rumo ao centro. Novos bairros e novos grupos da população foram atraídos pelo movimento. A palavra de ordem "Pão!" desaparece ou se obscurece por outras fórmulas: "Abaixo a autocracia!", "Abaixo a guerra". Contínuas manifestações na Nevsky (Principal avenida da cidade - N.E) (...) Em 23 de fevereiro, sob a bandeira do "Dia da Mulher", começa a revolta, há muito madura e há muito negada, das massas operárias de Petrogrado. O primeiro passo da insurreição foi a greve. No curso de três dias, ela se ampliou e se tornou praticamente geral. Apenas isso dá confiança às massas e leva-as adiante. Tornando-se cada vez mais agressiva, a greve se uniu às manifestações, que põem as massas revolucionárias face a face com as tropas. (...) as massas não mais retrocederiam, elas resistirão com um brilhante otimismo, ficavam nas ruas mesmo após descargas mortais (...) "Não atire em seus irmãos e irmãs!", gritam os operários. E não apenas isso: "Marchem conosco!". Assim nas ruas e praças, pelas pontes e portas dos quartéis, é travada uma luta ininterrupta, ora dramática ora imperceptível - mas sempre uma luta desesperada, pelo coração do soldado. (...) Os operários não iriam se render ou se retirar; sob uma chuva de balas eles ainda mantinham sua posição. E com eles iam suas companheiras, esposas, mães, irmãs. Chegara a hora de que tanto se falava em voz baixa: "Se todos pudéssemos nos unir"..." [2] .

As classes dirigentes não podem acreditar, pensam que se trata de uma revolta que desaparecerá com um bom castigo. O fracasso estrondoso das ações terroristas de pequenos corpos da elite comandados por coronéis da gendarmaria evidencia as firmes raízes do movimento: " "A revolução parece indefesa a estes coronéis verbalmente audaciosos, porque ainda é terrivelmente caótica (...) É suficiente, pode-se pensar, levantar uma espada sobre todo esse caos, e ele se dispersaria sem deixar rastro. Mas isso é uma grosseira ilusão de ótica. O caos é apenas aparente. Debaixo dele está se processando uma irresistível cristalização das massas em torno de novos eixos. ..." [3]

Uma vez rompidas as primeiras cadeias, os operários não querem retroceder e para caminhar sobre terra firme retomam a experiência de 1905 criando os Sovietes, organizações unitárias do conjunto da classe em luta. No entanto, os Sovietes são imediatamente dominados pelos partidos menchevique e social-revolucionário, antigos partidos operários que passaram ao campo burguês por sua participação na guerra, e permitem formar um Governo provisório onde estão os "grandes personagens" de sempre: Miliukov, Rodzianov, Kerenski...

A primeira obsessão desse governo é convencer os operários de que devem "voltar a normalidade", "abandonar os sonhos" e transformar-se na massa submissa, passiva, atomizada, que a burguesia necessita para manter seus negócios e continuar a guerra. Os operários não engolem. Querem viver e desenvolver a nova política: a que exercem eles mesmos, unindo em um laço inseparável a luta por seus interesses imediatos com a luta pelos interesses gerais do conjunto da humanidade. Assim, frente à insistência dos burgueses e social-traidores de que "o que toca é trabalhar e não reivindicar, porque agora temos liberdade política", os operários reivindicam a jornada de 8 horas para terem "liberdade" para se reunirem, discutir, ler, estar com os seus: "... uma onda de greves recomeçou depois da queda do absolutismo. Em cada fábrica ou oficina, sem esperar os acordos firmados nas alturas, se apresentaram reivindicações sobre os salários e a jornada de trabalho. Os conflitos se agravaram dia a dia e se complicavam em uma atmosfera de luta" [4].

Em 18 de abril, Miliukov, ministro liberal do partido kadete do governo provisório, publica uma nota reafirmando o compromisso da Rússia com os aliados na continuação da guerra imperialista, a qual é uma verdadeira provocação. Os operários e os soldados respondem imediatamente: surgem manifestações espontâneas, são realizadas assembléias massivas nos bairros, nos regimentos, nas fábricas: "A comoção que inundava a cidade, contudo, não descia de nível. Multidões se reuniam, comícios continuavam, discutia-se nas esquinas, as pessoas nos bondes se dividiam em partidários e adversários de Miliukov. (...) Também em Moscou os operários abandonaram as oficinas e os soldados saíram dos quartéis, enchendo as ruas com protestos tempestuosos." [5]

Em 20 de abril uma gigantesca manifestação força a demissão de Miliukov. A burguesia deve retroceder em seus planos de guerra. Maio registra uma frenética atividade de organização. Há menos manifestações e menos greves, porém isso não expressa um refluxo do movimento, mas ao contrário, manifesta seu avanço e desenvolvimento, porque os operários se dedicam a um aspecto de seu combate até então pouco desenvolvido: sua organização massiva. Os Sovietes se estendem aos recantos, mesmo os mais recônditos da Rússia, ao seu redor aparece uma multidão de órgãos de massa: Comitês de fábrica, Comitês de camponeses, Sovietes de bairro, Comitês de soldados. Através deles as massas se agrupam, discutem, pensam, decidem. Debaixo de seu cálido alento se despertam os grupos de trabalhadores mais atrasados: "... A servidão, tratada antes como bestas ao que quase não pagavam nada, adquiriu noção de sua própria dignidade. Um par de sapatos custava mais de 100 rublos e como o salário médio não passava de 35 ao mês, as criadas se negavam a estar nas filas e gastar o calçado. (...) Até os cocheiros tinham seu sindicato e seu representante no Soviete de Petrogrado. Os criados e camareiros se organizaram e renunciaram as gorjetas" [6].

Os operários e soldados começam a se cansar das eternas promessas do Governo provisório e do apoio que lhe dão os socialistas mencheviques e socialista revolucionário. Comprovam como crescem as filas, o desemprego, a fome. Vêem que diante da guerra e a questão camponesa, os de cima só oferecem discursos brilhantes. Estão se fartando da política burguesa e começam a vislumbrar as últimas conseqüências de sua própria política: a reivindicação de "Todo o poder para os sovietes!" se transforma na aspiração de amplas massas operárias [7].

Junho é um mês de intensa agitação política que culmina com as manifestações armadas dos operários e soldados de Petrogrado de 4 à 5 de julho: "... As fábricas se moveram para a linha de frente. Além disso, foram arrastadas para o movimento as fábricas que ontem ficaram de lado. Onde os líderes hesitavam ou resistiam, jovens operários obrigavam os membros em serviço do comitê de fábrica a tocar o apito como um sinal para parar o trabalho. (...) Todas as fábricas paravam e faziam comícios. Elegiam líderes para a manifestação e delegados para apresentar suas demandas (...) De Kronstadt, de New Peterhoff, de Krasnoe Selo, do forte de Krasnaia Gorka, de todos os centros próximos, por terra e mar, soldados e marinheiros marchavam com música, armas e, pior ainda, com cartazes bolcheviques. ..." [8].

No entanto, as jornadas de Julho se acabam com um amargo fracasso para os trabalhadores. A situação não está ainda madura para a tomada do poder, pois os soldados não se solidarizaram de maneira plena com os operários; os camponeses estão cheios de ilusões a respeito dos Social-revolucionários e o próprio movimento nas províncias está atrasado comparativamente à capital.

Nos dois meses posteriores -agosto e setembro-, aguçados pela amargura da derrota e forçados pela violência da repressão burguesa, os operários vão resolver praticamente estes obstáculos, não através de um plano de ação preconcebido senão como produto de um oceano de iniciativas, de combates, de discussões nos Sovietes, etc., que vão materializando a tomada de consciência do movimento. Assim, a ação dos operários e soldados acaba se fundindo plenamente: "... Aparece um fenômeno de osmose, especialmente em Petrogrado. Quando a agitação se apropria do bairro operário de Vyborg, os regimentos aquartelados na capital entram em efervescência e vice-versa. Os operários e os soldados se habituam a sair à rua para manifestar ali seus sentimentos. A rua lhes pertence. Nenhuma força, nenhum poder, pode nesses momentos, lhes proibir de agitar suas reivindicações ou cantar a pleno pulmão hinos revolucionários" [9].

Depois da derrota de julho, a burguesia acredita que, por fim, pode acabar com o pesadelo. Para ele, se repartindo o trabalho entre o bloco "democrático" de Kerenski e o bloco abertamente reacionário de Kornilov -generalíssimo dos exércitos-, organiza o golpe militar deste último, que reúne os regimentos de soldados, caucásicos etc., que ainda parecem ser fiéis ao poder burguês e tenta lançá-los contra Petrogrado.

Porém a intentona fracassa estrepitosamente. A reação massiva dos operários e dos soldados, sua firme organização em um Comitê de defesa da Revolução -que sob controle do Soviete de Petrogrado se transformará no Comitê militar revolucionário, órgão da insurreição de Outubro- fazem que as tropas de Kornilov ou bem fiquem imobilizadas e se rendam, ou bem, o que sucede na maioria dos casos, desertem e se unam aos operários e soldados.

"A conspiração foi conduzida por círculos que não sabiam fazer nada sem as baixas fileiras, sem a força de trabalho, sem a carne para canhão, sem ordenanças, servos, notários, condutores, mensageiros, cozinheiros, lavadeiras, guarda-chaves, telegrafistas, cocheiros etc. Mas todos estes pequenos elos e raios humanos, imperceptíveis, incontáveis, necessários, estavam com o Soviete contra Kornilov (...) O ideal da educação militar é que o soldado deve agir fora das vistas do oficial como se estivesse sob seus olhos. Mas os soldados e marinheiros russos de 1917, sem cumprir as ordens oficiais nem mesmo ante os olhos dos comandantes, apanhavam avidamente no ar as ordens da revolução, e frequentemente as cumpriam por iniciativa própria antes que elas chegassem. (...)

Não espanta que as massas dirigidas pelos bolcheviques na luta contra Kornilov nem por um momento confiassem em Kerensky. Para elas não era um caso de defender o Governo, mas de defender a revolução. Para isto, tanto mais era resoluta e devotada a sua luta. A resistência aos rebeldes brotava dos próprios trilhos, das pedras, do ar. Os ferroviários da estação de Luga, onde chegara Krymov, obstinadamente se recusaram a mover os trens das tropas, aludindo a falta de locomotivas. Os escalões cossacos se viram também imediatamente cercados pelos soldados armados da guarnição de Luga, vinte mil homens. Não houve confronto militar, mas algo muito mais perigoso: contatos, troca social, interpenetração. [10]

Um movimento consciente

Os burgueses concebem as revoluções operárias como um ato de demência coletiva, um caos horrível que acaba pavorosamente. A ideologia burguesa não pode admitir que os explorados possam atuar por sua própria conta. Ação coletiva e solidária, ação consciente da maioria trabalhadora, são noções que o pensamento burguês considera uma utopia antinatural (o "natural" para a burguesia é a guerra de todos contra todos e a manipulação pelas elites das grandes massas humanas).

"...em todas as revoluções passadas, quem lutava nas barricadas eram os trabalhadores, aprendizes, em parte estudantes, e os soldados tomavam seu partido. Mas depois a sólida burguesia, tendo assistido cautelosamente as barricadas de suas janelas, recolhia o poder. Mas a Revolução de Fevereiro de 1917 se distinguiu das antigas revoluções pelo seu caráter social e nível político incomparavelmente maiores da classe revolucionária, pela desconfiança hostil dos insurretos pela burguesia liberal, e a conseqüente formação, no momento mesmo da vitória, de um novo órgão de poder revolucionário, o soviete, baseado na força armada das massas." [11]

Esta natureza totalmente nova da Revolução de Outubro corresponde ao ser mesmo do proletariado, classe explorada e revolucionária de vez, que só pode libertar-se se for capaz de atuar de maneira coletiva e consciente.

A Revolução Russa não é o simples produto passivo de umas condições objetivas excepcionais. É também o produto de uma tomada de consciência coletiva. Sob a forma de lições, de reflexões, de consignas, de recordações, podemos ver nela a impressão das experiências do proletariado, da Comuna de Paris de 1871, da revolução de 1905, das batalhas da Liga dos comunistas, da Primeira e Segunda Internacional, da Esquerda de Zimmerwald, dos bolcheviques. A revolução russa é sem dúvida uma resposta à guerra, a fome e a barbárie agonizante do czarismo, porém é uma resposta consciente, guiada pela continuidade histórica e mundial do movimento proletário.

Isto se manifesta concretamente na enorme experiência dos operários russos que haviam vivido as grandes lutas de 1898, 1902, a Revolução de 1905 e as batalhas de 1912-14, de vez que haviam feito surgir de suas entranhas o partido bolchevique, na ala esquerda da Segunda Internacional. "...Em outras palavras era preciso não contar com as massas no abstrato, mas com as massas operárias de Petrogrado e os operários russos em geral, que passaram pela Revolução de 1905, pela insurreição de Moscou de dezembro de 1905, e esmagados pelo Regimento Semenovsky da Guarda. Era preciso que por esta massa estivessem espalhados operários que refletissem sobre a experiência de 1905, criticando as ilusões constitucionais dos liberais e mencheviques, assimilando as perspectivas da revolução, meditando centenas de vezes sobre a questão do exército" [12].

Mais de 70 anos antes da Revolução de 1917, Marx e Engels escreviam que: "... a revolução não só é necessária porque a classe dominante não pode ser derrubada de outra maneira, senão também porque unicamente por meio de uma revolução poderá a classe que derruba a outra, sair da lama em que está submersa e voltar-se capaz de fundar a sociedade sobre novas bases" [13]. A Revolução russa confirma plenamente esta posição: o movimento mesmo contribui com os materiais para a auto-educação das massas: "Uma revolução ensina, e ensina rápido. Nisto está sua força. Cada semana traz algo novo para as massas. A cada dois meses se cria uma época. No fim de fevereiro, a insurreição. No fim de abril, uma manifestação de operários e soldados armados em Petrogrado. No início de julho, um novo ataque, mas amplo em seu alcance e com palavras de ordem resolutas. No fim de agosto, a tentativa de golpe de Kornilov foi batida pelas massas. No fim de outubro, a conquista do poder pelos bolcheviques. Sob estes eventos, tão marcantes em seu ritmo, ocorriam processos moleculares, soldando as partes homogêneas da classe operária num todo político" [14]

"Toda Rússia aprendia a ler e efetivamente lia livros de economia, de política, de história, lia porque queria saber... A sede de instrução, tanto tempo freada, abriu passagem ao mesmo tempo que a revolução, com força espontânea. Nos primeiros seis meses da Revolução tão só do Instituto Smolny se enviavam a todos os confins do país toneladas, caminhões e trens de publicações. A Rússia tragava o material impresso com a mesma insaciabilidade que a areia absorve a água... Depois a palavra. A Rússia viu-se inundada de tal torrente de discursos que, em comparação, a "avalanche de loquacidade francesa", de que fala Carlyle, não passa de ser um regato. Conferências, controvérsias, discursos nos teatros, circos, escolas, clubes, quartéis, salas dos Sovietes. Comícios nas trincheiras da frente de batalha, nas praças do interior, nos pátios das fábricas. Que admirável espetáculo oferece a fábrica Putilov quando de seus muros saem em compacta torrente 40 000 operários para ouvir os social-democratas, anarquistas, ou quem seja, fale do que fale e por muito tempo que fale! Durante meses inteiros, cada cruzamento das ruas de Petrogrado e de outras cidades russas era uma constante tribuna pública. Surgiam discussões e comícios espontâneos nos trens, nos bondes, em todas as partes... As tentativas de limitar o tempo dos oradores fracassavam estrepitosamente em todos os comícios e cada qual tinha a plena possibilidade de expressar todos seus sentimentos e idéias" [15].

A "democracia" burguesa fala muito de "liberdade de expressão" quando a experiência nos diz que tudo nela é manipulação, teatro e lavagem cerebral; a autêntica liberdade de expressão é a que conquistam as massas operárias com sua ação revolucionária: "Em cada fábrica, em cada corporação, em cada companhia, em cada taverna, no hospital militar, nos centros de transferências, mesmo nas vilas despovoadas, o trabalho molecular do pensamento revolucionário progredia. Por toda parte havia comentaristas e quem esperasse as palavras necessárias. Estes líderes estavam quase sempre entregues a si mesmos, nutriam-se de fragmentos de generalizações revolucionárias que vinham até eles por vários caminhos, descobrindo por si mesmos, entre as linhas dos jornais liberais, o que eles precisavam. Seu instinto de classe era refinado por um critério político e, embora não levassem todas as suas idéias até o fim, não obstante pensavam sem cessar, obstinadamente a trabalhar em uma só direção. Elementos de experiência, crítica, iniciativa, auto-sacrifício, penetravam nas massas e criavam, de forma invisível a uma olhada superficial, mas não menos decisiva, uma mecânica interna do movimento revolucionário como um processo consciente" [16].

Esta reflexão, esta tomada de consciência, punha a nu... " ... toda a injustiça material e moral infringida aos trabalhadores, a exploração inumana, os salários de miséria, o trabalho extenuante, o dano causado a sua saúde, os sistemas de castigo requintado, o desprezo e a ofensa a sua dignidade humana pelos capitalistas e patrões, este conjunto de condições de trabalho insalubres e vergonhosas que os são impostas, este inferno inteiro que representa o destino diário do proletário debaixo do jugo capitalista" [17].

Por isso mesmo, a Revolução russa apresenta uma unidade permanente, inseparável, entre a luta política e a luta econômica: "Cada onda de ação política deixa atrás de si um terreno fértil de onde surgem imediatamente mil brotos novos: as reivindicações econômicas. E inversamente, a guerra econômica incessante que os operários travam contra o capital mantém desperta a energia combativa inclusive nas horas de tranqüilidade política; de alguma maneira constitui uma reserva permanente de energia de que a luta política extrai sempre forças renovadas. Ao mesmo tempo o trabalho infatigável de corrosão reivindicativa desencadeia aqui e ali conflitos agudos a partir dos quais estouram bruscamente batalhas políticas" [18].

Este desenvolvimento da consciência levou em junho-julho os operários a convicção de que não deviam esbanjar energias e dispersar-se em mil conflitos econômicos parciais, de que deviam concentrar suas forças na luta política revolucionária. Isto não supunha negar a luta reivindicativa senão, muito ao contrário, assumir suas conseqüências políticas: "Os soldados e operários consideravam que todas as outras questões - salários, preço do pão, e se era necessário morrer no front ninguém sabia por que - dependia da questão de quem governaria o país no futuro, a burguesia ou seu próprio Soviete" [19].

Esta tomada de consciência das massas operárias culmina com a insurreição de Outubro cujo ambiente prévio descreve admiravelmente Trotski: "As massas sentiam a necessidade de se manterem juntas. Cada um queria se testar através dos outros, e todos tensa e atentamente observavam como um e o mesmo pensamento se desenvolvia em suas várias mentes e com diferentes características e nuanças. Multidões incontroláveis de pessoas mantinham-se nos circos e outros grandes edifícios, onde os bolcheviques mais populares se dirigiam a elas com os últimos argumentos (...) Mas incomparavelmente mais efetiva que no último período antes da insurreição era a agitação molecular realizada por operários, soldados e marinheiros anônimos, ganhando simpatizantes uns aos outros, quebrando as últimas dúvidas, superando as últimas hesitações. Estes meses de febril vida política criaram inumeráveis quadros nas bases, educou centenas de milhares de diamantes brutos, que estavam acostumados a olhar a política de baixo e não de cima (...) As massas não mais toleravam em seu meio os hesitantes, os dúbios, os neutros. Esforçavam-se para dominar a todos, atrair, convencer, conquistar. As fábricas uniam-se aos regimentos para enviar delegados ao front. As trincheiras entravam em contato com os operários e camponeses nos locais perto da retaguarda. Nas cidades ao longo do front havia intermináveis comícios, conferências, consultas, em que os soldados e marinheiros harmonizavam sua atividade com a dos operários e camponeses" [20]

"Ao mesmo tempo em que a sociedade oficial, toda esta super-estrutura de vários andares das classes dominantes, grupos, partidos e clãs, viviam no dia-a-dia da inércia e do automatismo, nutriam-se com as relíquias de idéias caducas, mortas para as inexoráveis demandas da evolução, satisfeitas com fantasmas e nada prevendo - ao mesmo tempo, nas massas trabalhadoras, estava ocorrendo um processo independente e profundo de crescimento, não apenas de ódio aos governantes, mas um entendimento crítico de sua impotência, uma acumulação de experiência criativa, que a insurreição revolucionária e sua vitória apenas completou." [21].

O proletariado, única classe revolucionária

Enquanto a política burguesa é realizada sempre em proveito de uma minoria da sociedade que é a classe dominante, a política do proletariado só pode ser feita com a participação massiva de todos os explorados e não persegue um benefício particular senão o de toda a humanidade. "(...) a classe explorada e oprimida (o proletariado) já não se pode libertar da classe exploradora e opressora (a burguesia) sem simultaneamente libertar para sempre a sociedade toda da exploração" [22].

A luta revolucionária do proletariado constitui a única esperança de libertação para todas as massas que hoje vivem mal em uma situação espantosa em 3/4 partes do planeta. A Revolução russa o pôs em evidência: os operários conseguem ganhar para a sua causa os soldados (camponeses em uniforme em sua maioria) e toda a população camponesa. O proletariado confirmava assim que a revolução não só é uma resposta em defesa de seus próprios interesses, como também a única saída possível para acabar com a guerra e com as relações sociais da exploração e da opressão capitalistas em geral.

A vontade operária de proporcionar uma perspectiva para as demais classes oprimidas foi habilmente explorada pelos partidos menchevique e socialista revolucionário que pretendiam, em nome da aliança com os camponeses e os soldados, fazer com que o proletariado renunciasse a sua luta autônoma de classe e à revolução socialista. Esta explicação parece, à primeira vista, o mais "lógico": se queremos ganhar as outras camadas há que dobrar-se a suas reivindicações, há que buscar um mínimo denominador comum em torno ao qual todas se possam unir.

No entanto, "Os estados médios - o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês - todos eles combatem a burguesia para assegurar, face ao declínio, a sua existência como estados médios. Não são, pois, revolucionários, mas conservadores. Mais ainda, são reacionários, procuram fazer andar para trás a roda da história" [23].

Em uma aliança interclassista, o proletariado tem tudo a perder: não ganha as outras camadas oprimidas senão que as empurra aos braços do capital e ao mesmo tempo debilita sua unidade e sua consciência de forma decisiva; não leva adiante suas próprias reivindicações senão que as dilui e nega; não avança no caminho do socialismo senão que se atrasa, e agora no pântano do capitalismo decadente. Em realidade, nem sequer ajuda as camadas pequeno-burguesas e camponesas senão que contribui no seu sacrifício aos interesses do capital, porque as reivindicações "populares" são o disfarce que a burguesia utiliza para fazer passar por contrabando seus próprios interesses. O "povo" não está representando o interesse das "camadas laboriosas", senão o interesse explorador, nacional, imperialista, do conjunto da burguesia. "Nestas circunstâncias, a união dos mencheviques e socialista-revolucionários não era uma cooperação do proletariado com os camponeses, mas uma coalizão dos partidos que romperam com o proletariado e os camponeses respectivamente, pelo amor com o bloco com as classes possuidoras" [24].

Se o proletariado quer ganhar a sua causa as camadas não exploradoras deve afirmar de maneira ainda mais clara e total suas próprias reivindicações, seu próprio ser, sua autonomia de classe. Deve ganhar as outras camadas não exploradoras naquilo em que possam ser revolucionárias. "Se são revolucionários, são-no apenas à luz da sua iminente passagem para o proletariado, e assim não defendem os seus interesses presentes, mas os futuros, e assim abandonam a sua posição própria para se colocarem na do proletariado" [25].

Concentrando sua luta em pôr fim à guerra imperialista; buscando dar uma perspectiva de solução ao problema agrário [26]; criando os sovietes como organização de todos os explorados; e, sobretudo, apresentando a alternativa de uma nova sociedade frente à bancarrota e ao caos da sociedade capitalista, o proletariado na Rússia se colocou na vanguarda de todas as classes exploradas e soube lhes dar uma perspectiva a qual se unir e lutar.

A afirmação autônoma do proletariado não o isola das demais camadas oprimidas, ao contrário, lhe permite isolar o Estado burguês destas. Frente ao impacto sobre os soldados e os camponeses da campanha da burguesia russa sobre o "egoísmo" dos operários com sua reivindicação da jornada de 8 horas, estes "entendiam a manobra e a evitaram habilmente. Para isso, era apenas necessário dizer a verdade - citar os dados dos lucros de guerra, mostrar aos soldados as fábricas e oficinas com o roçar das máquinas, as chamas infernais das fornalhas, seu front perpétuo onde as vítimas eram inúmeras. Sob a iniciativa dos operários, começaram as visitas regulares das tropas da guarnição às fábricas, e especialmente às de munições. Os soldados olhavam e ouviam. Os operários mostravam e explicavam. Estas visitas terminavam em triunfante fraternização." [27]

"O Exército estava incuravelmente doente. Era ainda capaz de dizer sua palavra na revolução, mas não mais para fazer a guerra" [28]

Essa "enfermidade incurável" do Exército era o produto da luta autônoma da classe operária. Do mesmo modo, frente ao problema agrário, que o capitalismo decadente não só é incapaz de resolvê-lo senão que não termina de agravá-lo, o proletariado o encarou acertadamente: todos os dias saíram das cidades industriais legiões de agitadores, delegações de Comitês de fábrica, de Sovietes, para discutir com os camponeses, para lhes animar a luta, para organizar os operários agrícolas e os agricultores pobres. Os Sovietes e os Comitês de fábrica tomaram numerosas resoluções declarando sua solidariedade com os camponeses e propondo medidas concretas de solução do problema agrário: "A conferência de Moscou dos comitês de fábrica e usina devotou sua atenção à questão agrária e, por um relato de Trotsky, foi redigido um manifesto aos camponeses: o proletariado se sente não apenas uma classe especial, mas também o líder do povo" [29]

Os sovietes

Enquanto a política da burguesia concebe a maioria como uma massa a ser manipulada para que referende as ações preparadas pelos poderes do Estado, a política operária se apresenta como a obra livre e consciente da grande maioria para seus próprios interesses.

"Os sovietes, conselhos de deputados ou delegados das assembléias operárias, apareceram espontaneamente pela primeira vez na grande greve de massas que sacudiu a Rússia em 1905. Era a emanação direta de milhares de assembléias de trabalhadores, nas fábricas e nos bairros, que se multiplicaram por todas as partes, na maior explosão de vida operária que até então se havia produzido na história. Como se retomassem a luta ali onde seus antepassados da Comuna de Paris em 1871 a haviam deixado, os operários generalizaram na prática a forma de organização que os comunards haviam tentado: assembléias soberanas, centralização mediante delegados eleitos e revogáveis" [30].

Desde que em fevereiro os operários derrubaram o Czarismo, em Petrogrado, em Moscou, em Jarkov, em Helsingfors, em todas as cidades industriais se constituíram rapidamente Sovietes de delegados operários, aos que se uniram os delegados dos soldados e, posteriormente dos camponeses. Ao redor dos Sovietes, o proletariado e as massas exploradas constituíram uma rede infinita de organizações de luta, baseadas nas assembléias, na livre discussão e decisão de todos os explorados: Sovietes de bairro, Conselhos de fábrica, Comitês de soldados, Comitês camponeses... "A rede de conselhos operários e de soldados locais em toda Rússia formava a coluna vertebral da revolução. Com sua ajuda havia se estendido a revolução como uma rede por todo o país, só com sua existência era possível dificultar enormemente todo intento de reação" [31].

A "democracia" burguesa reduz a "participação" das massas a eleição, a cada 4 anos, onde um senhor é eleito e faz o que necessita a burguesia; frente a ela, os Sovietes constituem a participação permanente, direta, das massas operárias que em assembléias gigantescas discutem e decidem sobre todos os assuntos da sociedade. Os delegados são eleitos e revogáveis a qualquer momento e participam dos Congressos com mandatos definidos.

A "democracia" burguesa concebe a "participação" segundo a farsa do indivíduo livre que decide sozinho diante da urna. É, pois, a consagração da atomização, o individualismo, o "todos contra todos", o mascaramento da divisão de classes, o que favorece a classe minoritária e exploradora. Em troca, os Sovietes se baseiam na discussão e na decisão coletivas, cada qual pode sentir o alento e a força do conjunto e sobre essa base desenvolver todas suas capacidades reforçando por sua vez o coletivo. Os Sovietes partem da organização autônoma da classe trabalhadora para, desde essa plataforma, lutar pela abolição das classes.

Os operários, soldados e camponeses consideravam os Sovietes como sua organização. "Não apenas os operários e soldados das enormes guarnições da retaguarda, mas todo o povo heterogêneo das cidades - mecânicos, vendedores ambulantes, pequenos funcionários públicos, cocheiros, porteiros, servidores de todos os tipos - sentiam-se alienados do Governo Provisório e seus departamentos, procuravam uma autoridade mais próxima e acessível. Em números cada vez maiores, delegados camponeses apareciam no Palácio de Tauride, As massas afluíam ao soviete como pelos arcos do triunfo da revolução. Tudo o que permanecia fora dos limites do soviete parecia estar à margem da revolução, algo que pertencesse a outro mundo do dono de propriedade" [32]

Nada podia se fazer em toda a Rússia sem os sovietes: as delegações da frota do Báltico e do Mar Negro declaram em 16 de março que só obedeceriam às ordens do Governo provisório que estivessem de acordo com as decisões dos sovietes: "O Exército e o povo devem se submeter apenas ao controle do soviete (...) As ordens do Governo provisório que conflitem com a decisão do Soviete não serão obedecidas" [33]

Guchkov, grande capitalista e ministro do Governo provisório declara: "O governo não tem nenhum poder real: as tropas, as ferrovias, o correio e o telégrafo estão nas mãos do Soviete. O fato é que o Governo Provisório existe apenas enquanto o Soviete permitir." [34]

A classe operária, como classe que aspira à transformação revolucionária e consciente do mundo, necessita um órgão que lhe permita expressar todas suas tendências, todos seus pensamentos, todas suas capacidades; um órgão extremamente dinâmico que sintetize em cada momento a evolução e o avanço das massas; um órgão que não caia no conservadorismo e na burocracia, que lhe permita recusar e combater toda tentativa de confiscar o poder direto da maioria. Um órgão de trabalho, onde se decidam as coisas de maneira rápida e ágil, de maneira consciente e coletiva, de tal forma que todos se sintam implicados em sua aplicação.

"De órgãos para o controle do governo, os sovietes se tornaram órgãos de administração. Eles não podiam se acomodar com qualquer teoria da divisão de poderes, mas interferiam na administração do Exército, em conflitos econômicos, nas questões de abastecimento e transporte, até nos tribunais de justiça. Os Sovietes, sob pressão dos operários, decretavam a jornada de oito horas, removiam administradores reacionários, expulsavam os mais intoleráveis comissários do Governo Provisório, conduziam buscas e prisões, suprimiam jornais hostis." [35]

Temos visto como a classe operária foi capaz de se unir, de expressar toda sua energia criadora, de atuar de maneira organizada e consciente, de, no fim das contas, se levantar frente uma sociedade como a classe revolucionária que tem como missão instaurar a nova sociedade, sem classes e sem Estado. Porém, para isso, a classe operária devia destruir o poder da classe inimiga: o Estado burguês, encarnado pelo Governo provisório; e impor seu próprio poder: o poder dos sovietes.


[1] Trotski, A História da Revolução russa; Edição Sundermann - Tomo I; capítulo "O proletariado e os camponeses".

[2] Trotski, op. cit. Capítulo "Cinco dias (23 a 27 de fevereiro de 1917)".

[3] Trotski, op. cit.

[4] Ana M. Pankratova, Os Conselhos de fábrica na Rússia de 1917, capítulo "Os Comitês de fábrica obra da Revolução". Tradução nossa.

[5] Trotski, op. cit. Capítulo "jornadas de abril".

[6] Reed, J. Dez dias que estremeceram o mundo. Tradução nossa.

[7] Dois meses antes, em abril, quando esta reivindicação foi proposta por Lênin em suas famosas Teses, foi recusada no seio mesmo do partido bolchevique como utópica, abstrata, etc.

[8] Trotski, op.cit. Tomo II; capítulo "Poderiam os bolcheviques ter tomado o poder em Julho?".

[9] G. Soria, Os 300 dias da Revolução russa. Tradução nossa.

[10] Trotski, op.cit. Capítulo "A burguesia mede forças com a democracia".

[11] Trotski, op.cit. Tomo I; capítulo "O paradoxo da Revolução de Fevereiro".

[12] Trotski, op.cit.; capítulo "Quem dirigiu a insurreição de Fevereiro?"

[13] Marx y Engels, A ideologia alemã.

[14] Trotski, op. cit. Capítulo "Deslocamentos nas massas".

[15] J. Reed, op. cit.

[16] Trotski,, op.cit. Capítulo "Quem dirigiu a insurreição de Fevereiro"

[17] Rosa Luxemburgo, Na hora revolucionária. Tradução nossa.

[18] Rosa Luxemburgo, Greve de massas, partido e sindicatos. Tradução nossa.

[19] Trotski, op.cit. Tomo II; capítulo "As jornadas de julho: preparação e inicio".

[20] Trotski, op.cit. Capítulo "A retirada do pré-Parlamento e a luta pelo Congresso dos Sovietes".

[21] Trotski, op.cit.; Tomo I, capítulo "Quem dirigiu a insurreição de Fevereiro?"

[22] Engels, "Prólogo" de 1883 ao Manifesto comunista.

[23] , Engels, O Manifesto comunista.

[24] Trotski, op.cit. Capítulo "O Comitê Executivo".

[25] Marx, Engels, op.cit.

[26] Não se trata de discutir no marco deste artigo se a solução que os bolcheviques e os sovietes acabaram dando à questão agrária - a divisão das terras - foi justa. Como o criticou Rosa Luxemburgo, a experiência demonstrou que não era. Porém isso não deve ocultar o essencial: que o proletariado e os bolcheviques explicaram seriamente a necessidade de uma solução desde o enfoque do poder proletário e desde o enfoque da batalha pela revolução socialista.

[27] Trotski, op.cit. Trotski, op.cit. Capítulo "O Comitê Executivo"

[28] Trotski, op.cit. Trotski, op.cit. Capítulo "O Exército e a guerra"

[29] Trotski, op.cit. Tomo II; capítulo "A retirada do pré-Parlamento e a luta pelo Congresso dos Sovietes".

[30] Révolution Internationale, órgão da CCI na França, nº 190, artigo "O proletariado deverá impor sua ditadura para levar a humanidade a sua emancipação".

[31] O. Anweiler, Os Sovietes na Rússia. Tradução nossa.

[32] Trotski, op.cit. Tomo I, capítulo "O novo poder".

[33] Trotski, op.cit. Capítulo "O Comitê Executivo".

[34] Trotski, op.cit.; capítulo "A retirada do pré-Parlamento e a luta pelo Congresso dos Sovietes".

[35] Trotski, op.cit.; capítulo "A primeira coalizão".

Herança da Esquerda comunista: 

  • Herança da Esquerda comunista [2]

A conquista dos sovietes pelo proletariado

  • 6104 leituras

Outubro de 1917 nos deixou uma lição fundamental: a burguesia não deixa o caminho livre à luta revolucionária das massas operárias. Ao contrário, trata de sabotá-la por todos os meios. Para isso, além do golpe e da pistola, utiliza uma arma muito perigosa: a sabotagem por dentro realizada pelas forças burguesas com roupagem "operária" e "radical" - então os partidos "socialistas", hoje os partidos de "esquerdas" e "extrema esquerda" e os sindicatos.

Essa sabotagem constituiu a principal ameaça para a Revolução iniciada em fevereiro: a sabotagem dos Sovietes pelos partidos social-traidores que mantinham em pé o aparato do Estado burguês. Abordamos agora este problema e os meios através dos quais o proletariado conseguiu resolvê-lo: a renovação dos Sovietes, o Partido bolchevique, a insurreição.

A sabotagem burguesa dos sovietes

A burguesia apresenta a Revolução de fevereiro como um movimento a favor da "democracia" violentado pelo golpe bolchevique. Suas fábulas consistem em opor Fevereiro a Outubro, apresentando o primeiro como uma autêntica "festa democrática" e o segundo como um golpe de Estado "contra a vontade popular".

Esta mentira é produto da raiva que sente a burguesia porque os acontecimentos entre fevereiro e outubro não se desenvolveram de acordo com o esquema esperado. A burguesia pensava que uma vez passadas as convulsões que em fevereiro derrubaram o Czar, as massas voltariam tranquilamente às suas casas e deixariam os políticos burgueses comandar amplamente, propiciados de vez em quando por eleições "democráticas". No entanto, o proletariado não mordeu a isca, desdobrou uma imensa atividade, tomou consciência de sua missão histórica e se deu os meios para seu combate: os sovietes. Com eles se estabeleceu uma situação de duplo poder: "ou a burguesia dominaria de fato o velho aparato estatal, alterando-o um pouco para seus propósitos, e então os sovietes se reduziriam a nada; ou os sovietes formariam a base de um novo Estado, liquidando não apenas o velho aparato governamental, mas também a dominação daquelas classes que se serviam dele" [1].

Para destruir os sovietes e impor a autoridade do Estado, a burguesia apoiou-se sobre os partidos menchevique e social-revolucionário, antigos partidos operários que, com a guerra, haviam passado ao campo burguês. Estes gozavam, no princípio da revolução de Fevereiro, de uma imensa confiança nas fileiras operárias, e a aproveitaram para dominar os órgãos executivos dos Sovietes e camuflar a burguesia: "Ali onde nenhum ministro burguês podia comparecer ante os operários revolucionários, apresentava-se (ou melhor dito, era enviado pela burguesia) um ministro "socialista", Skobelev, Tsereteli, Chernov ou outro, que cumpria conscienciosamente com sua missão burguesa, esforçando-se por defender o governo e limpar da culpa os capitalistas, enganando com promessas e mais promessas, com conselhos que se reduziam a esperar, esperar e esperar" [2].

A partir de fevereiro se dá uma situação extremamente perigosa para as massas operárias: estas lutam, com a vanguarda dos bolcheviques, para acabar com a guerra, pela solução do problema agrário, para abolir a exploração capitalista, e para isto criam os sovietes e confiam sem reservas neles. E, no entanto, esses sovietes, que têm nascido de suas entranhas, dominados pelos demagogos mencheviques e social-revolucionários, negam as necessidades mais imperiosas.

 Assim os sovietes, submetido à autoridade social-menchevique, prometem mil vezes a paz enquanto deixam o Governo provisório continuar a guerra.

Em 27 de março, o Governo provisório trata de desencadear a ofensiva dos Dardanelos cujo objetivo é conquistar Constantinopla. Em 18 de abril Miliukov, ministro do exterior ratifica em uma famosa nota a adesão da Rússia ao grupo da "Entente" (França e Grã Bretanha). Em maio, Kerenski empreende uma campanha no front para elevar a moral dos soldados e fazê-los lutar, chegando a dizer no cúmulo do cinismo que "vocês carregam a paz na ponta de vossas baionetas". De novo em junho e em agosto, os social-democratas em estreita colaboração com os odiados generais czaristas, tentaram arrastar os operários e soldados à carnificina da guerra.

Do mesmo modo, esses demagogos dos "direitos humanos" trataram de restabelecer a brutal disciplina militar no exército: restauraram a pena de morte, convenceram os Comitês de soldados para que "não virem contra eles os oficiais". Por exemplo, quando de forma massiva o soviete de Petrogrado publicou o famoso Decreto nº 1 que proíbe os castigos corporais aos soldados e defende seus direitos e sua dignidade, os social-traidores do Comitê Executivo expediram " às gráficas, como um antídoto, um apelo aos soldados que, som o pretexto de condenar o linchamento de oficiais, exigia a subordinação dos soldados ao velho comando" [3].

 Enfatizam incansavelmente sobre a "solução do problema agrário" enquanto deixam intacto o poder dos proprietários das terras e esmagam as rebeliões camponesas.

Assim, bloquearam sistematicamente os decretos mais tímidos sobre a questão agrária - por exemplo, o que proibia as transferências de terras - devolveram as terras ocupadas espontaneamente pelos camponeses a seus antigos donos; reprimiram a ferro e fogo às revoltas camponesas, enviando expedições punitivas, restauram a pena de açoites nas aldeias.

 Bloqueiam a aplicação da jornada de 8 horas e permitem aos empresários desmembrar as fábricas

Deixaram os patrões sabotar a produção com objetivo, por um lado, de matar de fome os operários e de outra parte, dispersá-los e desmoralizá-los: "Aproveitando a produção capitalista moderna e sua estreita relação com o banco nacional e internacional, e com as demais organizações do capital unificado (sindicatos patronais, trustes, etc.), os capitalistas começaram a aplicar um sistema de sabotagem de ampla escala e cuidadosamente calculado. Não recuaram diante quaisquer meios, começando com a ausência administrativa nas fábricas, a desorganização artificial da vida industrial, o ocultamento e a retirada de materiais, acabando com a queima e o fechamento das empresas desprovidas de recursos" [4].

 Empreendem uma furiosa repressão contra as lutas operárias

"Em Jarkov, 30 000 mineiros se organizaram e aprovaram o ponto do preâmbulo dos estatutos dos IWW (Operários Industriais do Mundo) que afirma "a classe dos operários e a classe dos patrões não tem nada em comum". Os cossacos esmagaram a organização, muitos mineiros foram despedidos do trabalho. O ministro de Comércio e Indústria, Konovalov concedeu amplos poderes  ao seu subsecretário Orlov, encarregando-lhe de por fim aos distúrbios. Os mineiros odiavam a Orlov, porém o CEC - Comitê Executivo Central, dominado pelos social traidores - não só aprovou sua nomeação, mas  este "se negou a retirar as tropas cossacas da bacia do Donetz" " [5].

 Iludem as massas com palavras vazias sobre a "democracia revolucionária", enquanto sabotam por todos os meios os sovietes

Trataram de liquidar os sovietes a partir de dentro: descumpriram seus acordos, adiaram as reuniões plenárias deixando tudo sob conspiração do "pequeno comitê", buscaram dividir e enfrentar as massas exploradas: "Já em abril, os mencheviques e socialistas- revolucionários começaram a apelar às províncias contra Petrogrado, aos soldados contra os operários, à cavalaria contra os metralhadores. Tinham dado às tropas privilégios de representação nos sovietes acima das fábricas, favoreceram as empresas pequenas e  dispersas contra as gigantes metalúrgicas. Eles mesmos, representando o passado, procuravam apoio nos atrasados de todos os tipos. Com o chão sumindo som seus pés, eles agora incitavam a retaguarda contra a vanguarda" [6]. Igualmente, trataram de que os sovietes entregassem o poder aos organismos "democráticos": os czemstva - organismos locais de origem czarista - e a conferência "democrática" de Moscou de agosto, autêntico ninho de cobras onde se reúnem forças tão "representativas" como nobres, militares, antigos centúrias negras, cadetes, etc., que bendizem o golpe militar de Kornilov. Igualmente, em setembro fizeram outra conspiração para rejeitar os sovietes: a convocação da Conferência pré-democrática na qual os delegados da burguesia e a nobreza têm, por expresso desejo dos social-traidores, 683 representantes frente a 230 delegados dos sovietes. Kerenski chegou a prometer ao embaixador americano que "faremos que os sovietes morram de morte natural. O centro de gravidade da vida política irá se transferindo progressivamente dos sovietes aos novos órgãos democráticos de representação autônoma".

Os sovietes que pediam a tomada do poder foram esmagados "democraticamente" pela força das armas: "Os bolcheviques, que haviam conquistado a maioria do Soviete de Kaluga, conseguiram a libertação dos presos políticos. A duma municipal, com a sanção do comissário do governo, chamou tropas de Minsk que bombardearam com artilharia o soviete. Os bolcheviques capitularam, porém no momento em que saíam do edifício, os cossacos se arremessaram sobre eles, gritando: "Aqui tens o que vai acontecer a todos os sovietes bolcheviques" " [7].

Os operários viam como seus órgãos de classe eram confiscados, desnaturalizados e acorrentados a uma política que ia contra seus interesses. Isto que, como vimos no artigo "O desenvolvimento do movimento, de fevereiro a outubro de 17", tinha desembocado nas crises políticas de abril, junho e, sobretudo, julho, lhes levou a ação decisiva: renovar os sovietes para orientá-los até a tomada do poder.

Os sovietes eram - como dizia Lênin - "órgãos, onde a fonte do poder está na iniciativa direta das massas populares desde baixo" (A dualidade do poder). Isso permitiu as massas substituí-los com muita rapidez desde o momento em que se convenceram de que não correspondiam aos seus interesses. Desde meados de agosto, a vida dos sovietes se acelera em um ritmo vertiginoso. As reuniões se sucedem dia e noite quase sem interrupção. Operários e soldados discutem conscienciosamente, tomam resoluções, votam várias vezes ao dia. Neste clima de intensa auto-atividade das massas [8], numerosos sovietes (Helsinfords, Ural, Krondstadt, Reval, a frota do Báltico, etc.) elegem maiorias revolucionárias formadas por delegados bolcheviques, mencheviques internacionalistas, maximalistas, social-revolucionários de esquerda, anarquistas, etc.

Em 31 de agosto, o Soviete de Petrogrado aprova uma moção bolchevique. Seus dirigentes - mencheviques e social-revolucionários - se recusam a aplicá-la e renunciam. Em 9 de setembro o soviete elege uma maioria bolchevique, seguido depois por Moscou e, em continuidade, pelo resto do país. As massas elegem os sovietes que necessitam e se preparam assim para tomar o poder e exercê-lo.

O Papel do partido bolchevique

Nesta luta das massas para tomar o controle de suas organizações contra a sabotagem burguesa, os bolcheviques jogaram um papel decisivo. Tomaram como centro de sua atividade o desenvolvimento dos sovietes: "A Conferência decide desdobrar uma atividade múltipla dentro dos sovietes de deputados operários e soldados, aumentar seu número, consolidar suas forças e aglutinar em seu seio os grupos proletários internacionalistas de nosso partido" [9]. Esta atividade tinha como eixo o desenvolvimento da consciência de classe: "é preciso um paciente trabalho de esclarecimento da consciência de classe do proletariado e de coesão dos proletários da cidade e do campo" [10]. Por uma parte, confiavam na capacidade de crítica e análise das massas: "Mas enquanto a agitação dos mencheviques e socialista-revolucionários era dispersa, auto-contraditória e frequentemente evasiva, a agitação dos bolcheviques distinguia-se por seu caráter concentrado e bem planejado. Os conciliadores se desviavam das dificuldades, os bolcheviques iam de encontro a elas. Uma análise contínua da situação objetiva, um teste das palavras de ordem sobre os fatos, uma atitude séria com o inimigo mesmo quando ele não era muito sério, deu força e poder de convicção especiais à agitação bolchevique" [11]. Por outra, confiavam na sua capacidade de união e auto-organização: "não creiam nas palavras. Não se deixem arrastar pelas promessas. Não exagerem suas forças. Organizem-se em cada fábrica, em cada regimento e em cada companhia, em cada barricada. Realizem um trabalho perseverante de organização cada dia, cada hora; trabalhem em se organizar por vocês mesmos, já que este trabalho não podem confiar a ninguém" [12].

Os bolcheviques não pretendiam submeter as massas a um "plano de ação" preconcebido, levando-as como o estado maior leva os soldados. Reconheciam que a revolução é a obra da ação direta das massas e que sua missão política era de atuar por dentro dessa ação direta: "A principal força de Lênin estava em sua compreensão da lógica interna do movimento, e orientava sua política por ele. Ele não impôs seu plano para as massas; ele ajudou as massas a reconhecer seu próprio plano" [13].

O partido não desenvolvia seu papel de vanguarda dizendo à classe: "eis aqui a verdade, ajoealha-te", ao contrário, estava atravessado pelas inquietudes e preocupações que afligem a classe e, como tal, estava exposto a influência destrutiva da ideologia burguesa, ainda que não da mesma maneira. Seu papel de motor no desenvolvimento da consciência de classe, o cumpriu mediante uma série de debates políticos por onde ia superando os erros e insuficiências de suas posições anteriores e travava uma luta mortal para erradicar os desvios oportunistas que podiam ameaçá-lo.

Assim, a princípios de março, um importante setor dos bolcheviques defendia que deviam unir-se aos partidos socialistas (mencheviques e social-revolucionários). Agitavam um argumento aparentemente infalível que, nesses primeiros momentos de ânimo geral e inexperiência das massas, tinha muito impacto nelas: em vez de ir cada um para seu lado porque não unimos todos os socialistas? Porque confundir os operários com 2 ou 3 partidos distintos reivindicando todos do proletariado e do socialismo?

Isto exprimia uma grave ameaça para a revolução: o partido que desde 1902 havia lutado contra o oportunismo e o reformismo, que desde 1914 havia sido o mais conseqüente e decidido em opor a revolução internacional contra a Primeira Guerra mundial, corria perigo de se diluir nas águas turvas dos partidos "social-traidores". Como ia o proletariado superar em seu seio as confusões e ilusões que padecia? Como ia combater as manobras e armadilhas do inimigo? Como ia manter permanentemente o norte de seu combate frente aos momentos de vacilação ou derrota? Lênin e a base do Partido lutaram vitoriosamente contra essa falsa unidade que na realidade significava ficar a reboque da burguesia.

O partido bolchevique era a princípio bastante minoritário. Muitos operários tinham ilusões no Governo provisório e o viam como uma emanação dos sovietes, quando na realidade era seu pior inimigo. Os órgãos dirigentes dos bolcheviques na Rússia adotaram em março-abril uma atitude conciliadora com o governo provisório, chegando a cair  num apoio aberto a guerra imperialista.

Contra esse desvio oportunista se levantou um movimento da base do partido (Comitê de Vyborg) que encontrou em Lênin e suas Teses de Abril a mais clara expressão. Para Lênin o fundo do problema estava em que: "... não podemos dar nenhum apoio ao Governo provisório. Temos de explicar a completa falsidade de todas suas promessas, notadamente aquelas que consideram a renuncia às anexações. Temos de desmascarar este governo que é um governo de capitalistas, em vez de defender a inadmissível e ilusória "exigência" de que deixe de ser imperialista" [14].

Igualmente, Lênin denunciava a arma fundamental dos mencheviques e social-revolucionários contra os sovietes: "O "erro" dos chefes mencionados reside em que enfraquecem a consciência dos operários em vez de abrir-lhes os olhos, em que lhes inculcam ilusões pequeno-burguesas em vez de destruí-las, em que reforçam a influência da burguesia sobre as massas em vez de emancipar estas dessa influência" [15].

Contra os que viam esta denúncia "pouco prática" Lênin alegava que: "... na realidade, é o trabalho revolucionário mais prático, pois é impossível impulsionar uma revolução que está estancada, que se afoga entre frases e se dedica em marcar passo sem mover-se do lugar não por conta de obstáculos vindo de fora, nem sequer por conta da violência da burguesia (...) mas  pela credulidade cega das massas. Só lutando contra essa credulidade cega (luta que pode e deve livrar-se unicamente com as armas ideológicas, pela persuasão amistosa, invocando a experiência da vida) poderemos nos desembaraçar do desenfreio de frases revolucionárias imperante, e impulsionar de verdade tanto a consciência do proletariado como a consciência das massas, a iniciativa local, audaz e resoluta das mesmas" [16].

Defender a experiência histórica do proletariado, manter vivas suas posições de classe, exige estar em minoria em muitas ocasiões dentro dos operários. Isto é assim porque: "... as massas vacilam entre a confiança em seus antigos senhores, os capitalistas, e a cólera contra eles; entre a confiança na classe nova, que abre o caminho de um porvir luminoso para todos os trabalhadores e a consciência, ainda não clara, de seu papel histórico-mundial" [17]. Para ajudar a superar essas vacilações: "... o importante não é o número, mas que se expressem de modo exato as idéias e a política do proletariado verdadeiramente revolucionário" [18]. Como todo partido autêntico do proletariado, o Partido bolchevique era parte integrante do movimento da classe. Seus militantes eram os mais ativos nas lutas, nos sovietes, nos conselhos de fábrica, manifestações e reuniões. As jornadas de julho puseram em evidência esse compromisso inquebrantável do Partido com a classe.

Como vimos no primeiro artigo, a situação em finais de junho se tornava insustentável pela fome, a guerra, o caos, a sabotagem dos sovietes, a política do Comitê executivo central nas mãos dos social-traidores consistindo em não fazer nada, em cumplicidade com a burguesia. Os operários e os soldados, sobretudo os da capital, começavam a suspeitar abertamente dos social-traidores. Cada vez a impaciência, o desespero, a raiva, eram mais fortes nas filas operárias, impulsionando-as já a tomar o poder mediante uma ação de envergadura. No entanto, as condições não estavam ainda reunidas:

  • os operários e soldados das províncias não estavam no mesmo nível político dos seus irmãos de Petrogrado;
  • os camponeses ainda confiavam no Governo provisório;
  • nos próprios operários de Petrogrado a idéia que reinava não era realmente tomar o poder mas fazer um ato de força para obrigar os dirigentes "socialistas" a "tomar de verdade o poder", ou seja, pedir a quinta coluna da burguesia que tome o poder em nome dos operários.

Em tal situação lançar-se ao enfrentamento decisivo com a burguesia e seus sequazes era embarcar em uma aventura que podia comprometer definitivamente o destino da Revolução. Era um choque prematuro que podia liquidar-se com uma derrota definitiva.

O Partido bolchevique desaconselhou a ação, mas ao ver que as massas não lhe faziam caso e seguiam adiante, não se retirou dizendo "problema seu". O Partido participou na ação cuidando para que não se convertesse em uma aventura desastrosa e que os operários tirassem dela o máximo de lições para preparar a insurreição definitiva. Lutou com todas suas forças para fazer com que o Soviete de Petrogrado, mediante uma discussão séria e dando-se os dirigentes adequados, se tornasse realmente a expressão da orientação política reinante nas massas.

No entanto, o movimento fracassou e sofreu uma derrota. A burguesia e seus acólitos mencheviques e social-revolucionários lançaram uma violenta repressão contra os operários e, sobretudo, contra os bolcheviques. Estes pagaram um alto preço: detenções, punições, exílio... Porém esse sacrifício ajudou decisivamente a classe a minimizar os efeitos da derrota sofrida e a explicar de maneira mais consciente e organizada, em melhores condições, o problema da insurreição.

Este compromisso do partido com a classe permitiu, a partir de agosto, uma vez passados os piores momentos de reação burguesa, a plena sintonia partido-classe imprescindível para o triunfo da revolução: "Durante o levante de fevereiro, todos os muitos anos precedentes de trabalho dos bolcheviques frutificaram, e os operários avançados educados pelo partido descobriram seu lugar na luta, mas ainda não havia uma liderança direta do partido. Nos eventos de abril, as palavras de ordem do partido manifestaram sua força dinâmica, mas o movimento em si desenvolveu-se independentemente. Em junho, a enorme influencia do partido revelou-se, mas as massas ainda funcionavam dentro dos limites de uma manifestação chamada oficialmente pelo inimigo. Apenas em julho o partido bolchevique, sentindo a pressão das massas, saiu às ruas contra todos os outros partidos, e não apenas com suas palavras de ordem, mas com sua direção organizada, e determinou o caráter fundamental do movimento. O valor de uma vanguarda de fileiras cerradas se manifestou totalmente pela primeira vez nas jornadas de julho, quando o partido - a um grande custo - defendeu o proletariado da derrota , e salvaguardou sua própria revolução futura" [19].

A insurreição obra dos sovietes

A situação de duplo poder que dominou todo o período que vai desde fevereiro a outubro é uma situação instável e perigosa. Seu prolongamento excessivo sem que nenhuma das duas classes acabe impondo-se foi, sobretudo danosa para o proletariado: se a incapacidade e o caos que caracterizavam nesses momentos a classe governante, acentuavam seu desprestígio, ao mesmo tempo, provocavam o cansaço e desorientação das massas operárias, lhes tiravam o sangue em combates estéreis e começavam a enfraquecer as simpatias das classes intermediárias em favor do proletariado. Por isso era necessário decantar, decidir tomar o poder mediante a insurreição. "A revolução avança em um ritmo rápido, tempestuoso e decidido, derruba todos os obstáculos com mão de ferro e se dá objetivos cada vez mais avançados, ou de repente retrocede de seu fraco ponto de partida e termina liquidada pela contra-revolução" [20].

A insurreição é uma arte. Necessita fazer-se no momento preciso da evolução da situação revolucionária, nem prematuramente com o qual fracassaria; nem demasiado tarde, com o qual, uma vez passada a oportunidade, o movimento revolucionário iria se desintegrando vítima da contra-revolução.

Em princípios de setembro a burguesia, através de Kornilov, tentou um golpe de Estado que constituiu o sinal da ofensiva final da burguesia para derrubar os sovietes e restabelecer plenamente seu poder.

O proletariado, com o concurso massivo dos soldados, fez fracassar a intentona e, com isso se acelerou a decomposição do exército: os soldados de numerosos regimentos se pronunciavam a favor da Revolução, expulsando os oficiais e organizando o conselho de soldados.

Como vimos antes, a renovação dos sovietes desde meados de agosto estava mudando claramente a correlação de forças em favor do proletariado. A derrota do golpe de Kornilov acelerou o processo.

Desde meados de setembro uma maré de resoluções reivindicando a tomada do poder (Krondstadt, Ekaterinoslav, etc.) surgiu dos sovietes locais ou regionais: o Congresso de sovietes da região norte, celebrando o 11-13 de outubro, conclamou abertamente a insurreição. Em Minsk, o Congresso regional de sovietes decidiu apoiar a insurreição e enviar tropas de soldados favoráveis à revolução. Em 12 de outubro, "... um comício de massa dos operários de uma das mais revolucionárias fábricas da capital (Old Parviainen) deu a seguinte resposta aos ataques da burguesia: "Declaramos que sairemos às ruas quando julgarmos necessário. Não temos medo da luta que se aproxima e acreditamos firmemente que dela sairemos vitoriosos" " [21].

Em 17 de outubro, o Soviete de soldados de Petrogrado decidiu: "A guarnição de Petrogrado deixa de reconhecer o Governo provisório. Nosso governo é o Soviete de Petrogrado. Acataremos somente as ordens do Soviete de Petrogrado dadas por seu Comitê militar revolucionário" [22]. O Soviete distrital de Vyborg decidiu uma marcha para apoiar esta Resolução, a qual se uniram os marinheiros. Um diário liberal de Moscou -citado por Trotski- descreveu assim o ambiente na capital: "nos bairros, nas fábricas de Petrogrado, Nevski, Obujov e Putilov, a agitação bolchevique pelo levantamento alcança sua maior intensidade. O estado de ânimo dos operários é tal que estão dispostos a colocar-se em marcha em qualquer momento".

A aceleração das insurreições camponesas em setembro constituiu outro elemento da maturação das condições necessárias para a insurreição: "Visto que deixamos os sovietes das duas capitais esmagarem a insurreição camponesa, perdemos e merecemos perder toda a confiança dos camponeses, nos colocamos ante os olhos dos camponeses no mesmo plano de que os Liber-Dan [23] e demais miseráveis" [24]. Porém é a nível mundial que está o fator decisivo da Revolução. Isto o colocou claro Lênin em uma Carta aos camaradas bolcheviques do Congresso de sovietes da região norte (8 de outubro de 17): "Nossa revolução vive momentos críticos ao extremo. Esta crise tem coincidido com a grande crise de crescimento da revolução socialista mundial e da luta do imperialismo mundial contra ela. Sobre os dirigentes responsáveis de nosso partido recai uma gigantesca tarefa, cujo descumprimento ameaçaria a bancarrota completa do movimento proletário internacionalista. O momento é tal que a demora equivale verdadeiramente à morte" [25].

Em outra carta (o 1º de outubro de 17) menciona: "Os bolcheviques não tem direito a esperar o Congresso dos sovietes, devem tomar o poder imediatamente. Com isso salvariam tanto a revolução mundial (pois, de outro modo, existe o perigo de uma confabulação dos imperialistas de todos os países, que depois de metralhados na Alemanha serão complacentes uns com os outros e se unirão contra nós) como a revolução russa (pois, de outro modo, a onda presente de anarquia pode ser mais forte que nós)" [26].

Esta consciência da responsabilidade internacional do proletariado russo não era algo que unicamente entendiam Lênin e os bolcheviques. Ao contrário, muitos setores operários participavam dela:

  • em 1ºde Maio de 1917, "A confraternização estava ocorrendo em todo front, os soldados tomavam a iniciativa mais audaciosamente... O ministro Kadete Chingarev, numa conferência com delegados das trincheiras, defendeu a ordem de Gutchkov contra a "indulgência desnecessária" aos prisioneiros de guerra, e falou da "ferocidade alemã". Sua observação não encontrou a menor simpatia. A conferência se expressou decisivamente a favor de aliviar as condições dos prisioneiros de guerra" [27].
  • "Falou um soldado do front romeno, um homem fraco, de expressão trágica e ardente. Camaradas - gritou no front - sofremos fome e nos congelamos. Morremos por nada. Que os camaradas norte-americanos transmitam à América que nós combateremos até morrer por nossa revolução. Resistiremos com todas nossas forças até que se levantem em nossa ajuda todos os povos do mundo! Digam aos operários norte-americanos que se levantem e lutem pela Revolução social!"[28].

O Governo Kerenski tentou deslocar os regimentos de soldados mais revolucionários de Petrogrado, Moscou, Vladimir, Reval etc., até o front ou para regiões perdidas como meio de descabeçar a luta. Em combinação com esta medida, a imprensa liberal e menchevique iniciou uma furiosa campanha de calúnias contra os soldados acusando-os de "acomodados", de "não dispor sua vida pela pátria", etc. Os operários da capital responderam imediatamente, e numerosas assembléias de fábrica apoiavam os soldados, pediam todo o poder aos sovietes e conquistavam adesão para armar os operários. Neste contexto, o Soviete de Petrogrado decidiu em uma reunião em 9 de outubro criar um Comitê militar revolucionário com o propósito inicial de controlar o governo, que imediatamente se transformará em centro organizador da insurreição. Nele se agrupam representantes do Soviete de Petrogrado, o Soviete de Marinheiros, o soviete da Região da Finlândia, o Sindicato Ferroviário, o Congresso de Conselhos de fábrica e a Guarda Vermelha.

Esta última era um corpo operário que "... se formou pela primeira vez durante a Revolução de 1905 e ressurgiu nos dias de março de 1917, quando era necessária uma força para manter a ordem na cidade. Nesta época os Guardas Vermelhos estavam armados e todos os esforços do governo provisório para desarmá-los tornaram estéreis. A cada crise que se produzia no curso da revolução, os destacamentos da Guarda Vermelha apareciam nas ruas, não adestrados nem organizados militarmente, mas cheios de entusiasmo revolucionário" [29].

Apoiado neste reagrupamento de forças de classe, o Comitê militar revolucionário (adiante o chamaremos CMR) convocou uma Conferência de Comitês de regimento que em 18 de outubro discutiu abertamente a questão da insurreição, pronunciando-se majoritariamente por ela exceto 2 que estavam contra e outros dois que se declararam neutros (houve mais outros 5 regimentos que não tiveram representantes na Conferência). Do mesmo modo, tomou uma Resolução a favor do armamento dos operários.

Esta Resolução já estava se aplicando na prática, os operários em massa encaminhavam-se para os arsenais do Estado e reclamavam a entrega de armas. Quando o Governo proibiu tais entregas, os operários e empregados do Arsenal da fortaleza Pedro e Paulo (baluarte reacionário) decidiram colocar-se a disposição do CMR e em contato com outros arsenais organizaram a entrega de armas aos operários.

Em 21 de outubro, a Conferência de Comitês de regimento ordenou a seguinte Resolução: "1º A guarnição de Petrogrado e região promete ao CMR sustentá-lo inteiramente em toda sua ação. 2º A guarnição se dirige aos cossacos: os convidamos às reuniões de amanhã. Sejam bem vindos irmãos cossacos! 3º O Congresso pan-russo dos sovietes deve tomar todo o poder. A guarnição promete pôr todas suas forças a disposição do Congresso. Contem com nós, representantes autênticos do poder dos soldados, operários e camponeses. Estamos em nossos postos, decididos a vencer ou morrer" [30].

Podemos ver aqui os traços característicos da insurreição operária: iniciativa criadora das massas, organização simples e admirável, discussões e debates que dão lugar a Resoluções que sintetizam a consciência adquirida pelas massas, recurso à convicção e persuasão - chamamento aos cossacos para que abandonaram o grupo governamental, ou o comício apaixonado e dramático dos soldados da fortaleza Pedro e Paulo celebrado em 23 de outubro e que decidiu não obedecer mais que o CMR. Tudo isso são os traços característicos de um movimento de emancipação da humanidade, de protagonismo direto, apaixonado, criador, das massas exploradas.

A jornada de 22 de outubro convocada pelo Soviete de Petrogrado selou definitivamente a insurreição: se reuniram manifestações e assembléias em todos os bairros, em todas as fábricas, que concordaram massivamente: "Abaixo Kerenski", "todo o poder para os sovietes". Foi um ato gigantesco, onde operários, empregados, soldados, muitos cossacos, mulheres, crianças, soldaram abertamente seu compromisso com a insurreição.

Não é possível no marco deste artigo contar todos os pormenores deste período (remetemos ao livro já mencionado de Trotski ou ao de J. Reed). O que pretendemos deixar claro é o caráter massivo, aberto, coletivo, da insurreição. "A insurreição foi determinada, por assim dizê-lo, para uma data fixa: o 25 de outubro. E não foi fixada em uma sessão secreta, mas aberta e publicamente, e a revolução triunfante se fez precisamente em 25 de outubro (6 de novembro), como havia sido estabelecido de antemão. A história universal conhece um grande número de revoltas e revoluções: porém buscaríamos nela em vão outra insurreição de uma classe oprimida que houvesse sido fixada antecipada e publicamente para uma data assinalada, e que houvesse sido realizada vitoriosamente no dia indicado de antemão. Neste sentido e em vários outros, a Revolução de novembro é única e incomparável" [31].

Os bolcheviques explicaram claramente desde setembro a questão da insurreição nas assembléias de operários e soldados, tomaram as posturas mais combativas e decididas dentro do CMR, e da Guarda Vermelha; se deslocaram aos quartéis onde havia mais dúvidas ou que estavam favoráveis ao Governo provisório, a convencer os soldados; o discurso de Trotski foi crucial para convencer os soldados da fortaleza de Pedro e Paulo. Denunciaram sem trégua as manobras, a demora, as armadilhas dos mencheviques. Lutaram para que o IIº Congresso dos sovietes fosse convocado diante a sabotagem dos social-traidores.

No entanto, não foram os bolcheviques, mas todo o proletariado de Petrogrado que decidiu e executou a insurreição. Os mencheviques e social-revolucionários tentaram repetidas vezes atrasar sine die a celebração do IIº Congresso dos sovietes. Foi pela pressão das massas, a insistência dos bolcheviques, o envio de milhares de telegramas dos sovietes locais reclamando sua convocação, o que, finalmente, obrigou a CEC -antro dos social-traidores- a convocá-lo para o 25. "Depois da revolução de 25 de outubro, os mencheviques, e perante todo Martov, falaram muito acerca da usurpação do poder às costas do soviete e da classe operária. É difícil imaginar-se uma deformação mais descarada dos feitos. Quando na sessão dos sovietes decidimos por maioria a convocação do IIº Congresso para 25 de outubro, os mencheviques diziam: "vocês decidiram a revolução". Quando, com a maioria esmagadora do Soviete de Petrogrado nós temos negado deixar partir os regimentos da capital, os mencheviques diziam: "Isto é o princípio da insurreição". Quando no Soviete de Petrogrado foi criado o CMR, os mencheviques fizeram constar: "este é o organismo da insurreição armada". Porém quando o dia decisivo estouro u a insurreição prevista por meio deste organismo, criado e "descoberto" antecipadamente, os mesmos mencheviques gritaram: uma maquinação de conspiradores tem provocado uma revolução às costas da classe" [32].

O proletariado se deu os meios de força - armamento geral dos operários, formação do CMR, insurreição - para que o Congresso dos sovietes pudesse tomar efetivamente o poder. Se o Congresso dos sovietes houvesse decidido "tomar o poder" sem essa preparação prévia, tal decisão teria sido uma gesticulação vazia facilmente desarticulável pelos inimigos da Revolução. Não se pode ver o Congresso dos sovietes como um ato isolado, formal, mas dentro de toda a dinâmica geral da classe e concretamente, dentro de um processo, onde em escala mundial se desenvolveram as condições da revolução e onde, dentro da Rússia, infinidades de sovietes locais chamavam a tomada do poder ou o tomavam efetivamente: simultaneamente com Petrogrado, em Moscou, em Tula, nos Urais, na Sibéria, em Jarkov, etc., os sovietes faziam triunfar a insurreição.

O Congresso dos sovietes tomou a decisão definitiva, confirmando a plena validade da iniciativa do proletariado de Petrogrado: "Apoiando-se na vontade da imensa maioria dos operários, os soldados e os camponeses e na insurreição vitoriosa dos operários e a guarnição de Petrogrado, o Congresso toma em suas mãos o poder... O Congresso decide: todo o poder nas localidades passa aos sovietes de deputados operários, soldados e camponeses, chamados a assegurar uma ordem verdadeiramente revolucionária".


[1] Trotsky, A História da Revolução Russa; Editora Sundermann - Tomo I; capítulo "O duplo poder".

[2] Lênin, Os ensinamentos da revolução, ponto VI. Tradução nossa.

[3] Trotski, op.cit. Capítulo "O grupo dirigente e a guerra".

[4] Ana M. Pankratova, Os conselhos de fábrica na Rússia de 1917, capítulo "O desenvolvimento da luta entre Capital e Trabalho e a Primeira Conferência de Comitês de Fábrica". Tradução nossa.

[5] J. Reed, Dez dias que abalaram o mundo, capítulo III. Tradução nossa..

[6] Trotsky, op.cit. Tomo II; capítulo "As jornadas de julho: auge e derrota".

[7] J. Reed, idem. Tradução nossa.

[8] Nunca negamos os erros que cometeu o partido Bolchevique, nem sua degeneração e transformação em coluna vertebral da odiosa ditadura stalinista. O papel do partido Bolchevique assim como a crítica implacável de seus erros e de sua degeneração, os temos analisado em vários artigos de nossa Revista internacional: "A degeneração da Revolução russa" e "Lições de Krondstadt" (nº 3) e "Defesa do caráter proletário da Revolução de Outubro" (nºs 12 e 13). A razão essencial da degeneração dos partidos e organizações políticas do proletariado resultou no peso da ideologia burguesa em suas filas que cria constantemente tendências ao oportunismo e ao centrismo (ver "Resolução sobre o centrismo e o oportunismo" na Revista internacional, nº 44).

[9] Atas da Segunda Conferência bolchevique de toda Rússia, abril 1917. Tradução nossa.

[10] Idem.

[11] Trotski, op.cit. Capítulo "Os Bolcheviques e os Sovietes".

[12] Lênin, Introdução a Conferência de Abril, 1917. Tradução nossa.

[13] Trotski, op.cit. Tomo I - capítulo "Rearmando o partido"

[14] Lênin. Teses de Abril. Tese 3 "As tarefas do proletariado na presente revolução". Tradução nossa.

[15] Lênin. A dualidade de poderes. Tradução nossa.

[16] Lênin. Teses de Abril. Tese 7 "As tarefas do proletariado na presente revolução". Tradução nossa.

[17] Lênin, Os ensinamentos da crise, abril 1917. Tradução nossa.

[18] Lênin. Teses de Abril. Tese 17, "As tarefas do proletariado...". Tradução nossa.

[19] Trotski, op.cit. Tomo II; capítulo "Rearmando o partido".

[20] Rosa Luxemburgo, A Revolução russa, capítulo I. Tradução nossa.

[21] Trotski, op.cit. Capítulo "O Comitê Militar Revolucionário".

[22] J. Reed, idem. Tradução nossa.

[23] Apelido irônico dado aos lideres mencheviques Líber e Dan, depois da publicação do artigo de Démian Biedny intitulado "Liberdan" no jornal bolchevique de Moscou de 25 de agosto de 1917. Nota do tradutor.

[24] Lênin, A crise amadureceu, parte VI. Tradução nossa.

[25] Tradução nossa.

[26] Tradução nossa.

[27] Trotski, op.cit. Tomo I; capítulo  "O grupo dirigente e a guerra".

[28] J. Reed, op.cit. Capítulo II. Tradução nossa.

[29] J. Reed, op.cit. Capítulo "Notas e esclarecimentos". Tradução nossa.

[30] Citado por Trotski. Tradução nossa.

[31] Trotski, A Revolução de novembro, 1919. Tradução nossa.

[32] Trotski, op. cit. Tradução nossa.

A insurreição de Outubro, uma vitória das massas operárias

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Alguns historiadores assalariados do capital estão cheios de elogios hipócritas à "iniciativa" e inclusive à "energia revolucionária" dos operários e seus órgãos de luta de massas, os conselhos operários. Estão cheios de compreensão pelo desespero dos operários, soldados e camponeses, diante dos sacrifícios da "Grande guerra". Porém, sobretudo se apresentam como os verdadeiros defensores da "autêntica Revolução russa", contra sua suposta destruição que os bolcheviques teriam levado a cabo. Em outras palavras, no centro do ataque burguês contra a Revolução russa está a oposição entre "Fevereiro" e "Outubro" de 1917, opondo assim o inicio e a conclusão da luta pelo poder que é a essência de toda grande revolução.

A hipocrisia dos que defendem a Revolução de Fevereiro para atacar a de Outubro

Rememorando o caráter explosivo, espontâneo e massivo das lutas que começaram em fevereiro de 1917, quer dizer, as greves de massas, os milhões de pessoas que tomaram as ruas, as explosões de euforia pública, e o feito de que o próprio Lênin declarara de que a Rússia neste período era o país mais livre da Terra, a burguesia opõe a isto os acontecimentos de Outubro, onde havia pouca espontaneidade, on­de se planejavam as ações com antecedência, não havia greves, nem manifestações na rua, nem assembléias de massas durante a rebelião, quando se tomou o poder por meio das ações de uns poucos milhares de homens armados na capital, sob o comando de um Comitê militar revolucionário, diretamente inspirado pelo Partido bolchevique. E então conclui: Não provaria tudo isto que Outubro só foi um golpe dos bolcheviques? Um golpe contra a maioria dea população, contra a classe operária, contra a história, contra mesmo a natureza humana? E tudo isto, nos dizem, é o resultado de "uma louca utopia marxista", que só podia sobreviver através do terror, que leva diretamente ao stalinismo.

Segundo a classe dominante, a classe operária na Rússia não queria nada mais que o que lhe havia prometido o regime de Fevereiro: uma "democracia parlamentar", disposta a "respeitar os direitos humanos", e um governo que, ao mesmo tempo que continuava a guerra, se declarava "partidário de uma paz rápida e sem anexações". Dito de outra forma, a burguesia quer nos fazer acreditar que o proletariado russo lutava para a mesma situação de miséria que sofre atualmente o proletariado moderno. Se o regime de Fevreiro não tivesse sido derrubado em outubro, vêem nos dizer, a Rússia seria hoje um país tão próspero e poderoso como os EUA, e o desenvolvimento do capitalismo no século XX teria sido pacífico.

O que expressa realmente esta hipócrita defesa do caráter espontâneo dos acontecimentos de fevereiro é o ódio e o medo que os exploradores de todos os países sentem pela revolução de Outubro. A espontaneidade da greve de massas, o reagrupamento de todo o proletariado nas ruas e nas assembléias gerais, a formação dos conselhos operários no calor da luta, são momentos essenciais na luta de libertação da classe operária. "Indubitavelmente, a espontaneidade do movimento é um sintoma de sua profundidade entre as massas, da consistência de suas raízes, de sua invencibilidade", como resaltou Lenin [1]. Porém na medida em que a burguesia continua sendo a classe dominante, em que as forças políticas e armadas do Estado capitalista permanecem intactas, ainda é possível que contenha, neutralize e dissolva as forças de seu inimigo de classe. Os conselhos operários, esses poderosos instrumentos da luta operária, que surgiram mais ou menos espontaneamente, não são, contudo nem os únicos, nem necessariamente as mais altas expressões da revolução proletária. Predominam nas primeiras etapas do processo revolucionário. A burguesia contrarrevolucionária os infla precisamente para apresentar o inicio da revolução como seu ponto culminante, sabendo que é bem fácil esmagar uma revolução que se detém a meio caminho.

Porém a revolução russa não se deteve na metade do caminho. Indo até o final, ao completar o que começou em fevereiro, a Revolução russa confirmou a capacidade da classe operária para construir paciente, consciente e coletivamente, não só "espontaneamente", mas também de forma deliberada, planificada estratégicamente, os instrumentos que requerem para a tomada do poder: seu partido de classe marxista e seus conselhos operários, galvanizados em torno de um programa de classe e uma vontade real de governar a sociedade, e a estratégia e os instrumentos específicos da insurreição proletária. Esta unidade entre a luta política de massas e a tomada militar do poder, entre o espontâneo e o planificado, entre os conselhos operários e o partido de classe, entre as ações de milhões de operários e as de audazes minorias da classe avançadas, é a essência da revolução proletária. Esta unidade é a que tenta dissolver hoje a burguesia com suas calúnias contra o bolchevismo e a insurreição de Outubro.

A destruição do Estado capitalista, a derrubada do governo de classe da burguesia, o princípio da revolução mundial: estes são os êxitos gigantescos de Outubro de 1917, o maior e mais consciente, o mais atrevido capítulo até agora em toda a história da humanidade. Outubro fez em pedaços séculos de servidão engendrado pela sociedade de classes, demostrando que, pela primeira vez na história, existe uma classe que é ao mesmo tempo classe explorada e revolucionária. Uma classe capaz de governar a sociedade abolindo o governo das classes, capaz de libertar a humanidade de sua "pré-história" de submissão a forças sociais cegas. Essa é a verdadeira razão porque a classe dominante até agora, e agora mais que nunca, difunde a imundice de suas mentiras e calúnias sobre Outubro vermelho, o acontecimento "mais odiado" da história moderna, porém que é, de fato, o orgulho da consciência de classe do proletariado. Pretendemos demostrar que a insurreição de Outubro, que os porta-vozes e escreventes do capital chamam um "golpe", foi o ponto culminante, não só da Revolução russa, mas de toda a luta de nossa classe até então. Como escreveu Lênin em 1917: "O fato de que a burguesia nos odeie com tanto furor é um dos sintomas mais evidentes de que indicamos com acerto ao povo o caminho e os meios para derrubar o dominio da burguesia" [2].

 "A crise está madura"

Em 10 de outubro de 1917, Lênin, o homem mais procurado do país, assediado pela polícia por todas as partes da Rússia, compareceu à reunião do Comitê central do Partido bolchevique em Petrogrado, disfarçado com peruca e óculos, e escreveu a siguinte resolução em uma página de um caderno escolar:

  •  "O CC reconhece que tanto a situação internacional da Revolução russa (insurreição na frota alemã como manifestação extrema da marcha ascendente em toda Europa da revolução socialista mundial; e por outro lado, a ameaça de que a paz imperialista estrangule a revolução na Rússia), como a situação militar (decisão indubitável da burguesia russa e de Kerenski e companhia de entregar Petrogrado aos alemães) e a conquista pelo partido proletário da maioria dentro dos sovietes; unindo tudo isso a insurreição camponesa e a virada da confiança do povo para nosso Partido (eleições de Moscou), e, finalmente, a preparação manifesta de uma segunda korniloviada (evacuação das tropas de Petrogrado, envio de cosacos a Petrogrado, cerco de Minsk pelos cosacos, etc.), põem à ordem do dia a insurreição armada. Reconhecendo, pois, que a insurreição armada é inevitavel e se acha plenamente madura, o CC solicita a todas as organizações do Partido se guiar por isto e a examinar e resolver a partir deste ponto de vista todos os problemas práticos (Congresso dos Sovietes da região do Norte, evacuação das tropas de Petrogrado, ações em Moscou e Minsk, etc.)" [3].

Exatamente quatro meses antes, o Partido bolchevique havia freado deliberadamente o ímpeto combativo dos operários de Petrogrado, a quem as classes dominantes impulsionou a um enfrentamento isolado e prematuro com o Estado. Uma situação assim, devia ter levado sem a menor dúvida a decapitação do proletariado russo na capital e a que seu partido de classe fosse dizimado. O partido, superando suas próprias dúvidas internas, se aprestava firmemente em "... mobilizar todas suas forças para imprimir nos operários e nos soldados a necessidade incondicional de uma última luta desesperada e resoluta para derrubar o governo de Kerenski". Em 29 de setembro declarava: "A crise está madura. Está em jogo todo o futuro da Revolução russa. Está em jogo toda a honra do Partido bolchevique. Está em jogo todo o futuro da revolução operária internacional pelo socialismo".[4]

A explicação da atitude completamente diferente do Partido em outubro, oposta à de julho, está contida na resolução mencionada antes com uma brilhante claridade e audácia marxista. O ponto de partida, como sempre para o marxismo, é a análise da situação internacional, a avaliação da relação de forças entre as classes e as necessidades do proletariado mundial. A diferença da situação em julho de 1917, a resolução faz notar que o proletariado russo já não está só; que a revolução mundial havia começado nos países centrais do capitalismo. "Dêem uma olhada na situação internacional. O crescimento da revolução mundial é indiscutivel. A explosão de revolta dos operários Tchecos tem sido sufocada com incrível ferocidade, indicadora do extremado temor do governo. Na Itália as coisas tem chegado também a um estouro massivo em Turim. Porém o mais importante é a rebelião da frota alemã" [5]. É responsabilidade da classe operária na Rússia, não só aproveitar a oportunidade para romper seu isolamento internacional, imposto até então pela guerra mundial, mas sobretudo estender as chamas da insurreição na Europa ocidental, começando a revolução mundial.

Contra a minoria de seu próprio partido que ainda fazia eco da argumentação menchevique pseudomarxista, contrarrevolucionária, de que a revolução deveria começar em um país mais avançado, Lênin mostrou que, na realidade, as condições na Alemanha eram muito mais difíceis que na Rússia e que o verdadeiro significado histórico da revolução na Rússia era ajudar a desenvolver a revolução na Alemanha. "Os alemães, em condições diabólicamente dificeis, com só um Liebknecht (e, além disso, no presídio); sem jornais, sem liberdade de reunião, sem sovietes; com uma hostilidade incrível à idéia do internacionalismo por parte de todas as classes da população - incluindo o último camponês adaptado; com uma formidável organização da burguesia imperialista grande, média e pequena; os alemães, ou melhor, os revolucionários internacionalistas alemães, os operários com capas de marinheiros, têm organizado uma rebelião na frota com um por cento de probabilidades de êxito. Nós, em troca, com dezenas de jornais, com liberdade de reunião, com a maioria nos sovietes; nós, os internacionalistas proletários colocados nas melhores condições de todo o mundo, nos negaríamos a apoiar com nossa insurreição os revolucionários alemães. Raciocinaríamos como os Scheidemann e os Renaudel: o mais sensato é não revoltar-se, pois senão nos metralham que excelentes, que judiciosos, que ideais internacionalistas perderá o mundo!! Demostremos nossa sensatez. Aprovemos uma resolução de simpatia com os insurgentes alemães e recusemos a insurreição na Rússia. Isso será internacionalismo autêntico, sensato" [6].

Esta posição e este método internacionalista, exatamente o oposto à posição burguesa nacionalista que desenvolveu o stalinismo durante a contrarrevolução, não era exclusiva do Partido bolchevique nessa época, senão a propriedade comum dos operários avançados da Rússia com sua educação política marxista. Assim, em começos de outubro, os marinheiros revolucionários da frota do Báltico proclamaram através das estações de rádio de seus barcos aos confins da terra a siguinte convocação: "Neste momento em que as ondas do Báltico estão manchadas de sangue dos nossos irmãos, levantamos nossa voz: ... Povos oprimidos de todo o mundo! icem a bandeira da revolta!". Porém a avaliaçao das forças de classes a nivel mundial que faziam os bolcheviques não se limitava a examinar o estado do proletariado internacional, mas expressava uma clara compreensão da situação global do inimigo de classe. Baseando-se sempre em um enraizado e profundo conhecimento da história do movimento operário, os bolcheviques sabiam, pelo exemplo da Comuna de Paris de 1871, que a burguesia imperialista, inclusive em plena guerra mundial, unificaria suas forças contra a revolução.

"Não demonstra a completa inatividade da marinha inglesa em geral, assim como dos submarinos ingleses durante a tomada de Osel pelos alemães, em relação com o plano do Governo de transferir-se de Petrogrado para Moscou, que se há forjado um complô entre os imperialistas russos e ingleses, entre Kerenski e os capitalistas anglo-franceses, para entregar Petrogrado aos alemães e, desta forma, estrangular a revolução russa?", pregunta-se Lenin, e acrescenta, "A resolução da Seção de soldados do Soviete de Petrogrado contra a evacuação do Governo de Petrogrado mostra que também entre os soldados amadurece o convencimento do complô de Kerenski" [7]. Em agosto, sob Kerenski e Kornilov, a Riga revolucionária foi entregue aos pés do kaiser Guillermo II. Os primeiros rumores de uma paz em separado entre Grã-Bretanha e Alemanha contra a Revolução russa alarmaram Lenin. O objetivo dos bolcheviques não era a "paz", senão a revolução, posto que sabiam, como verdadeiros marxistas, que o "cessar fogo" capitalista só podia ser um intervalo entre duas guerras mundiais. Era esta visão comunista da espiral inevitavel da barbárie que o capitalismo decadente em falência histórica, reservava a humanidade o que impulsionava agora a bolchevismo na corrida contra o relógio para cessar a guerra por meios revolucionários proletários. Ao mesmo tempo, os capitalistas começavam a sabotar a produção em todas as partes para desacreditar a revolução. Estes feitos, no entanto, no fim das contas contribuíram para os operários em destruir o mito burguês patriota da "defesa nacional", segundo o qual, a burguesia e o proletariado da mesma nação, têm um interesse comum em repelir o "agressor" estrangeiro. Isto explica também porque, em outubro, a preocupação dos operários já não era desencadear a greve de massas, mas manter a produção em marcha contra a tentativa de ataque da burguesia a suas próprias fábricas.

Entre os fatores que foram decisivos para levar a classe operária à insurreição está o fato de que a revolução estava ameaçada por novos ataques contrarrevolucionários, e que os operários, sobretudo os principais sovietes, apoiavam agora os bolcheviques. Esses dois fatores eram o fruto direto da confrontação de massas mais importante entre julho e outubro de 1917: o golpe de Kornilov em agosto. Sob da direção dos bolcheviques, o proletariado interrompeu a marcha de Kornilov a capital, essencialmente ganhando a suas tropas, e sabotando seu transporte e logística graças aos operários das ferroviárias, do correio e outros. Nesta ação, durante a qual os sovietes se revitalizaram como organização revolucionária de toda a classe, os operários descubriram que o Governo provisório de Petrogrado, dirigido pelo socialista revolucionário Kerenski e pelos mencheviques, estava envolvido no complô contrarrevolucionário. A partir desse momento, os operários compreenderam que esses partidos haviam se convertido em uma verdadeira "ala esquerda do capital", e começaram a se pender para os bolcheviques.

  • "Toda a arte tática consiste em saber aproveitar o momento em que a combinação das condições é mais favorável. A sublevação de Kornilov preparara definitivamente estas condições. As massas, que tinham perdido a confiança nos partidos da maioria soviética, viram o perigo de contra-revolução com os próprios olhos. Consideraram que cabia agora aos bolcheviques encontrar uma saída para a situação" [8].

O teste mais claro que dá prova das qualidades revolucionárias de um partido operário é sua capacidade para explicar a questão do poder. "Ora, a mudança mais brusca é aquela em que o Partido do proletariado passa da preparação, propaganda, organização e agitação para a luta direta pelo poder, à insurreição armada contra a burguesia. Tudo o que há de irresoluto, cético, conciliador e capitulacionista no interior do Partido, ergue-se contra a insurreição" [9].

Porém o Partido bolchevique superou esta crise, envolvendo se firmemente na luta armada pelo poder e demostrando assim suas qualidades revolucionárias sem precedente.

O proletariado toma o caminho da insurreição

Em fevereiro de 1917 se estabeleceu uma situação denominada de "duplo poder". Junto ao Estado burguês, e oposto a ele, os conselhos operários apareciam como um governo potencial alternativo da classe operária. Posto que na realidade não possam coexistir dois governos opostos de duas classes inimigas, posto que necessariamente uma tenha que destruir a outra para impor-se à sociedade, esse período de duplo poder é necessariamente curto e instável. Essa fase não se caracteriza, desde já, por uma "coexistência pacífica" ou uma mútua tolerância. Poderá ter uma aparência de equilíbrio social. Na realidade é uma etapa decisiva na guerra civil entre o trabalho e o capital.

A falsificação burguesa da história está obrigada a mascarar a luta de vida ou morte das classes que teve lugar entre fevereiro e outubro de 1917 para apresentar a revolução de Outubro como um "golpe bolchevique". Um prolongamento "anormal" desse período de "duplo poder" teria significado necessariamente o fim da revolução e de seus órgãos. Os sovietes são reais unicamente "como órgão de insurreição, como órgão do poder revolucionário. Fora disso, os sovietes não são mais que um mero joguete que só pode produzir apatía, indiferença e decepção entre as massas, que estão legitimamente fartas da interminável repetição de resoluções e protestos" [10]. Ainda que a insurreição proletária não fosse mais espontânea que o golpe militar contrarrevolucionário, nos meses que antecederam a outubro, ambas classes manifestaram repetidamente sua tendência espontânea à luta pelo poder. As Jornadas de julho e o golpe de Kornilov só foram as manifestações mais claras. A mesma insurreição de Outubro na realidade começou não com um sinal do Partido bolchevique, mas com o intento do governo burguês de enviar as tropas mais revolucionárias, dois terços da guarnição de Petrogrado, a frente de guerra, com a intenção de substituí-los por batalhões contrarrevolucionários. Dito de outra forma, a burguesia começou, apenas algumas semanas depois da kornilovada, com um novo intento de esmagar a revolução, obrigando o proletariado a tomar medidas insurrecionais para defendê-la.

  • "No entanto, o desenlace da insurreição de 25 de Outubro pré-determinara-se já, pelo menos em três quartas partes, no momento em que, opondo-nos ao afastamento da guarnição de Petrogrado, criamos o Comitê Militar Revolucionário (7 de Outubro), nomeamos os nossos comissários para todas as unidades e instituições militares e, por isso mesmo, isolamos completamente, não só o estado-maior da circunscrição militar de Petrogrado, mas também o governo... A partir do momento em que, por ordem do Comitê Militar Revolucionário, os batalhões se recusaram a abandonar a cidade, estava-se diante de uma insurreição vitoriosa na capital" [11].

Ademais, este Comitê militar revolucionário, que tinha de conduzir as ações militares decisivas de 25 de outubro, não só não era um órgão do Partido bolchevique, mas que em sua origem foi proposto pelos partidos de "esquerda" contrarrevolucionários como um meio para impor precisamente a retirada das tropas da capital sob a autoridade dos sovietes; porém foi trasformado imediatamente pelo soviete em um instrumento não só para opor-se a esta medida, mas para organizar a luta pelo poder.

"Não, o poder dos sovietes não era uma quimera, uma construção arbitraria, a invenção dos teóricos do Partido. Subia, irresistivelmente. de baixo da desordem econõmica da impotência dos possuidores das necessidades das massas; os sovietes, transformavam-se, na verdade, no poder para os operãrios, o soldados, os camponeses não existia outro caminho. A respeito do poder dos sovietes, não era mais tempo de procurar raciocinios e objeções; era necessário realizá-lo" [12]. A lenda de um golpe bolchevique é uma das maiores mentiras da história. De fato, a insurreição se anunciou públicamente de antemão aos delegados revolucionários eleitos. O discurso de Trotski em 18 de outubro à Conferência da guarnição é uma ilustração disto: "A burguesia sabe que o Soviete de Petrogrado proporá ao congresso dos Sovietes que tome o poder em mãos... Pressentindo a batalha inevitável, as classes burguesas se esforçam por desarmar Petrogrado... A primeira tentativa da contra-revolução para suprimir o Congresso responderemos por meio de uma contra-ofensiva que será implacável e que levaremos até o fim". O ponto 3 da resolução adaptada pela Conferência da guarnição, diz: "O Congresso Panrusso dos Sovietes deve tomar o poder em mãos e assegurar ao povo paz, terra e pão" [13]. Para assegurar que todo o proletariado apoiaria a luta pelo poder, a Conferência decidiu uma pacífica revisão de forças, que se celebraria em Petrogrado, antes do Congresso dos sovietes, e se basearia em assembléias de massas e debates : "Nas salas superlotadas, o auditório renovava-se durante horas e horas. Vagas e vagas, operários, soldados e marinheiros, espraiavam-se até os edifícios e inundavam-nos. Um tremor perpassou pelo pequeno povo da cidade, acordando-o com os gemidos e as advertências que realmente deviam provocar o medo. Dezenas de milhares de pessoas faziam submergir o enorme edifício da Casa do Povo, Espalhavam-se pelos corredores, pelos bufetes e pelos salões. Nos postes de ferro fundido, nas janelas, estavam suspensos, em guirlandas, pencas de cabeças humanas, de braços e de pernas, Havia no ar aquela carga de electricidade que anuncia próximos fragores. Abaixo Kerensky! Abaixo a guerra. O poder aos sovietes. Nem um dos conciliadores ousou aparecer diante das multidões ardentes para opor-lhes objecções ou fazer advertências. A palavra pertencia aos bolcheviques" [14].Trotski acrescenta: "A experiência da Revolução, da guerra, de uma luta dura, de toda uma vida amarga, emerge das profundezas da memória de todos os homens esmagados pela necessidade, e cunha-se nas palavras de ordem simples e imperiosa. Aquilo não podia continuar assim. Era preciso abrir uma passagem para o futuro".

O Partido não inventou este "desejo de poder" das massas, porém o inspirou e deu ao proletariado confiança em sua capacidade para governar. Como escreveu Lenin depois do golpe de Kornilov: "Deixemos a esses de pouca fé aprender deste exemplo. Vergonha aos que dizem: "não temos nenhuma máquina com que substituir a velha, que funciona inexoravelmente fazendo a defesa da burguesia". Pos temos uma máquina. Trata-se dos sovietes. Não temamos a iniciativa e a independência das massas. Confiemos nas organizações revolucionárias das massas e veremos em todas as esferas da vida do Estado o mesmo poder, majestade e vontade inquebrantável dos operários e camponeses que tem mostrado sua solidariedade e entusiasmo contra a kornilovada" [15].

A tarefa do momento: demolir o Estado burguês

A insurreição é um dos problemas mais cruciais, complexos e exigentes, que o proletariado tem que resolver se quer cumprir sua missão histórica. Na revolução burguesa esta questão é muito menos decisiva, posto que a burguesia podia basear sua luta pelo poder sobre o poder que já tinha conquistado a nivel político e econômico no seio da sociedade feudal. Durante sua revolução, a burguesia deixou a pequena burguesia e a jovem classe operária combater por ela. Quando se dissipava a fumaça da batalha, a burguesia amiude prefiriu entregar seu recém-conquistado poder às antigas classes feudais, agora aburguesadas e domesticadas, posto que por tradição estas tinham a autoridade de sua parte. O proletariado, ao contrário, não tem nenhuma propriedade nem poder econômico dentro do capitalismo, e não pode delegar, nem sua luta pelo poder, nem a defesa de seu governo de classe a nenhuma outra classe nem setor da sociedade. Tem que tomar ele mesmo o poder, arrastando, atrás sua liderança, à outros estratos da sociedade, e aceitando a plena responsabilidade, assumindo as consequências e os riscos de sua luta. Na insurreição, o proletariado revela e descobre mais claro que nunca, o "segredo" de sua própria existência como a primeira e a última classe explorada e revolucionária da história. Não é de estranhar que a burguesia se dedique a censurar a memória de Outubro!

A tarefa primordial do proletariado, de fevereiro em diante, foi conquistar os corações e as mentes de todos aqueles setores que pudessem ser ganhos para sua causa, e que de outro modo poderiam ser utilizados contra a revolução: os soldados, os camponeses, os funcionários do Estado, os empregados de transportes e comunicações, e inclusive os serventes da burguesia. Às vésperas da insurreição já se havia completado esta tarefa.

A tarefa da insurreição era bastante diferente: a de romper a resistência desses corpos de Estado e formações armadas que não podiam ser ganhos para a causa do proletariado, e cuja existência contínua contém o núcleo da contrarrevolução mais bárbara. Para romper esta resistência, para demolir o Estado burguês, o proletariado tem que criar uma força armada e colocá-la sob sua própria direção de classe com disciplina de ferro. Ainda que estivessem dirigidas pelo proletariado, as forças insurreicionais de 25 de outubro estavam compostas essencialmente de soldados que obedeciam sua órdens. "A Revolução de Outubro foi a luta do proletariado contra a burguesia pelo poder. Foi, todavia, o mujique quem decidiu, afinal de contas, o resultado da luta... O que deu, na capital, á insurreição, o carácter de um golpe desferido rapidamente e com um mínimo de vítimas, foi a combinação do complô revolucionário da insurreição proletária com a luta da guarnição camponesa para a sua própria salvaguarda. O Partido dirigia a insurreição: a principal força motriz era o proletariado; os destacamentos operários armados representavam o punho fechado para o choque; mas o resultado da luta deveria ser decidido pela guarnição camponesa, difícil de sublevar" [16]. Na realidade, o proletariado pôde tomar o poder porque foi capaz de mobilizar outros estratos sociais atrás do seu próprio projeto de classe: exatamente o oposto a um "golpe".

  • "Quase não houve manifestações, combates de rua, barricadas, tudo quanto se entende geralmente por insurreição; a Revolução não tinha necessidade de resolver um problema que já estava resolvido. A tomada do aparelho governamental poderia ser efetuada segundo um plano, com o auxílio dos destacamentos armados, relativamente pouco numerosos, partindo de um centro único (...) Em Outubro, a calma nas ruas, a ausência de multidão, a inexistência de combates davam, ao adversário, motivos para falar em conspiração de uma minoria insignificante, em espírito de aventura de um punhado de bolcheviques (...) Na verdade, os bolcheviques, no último momento da luta pelo poder, poderiam reduzir tudo a um "complô", não porque fóssem uma pequena minoria, mas, ao contrário, porque tinham. atrás dêles, nos bairros operários e nas casernas, uma esmagadora maioria, fortemente agrupada, organizada, disciplinada" [17].

Eleger o momento adequado: pedra angular da luta pelo poder

Tecnicamente falando, a insurrecição comunista é uma simples questão de organização militar e de estratégia. Politicamente, é a tarefa mais exigente que se possa imaginar. E o mais difícil de tudo é eleger o momento adequado da luta pelo poder. O principal perigo era uma insurreição prematura. Por volta de setembro, Lênin já estava chamando incessantemente a preparação imediata da luta armada, e declarando: "Agora ou nunca!".

É impossível dispor a vontade de uma situaçao revolucionaria. "Caso os bolcheviques não tivessem tomado o poder em outubro-novembro, por certo, Jamais o teriam tomado. Ao invés de uma direção firme, as massas teriam encontrado, entre os bolcheviques, sempre as mesmas divergências fastidiosas entre a palavra e a ação, e afastar-se-iam do partido que iludira suas esperanças durante dois ou três meses, assim como se afastaram dos socialistas-revolucionários e dos mencheviques" [18]. Por isso, Lenin, ao combater o perigo de atrasar a luta pelo poder, não só salientava os preparativos contrarrevolucionários da burguesia mundial, mas, sobretudo, advertia contra os efeitos desastrosos das vacilações para os operários, que estavam quase desesperados. "O povo faminto poderia começar a demolir tudo ao seu redor de forma puramente anarquista, se os bolcheviques não fossem capazes de conduzí-lo a batalha final. Não se pode esperar sem correr o risco de ajudar a confabulação de Rodzianko com Guillermo e de contribuir à ruina completa, com a fuga geral dos soldados, se estes (próximos já a desmoralização) chegam ao desespero completo e abandonam tudo a sua sorte" [19].

Eleger o momento adequado também requer uma avaliação exata, não só da correlação de forças entre a burguesia e o proletariado, mas tambiém da dinâmica das camadas intermediárias. "Uma situação revolucionária não é eterna. De tôdas as premissas de urna insurreição, a menos estável é o estado de espirito da pequena burguesia. Em épocas de crise nacional ela segue a classe que, não apenas pela palavra como também pela ação, lhe inspira confiança. Capaz de entusiasmos impulsivos, até mesmo de delírios revolucionários, a pequena burguesia não tem resistência, perde fàcllmente a coragem em caso de insucesso e das ardentes esperanças cai na desilusão. E são, precisamente, as violentas e ràpidas mudanças dos estados de ânimo que dão tamanha instabilidade a cada situação revolucionária. Se o partido proletário não tem suficiente resolução para transformar, em tempo, a expectativa e as esperanças das massas populares em ação revolucionária, o fluxo é cedo substituido pelo refluxo: as camadas intermediárias viram as costas à revolução e procuram um salvador no campo oposto" [20].

A arte da insurreição

Na sua luta para persuadir o Partido da necessidade imperiosa de uma insurreição imediata, Lenin retomou as reflexões de Marx (em Revolução e contrarrevolução na Alemanha) sobre a questão da insurreição como uma arte, "que, como a arte da guerra ou outras, está sujeita a certas regras cuja negligência leva à submersão do partido responsável." Segundo Marx, a regra mais importante é não parar nunca na metade do caminho uma vez que tenha começado a insurreição; manter sempre a ofensiva posto que " a defensiva é a morte de toda sublevação armada"; surpreender o inimigo e desmoralizá-lo por meio de êxitos cotidianos, "ainda que sejam pequenos", obrigando-o a bater-se em retirada; "em poucas palavras, segundo Danton, o grande mestre da tática revolucionária: "audácia, audácia e audácia"". E como assinalou Lenin, "... há que concentrar no lugar e no momento decisivos forças muito superiores, porque do contrário, o inimigo, melhor preparado e organizado, aniquilará os insurgentes". Lenin acrescenta: "Confiemos em que, se se concorda com a insurreição, os dirigentes aplicaram com êxito as grandes regras de Danton e Marx. O triunfo da Revolução russa e da revolução mundial depende de dois ou três dias de luta" [21].

Com este objetivo, o proletariado teve que criar os órgãos de sua luta pelo poder, um comitê militar e destacamentos armados. "Assim como um ferreiro não pode pegar com a mão nua um ferro aquecido a alta temperatura, o proletariado não pode, com as mãos nuas, apoderar-se do poder: é necessário, para isso, que possua uma organização apropriada. Na combinação da insurreição das massas com a conspiração, na subordinação do complô à insurreição, na organização da insurreição através da conspiração, reside o dominio complicado e cheio de responsabilidade da política revolucionária que Marx e Engels denominavam a "arte da insurreição" " [22].

Esta explicação centralizada, coordenada, é o que permitiu ao proletariado esmagar a última resistência armada da burguesia e desferir um golpe terrivel que a burguesia mundial não esqueceria, e de fato não o tem esquecido até agora. "..Os historiadores e os homens políticos denominam, habitualmente, insurreição das fôrças elementares o movimento de massas que, ligadas pela hostilidade contra o antigo regime, não possuem objetivos claros, nem métodos de luta elaborados, nem direção que conduza, conscientemente, à vitória. A insurreição das fôrças elementares é de bom grado reconhecida pelos historiadores oficiais, pelo menos pelos democratas, como uma calamidade inevitável cuja responsabilidade recai sõbre o antigo regime. A. verdadeira razão de tal indulgência está em que as Insurreições das fôrças "elementares" não podem sair dos quadros do regime burguês (...) O que ela nega, como sendo ‘blanquismo" ou pior ainda, bolchevismo, é o preparo consciente da insurreição,
o plano, a conspiração
" [23].

Isto é o que enfurece ainda mais a burguesia: a audácia com que a classe operária lhe arrebatou o poder. A burguesia do mundo inteiro sabia que estava preparando uma sublevação. Porém não sabia como e quando atacaria o inimigo. Ao desferir seu golpe definitivo, o proletariado se aproveitou plenamente da vantagem da surpresa da eleição do terreno de batalha. A burguesia esperava que seu inimigo fosse bastante ingênuo e "democrático" para decidir a questão da insurreição públicamente, na presença das classes dirigentes, no Congresso pan-russo dos Sovietes que se havia convocado em Petrogrado. Ali esperava sabotar e impedir a decisão e sua execução. Porém quando os delegados do Congresso chegaram a capital, a insurreição estava em pleno apogeu e a classe governante ja cambaleava. O proletariado de Petrogrado, através do seu Comitê militar revolucionário, entregou o poder ao Congresso dos Sovietes, e a burguesia não pôde fazer nada para impedí-lo. Golpe! Conspiração! gritava a burguesia, ainda grita o mesmo. A resposta de Lenin foi: golpe, não; conspiração, sim, porém uma conspiração subordinada a vontade das massas e às necessidades da insurreição. E Trotski acrescenta: "Quanto mais elevado for o nível político de um movimento revolucionário, quanto mais séria fôr a direção, maior será o lugar ocupado pela conspiração dentro da Insurreição popular" [24].

O bolchevismo uma forma de blanquismo? As classes exploradoras lançam de novo, atualmente esta acusação. "Os bolcheviques tiveram de, mais de uma vez, muito tempo antes da insurreição de Outubro, refutar acusações contra êles dirigidas pelos adversários, que os acusavam de maquinações conspirativas e de bianquismo. Ora, ninguém, mais do que Lenine, manteve uma luta tão intransigente contra a mera conspiração. Os oportunistas da social-democracia internacional tomaram, muitas vêzes, sob a proteção dêles, a velha tática socialista-revolucionária do terror individual contra os agentes do tzarismo, resistindo à critica implacável dos bolchevlques, que opunham ao aventureiro Individualismo de intelflguentsia o movimento que visava a insurreição das massas. Ao repudiar tôdas as variedades de blanquismo e da anarquia, Lenine também não se inclinava, um minuto sequer, diante da "sagrada" fõrça elementar das massas". Trotski acrescenta a isto: "A conspiração não substitui a insurreição. A minoria activa do proletariado, por mais organizada que seja, não pode apoderar-se do poder independentemente da situação geral do pais: nisso o blanquismo é condenado pela história. Mas apenas nisso, o teorema direito conserva toda a força dele. Para a conquista do poder, não basta ao proletariado uma insurreição das forças elementares. Ele precisa de uma organização correspondente, ele precisa de um plano, ele precisa da conspiração. É dessa forma que Lênin coloca a questão" [25].

O partido e a insurreiçao

É um fato bem conhecido que Lênin, o primeiro que foi completamente claro sobre a necessidade da luta pelo poder em outubro, expondo diferentes planos para a insurreição (um, centralizado na Finlândia e a frota do Báltico e outro em Moscou), em algum momento defendeu que fosse o Partido bolchevique, e não um órgão dos sovietes, que organizasse diretamente a insurreição. Os feitos provaram que a organização e a liderança da sublevação por um órgão do soviete como o Comitê militar revolucionário, onde por conseqüência o Partido tinha a influência dominante, é a melhor garantia para o êxito completo do acometimento , posto que então é o conjunto da classe, e não só os simpatizantes do partido, que se sente representado por seus órgãos unitários revolucionários.

Porém a proposta de Lênin, segundo a burguesia, revela que para ele a revolução não é tarefa das massas, mas um assunto privado do Partido. Porque se não - perguntam - estava termanantemente contra esperar o Congresso dos sovietes para decidir a sublevação. A atitude de Lênin se inscrevia plenamente no marxismo e sua confiança fundada historicamente nas massas proletarias. "Seria desastroso, ou em todo caso uma explicação puramente formal, querer esperar a incerta votação de 25 de outubro. O povo tem o direito e o dever de decidir sobre essas questões, não pelo voto, mas pela força; o povo tem o direito e o dever, nos momentos críticos da revolução, de mostrar a seus representantes, inclusive a seus melhores representantes, a direção correta, em vez de esperá-los. Isto nos ensina a história de todas as revoluções, e seria um monstruoso crime dos revolucionários deixar passar o momento, quando sabem que a salvação da revolução, as propostas de paz, a salvação de Petrogrado, e acabar com a fome, ou a devolução da terra aos camponeses, depende disto. O governo cambaleia, e há que dar-lhe o último golpe. A qualquer preço!" [26].

Na realidade, todos os líderes bolcheviques estavam de acordo com isto. Quem quer que fosse que dirigisse a sublevação, o poder alcançado seria entregue imediatamente ao Congresso pan-russo dos sovietes. O Partido sabia perfeitamente que a revolução não era somente assunto seu ou dos operários de Petrogrado, mas do conjunto do proletariado. Mas em relação a questão de quem devia conduzir a insurreição propriamente dita, Lênin estava certo quando argumentava que o faziam os órgãos da classe melhor preparados e em melhores condições para assumir a tarefa da planificação política e militar e de liderança política da luta pelo poder. Trotski tinha razão ao argumentar que o melhor dotado para esta tarefa seria um órgão do Soviete, especialmente criado para esta tarefa, e sob da influência do Partido. Mas não se tratava so de um debate de princípios, mas de um assunto vital de eficácia política. A preocupação de Lênin de que não se podia sobrecarregar com esta tarefa o conjunto do aparelho do Soviete, posto que isso atrasaria a insurreição e levaria a divulgar os planos ao inimigo, era completamente válida. Foi necessária a dolorosa experiência da Revolução russa para que depois, a esquerda comunista pudesse expor que, ainda é indispensavel a direção política do partido de classe, tanto na luta pelo poder como na ditadura do proletariado, não é tarefa do partido tomar o poder. Sobre esta questão, nem Lenin, nem outros bolcheviques (nem os espartakistas na Alemanha, etc) eram suficientemente claros em 1917, nem podiam sê-lo. Mas em relação a "arte da insurreição", a paciência revolucionária, e a precaução para evitar sublevações prematuras, em relação a audácia revolucionária necessária para tomar o poder, não tem hoje revolucionários de quem se pode aprender mais de que Lênin . Em particular sobre o papel do partido na insurreição. A história provou que Lênin tinha razão: quem toma o poder são as massas, e o soviete colabora com a organização, mas o partido de classe é a arma mais indispensável da luta pelo poder. Em julho de 1917 foi o partido que não permitiu que a classe operária sofresse uma derrota decisiva. Em outubro de 1917, o partido conduziu a classe ao poder. Sem esta direção indispensável não se teria tomado o poder.

Lênin contra Stalin

Porém a revolução de Outubro levou ao stalinismo! Grita a burguesia tirando seu argumento "definitivo". Porém na realidade o que levou ao stalinismo foi a contrarrevolução burguesa, a derrota da revolução na Europa ocidental, a invasão e o isolamento internacional da União soviética, o apoio da burguesia mundial à burocracia nacionalista que se desenvolvia na Rússia contra o proletariado e os bolcheviques. É importante recordar que durante as semanas cruciais de outubro de 1917, como durante os meses anteriores, dentro do Partido bolchevique se manifestou uma corrente que refletia o peso da ideologia burguesa, que se opunha a insurreição, e da qual Stalin já era o representante mais perigoso. Já em março de 1917, Stalin havia sido o principal porta-voz no Partido daqueles que queriam abandonar sua posição internacionalista revolucionária, apoiar o Governo provisório e sua política de continuação da guerra imperialista, e reagrupar-se com os socialpatriotas mencheviques. Quando Lênin chamou publicamente a insurreição, Stalin, como editor do órgão de imprensa do Partido, atrasava intencionalmente a publicação de seus artigos, enquanto as contribuições de Kamenev e Zinoviev, que estavam contra o levantamento, e que amiúde rompiam com a disciplina do Partido, estavam publicadas como se tratasse da posição oficial do Partido, razão pela qual Lênin o ameaçou demitir do Comitê central. Stalin continuou pretendendo que Lenin, que estava pela insurreição imediata e que agora tinha o Partido à reboque, e Kamenev e Zinoviev, que sabotavam abertamente as decisões do Partido, eram "da mesma opinião". Durante a insurreição, o aventureiro político Stalin "desapareceu" - na realidade para ver que grupo ganhava antes de reaparecer defendendo sua própria posição. A luta de Lênin e o Partido contra o "stalinismo" em 1917, contra suas manipulações e a sabotagem trapaceira à insurreição (a diferença de Zinoviev e Kamenev, pois, estes, quando menos, atuavam abertamente), voltou a retomar no Partido nos últimos dias da vida de Lênin, mas desta vez em condições infinitamente mais desfavoráveis.

O cume mais alto da história humana

Longe de ser um banal golpe de Estado, como mente a classe dominante, a revolução de Outubro é o ponto mais alto que foi alcançado até hoje pela humanidade em toda sua história. Pela primeira vez uma classe explorada teve a coragem e a capacidade de tomar o poder arrebatando-o dos exploadores e inaugurar a revolução proletária mundial. Ainda que a revolução prematuramente tenha sido derrotada em Berlim, Budapeste e Turim, ainda que o proletariado russo e mundial tivesse que pagar um preço terrivel por sua derrota - o horror da contrarrevolução, outra guerra mundial, e toda a barbárie até hoje - a burguesia ainda não foi capaz de apagar a memória e as lições deste enorme acontecimento. Hoje, quando a mentalidade e a ideologia decomposta da classe dominante destila o individualismo, o niilismo e o obscurantismo, o florecimento de visões reacionárias do mundo, como o racismo e o nacionalismo, o misticismo, o ecologismo burguês, quando e são abandonados os últimos vestígios de crença no progresso humano, o farol que acendeu a revolução de Outubro marca o caminho. Outubro recorda ao proletariado que o futuro da humanidade está em suas mãos, e que essas mãos, são capazes de cumprir sua tarefa. A luta de classes do proletariado, a reapropiação pela classe operária de sua própria história, a defesa e o desenvolvimento do método científico do marxismo, esse é o programa de Outubro. Esse é hoje o programa para o futuro da humanidade. Como Trotski escreveu na conclusão de sua grande História da Revolução rusa: "A subida histórica da humanidade, tomada em conjunto, pode ser resumida como um encadeamento de vitórias da consciência sobre as forças cegas - na natureza, na sociedade, no próprio homem. O pensamento critico e criador vangloriou-se dos maiores sucessos, até o momento presente, na luta contra a natureza. As ciências físico-químicas chegaram a tal ponto que os homens se dispõem a se transformarem nos senhores da matéria. Mas as relações sociais continuam a ser estabelecidas à semelhança dos attols. O parlamentarismo iluminou apenas a superfície da sociedade e ainda assim com uma luz bastante artificial. Comparada com a Monarquia e outras heranças do canibalismo e da selvajaria das cavernas, a democracia representa, é evidente, uma grande conquista. Mas não atinge de modo algum o jogo cego das forças nas relações mútuas da sociedade. Foi exactamente nos domínios mais profundos do inconsciente que a Insurreição de Outubro, pela primeira vez, levantou a mão. O sistema soviético quer introduzir um objectivo e um plano nos fundamentos mesmos de uma sociedade onde reinam, até agora, simples consequências acumuladas"

 


 

[1] Lênin, A Revolução russa e a guerra civil. Tradução nossa.

[2] Lênin, Se sustentarão os bolcheviques no poder? Tradução nossa.

[3] Lênin, Reunião do CC do POSDR, 10-23 de outubro de 1917. Tradução nossa.

[4] Lênin, A crise está madura. Tradução nossa.

[5] Lênin, Carta aos camaradas bolcheviques que participam no Congresso dos Sovietes da região do Norte. Tradução nossa.

[6] Lênin, Carta aos camaradas. Tradução nossa.

[7] Lênin, Carta à Conferência da cidade de Petrogrado. Tradução nossa.

[8] Trotski, As lições de Outubro, escrito em 1924. Tradução Aluizio Franco Moreira(Mestre em História) www.moreira.pro.br/pagcent.htm [4]

[9] Trotski, Idem.

[10] Lênin, Tese para um informe perante a Conferência de Outubro. Tradução nossa.

[11] Trotski, As lições de Outubro.

[12] Trotski, A História da Revolução russa; Edição - Editora Paz e Terra; Volume III; capítulo "Retirada do pré-parlamento e luta pelo congresso dos soviets"

[13] Trotski, op. cit.; capítulo "Retirada do pré-parlamento"

[14] Trotski, op. cit.; capítulo "O comitê militar revolucionário"

[15] Lênin, Se sustentarão os bolcheviques no poder? Tradução nossa.

[16] Trotski, op. cit.; capítulo "A insurreição".

[17] Idem.

[18] Idem.

[19] Lênin, Carta aos camaradas. Tradução nossa.

[20] Trotski, op. cit.; capítulo "A arte da insurreição".

[21] Lênin, Conselhos de um ausente. Tradução nossa.

[22] Idem.

[23] Trotski, op. cit.; capítulo "A arte da insurreição".

[24] Idem.

[25] Ídem.

[26] Lênin, Carta ao Comitê central. Tradução nossa.

O papel indispensável do partido

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  Uma coisa é certa: o ódio e desprezo da burguesia pela revolução proletária que começou na Rússia em 1917, seus esforços por deformar e desvirtuar sua memória, centram-se sobre tudo na organização política que encarnou o espírito daquele enorme movimento insurrecional: a partido bolchevique. Isto não deveria nos surpreender. Desde os dias da Liga dos comunistas e da Primeira Internacional, a burguesia sempre esteve disposta a "perdoar" a maioria dos pobres operários enganados pelas conspirações e as maquinações das minorias revolucionárias, às que ao contrário, estigmatizou invariavelmente como a verdadeira encarnação do diabo. E para o capital, ninguém foi tão diabólico como os bolcheviques, que, depois de tudo, arrumaram para "seduzir" aos operários mais e melhor que qualquer outro partido revolucionário na história.

Um elemento importante nesta inquisição antibolchevique , é a idéia de que o bolchevismo, apesar de todo seu discurso sobre o marxismo e a revolução mundial, era sobre tudo uma expressão do atraso da Rússia. Isto não é novo: de fato uma das expressões favoritas de "renegado Kautsky"  no momento da insurreição de Outubro. Mas depois adquiriu uma considerável respeitabilidade acadêmica. Um dos estudos melhor documentado sobre os líderes da revolução russa, o livro do Bertran Wolfe, Three who made a revolution (Três que fizeram uma Revolução), escrito na década de 1950, desenvolve esta idéia com uma atenção particular para Lênin.

Segundo esta visão, a posição do Lênin sobre a organização política proletária como um corpo "reduzido" composto de revolucionários convencidos, pertence mais às concepções conspirativas e secretas dos "narodnikis" e de Bakunin, que de  Marx. Esses historiadores, freqüentemente contrastam esta visão com as concepções mais "sofisticadas", "européias" e "democráticas" dos mencheviques. E é "obvio", já que a forma da organização revolucionária está conectada com a forma da revolução propriamente dita, a organização democrática menchevique poderia nos ter legado uma Rússia democrática, enquanto que a organização ditatorial bolchevique nos legou uma Rússia ditatorial.

Não só os porta-vozes oficiais da burguesia vendem essas idéias. Também o fazem, embora com uma embalagem diferente, os anarquistas de toda índole, que se especializam na postura de "já vos  havíamos dito" sobre a revolução russa. "Já sabíamos que o bolchevismo era perigoso e que terminaria em lágrimas. Aonde,  só podia conduzir todo esse discurso sobre a partido, o Estado do período de transição e a ditadura do proletariado" Não responderemos aqui a todas as calúnias contra o bolchevismo, limitaremos a dois episódios essenciais da Revolução russa que põem em relevo o papel da vanguarda na luta revolucionária da classe operária: as Tese de Abril defendidas por Lênin quando retornou a Rússia em 1917, e as Jornadas de Julho.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Herança da Esquerda comunista [2]

As Teses de Abril, farol da revolução proletária

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As Teses de Abril, breve e agudo documento, é um excelente ponto de partida para refutar todas as mentiras sobre o partido bolchevique, e para reafirmar algo essencial sobre este partido: que não foi o produto da barbárie russa, de um anarco-terrorismo distorcido, ou da avidez inesgotável de poder de seus dirigentes. O bolchevismo foi um produto, em primeiro lugar, do proletariado mundial. Inseparavelmente ligado a toda tradição marxista, não foi em nada a semente de uma nova forma de exploração e opressão, e sim a vanguarda de um movimento para acabar com toda exploração.

De fevereiro a abril

Aproximando o final de fevereiro de 1917, os operários de Petrogrado iniciaram greves massivas contra as intoleráveis condições de vida impostas pela guerra imperialista. As consignas do movimento se politizaram rapidamente. Os operários reclamavam o final da guerra e a derrubada da autocracia. Com poucos dias a greve havia se estendido a outras cidades, e os operários tomaram as armas e confraternizaram com os soldados; a greve de massas tomou o caráter de um levantamento.

Repetindo a experiência de 1905, os operários centralizaram a luta por meio de Sovietes de deputados operários, eleitos pelas assembléias de fábrica e revogáveis a qualquer momento. Diferente de 1905, os soldados e camponeses começaram a seguir este exemplo em grande escala.

A classe dirigente, reconhecendo que os dias da autocracia estavam contados, se descartou do tzar e chamou os partidos do liberalismo e da "esquerda", em particular os elementos anteriormente proletários que recentemente haviam se passado para o campo burguês ao apoiar a guerra, para formar um Governo provisório, com a intenção de conduzir a Rússia para um sistema de democracia parlamentar. Na realidade, se suscitou uma situação de duplo poder, posto que os operários e os soldados só confiavam realmente nos sovietes e o Governo provisório não estava, ainda em uma posição suficientemente forte capaz de ignorá-los, e, ainda menos para dissolvê-los. Porém esta profunda divisão de classes estava parcialmente obscurecida pela névoa da euforia democrática que caiu sobre o país após a revolta de fevereiro. Com o Tzar fora do jogo e a população desfrutando de uma inaudita liberdade, todos pareciam estar a favor da "revolução", incluindo os aliados democráticos da Rússia, que esperavam que isto permitisse à Rússia participar mais efetivamente no esforço da guerra. Assim, o Governo Provisório se apresentava a si mesmo como o guardião da revolução; os sovietes estavam dominados politicamente pelos mencheviques e os social-revolucionários, que faziam tudo que podiam para torná-los impotentes diante do regime burguês recém instalado. Em resumo, todo o ímpeto da greve de massas e do levantamento - que na realidade era uma manifestação de um movimento revolucionário mais universal, que estava fermentando-se nos principais países capitalistas como resultado da guerra - estava sendo desviado para fins capitalistas.

Onde estavam os bolcheviques nesta situação tão cheia de riscos e promessas? Estavam em uma confusão quase completa: "Para o bolchevismo, os primeiros meses da revolução foram um período de perplexidade e vacilação. No "manifesto" do Comitê Central bolchevique, redigido após a vitória da insurreição, lê-se que "os operários das oficinas e fábricas, assim como as tropas amotinadas, deviam eleger imediatamente seus representantes ao Governo Provisório Revolucionário."... Comportavam-se não como representantes de um partido proletário preparando uma luta independente pelo poder, mas como a ala esquerda da democracia que, tendo anunciado seus princípios, pretendia por um tempo indefinido desempenhar o papel de oposição leal" [1].

Quando Stalin e Kamenev tomaram a direção do partido em março de 1917, o levaram ainda mais à direita. Stalin desenvolveu uma teoria sobre as funções complementares do Governo provisório e os sovietes. Pior ainda, o órgão oficial do partido, O Pravda, adotou abertamente uma posição "defensivista" sobre a guerra: "Nossa palavra de ordem não é o inconsistente "abaixo a guerra". Nossa palavra de ordem é pressionar o Governo Provisório com o objetivo de compeli-lo... a fazer uma tentativa para induzir todos os países beligerantes a abrirem negociações imediatas... e até lá, cada homem fique em seu posto de combate" [2].

Trotsky conta que muitos elementos no partido se sentiram profundamente intranqüilos, e inclusive muito irritados com essa deriva oportunista do partido, porém não estavam armados programaticamente para responder a posição da direção, posto que parecia estar baseada em uma perspectiva que havia sido desenvolvida pelo próprio Lênin, e que havia sido a posição oficial do partido durante uma década: a perspectiva da "ditadura democrática dos operários e camponeses". A essência desta teoria havia sido que embora a revolução que se desenvolvia na Rússia fosse de natureza burguesa - economicamente falando - a burguesia russa era demasiado débil para levar a cabo sua própria revolução. E por isso a modernização capitalista da Rússia deveria ser assumida pelo proletariado e as frações mais pobres do campesinato. Esta posição estava a meio caminho entre a dos mencheviques - que diziam ser marxistas "ortodoxos" e argumentavam que a tarefa do proletariado era dar apoio crítico a burguesia contra o absolutismo, até que a Rússia estivesse pronta para o socialismo - e a de Trotsky, cuja teoria da "revolução permanente", que desenvolveu após os acontecimentos de 1905, insistia em que a classe operária se veria impulsionada ao poder na próxima revolução, forçada a empunhar mais adiante da etapa burguesa da revolução, em direção a etapa socialista, porém só poderia fazê-lo se a revolução russa coincidisse com, ou emanasse de, uma revolução socialista nos países industrializados.

Na realidade, a teoria de Lênin havia sido quando muito um produto de um período ambíguo, em que cada vez era mais óbvio que a burguesia não era uma força revolucionária, porém em que todavia não estava claro que havia chegado o período da revolução socialista internacional. Apesar de tudo, a superioridade da tese de Trotsky se baseava precisamente no fato de que partia de um marco internacional, mais que do terreno puramente russo; e o próprio Lênin, apesar das suas múltiplas discrepâncias com Trotsky nessa época, havia se inclinado depois de 1905 em várias ocasiões em direção a noção da revolução permanente.

Na prática, a idéia da "ditadura democrática dos operários e camponeses" se mostrou insubstancial; os "leninistas ortodoxos" que repetiam esta fórmula em 1917, a usavam como uma cobertura para deslizar-se para o menchevismo puro e duro. Kamenev argumentou, forçando a barra, que posto que a fase burguesa da revolução ainda não havia se completado, era necessário dar um apoio crítico ao Governo Provisório; isto a duras penas enquadrava com a posição original de Lênin, que insistia em que a burguesia se comprometeria inevitavelmente com a autocracia. Inclusive houve sérias tentativas de reunificação dos mencheviques e dos bolcheviques.

Assim, o Partido bolchevique, desarmado programaticamente, se encaminhava para o compromisso e a traição. O futuro da revolução estava por um fio quando Lênin voltou do exílio.

Na sua História da Revolução russa, Trotsky nos dá uma descrição detalhada da chegada de Lênin a estação da Finlândia em 3 de abril de 1917. O soviete de Petrogrado, que embora estivesse dominado pelos mencheviques e os social-revolucionários, organizou uma grande festa de boas vindas e recepcionou Lênin com flores. Em nome do Soviete, Chkeidze saudou a Lênin com estas palavras: "Camarada Lenin, em nome do Soviete de Petrogrado e de toda revolução, saudamos vossa chegada à Rússia... Mas consideramos que a principal tarefa da democracia revolucionária no presente é defender nossa revolução contra todo tipo de ataques, tanto internos como externos... Esperamos que você se uma a nós na perseguição a este objetivo" [3]

A resposta de Lênin não se dirigiu aos líderes do Comitê de boas-vindas, mas a centenas de operários que se apinhavam na estação: "Queridos camaradas, soldados, marinheiros e operários, fico feliz de saudar em vocês a Revolução russa vitoriosa, saudar vocês como a guarda avançada do exército proletário mundial... Não está longe a hora em que, aos apelos de nosso camarada Karl Liebknecht, os povos voltarão suas armas contra seus exploradores capitalistas... A revolução russa realizada por vocês abriu uma nova época. Viva a revolução socialista mundial!" [4]

Desde o mesmo momento da chegada, Lênin se comportou dessa maneira frente ao carnaval democrático. Nessa noite, Lênin elaborou sua posição em um discurso de duas horas, que mais tarde deixaria quase sem sentido a todos os bons democratas e sentimentais socialistas, que não queriam que a revolução fosse mais longe do que havia ido em fevereiro, que haviam aplaudido as greves de massas operárias quando derrotaram o Tzar e permitiram que o Governo provisório assumisse o poder, porém que temiam uma polarização de classes que fosse mais além. No dia seguinte, em uma reunião conjunta de bolcheviques e mencheviques, Lênin expôs o que ia ser conhecido como suas Teses de Abril, que são bastante curtas e que reproduzimos aqui:

"1. Em nossa atitude diante da guerra, que em relação à Rússia continua sendo indiscutivelmente uma guerra imperialista, de rapina, mesmo sob o novo governo de Lvov e Cia., em virtude do caráter capitalista deste governo, é intolerável qualquer concessão ao "defensismo revolucionário".

O proletariado consciente só deve dar seu consentimento a uma guerra revolucionária, que justificaria realmente o verdadeiro defensismo revolucionário, sob as seguintes condições:

  • a) passagem do poder às mãos do proletariado e dos setores mais pobres do campesinato, ligados ao proletariado;
  • b) renúncia efetiva, e não verbal, a toda anexação;
  • c) ruptura completa de fato com todos os interesses do Capital.

Diante da inegável boa fé de amplas camadas da massa de partidários do defensismo revolucionário que apenas admitem a guerra como uma necessidade e não visando conquista, diante do fato de serem elas enganadas pela burguesia, é necessário esclarecer-lhes seu erro de modo minucioso, perseverante e paciente, explicar-lhes a ligação indissolúvel do Capital com a guerra imperialista e demonstrar-lhes que sem derrubar o capital é impossível por fim à guerra com uma paz verdadeiramente democrática e não com uma paz imposta pela violência.

Organização da propaganda, de forma a mais ampla, em torno desta maneira de ver, no seio do exército combatente. Confraternização na frente.

2. O que há de original na situação atual da Rússia, é a transição da primeira etapa da revolução, que deu o poder à burguesia por causa do grau insuficiente de consciência e organização do proletariado, à sua segunda etapa, que deve dar o poder ao proletariado e às camadas pobres do campesinato.

Esta transição é caracterizada, por um lado, por um máximo de possibilidades legais (a Rússia é hoje em dia, de todos os países beligerantes, o mais livre do mundo); por outro, pela ausência de violência contra as massas, e enfim, pela confiança irracional das massas em relação ao governo dos capitalistas, estes piores inimigos da paz e do socialismo.

Esta peculiaridade exige que nós saibamos nos adaptar às condições especiais do trabalho do Partido no seio da numerosa massa proletária que começa a despertar para a vida política.

3. Nenhum apoio ao governo provisório; demonstrar o caráter inteiramente mentiroso de todas suas promessas, notadamente daquelas que se referem à renúncia às anexações. Desmascarar este governo, que é um governo de capitalistas, em vez de defender a inadmissível e ilusória "exigência" de que deixe de ser imperialista.

4. Reconhecer que nosso partido está em minoria e não constitui no momento senão uma fraca minoria na maior parte dos Sovietes de deputados operários, face ao bloco de todos os elementos oportunistas pequeno-burgueses submetidos à influência da burguesia e que estendem esta influência ao seio do proletariado. Estes elementos vão dos socialista-populistas e dos socialista-revolucionários ao Comitê de Organização (Tchkhéidze, Tseretéli, etc.), a Stéklov, etc., etc.

Explicar às massas que os Sovietes de deputados operários são a única forma possível de governo revolucionário e que, conseqüentemente, nossa tarefa, enquanto esse governo se deixa influenciar pela burguesia, só pode ser a de explicar pacientemente, sistematicamente, insistentemente, às massas os erros de sua tática, partindo essencialmente das necessidades práticas das massas.

Enquanto estivermos em minoria, nos dedicaremos a criticar e a explicar os erros cometidos, sempre afirmando a necessidade da passagem de todo o poder aos Sovietes de deputados operários, a fim de que as massas se libertem de seus erros pela experiência.

5. Não uma república parlamentar - voltar a ela após os Sovietes de deputados operários seria um passo atrás - mas uma república de Sovietes de deputados operários, assalariados agrícolas e camponeses no país inteiro, de alto a baixo.

Supressão da polícia, do exército e da burocracia. (Nota 1 de Lênin: quer dizer, substituição do exército permanente pelo povo armado)

O ordenado dos funcionários, eleitos e revogáveis a qualquer momento, não deve exceder o salário médio de um operário qualificado.

6. No programa agrário transferir o centro de gravidade para os Sovietes de deputados de assalariados agrícolas.

Confisco de todas as terras dos grandes proprietários.

Nacionalização de todas as terras no país e sua colocação à disposição dos Sovietes locais de deputados de assalariados agrícolas e camponeses. Formação de Sovietes especiais de deputados camponeses pobres. Transformação de todo grande domínio (de 100 a 300 hectares inclusive, levando em conta as condições locais e outras e de acordo com a decisão dos órgãos locais) em uma fazenda-modelo colocada sob o controle dos deputados de assalariados agrícolas e funcionando por conta da coletividade local.

7. Fusão imediata de todos os bancos do país em um Banco Nacional único, colocado sob o controle dos Sovietes de deputados operários.

8. Nossa tarefa imediata não é a "implantação" do socialismo, mas passar unicamente à instauração imediata do controle da produção social e da distribuição dos produtos pelos Sovietes de deputados operários.

9. Tarefas do partido

  • a) convocar sem demora o congresso do partido
  • b) modificar principalmente o programa do partido:
    1) sobre o imperialismo e a guerra imperialista,
    2) sobre a atitude em relação ao Estado e nossa reivindicação de um "Estado-Comuna" (quer dizer, um Estado cujo protótipo nos deu a Comuna de Paris),
    3) emendar o programa mínimo, que envelheceu
    .
  • c) mudar a denominação do partido (Em lugar de "social-democracia", cujos líderes oficiais traíram o socialismo no mundo inteiro, passando-se para o lado da burguesia, devemos denominarmo-nos Partido Comunista).

10. Renovação da Internacional. Tomar a iniciativa da criação de uma Internacional revolucionária, de uma Internacional contra os social-chauvinistas e contra o "centro". [5]

A Luta pelo rearmamento do partido

Zalezhski, um membro do Comitê Central do partido bolchevique nessa época resumia a reação às Teses de Lênin dentro do partido e no movimento em geral: "As teses de Lênin produziram o efeito de uma bomba explodindo." [6]

 A reação inicial foi de incredulidade, e uma chuva de anátemas caiu sobre Lênin: que este havia estado demais tempo no exílio, que havia perdido o contato com a realidade russa. Suas perspectivas sobre a natureza da revolução haviam caído no "trotskismo". Pelo que respeita a sua idéia da tomada do poder pelos sovietes, havia passado ao blanquismo, ao aventurerismo, ao anarquismo. Um antigo membro do Comitê central bolchevique, fora do partido nesse momento, colocou assim o problema: "Por muitos anos, o lugar de Bakunin ficou vago na Revolução russa, agora ele é ocupado por Lenin" [7]. Para Kamenev, a posição de Lênin impediria que os bolcheviques atuassem como um partido de massas, reduzindo seu papel ao de "um grupo de comunistas propagandistas".

Esta não era a primeira vez que os "velhos bolcheviques" se agarravam a fórmulas antiquadas em nome do leninismo. Em 1905, a reação inicial bolchevique quando do aparecimento dos sovietes se baseou em uma interpretação mecânica das críticas de Lênin ao espontaneismo em Que Fazer?; a direção chamou o soviete de Petrogrado a subordinar-se ao partido ou dissolver-se. O próprio Lênin rechaçou terminantemente esta atitude, sendo um dos primeiros a compreender o significado revolucionário dos sovietes como órgãos de poder político do proletariado, e insistiu em que a questão não era "soviete ou partido", mas ambos, posto que suas funções eram complementares.

Agora uma vez mais, Lênin tinha que dar a esses "leninistas" uma lição sobre o método marxista, para demonstrar que o marxismo é totalmente ao contrário de um dogma morto; é uma teoria científica viva, que tem que verificar-se constantemente no laboratório dos movimentos sociais. As Teses de Abril foram o exemplo da capacidade do marxismo para descartar, adaptar, modificar ou enriquecer as posições anteriores à luz da experiência da luta de classes: "Por hora é necessário assimilar a verdade indiscutível de que um marxista deve tomar em conta a vida real, os fatos exatos da realidade, e não continuar aferrando-se à teoria de ontem, que como toda teoria, no melhor dos casos, só aponta o fundamental, o geral, só abarca de um modo aproximado a complexidade da vida."

"A teoria, amigo meu, é cinza; porém a árvore da vida é eternamente verde" [8]. E na mesma carta, Lênin repreende a "aqueles "velhos bolcheviques", que já por mais de uma vez desempenharam um triste papel na história do nosso Partido, repetindo uma fórmula tontamente aprendida, em vez de dedicar-se ao estudo das peculiaridades da nova e viva realidade".

Para Lênin, a "ditadura democrática" já havia se realizado nos sovietes de deputados operários e camponeses, e como tal já tinha se convertido em uma fórmula antiquada. A tarefa essencial para os bolcheviques agora era impulsionar para frente a dinâmica proletária neste amplo movimento social, que estava orientada para a formação de uma Comuna-Estado na Rússia, que seria o primeiro marco indicativo da revolução socialista mundial. Poder-se-ia fazer uma controvérsia sobre o esforço de Lênin para salvar a honra da velha fórmula, porém o elemento essencial na sua posição é que foi capaz de ver o futuro do movimento e, assim, a necessidade de romper o modelo das teorias defasadas.

O método marxista não é só dialético e dinâmico, também é global, quer dizer, se coloca cada questão em particular em um marco histórico internacional. E isto é o que permitiu a Lênin, acima de tudo, compreender a verdadeira direção dos acontecimentos. De 1914 em diante, os bolcheviques, com Lênin à frente, haviam defendido a posição internacionalista mais consistente contra a guerra imperialista, vendo que era a prova da decadência do mundo capitalista, e assim, do início de uma época de revolução proletária mundial. Esta era a base sólida da consigna de "transformar a guerra imperialista em guerra civil", que Lênin havia defendido contra todas as variedades de chauvinismo e pacifismo. Fortemente convencido dessa análise, Lênin não se deixou levar nem por um momento pela idéia de que a chegada ao poder do Governo Provisório mudara a natureza da guerra imperialista, e não poupou adjetivos para com os bolcheviques que haviam caído neste erro: "O Pravda exige do governo que este renuncie à anexação. Exigir de um governo capitalista que renuncie à anexação é um absurdo, uma flagrante zombaria." [9]

A reafirmação intransigente da posição internacionalista sobre a guerra era em primeiro lugar uma necessidade para deter a tendência oportunista do partido, porém era também o ponto de partida para liquidar teoricamente a fórmula da "ditadura democrática", e todas as apologias dos mencheviques para apoiar a burguesia. Frente o argumento segundo qual a atrasada Rússia não estava ainda madura para o socialismo, Lênin respondia como um verdadeiro internacionalista, reconhecendo na tese 8 que "não é nossa tarefa imediata introduzir o socialismo".

A Rússia por si mesma não estava madura para o socialismo, porém a guerra imperialista havia demonstrado que o capitalismo mundial, globalmente estava mais do que maduro. Daí a saudação de Lênin aos operários na estação da Finlândia: os operários russos, ao tomar o poder, estariam atuando como a vanguarda do exército proletário internacional. Daí também o chamamento a uma nova Internacional no final das teses. E para Lênin, como para todos os autênticos internacionalistas do momento, a revolução mundial não era um desejo piedoso, mas uma perspectiva concreta nascida da revolta proletária internacional contra a guerra - greves na Inglaterra e Alemanha, manifestações políticas, rebeliões e confraternização nas forças armadas de vários países, e por conseqüência a maré revolucionária crescente na própria Rússia. Essa perspectiva, que nesse momento era embrionária, iria confirmar-se após a insurreição de Outubro pela extensão da onda revolucionária na Itália, Hungria, Áustria e, sobretudo Alemanha.

O "anarquismo" de Lênin

Os defensores da "ortodoxia" marxista acusaram Lênin de blanquismo e bakuninismo pela questão da tomada do poder e da natureza do Estado pós-revolucionário. Blanquismo, porque supostamente estava a favor de um golpe de Estado por uma minoria - seja pelos bolcheviques sozinhos, ou inclusive pelo conjunto da classe operária industrial sem contar com a maioria camponesa. Bakuninismo, porque o rechaço pelas teses da república parlamentar era uma concessão aos prejulgamentos anti-políticos dos anarquistas e anarco-sindicalistas

Nas suas Cartas sobre a tática, Lênin defendeu suas teses da primeira acusação desta maneira:

"Nas minhas teses, me assegurei completamente de todo salto para cima do movimento camponês ou, em geral pequeno-burguês, ainda latente, de toda tentativa de jogo da "conquista do poder" por parte de um Governo operário, de qualquer aventura blanquista, posto que me referia diretamente a experiência da Comuna de Paris. Como se sabe, e como o indicaram detalhadamente Marx em 1871 e Engels em 1891, esta experiência excluía totalmente o blanquismo, assegurando completamente o domínio direto, imediato e incondicional da maioria e da atividade das massas, só na medida da acentuação consciente da maioria mesma.

E nas teses resumi a questão, com plena claridade, na luta pela influência dentro dos sovietes de deputados operários, trabalhadores, camponeses e soldados. Para não deixar nenhuma possibilidade de dúvida a esse respeito, sublinhei duas vezes, nas teses, a necessidade de um trabalho paciente e continuo de "explicação", que se adapte às necessidades práticas das massas".

Pelo que concerne a uma volta para trás a uma posição anarquista sobre o Estado, Lênin assinalou em abril, como fará com maior profundidade no Estado e a Revolução, que os marxistas "ortodoxos", representados nas figuras como Kautsky e Plekanov, haviam enterrado os ensinamentos de Marx e Engels sobre o Estado sob um monte de estrume de parlamentarismo. A Comuna de Paris havia mostrado que a tarefa do proletariado na revolução não era conquistar o velho Estado, mas destruí-lo de cima abaixo; que o novo instrumento de governo proletário, a Comuna-Estado, não estaria baseado no princípio da representação parlamentar, a qual, ao fim e ao cabo, só era uma fachada para ocultar a ditadura da burguesia, mas na delegação direta e a revogabilidade desde baixo das massas armadas e auto-organizadas. Na formação dos sovietes, a experiência de 1905 e a da revolução que emergia em 1917, não só confirmava esta perspectiva, como a levava mais adiante. Embora que na comuna, que se concebia como "popular", todas as classes oprimidas da sociedade estavam igualmente representadas, os sovietes eram uma forma superior de organização, porque tornavam possível que o proletariado se organizasse autonomamente dentro do movimento das massas em geral. Globalmente os sovietes constituíam um novo estado, qualitativamente diferente do velho Estado burguês, porém um estado apesar de tudo - e neste ponto Lênin distinguia cuidadosamente dos anarquistas:

"... o anarquismo é a negação da necessidade do estado e do poder estatal na época de transição do domínio da burguesia para o domínio do proletariado.Eu defendo, com uma claridade que exclui toda possibilidade de confusão, a necessidade do Estado nesta época, porém de acordo com Marx e com a experiência da comuna de Paris, não de um Estado parlamentar burguês do tipo corrente, mas de um estado sem um exército permanente , sem uma polícia em oposição ao povo, sem uma burocracia situada por cima do povo.

Se o Sr. Plekanov, no seu Edinstvo, grita com vigor "anarquismo!", com isso só demonstra, uma vez mais, que já rompeu com o marxismo" [10]

O papel do partido na revolução

A acusação de que Lênin estava planejando um golpe blanquista, é inseparável da idéia de que se buscava o poder só para o seu partido. Isto passou a ser um tema central de toda propaganda burguesa subseqüente à revolução de outubro e que afirma que não teria acontecido nada mais que um golpe de Estado levado a cabo pelos bolcheviques. Não podemos começar a tratar aqui todas as variedades e matizes desta tese. Trotsky aporta uma das melhores respostas a isto na sua História da Revolução Russa, quando mostra que não foi o partido, mas os sovietes que tomaram o poder em Outubro. Porém um dos maiores traços dessa tese é a que coloca que a visão de Lênin sobre o partido como uma organização compacta e fortemente centralizada levava inexoravelmente a este golpe minoritário de 1917, e por extensão, ao terror vermelho e finalmente ao estalinismo.

Toda essa história retroage a divisão original entre bolcheviques e mencheviques, e este texto não é o lugar para analisar em detalhes esta questão chave. Basta dizer que já desde então, a concepção de Lênin sobre a organização revolucionária foi caracterizada de jacobina, elitista, militarista, e inclusive terrorista. Têm sido citadas autoridades marxistas tão respeitadas como Luxemburgo e Trotsky para apoiar esta visão. Da nossa parte, não negamos que a visão de Lênin sobre a questão da organização, tanto naquele período como depois, contém erros (por exemplo, sua adoção em 1902 das teses de Kautsky de que a consciência vem "de fora" da classe operária, embora posteriormente Lênin repudiasse esta posição; também certas posições suas sobre o regime interno do partido, e sobre a relação entre o partido e o estado, etc.). Porém diferentemente dos mencheviques dessa época, e dos seus numerosos sucessores anarquistas, social-democratas e conselhistas, não tomamos esses erros como ponto de partida, da mesma forma que não abordamos uma análise da Comuna de Paris ou da revolução de Outubro partindo dos erros que foram cometidos - inclusive quando fatais. O verdadeiro ponto de partida é que a luta de Lênin ao largo de toda sua vida para construir uma organização revolucionária é uma aquisição histórica do movimento operário, e que foi deixado para os revolucionários de hoje as bases indispensáveis para compreender, tanto como funciona internamente uma organização revolucionária, como qual deve ser o seu papel na classe.

Com respeito a este último ponto, e contrariamente a muitas análises superficiais, a concepção de uma organização de "minorias", que Lênin contrapunha a visão de uma organização "de massas" dos mencheviques, não era simplesmente o reflexo das condições impostas pela repressão tzarista. Da mesma forma que as greves de massas e os levantes revolucionários de 1905 não eram os últimos ecos das revoluções do século XIX, mas que refletiam o futuro imediato da luta de classes internacional e o amanhecer da época da decadência do capitalismo, assim a concepção bolchevique de um partido "de minorias", de revolucionários dedicados, com um programa absolutamente claro e que funcionasse centralizadamente, era uma antecipação da função e da estrutura do partido que impunha as condições da decadência capitalista, a época da revolução proletária. Pode ser, como reivindicam muitos anti-bolcheviques, que os mencheviques tenham olhado para o ocidente para estabelecer seu modelo de organização, porém também olhavam para trás, copiando o velho modelo da social-democracia do partido de massas que engloba e representa a classe, particularmente através do processo eleitoral. E frente à todas as afirmações segundo quais eram os bolcheviques os que estavam ancorados nas condições arcaicas da Rússia, copiando o modelo das sociedades conspirativas, há que dizer que na realidade os bolcheviques eram os únicos que olhavam para frente para um período de turbulências massivas revolucionárias que nenhum partido podia organizar, planificar nem encapsular, porém que ao mesmo tempo tornavam mais vital que nunca a necessidade do partido. "Com efeito, deixemos de lado a teoria pedante de uma greve demonstrativa montada artificialmente pelo partido e os sindicatos e executada por uma minoria organizada e consideremos o quadro vivo de um verdadeiro movimento popular surgido da exasperação dos conflitos de classe e da situação política (...) a tarefa da social-democracia consistirá então, não na preparação ou na direção técnica da greve, mas na direção política do conjunto do movimento." [11]

Isto é o que escreveu Rosa Luxemburgo na sua análise magistral da greve de massas e as novas condições da luta de classes internacional. Assim, Luxemburgo, que havia sido uma das críticas mais ferrenhas de Lênin quando da divisão de 1903, convergia com os elementos fundamentais da concepção bolchevique do partido revolucionário.

Esses elementos são expostos com grande claridade nas Teses de Abril, que como já tínhamos visto, rechaçam qualquer visão que tente impor a revolução "desde cima": "Enquanto estivermos em minoria realizaremos um trabalho de crítica, a fim de libertar as massas da impostura, continuaremos afirmando a necessidade de todo o poder para os sovietes de deputados operários, para que as massas se libertem através da experiência de seus próprios erros". Este trabalho de "explicação sistemática, paciente e persistente" é precisamente o que quer dizer a direção política em um período revolucionário. Não podia reivindicar-se passar à fase da insurreição até que as posições dos bolcheviques fossem vitoriosas nos sovietes. E em dizer a verdade, antes que isto pudesse acontecer, tinham que triunfar as posições de Lênin no próprio partido bolchevique, e isto exigiu uma luta áspera sem compromissos desde o primeiro momento que Lênin chegou a Rússia.

 " não somos charlatães (...) devemos nos basear apenas sobre a consciência das massas." [12] Na fase inicial da revolução, a classe operária havia entregado o poder à burguesia, o que não deveria surpreender a nenhum marxista "posto que sempre temos sabido e indicado reiteradamente que a burguesia se mantém não só por meio da violência, como também graças a falta de consciência, a rotina, a ignorância e a falta de organização das massas" [13]. Por isso, a tarefa principal dos bolcheviques era fazer avançar a consciência de classe e a organização das massas.

Esta função não satisfazia aos "velhos bolcheviques", que tinham planos mais "práticos". Queriam tomar parte da revolução burguesa que estava se produzindo, e que o partido bolchevique tivesse uma influência massiva no movimento tal qual era. Nas palavras de Kamenev, estavam horrorizados de pensar que o partido pudesse ficar a margem, com suas posições "puras", reduzido a função de "um grupo de propagandistas comunistas".

Lênin não teve nenhuma dificuldade para combater esta fala: acaso os chauvinistas não tinham arrotado os mesmos argumentos contra os internacionalistas no princípio da guerra mundial, dizendo que eles permaneciam vinculados a consciência das massas embora que os bolcheviques e os espartaquistas haviam se convertido em seitas marginais? Deve ter sido particularmente irritante ouvir os mesmos argumentos por parte de um camarada bolchevique. Porém isto não debilitou a agudeza da resposta de Lênin: "O camarada Kamenev contrapõe "o partido das massas" a "um grupo de propagandistas". Porém as "massas" têm se deixado levar precisamente agora pela embriaguez do defensismo "revolucionário". Não seria mais decoroso particularmente para os internacionalistas saber opor-se em um momento como este a embriaguez "massiva" em lugar de querer "ficar vinculado com as massas", quer dizer ceder diante do contagio geral? Não se deve saber ficar em minoria durante um tempo para combater uma embriaguez "massiva"? Não é precisamente o trabalho dos propagandistas no momento atual o ponto central para libertar a linha proletária da embriaguez defensiva e pequeno-burguesa "massiva"? Cabalmente a união das massas proletárias e não proletárias, sem importar as diferenças de classe no seio das massas, tem sido uma das premissas da epidemia defensivista. Acho bastante despropositado falar com desprezo de "um grupo de propagandistas" da linha proletária" [14].

Esta postura, esta vontade de ir contra a corrente e ficar em minoria defendendo incisiva e claramente os princípios de classe, não tem nada que ver com o purismo ou o sectarismo. Pelo contrário, se baseia na compreensão do movimento real da classe, e a partir daí, na capacidade em cada momento para permitir aos elementos mais radicais do proletariado tomar a palavra e oferecê-los uma orientação.

Trotsky mostra como Lênin ganhou o partido para suas posições e depois defendeu a linha proletária; mostra também como procurou o apoio desses elementos: "Contra os velhos bolcheviques, Lênin encontrou apoio em outra camada do partido, já temperada, mas mais fresca e mais estreitamente unida com as massas. Na revolução de Fevereiro, como vimos, os operários bolcheviques desempenharam um papel decisivo. Eles pensavam ser óbvio que a classe que obteve a vitória devesse tomar o poder. Estes mesmos operários protestavam veementemente contra o curso de Kamenev e Stalin, e o bairro de Vyborg até ameaçou os "líderes" com a expulsão do partido. A mesma coisa seria observada nas províncias. Quase em todo lugar havia bolcheviques de esquerda acusados de maximalismo, até de anarquismo. Estes operários revolucionários apenas careciam de recursos teóricos para defender sua posição, mas estavam prontos para responder ao primeiro chamado claro" [15].

Isto também foi uma expressão da compreensão de Lênin do método marxista, que sabe ver mais além das aparências para discernir a verdadeira dinâmica do movimento social. E como exemplo contrário, em troca, quando em começo da década de 1920, Lênin se inclinou para o argumento de "permanecer com as massas" para justificar a "Frente Única" e a fusão organizativa com partidos centristas, foi um sinal de que o partido estava perdendo suas amarras com o método marxista, e escorregava para o oportunismo. Porém ao mesmo tempo isto foi conseqüência do isolamento da revolução e da fusão dos bolcheviques com o estado soviético. No momento de alta maré revolucionária na Rússia, o Lênin das Teses de Abril não foi um profeta isolado, nem um demiurgo que se elevava por cima das massas vulgares, mas a voz mais clara da tendência mais revolucionária no proletariado; uma voz que indicou com precisão o caminho que levava a insurreição de Outubro.


[1] Trotsky - A História da Revolução Russa; Edição Sundermann - Tomo II; Capítulo "Os Bolcheviques e Lênin".

[2] Idem

[3] Idem

[4] Idem

[5] www.moreira.pro.br/classcent.htm [5]

[6] Trotsky , op.cit.

[7] Idem

[8] Lênin, Carta sobre a tática. A Citação é de Mefistófeles no Fausto de Goethe. Tradução nossa.

[9] Trotsky , op.cit.

[10] Lênin, Carta sobre a tática. Tradução nossa.

[11] Greve de massas, partido e sindicatos; Rosa Luxemburgo

[12] Trotsky , op.cit.

[13] Lênin, Carta sobre a tática. Traduzido por nós

[14] Idem.

[15] Trotsky, op.cit. Capítulo "Rearmando o Partido".

Herança da Esquerda comunista: 

  • Herança da Esquerda comunista [2]

As jornadas de Julho - O partido faz abortar uma provocação da burguesia

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As Jornadas de Julho de 1917 representam um dos momentos mais importantes, não apenas da revolução russa, mas sim de toda a história do movimento operário. Essencialmente em três dias, de 3 a 5 de Julho, houve uma das maiores confrontações entre burguesia e proletariado, que embora tenha resultado numa derrota da classe operária, abriu o caminho para a tomada do poder quatro meses depois, em outubro de 1917. Em 3 de Julho, os operários e os soldados de Petrogrado, levantaram-se massiva e espontaneamente, reivindicando que todo o poder fosse transferido aos conselhos operários, aos sovietes. Em 4 de Julho, uma manifestação armada de meio milhão de participantes diante da sede da direção do soviete de Petrogrado reclamava que o conselho tomasse o poder, mas voltaram para casa pacificamente à tarde, seguindo as orientações dos bolcheviques.  Em 5 de Julho, tropas contra-revolucionárias se apoderaram da capital da Rússia e começaram a caça aos bolcheviques e a repressão aos operários mais avançados. Mas, ao evitar uma luta prematura pelo poder, o proletariado manteve suas forças revolucionárias intactas.  O resultado é que a classe operária foi capaz de tirar as lições de todos aqueles acontecimentos, e em particular compreender o caráter contra-revolucionário da democracia burguesa e da nova ala esquerda do capital: os mencheviques e os social-revolucionários (eseristas), que tinham traído a causa dos operários e dos camponeses pobres e se tinham passado para a contra-revolução.  Em nenhum outro momento da revolução russa como nestas 72 horas dramáticas tenha sido tão grave o risco de uma derrota decisiva do proletariado, e de que o Partido bolchevique visse dizimadas suas forças. Em nenhum outro momento resultou ser tão crucial a confiança dos batalhões mais avançados do proletariado em seu partido de classe, na vanguarda comunista.

80 anos depois, diante das mentiras da burguesia sobre a "morte do comunismo", e particularmente das suas difamações sobre a Revolução Russa e o bolchevismo, a defesa das verdadeiras lições das Jornadas de Julho, e globalmente da revolução proletária é uma das principais responsabilidades dos revolucionários. Segundo a burguesia, a revolução russa foi uma luta "popular" por uma república parlamentar burguesa, a "forma de governo mais livre do mundo", até que os bolcheviques "inventaram" a bandeira "demagógica" de "todo o poder aos sovietes", e impuseram graças a um "golpe" sua "ditadura bárbara" sobre a grande maioria da população trabalhadora. Entretanto, uma breve olhada sobre os fatos de 1917 é suficiente  para mostrar tão claro como a luz do dia, que os bolcheviques estavam junto à classe operária, e que foi a democracia burguesa a que estava do lado da barbárie, do golpismo, e da ditadura de uma ínfima minoria sobre os trabalhadores.

Uma provocação cínica da burguesia e uma armadilha contra os bolcheviques

As Jornadas de Julho de 1917 foram acima de tudo uma provocação da burguesia com o propósito de decapitar o proletariado esmagando a revolução em Petrogrado, e eliminando o partido bolchevique antes que, globalmente, o processo revolucionário em toda a Rússia estivesse maduro para a tomada do poder pelos operários.

A sublevação revolucionária de fevereiro 1917 que conduziu à substituição do czar por um governo provisório "democrático burguês", e ao estabelecimento dos conselhos operários como o centro proletário de poder rival, foi acima de tudo o produto da luta dos operários contra a guerra imperialista mundial que começou em 1914.  Mas o governo provisório, e os partidos majoritários nos sovietes, os mencheviques e os eseristas, contra a vontade do proletariado, prepararam-se para a continuação da guerra, para a execução do programa imperialista de rapina do capitalismo russo. Desta forma, não só na Rússia, mas também em todos os países da Entente (a coalizão contra a Alemanha), era atribuída uma nova legitimidade pseudo-revolucionária para a guerra, o maior crime da história da humanidade. Entre fevereiro e julho de 1917 foram assassinados ou feridos vários milhões de soldados, incluindo a mais fina flor e o fruto da classe operária internacional, para elucidar a questão sobre qual dos principais gangsteres imperialistas capitalistas dirigiria o mundo.  Embora inicialmente muitos operários russos tenham acreditado nas mentiras dos novos dirigentes, de que era preciso continuar a guerra "para conseguir de uma vez por todas uma paz justa e sem anexações", mentiras que saíam das bocas de "democratas" e "socialistas", por volta de junho de 1917, o proletariado havia retornado à luta contra a carnificina imperialista com energia redobrada. Durante a gigantesca manifestação de 18 de junho em Petrogrado, as bandeiras internacionalistas dos bolcheviques pela primeira vez tornaram-se majoritárias.  No início de julho, a maior e mais sangrenta ofensiva militar russa desde o "triunfo da democracia" terminava em fiasco; o exército alemão havia despedaçado as linhas russas no front em vários pontos. Era o momento mais crítico para o militarismo russo desde o começo da "Grande Guerra". As notícias do fracasso da ofensiva já haviam chegado à capital, avivando as chamas revolucionárias, enquanto ainda não tinham alcançado o resto do gigantesco país. Para enfrentar esta situação desesperadora surgiu a idéia de provocar uma revolta prematura em Petrogrado, para, nesta cidade, esmagar os operários e os bolcheviques, e depois culpá-los do fracasso da ofensiva militar à "punhalada traiçoeira" lançada pelo proletariado da capital aos que se encontravam no front.

A situação objetiva não era entretanto  ainda favorável para levar a cabo este plano. Embora os principais setores operários de Petrogrado antecedessem as orientações dos bolcheviques, os mencheviques e os eseristas ainda tinham uma posição majoritária nos sovietes, e tinham uma posição dominante nas províncias. No conjunto da classe operária, inclusive em Petrogrado, ainda havia fortes ilusões sobre a capacidade dos mencheviques e dos eseristas servirem à causa do proletariado. Apesar da radicalização dos soldados, majoritariamente camponeses, igualmente um número considerável de regimentos importantes ainda eram leais ao governo provisório. As forças da contra-revolução, depois de uma fase de desorganização e desorientação depois da "revolução de Fevereiro", estavam agora no ápice de sua reconstituição. E a burguesia tinha uma carta marcada na manga: documentos e falsos testemunhos que supostamente provariam que Lênin e os bolcheviques eram agentes pagos pelo Kaiser alemão.

Este plano representava, sobretudo uma armadilha para o Partido bolchevique. Se o partido encabeçasse uma insurreição prematura na capital, ficaria desprestigiado diante do proletariado russo, aparecendo como representante de uma política aventureira e irresponsável, e até, para setores atrasados, como apoio ao imperialismo alemão. Mas se deixasse de estar solidário do movimento de massas ficaria perigosamente isolado da classe, deixando os operários largados à própria sorte. A burguesia esperava que qualquer que fosse a decisão do partido, essa o levaria ao fracasso.

A turma de contra-revolucionários (centúrias negras, anti-semitas) organizada pelas "democracias" ocidentais

Eram realmente as forças anti-bolcheviques excelentes democratas e defensores da "liberdade do povo" como pretendia a propaganda burguesa? Eram dirigidas pelos kadetes, o partido da grande indústria e dos grandes latifundiários; pelo comitê de oficiais, que representava ao redor de 100.000 comandados que preparavam um golpe militar; pelo pretendido soviete das tropas contra-revolucionárias cossacas; pela polícia secreta e pela máfia anti-semita das "centúrias negras":

  • "(...) tal é o meio de que surge o ambiente de pogrom, as tentativas de organizar pogrons, os disparos contra os manifestantes, etc."[1]

Mas a provocação de Julho foi um golpe disparado contra a maturação da revolução mundial, não só pela burguesia russa, mas também pela burguesia mundial, representada pelos aliados da Rússia na guerra. Nesta tentativa astuta de afogar em sangue a revolução imatura que ainda estava apenas surgindo, podemos reconhecer as formas das velhas burguesias democráticas: a burguesia francesa, que acumulou uma larga e sangrenta tradição de provocações semelhantes (1791, 1848, 1870), e a burguesia britânica com sua incomparável experiência e inteligência política. De fato, em vista das crescentes dificuldades da burguesia russa para combater de forma eficaz a revolução e manter o esforço de guerra, os aliados ocidentais da Rússia tinham sido a principal força, não só no financiamento do front russo, mas também no que se refere a aconselhar e apoiar a contra-revolução naquele país. O Comitê provisório da Duma estatal (parlamento): "servia de cobertura legal da atividade contra-revolucionária, largamente financiada pelos bancos e pelas embaixadas da Entente."[2]

  • "Petrogrado formigava de organizações secretas e semi-secretas de oficiais altamente apadrinhados e generosamente apoiados. Em Informação confidencial. do menchevique Lieber, quase um mês antes das Jornadas de Julho, percebia-se que os oficiais conspiradores gozavam de entrada franca junto a Buchanan. E, com efeito. não seria plausível que os diplomatas da Entente se preocupassem ao máximo com a instauração o mais ràpidamente possivel de um Poder forte?"[3]

Não foram os bolcheviques, mas sim a burguesia a que se aliou com os governos estrangeiros contra o proletariado russo.

As provocações políticas de uma burguesia sedenta de sangue

No começo de julho, três incidentes forjados pela burguesia foram suficientes para desencadear uma revolta na capital. 

O partido kadete retira seus quatro ministros do governo provisório

Posto que os mencheviques e os eseristas tinham justificado até então seu rechaço à ordem de "todo o poder aos sovietes" pela necessidade de colaborar, fora dos conselhos operários, com os kadetes como representantes da "democracia burguesa", a retirada destes tinha a finalidade de provocar, entre os operários e os soldados, uma nova exigência de reivindicações favoráveis a que todo o poder recaísse nos sovietes.

  • "Supor que os cadetes não pudessem prever as repercussões do ato de sabotagem que haviam declarado em relação aos soviete, significaria subestimar deliberadamente Miliukov. O líder do liberalismo evidentemente esforçava-se por arrastar os conciliadores a uma situação crítica, totalmente sem vias de saida, a não ser pelo emprêgo de baionetas: naqueles dias, julgava ele firmemente que ainda era possivel salvar a situação por meio de uma sangria desatada."[4]

A pressão da Entente sobre o Governo provisório

A Entente obriga ao Governo provisório a confrontar a revolução pelas armas ou a ser abandonado por seus aliados.

"Nos bastidores, os fios estavam nas mãos dos embaixadores e dos governos da Entente. Na Conferência interaliada inaugurada em Londres, os amigos do "Ocidente" esqueceram-se de convidar o embaixador da Rússia; (...) trote, de que foi  objeto o embaixador do Govêrno Provisório e a significativa demissão dos cadetes do ministério deram-se a 2 de julho: os dois acontecimentos tinham um único e mesmo fim: obrigar os conciliadores a arriarem a bandeira"[5]. O Partido menchevique e os eseristas estavam em processo de adesão à burguesia. Sua inexperiência no governo, suas dúvidas e vacilações pequeno-burguesas mas também a existência em suas fileiras de algumas oposições internacionalistas e proletárias; não foram direitamente envolvidos no complô contra-revolucionário. Mas foram manipulados para jogar o papel que lhes tinham encomendado seus donos e dirigentes burgueses.

A ameaça de deslocar para o front os regimentos da capital

De fato, a explosão da luta de classe em resposta a estas provocações não foi iniciada pelos operários, mas sim pelos soldados, e não foram os bolcheviques que incitaram tal resposta, mas sim os anarquistas. "Os soldados via de regra mostravam-se mais impacientes que os operários: primeiro porque estavam sob ameaça direta de serem enviados ao front; e segundo porque assimilavan com maior dificuldade as razões da estratagia política. E além de tudo mais, cada soldado tinha em mão o fuzil e, depois de fevereiro, o soldado se mostrava propenso a superestimar o poder especifico daquela arma."[6] Os soldados se empenharam imediatamente em trazer os operários para seu lado. Na fábrica Putilov, a maior concentração operária da Rússia, fizeram seu avanço mais decisivo:

  • "10 mil operários, reuniram-se diante dos locais da administração. Aclamados, os metralhadores revelaram que haviam recebido ordem de partir, a 4 de julho, para o front, mas que tinham resolvido ‘marchar, não contra o proletariado alemão, em direção ao front alemão, mas contra seus próprios ministros capitaliatas'. Cresceu o entusiasmo geral. Para frente! Para frente! ' - gritaram os trabalhadores."[7]

Em algumas horas, todo o proletariado da cidade havia se levantado e armado, e se reagrupava ao redor da palavra de ordem "todo o poder aos sovietes", a bandeira das massas.

Os bolcheviques evitam a armadilha

Na tarde de 3 de julho, chegaram delegados dos regimentos de metralhadoras para tentar ganhar o apoio da conferencia de cidade dos bolcheviques e ficaram pasmos ao inteirar-se de que o partido se pronunciava contrário à ação. Os argumentos que dava o partido mostram que os bolcheviques captaram imediatamente o significado e o risco dos acontecimentos: a burguesia queria provocar Petrogrado para culpar-lhe do fracasso no front; a situação não estava madura para a insurreição armada e o melhor momento para uma ação contundente imediata seria quando todo mundo se inteirasse do colapso no front. De fato, já na manifestação de 18 de junho, os bolcheviques haviam advertido contra uma ação prematura.


Os historiadores burgueses reconheceram a destacada inteligência política do partido nesse momento.  Certamente o Partido bolchevique estava plenamente convencido da necessidade imperativa de estudar a natureza, a estratégia, e as táticas de classe inimiga, para ser capaz de responder e intervir corretamente em cada momento. Estava convicto da compreensão marxista de que a tomada revolucionária do poder é, de certo modo, uma arte ou uma ciência, e que tanto uma insurreição em um momento inoportuno, como não tomar o poder no momento justo, são igualmente fatais.

Mas, por mais que a análise do partido estivesse correta, se tivesse parado aí teria significado cair na armadilha da burguesia. O primeiro ponto de inflexão decisivo das jornadas de julho se produziu na mesma noite que o Comitê central e o Comitê de Petrogrado do Partido decidiram apoiar o movimento e colocar-se à sua cabeça, mas para garantir seu "caráter pacífico e organizado". Contrariamente aos acontecimentos espontâneos e caóticos do dia anterior, as gigantescas manifestações de 4 de julho deixaram ver "a mão organizativa do partido ". Os bolcheviques sabiam que o objetivo que se propuseram as massas - obrigar que os dirigentes mencheviques e eseristas do soviete tomassem o poder em nome dos conselhos operários - era impossível de ser alcançado. Os mencheviques e eseristas, que a burguesia apresenta hoje como os autênticos representantes da democracia soviética, estavam então se integrando na contra-revolução, e só esperavam uma oportunidade para liquidar os conselhos operários. O dilema da situação, o fato de que a consciência das massas operárias ainda era insuficiente, concretizou-se na famosa anedota do operário encolerizado que agitava seu punho em torno do queixo de um dos ministros "revolucionários" gritando-lhe: "Filho da puta! Toma o poder já que o estamos te entregando".  Na verdade, os ministros e dirigentes traidores dos sovietes, deixavam passar o tempo até que chegassem os regimentos leais ao governo.

Nesse momento, os operários estavam se dando conta das dificuldades de transferir todo o poder aos sovietes enquanto os traidores e conciliadores ocupassem sua direção. Uma vez que a classe ainda não havia encontrado o método de transformar os sovietes a partir de dentro, tentava em vão impor pelas armas sua vontade desde fora.


O segundo ponto de inflexão decisivo veio com a chamada do orador bolchevique a dezenas de milhares de operários de Putilov e outros locais em 4 de julho, ao final de um dia de manifestações de massas; Zinoviev começou com uma brincadeira, para baixar a tensão, e terminou com uma chamada para voltar casa pacificamente que os operários seguiram. O momento da revolução não é agora, mas se aproxima. Nunca se tinha provado de forma mais espetacular a frase de Lênin de que a paciência e bom humor são qualidades indispensáveis dos revolucionários.
A capacidade dos bolcheviques de conduzir o proletariado a driblar a armadilha da burguesia não se devia somente a sua inteligência política.  Sobretudo foi decisiva a confiança do partido no proletariado e no marxismo, o que lhe permitiu  basear-se plenamente na força e no método que representa o futuro da humanidade, e evitar assim a impaciência da pequena burguesia. Foi decisiva a profunda confiança que tinha desenvolvido o proletariado russo em seu partido de classe, que permitiu ao partido permanecer com as massas e inclusive assumir seu papel de direção, embora não compartilhassem seus objetivos imediatos nem suas ilusões.  A burguesia fracassou em sua tentativa de abrir um fosso entre o partido e a classe, separação que teria significado seguramente a derrota da Revolução russa.

  • "Era um dever inevitável do partido proletário permanecer ao lado das massas, esforçar-se por dar um caráter o mais pacífico e organizado possível a suas justas ações, não ficar de lado, nem lavar as mãos como Pilatos, apoiando-se no argumento pedante de que as massas não estavam organizadas até o último homem e de que em seu movimento havia excessos"[8]

Os pogrons e as calúnias da contra-revolução

Na manhã de 5 de julho, cedo, tropas do governo começaram a chegar à capital. Começou um trabalho de caça aos bolcheviques, de lhes privar de seus escassos meios de propaganda, de desarmar e culpar de terrorismo os operários, e incitar a pogrons contra os judeus. Os "salvadores da civilização", mobilizados contra a "barbárie bolchevique", recorreram essencialmente a duas provocações para mobilizar as tropas contra os operários.

A campanha de mentiras segundo a qual os bolcheviques eram agentes alemães

  • "Do governo e do Comitê-Executivo: os soldados, melancólicos, permaneeiam encerrados nos quartéis em expectativa. Somente na tarde de 4 de julho foi que enfim, as autoridades descobriram poderoso meio de ação: mostraram aos homens do Regimento Preobrazhensk, documentos que provavam insofismávelmente que Lênin era espião da Alemanha. Este estratagema foi bem sucedido. Espalhou-se a noticia pelos regimentos. (...). Modificou-se bruscamente a opinião dos batalhões neutros."[9]

Em particular se empregou nesta campanha um parasita político chamado Alexinski, um bolchevique renegado que tinha tentado criar uma oposição de "ultra-esquerda" contra Lênin, mas que ao fracassar em suas ambições converteu-se em um inimigo declarado dos partidos operários. Como resultado desta campanha, Lênin e outros bolcheviques se viram obrigados a esconder-se, enquanto que Trotski e outros foram presos. "O que o poder necessita não é um processo judicial, mas sim acossar aos internacionalistas. Encerrá-los e mantê-los presos: isso é o que precisam os senhores Kerenski e Cia."

A burguesia não mudou. 80 anos depois organiza uma campanha similar com a mesma "lógica" contra a Esquerda comunista. Então, em 1917, posto que os bolcheviques se negaram a apoiar a Entente, é porque estão do lado dos alemães! Depois, posto que a Esquerda comunista se negou a apoiar o bando imperialista "antifascista" na Segunda Guerra mundial, ela e seus sucessores de hoje devem ter estado ao lado dos alemães. Campanhas "democráticas" do Estado que preparam futuros pogrons.

Os revolucionários atuais, que amiúde subestimam o significado destas campanhas contra eles, têm muito que aprender ainda com o exemplo dos bolcheviques que depois das jornadas de julho, moveram céus e terra em defesa de sua reputação junto à classe operária. Mais tarde Trotski falou de julho de 1917 como "o mês de calúnia mais gigantesca da historia da humanidade", mas mesmo aquelas mentiras ficam pequenas se comparadas com as atuais segundo as quais o estalinismo seria o comunismo.

Outra forma de atacar a reputação dos revolucionários, tão velha como o método da difamação pública, e que normalmente se usou de forma combinada com esta, é a atitude do Estado de animar elementos não proletários e anti-proletários, que pretendem apresentar-se como revolucionários, a entrar em ação.


  • "A provocação desempenhou, inegávelmente, certo papel quer nos acontecimentos do front quer nas ruas de Petrogrado. Após a insurreição de Fevereiro, o govêrno jogara nas linhas de fogo grande nimero de antigos policiais e de sargentos da policia militar. Nenhum dêles, é claro, queria combater. Tinham mais mêdo dos soldados russos do que dos alemães. A fim de fazer esquecer o passado, afetavam as opiniões mais extremistas do exército, incitavam sub-repticiamente os soldados contra os oficiais, reagiam mais do que ninguém contra a disciplina e a ofensiva e, frequentemente, declaravam-se claramente bolcheviques. Mantendo entre eles uma ligação natural de cumplices, representavam uma original confraria de poltrões e de covardes. Por intermédio deles, rumores os mais fantásticos se insinuavam entre as tropas e se propalavam rapidamente, rumores êsses que combinavam o espirito ultra-revoluciontrio com o espirito reacionário dos cem-negros. Nas horas criticas êsses inividuos eram os primeiros a dar o sinal de pânico. A obra desmoralizadora dos policiais e dos policiais-militares foi por mais de uma vez mencionada na imprensa. Frequentemente encontram-se indicações dessa natureza nos docusmentos secretos do próprio exército. O alto-comando, porém, silenciava. preferindo identificar o provocadores cem-negros com os bolchevlques."[10]

Franco-atiradores disparam contra as tropas que chegam à cidade, às quais se dizia que os disparos eram dos bolcheviques

  • "A loucura calculada desta fuzilaria profundamente os operários. Era mais do que claro que provocadores de grande experiência acolhiam a bala os soldados, a fim de vaciná- los contra o bolchevismo. Os operários esforçavam-se ao máximo para explicar o que acontecia aos soldados que chegavam; mas não lhes permitiam que se aproximassem: pela primeira vez, depois das Jornadas de Fevereiro, entre o operário e o soldado colocavam- se ora os junkers, ora os oficiais."[11]

Vendo-se forçados a trabalhar na semi-legalidade depois das jornadas de julho, os bolcheviques tiveram que combater as ilusões democráticas de quem, em suas próprias fileiras, pensavam que deviam comparecer diante de um tribunal contra-revolucionário para responder às acusações de que eram agentes alemães. Lênin reconheceu nisto outra armadilha dirigida ao partido: "O que atua é a ditadura militar. Neste caso é ridículo falar de "justiça". Não se trata de "justiça", mas sim de um episodio de guerra civil."[12]

Mas se o partido sobreviveu ao período de repressão que se seguiu às jornadas de julho, foi, sobretudo por sua tradição de vigilância a respeito da defesa da organização contra todos as tentativas do Estado de destruí-la. Há que se assinalar, por exemplo, que o agente de polícia Malinovski da Okhrana, que tinha conseguido antes da guerra a ser o membro do comitê central do partido diretamente responsável pela segurança da organização: se não tivesse sido desmascarado previamente (apesar da cegueira de Lênin), tivesse sido encarregado de esconder Lênin, Zinoviev, etc, depois das jornadas de julho. Sem essa vigilância na defesa da organização, o resultado teria sido provavelmente a liquidação dos líderes revolucionários mais experimentados. Em janeiro-fevereiro de 1919, quando foram assassinados na Alemanha, Luxemburgo, Jogisches, Liebknecht e outros veteranos do muito joven (recem) KPD, parece que as autoridades foram advertidas previamente por um agente de polícia "de alto escalão" infiltrado no partido.

Balanço das Jornadas de julho

As Jornadas de julho puseram a nu mais uma vez o gigantesco potencial revolucionário do proletariado, sua luta contra a fraude da democracia burguesa, e o fato de que a classe operária é um fator contra a guerra imperialista frente à decadência do capitalismo. Nas jornadas de julho não se colocava o dilema "democracia ou ditadura", mas sim se colocava a verdadeira alternativa com que se enfrenta a humanidade, ditadura do proletariado ou ditadura da burguesia, socialismo ou barbárie. Mas o que as jornadas de julho ilustraram, sobretudo foi o papel indispensável do partido de classe do proletariado. Julho de 1917 também mostrou que é indispensável superar as ilusões nos partidos renegados ex-operários, na esquerda do capital, para que o proletariado possa tomar o poder. Com efeito, essa foi a principal ilusão da classe durante as Jornadas de julho. Mas esta experiência foi decisiva. As Jornadas de julho esclareceram definitivamente, não só para a classe operária e para os bolcheviques, mas também para os próprios mencheviques e eseristas, que estes dois últimos partidos haviam abraçado irrevogavelmente a causa da contra-revolução. Como escreveu Lênin em princípios de setembro: "(...) naquele momento, Petrogrado não podia ter tomado o poder nem sequer materialmente, e se o tivesse feito, não o teria podido conservar politicamente porque Tsereteli e Cia não haviam caído ainda tão baixo a ponto de apoiar um governo de verdugos. Eis aqui por que, naquele momento, entre 3 e 5 de julho de 1917, em Petrogrado, a palavra de ordem de tomada do poder teria sido incorreta. Naquele momento, nem sequer os bolcheviques tinham, nem podiam ter, a decisão consciente de tratar  Tsereteli e Cia como contra-revolucionários. Naquele momento, nem os soldados, nem os operários podiam ter a experiência adquirida no mês de julho"[13]

Em meados de julho Lênin já havia tirado claramente esta lição:
"A partir de 4 de julho, a burguesia contra-revolucionária, de braços com os monarquistas e as centúrias negras, pôs a seu lado, em parte por intimidação, os eseristas e mencheviques pequeno burgueses, entregou de fato o poder de Estado aos Cavaignac, a uma camarilha militar que fuzila no front os insubordinados e persegue em Petrogrado os bolcheviques."[14]

Mas a lição essencial de julho foi a liderança política da classe pelo partido. A burguesia empregou freqüentemente a tática de provocar enfrentamentos prematuros. Tanto em 1848 ou 1870 na França, como em 1919 ou 1921 na Alemanha, em todos estes casos o resultado foi uma repressão sangrenta do proletariado.  Se a Revolução russa foi o único grande exemplo de que a classe operária tenha sido capaz de evitar a armadilha e impedir uma derrota sangrenta é, em grande parte, porque o partido bolchevique foi capaz de cumprir seu papel decisivo de vanguarda da classe. Ao evitar à classe operária uma tal derrota, os bolcheviques destacaram, contra a interpretação pervertida dos oportunistas, as profundas lições revolucionárias da famosa introdução de Engels em 1895 À luta de classes na França de Marx, especialmente sua advertência: "E só há um meio para poder conter momentaneamente o crescimento constante das forças socialistas na Alemanha e inclusive para levá-lo a um retrocesso passageiro: um choque em grande escala com as tropas, uma sangria como a de 1871 em Paris."[15]

Trotski resumia assim o balanço da ação do partido: "Se o Partido Bolchevique, teimando em julgar doutrinariamente "inoportuno" o movimento de Julho, tivesse voltado as costas às massas, a semi-insurreiçao teria, inevitavelmente, caído nas mãos da direção dispersiva e sem planejamento dos anarquistas, dos aventureiros, de intérpretes ocasionais da indignação das massas, e teria derramado todo o seu sangue em convulsões estéreis. Se o partido, em compensação. colocando-se à frente dos metralhadores e dos operário, de Putilov, tivesse renunciado ao julgamento sobre situação no seu todo, e tivesse deslizado pelo caminho dos combates decisivos, insurreição, indubitavelmente, teria alcançado amplitude audaciosa, e os operário, e os soldados, sob a direção dos bolchevque, ter-se-iam, todavia, apoderado do poder, tão-somente para prepararem o desmoronamento da RevoluçAo. A questão do poder transportada para a escala nacional não teria sido, como em Fevereiro o foi, resolvida por simples vitória em Petrogrado. As provincias não teriam acompanhado de perto a capita1. O front não teria compreendido, nem aceitado, a mudança de regime. As estradas de ferro e o telégrafo teriam passado ao serviço dos conciliadores contra os bolcheviques, Kerensky e o quartel-general teriam criado um poder para o front e para as provincias. Petrogrado seria bloqueada. Dentro de suas próprias muralhas iniciar-se-ia a desagregação. O Govarno teria a possibilidade de lançar, contra Petrogrado, massas consideráveis de soldados e, em semelhantes condições, a insurreição terminaria na tragédia de uma Comuna de Petrogrado.
Em julho, por ocasião da bifurcação dos caminhos históricos. Somente a intervenção do Partido dos bolcheviques eliminou as duas variantes de um perigo fatal: a que conduzia a uma espécie de Jornadas de Junho de 1848, e a que enveredava no sentido da Comuna da Paris de 1871. Foi por ter audaciosamente encabeçado o movimento que o partido obteve a possibilidade de represar as massas no momento em que a manifestação começava a transformar-se em comprometimento geral de forças armadas. O golpe assestado em julho contra as masses e contra o partido, foi muito grave. Mas não era golpe decisivo, (...) A classe operária, ao sair da prova. não estava nem decapitada nem exangue. Conservou integralmente os quadras de combate, e êsses quadros aprenderam muito.
"[16]

A história provou que Lênin tinha razão quando escrevia: "Começa um novo período. A vitória da contra-revolução tem feito que as massas se desiludam com os partidos eserista e menchevique e prepara o caminho que levará essas massas a uma política de apoio ao proletariado revolucionário."[17]


[1] Lênin, Obras completas, T. 32, "Onde está o poder e onde, a contra-revolução?". Tradução nossa.

[2] Trotsky, História da Revolução Russa - Cap.I As Jornadas de Julho; Preparativos e Início  - Ed.Paz e Terra.

[3] Trotsky, História da Revolução Russa - Cap.II As "Jornadas de Julho"; Ponto Culminante e Esmagamento - Ed.Paz e Terra.

[4] Trotsky, História da Revolução Russa - Cap.I As "Jornadas de Julho"; Preparativos e Início  - Ed.Paz e Terra.

[5] Trotsky, História da Revolução Russa - Cap.IV A Contra-Revolução Levanta a Cabeça - Ed.Paz e Terra.

[6] Trotsky, História da Revolução Russa - Cap.I As "Jornadas de Julho"; Preparativos e Início  - Ed.Paz e Terra.

[7] Idem.

[8] Lênin, Obras completas, T. 34, "Sobre as ilusões constitucionalistas". Tradução nossa.

[9] Trotsky, História da Revolução Russa - Cap.II As "Jornadas de Julho"; Ponto Culminante e Esmagamento - Ed.Paz e Terra. Tradução nossa

[10] Trotski, História da Revolução Russa Cap. III - Poderiam os Bolcheviques tomar o poder em Julho? Tradução nossa. Foi inclusive mais catastrófico o papel assumido por esses elementos ex-policiais e lupem-proletários, mesclando-se entre os "soldados de Spartakus" e os "inválidos revolucionários" durante a revolução alemã, particularmente durante a trágica "semana Spartakus" em Berlim, em janeiro de 1919.

[11] Trotsky, História da Revolução Russa - Cap.II As "Jornadas de Julho"; Ponto Culminante e Esmagamento - Ed.Paz e Terra.

[12] Lênin, Obras, T. 32, "Devem os dirigentes bolcheviques comparecer diante dos tribunais?". Tradução nossa.

[13] Lênin, Obras, T. 34, "Rumores sobre uma conspiração". Tradução nossa.

[14] Lênin, Obras, T. 34, "A propósito das consignas." Tradução nossa.

[15] Engels, "Introdução" a A luta de classes na França de 1848 a 1850. Tradução nossa.

[16] Trotsky, História da Revolução Russa - Cap.II As "Jornadas de Julho"; Ponto Culminante e Esmagamento - Ed.Paz e Terra.

[17] Lênin, Obras, T. 34, "Sobre as ilusões constitucionalistas". Tradução nossa.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Herança da Esquerda comunista [2]

A revolução proletária só pode triunfar ao estender-se por todo o planeta

  • 3703 leituras

Frente a degeneração materializada pelo stalinismo, muitos trabalhadores acreditam, aceitando as mentiras da burguesia, que a Revolução russa estava "podre desde o seu interior", que os bolcheviques se aproveitaram dos trabalhadores russos para  ascenderem ao poder [1]. Ao retratar assim Outubro, a burguesia não faz mais que aplicar a revolução russa, o clichê do que sempre tem sido sua própria política: o engano, a manipulação de massas. No entanto, o curso dos acontecimentos posteriores à insurreição de Outubro, está regido pelas "leis históricas" das revoluções proletárias e não pelas do maquiavelismo político clássico da burguesia: "A revolução russa não fez mais que confirmar o que constitui a lição básica de toda grande revolução, a lei de sua existência: ou a revolução avança a um ritmo rápido, tempestuoso e decidido, derruba todos os obstáculos com mão de ferro e se dá objetivos cada vez mais avançados ou num instante retrocede de seu débil ponto de partida e acaba liquidada pela contra-revolução" [2].

Se a formidável abundância de experiên­cias de fevereiro a outubro de 1917, mostra aos trabalhadores que é possível derrubar o Estado burguês, a tragédia da degeneração desta revolução nos ensina outra lição igualmente valiosa: a revolução proletária só pode subsis­tir extendendo-se ao conjunto do planeta.


[1] Desgraçadamente, como conseqüência da terrível decepção que presumiu o fracasso da revolução, também entre os revolucionários se tem desenvolvido teorias como as dos conselhistas que apresentam a Revolução russa como uma simples revolução burguesa e ao Partido bolchevique como um partido burguês. Ou, como é o caso dos bordiguistas, que definem uma dupla natureza (burguesa e proletária) da Revolução russa. Temos criticado estes erros nos artigos da Revista internacional nº. 12 e 13: "Outubro de 1917: início da revolução proletária".

[2] Rosa Luxemburgo, A Revolução russa.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Herança da Esquerda comunista [2]

O isolamento é a morte da revolução

  • 7961 leituras

"O destino da revolução na Rússia dependia totalmente dos acontecimentos internacionais. O que demonstra a visão política dos bolcheviques, sua firmeza de princípios e sua ampla perspectiva é que haviam baseado toda sua política na revolução proletária mundial" [1].

Em conseqüência, desde 1914, quando a Primeira Guerra mundial abriu o período de decadência do capitalismo, os bolcheviques estiveram na vanguarda dos revolucionários, ao assinalar que a alternativa às guerras mundiais só podia ser a revolução mundial do proletariado. Com essa orientação firmemente internacionalista, Lênin e os bolcheviques vêem na revolução Russa: "... só a primeira etapa das revoluções proletárias que inevitavelmente surgirão como conseqüência da guerra". Para o proletariado russo, a sorte da revolução dependia em primeiro lugar das insurreições operárias em outros países, principalmente na Europa.

A revolução na Rússia lutou com todas suas forças para estender-se a outros países

A Revolução russa não se limitou a confiar passivamente seu destino ao surgimento da revolução proletária em outros países, mas apesar das imensas dificuldades que enfrentava na própria Rússia, tomou continuamente iniciativas para estender a revolução. De fato o Estado que surge da revolução concebe a si mesmo como o primeiro passo até a "República internacional dos sovietes", delimitado não pelas fronteiras artificiais das nações capitalistas, mas pelas fronteiras de classe [2]. Por exemplo, uma propaganda sistemática foi levada a cabo até os prisioneiros de guerra incitando-lhes a se unirem à revolução internacional, e quem o desejasse tinha a possibilidade de ser cidadão russo. Como conseqüência dessa propaganda, se constituiu a Organização social democrata de prisioneiros de guerra na Rússia, que chamava os trabalhadores alemães, austríacos, turcos..., à insurreição para por fim a guerra, e estender a Revolução russa.

Porém a chave da extensão da revolução estava na Alemanha, e a revolução russa canalizou toda sua energia em direção dos trabalhadores alemães. Desde que pôde instalar-se uma embaixada em Berlim (abril de 1918), esta se transformou em uma espécie de quartel general da revolução na Alemanha. O embaixador russo, Joffe, comprava informação secreta de funcionários alemães, e as passava aos revolucionários alemães para que desmascarassem a política imperialista do Governo, comprou igualmente armas para os revolucionários, imprimia na própria embaixada toneladas de propaganda revolucionária, e todas as noites, os revolucionários alemães se dirigiam discretamente a embaixada para discutir os preparativos da insurreição.

As prioridades da revolução mundial fizeram com que os trabalhadores russos esfomeados ) sacrificassem de suas próprias rações três trens carregados de trigo para ajudar os operários alemães.

Cabe saber como viveram na Rússia os primeiros momentos da revolução na Alemanha. Quando esta estourou, em uma impressionante concentração de trabalhadores ante o Kremlin, "dezenas de milhares de trabalhadores explodiram em aplausos arrebatados. Nunca tinha visto uma coisa como essa. Até bem iniciada a tarde, operários e soldados do Exército vermelho desfilaram. A revolução mundial havia chegado. A massa do povo ouvia o duro eco de seus passos. Nosso isolamento havia terminado" [3].

Como contribuição a essa revolução mundial em marcha, ainda que desgraçadamente com atraso, em março de 1919 teve lugar em Moscou o primeiro congresso da Internacional comunista, que concebia a si mesma nestes termos:

"Nossa tarefa é generalizar a experiência revolucionária da classe operária, depurar o movimento de misturas impuras de oportunismo e social patriotismo, unir as forças de todos os partidos verdadeiramente revolucionários do proletariado mundial e desse modo, facilitar e acelerar a vitória da Revolução comunista no mundo inteiro" [4].

No entanto o proletariado foi massacrado em Berlim, Viena, Budapeste, Munique, e a Internacional comunista começou a fazer concessões ao parlamentarismo, ao sindicalismo, a libertação nacional. Do mesmo modo, a extensão da revolução, se confia então à "guerra revolucionária", que os mesmos bolcheviques, como vimos mais adiante, haviam recusado quando o tratado de Brest-Litovsk em 1918 [5]. Em dezembro de 1920, nesse caminho de degeneração, o Executivo ampliado da IC lança a nefasta consigna de "Frente única", ante a convicção de que a revolução européia se afastava.

A lógica "fatalista" tão própria da filosofia burguesa considera que "uma coisa é... o que termina por ser". Assim a Internacional comunista, como tantos outros titânicos esforços dos trabalhadores, e dos revolucionários, nos são apresentados, já desde suas origens, como o plano preconcebido pelos "maquiavélicos" bolcheviques para construir "um instrumento de defesa do Estado capitalista russo". Porém como dizíamos, essa é a lógica da burguesia. Para o proletariado, entretanto, a degeneração da Revolução russa, e da própria Internacional comunista, são o resultado de uma derrota da classe operária, de uma luta encarniçada contra a reação mais brutal por parte do capitalismo mundial. Se, segundo o que nos explica hoje a burguesia, a revolução russa só podia passar a ser o que veio a ser, porque então todos os capitalistas do mundo se empenharam em afogá-la?

O cerco capitalista à Revolução russa

Entre 1917 e 1923, até que fracassa a tentativa revolucionária do proletariado mundial, todos os capitalistas tinham se reunido em uma cruzada internacional sob a consigna: Abaixo o bolchevismo! Nessa cruzada aparecem agrupados, desde o imperialismo alemão aos generais tzaristas, e as "democracias" ocidentais da Entente, que poucos meses antes estavam se massacrando mutuamente na primeira carnificina imperialista mundial. Essa é outra lição essencial da revolução de Outubro: quando a insurreição operária ameaça a existência do próprio capitalismo, os exploradores deixam de lado suas divergências para esmagar a revolução.

O imperialismo alemão

A primeira barreira que sofre a extensão da revolução russa é o cerco dos exércitos do Kaiser. É certo que a revolução russa, como o conjunto da onda revolucionária, surgiu como resposta a Primeira Guerra mundial; também é verdade que essa guerra mundial criou "as condições mais difíceis e anormais", como dizia Rosa Luxemburgo, para o desenvolvimento e a extensão da revolução.

A paz era uma necessidade imperiosa, e como tal figurava em primeiro lugar das prioridades da revolução na Rússia. Em 19 de novembro de 1917, começaram as conversações de paz em Brest-Litovsk, que eram "retransmitidas" por rádio todas as noites pelos delegados soviéticos, não só para os próprios trabalhadores russos, mas também para os prisioneiros de guerra, e em definitivo para os trabalhadores do mundo inteiro. Ao fim e ao cabo haviam ido a Brest-Litovsk sem nenhuma confiança nas intenções de "paz" do imperialismo alemão. Trotski fez a declaração: "Não ocultamos a ninguém que não consideramos capazes de uma paz democrática aos atuais governos capitalistas; só a luta revolucionária das massas trabalhadoras contra seus Governos pode trazer a Europa uma paz semelhante, e sua plena realização não estará assegurada mais que por uma revolução proletária vitoriosa em todos os países capitalistas" [6].

Em inícios de 1918 começam a chegar notícias das greves e motins na Alemanha, Áustria, Hungria [7],... o que permitiu os bolcheviques dilatar as negociações, porém finalmente essas revoltas são esmagadas; isso incita Lênin, de novo em minoria dentro do partido bolchevique, a defender a necessidade de assinar quanto antes o tratado de paz. A extensão da revolução, a causa pelo que lutam bravamente, não pode ser confiada à "guerra revolucionária", que defendem os "comunistas de esquerda" [8] mas só pode ser baseada sobre a maturação da revolução na Alemanha: "É admissível por completo que com tais premissas, não só seria "conveniente", mas absolutamente obrigatório aceitar a possibilidade da derrota e da perda do Poder soviético. No entanto está claro que essas premissas não existem. A revolução alemã amadurece, porém é evidente que não tem chegado ainda a seu estouro, que não tem chegado ainda a guerra civil na Alemanha. É evidente que nós não ajudaríamos, senão que obstaculizaríamos o processo de maturação da revolução na Alemanha se "aceitássemos a possibilidade da perda do poder soviético". Com isso ajudaríamos a reação alemã, lhe faríamos o jogo, dificultaríamos o movimento socialista na Alemanha, afastaríamos do movimento socialista grandes massas de proletários e semi-proletários da Alemanha que não têm se incorporado ainda ao socialismo e que se veriam atemorizados pela derrota da Rússia soviética, da mesma maneira que a derrota da Comuna em 1871 amedrontou os operários ingleses" [9].

Assim se expressa o dilema que se vive em um bastião onde o proletariado tomou o poder, porém que momentaneamente está isolado, que não tem conseguido estender-se com insurreições triunfantes em outros países: Ceder o bastião ou negociar, e por tanto submeter-se ante uma força militarmente muito superior, para tratar de obter um respiro, e mantendo o bastião revolucionário seguir ajudando a revolução mundial? Rosa Luxemburgo, quem por certo em um primeiro momento não esteve de acordo com as negociações de Brest-Litovsk, resume, no entanto, com muita clareza, como o único que pode desbloquear essa contradição num sentido favorável à revolução é a luta do proletariado alemão: "Todo o cálculo da batalha empenhado pelos russos para a paz, se assentava em efeito sobre esta hipótese silenciosa: que a revolução na Rússia devia ser o sinal do levantamento revolucionário do proletariado no Ocidente (...). Nesse caso somente, mas também indubitavelmente, a revolução russa havia sido o prelúdio da paz generalizada. Até agora nada disso aconteceu Fora de alguns valorosos esforços do proletariado italiano (greve geral de 22 de Agosto em Turim) os proletários de todos os países faltaram aos compromissos da revolução russa. E no entanto, a política de classe do proletariado internacional, por natureza e por essência, só pode ser realizada internacionalmente..." [10].

Finalmente o Alto comando alemão retomou surpreendentemente, em 18 de Fevereiro, as operações militares ("o salto dessa fera é muito rápido" havia advertido Lênin) e em apenas uma semana estava às portas de Petrogrado e, finalmente, o Governo russo teve de aceitar uma paz ainda em piores condições: na primavera de 1918, os exércitos alemães ocupavam as antigas províncias bálticas, a maior parte de Bielorrússia, toda Ucrânia, o norte do Cáucaso, e, posteriormente descumprindo os próprios acordos de Brest, Criméia e Transcaucásia (exceto Baku e o Turquistão).

Em continuidade com o que defendeu a Esquerda comunista italiana [11], não pensamos que a paz de Brest-Litovsk representou um passo atrás da revolução, mas que vinha imposta por essa contradição que antes assinalamos entre a manutenção do bastião proletário e a incapacidade momentânea da extensão da revolução. A solução para essa contradição não está na mesa de negociações, nem na frente militar, mas na resposta do conjunto do proletariado mundial. Precisamente, quando os capitalistas conseguiram derrotar a onda revolucionária, o Governo russo aceitou a "política exterior" convencional dos Estados capitalistas e assinou os acordos de Rapallo em abril de 1922, que nem por sua forma (acordos secretos), nem evidentemente por seu conteúdo (apoio militar do exército russo ao Governo alemão) não tinham nada a ver com Brest-Litovsk, nem com a política revolucionária do proletariado. Quando a IC, em pleno processo de degeneração, chama os trabalhadores alemães a uma reação desesperada em Março de 1923 (a chamada "ação de Março"), as armas de que se utilizam as tropas governamentais alemãs para massacrar os trabalhadores, lhes foram vendidas pelo Governo russo.

O assédio contínuo das "democracias" ocidentais

Os aliados da Entente, as "democracias avançadas do Ocidente", não economizaram esforços para afogar a revolução russa. Na Ucrânia, na Finlândia, nos países bálticos, na Bessarábia, Grã-Bretanha e França instalaram governos que apoiaram os exércitos brancos contra-revolucionários. Não contentes com isto, decidiram, além disso, intervir diretamente na Rússia: em 3 de Abril desembarcavam tropas japonesas em Vladivostok. Posteriormente chegaram destacamentos franceses, ingleses e americanos:

"Desde o começo da revolução de Outubro, as potências da Entente têm se colocado do lado dos partidos e governos contra-revolucionários da Rússia. Com a ajuda dos contra-revolucionários burgueses anexaram a Sibéria, Ural, os limites da Rússia Européia, a Cáucaso e o Turquistão. Roubam dessas comarcas as matérias primas (madeira, petróleo, magnésio, etc.). Com a ajuda das bandas tchecoslovacas a seu serviço, tem roubado as reservas de ouro da Rússia sob a direção do diplomático inglês Lockhart, espiões ingleses e franceses têm detonado pontes e destruído ferrovias e tentaram obstaculizar o abastecimento de mantimentos. A Entente tem sustentado, com fundos, armas, e ajuda militar, os generais reacionários Denikin, Koltchak, Krasnov, que tem fuzilado e enforcado milhares de operários e camponeses em Rostov, Yusovka, Novorossijsk, Omsk..." [12].

Em inícios de 1919, quer dizer quando eclode a revolução na Alemanha, a Rússia está completamente isolada do exterior, e enfrenta um dos momentos de maior atividade tanto dos exércitos brancos, como das tropas das "democracias ocidentais". Os bolcheviques proclamam de novo, ante os soldados enviados pelos capitalistas para esmagar a revolução, a necessidade do internacionalismo proletário: "Não vais lutar contra inimigos (dizia uma folha distribuída entre as tropas inglesas e americanas em Arkángel), mas contra trabalhadores como vós; e nós os questionamos: Vais nos esmagar?... Sedes leais a vossa classe e se negue a fazer o trabalho sujo de vossos amos..." [13].

E de novo os chamamentos dos bolcheviques (se editam jornais como The Call em inglês - chamamento - ou La Lanterne em francês - A lanterna), voltam a fazer efeito nas tropas enviadas a combater a revolução: "Em 1º de Março de 1919, estouram motins nas tropas francesas que tinham sido mandadas para marchar para o front. Antes, uma companhia de infantaria britânica havia se negado como um só homem a voltar ao seu posto no front, e pouco depois o fez uma companhia americana" [14]. Em Abril de 1919, as tropas e a frota francesas têm de ser retiradas, pois na França cresce a indignação dos trabalhadores ante o fuzilamento de Jeanne Labourbe (uma militante comunista que fazia propaganda a favor da confraternização entre os soldados franceses e os russos). Do mesmo modo, as tropas inglesas deverão ser repatriadas, pois na Inglaterra, na Itália, etc., se produzem manifestações operárias contra o envio de tropas ou armamentos aos exércitos contra-revolucionários. Por isso as "democracias" ocidentais se viram obrigadas a mudar de tática, e utilizar, no assédio à revolução russa, as tropas das nações que elas mesmas haviam contribuído para criar sobre as ruínas do antigo império russo, como um "cordão de isolamento" contra a extensão da revolução.

Em Abril de 1919, tropas polacas ocuparam uma parte da Bielorrússia e Lituânia. Em abril de 1920, ocupam Kiev na Ucrânia, e finalmente em maio-junho de 1920, apoiaram o general branco Denikin e tomaram o controle de quase toda Ucrânia. Igualmente, Enver Pachá, líder da revolução "antifeudal" dos jovens turcos, acabou encabeçando uma revolta anti-soviética no Turquistão, em Outubro de 1921.

A reação interior

Depois da insurreição de outubro e a tomada do poder em toda Rússia, os restos da burguesia, do exército, as castas militares reacionárias (cossacos, tekineses...) começam imediatamente a reagrupar suas forças, atrás da bandeira do Governo provisório (a mesma curiosamente que hoje, com Yeltsin, ondula no Kremlin) formando-se os primeiros exércitos "brancos" ao comando de Kaledin, chefe dos cossacos do Dom.

O imenso caos e a penúria que atravessava a isolada Rússia, a "auto-desmobilização" dos restos do exército herdado do tzarismo, a fraqueza das forças armadas revolucionárias, porém, sobretudo devido à ação do imperialismo alemão e dos imperialismos ocidentais com ajuda dos exércitos brancos, inverteu progressivamente a relação de forças na guerra civil. Em meados de 1918, o território sob o domínio dos Sovietes se reduziu ao que na época feudal era o principal da Moscóvia, e a revolução tem que fazer frente a revolta da "legião tcheca" e ao Governo "antibolchevique" de Samara [15], que cortavam a necessária comunicação com a Sibéria. A estes, acabou somando-se logo os cossacos de Krasnov (o general derrotado em Púlkovo nos primeiros dias da insurreição, e que havia sido detido e posteriormente liberado pelos bolcheviques), o exército de Denikin no Sul, Kaledin no Dom, Kolchak no Leste, Yudenitch no Norte... Em resumo uma sangrenta orgia de terror, de matanças, assassinatos e atrocidades de todo tipo, aplaudida pelos "democratas" e bendita pelos "socialistas" que na Alemanha, Áustria, Hungria..., esmagavam as insurreições operárias.

Os historiadores burgueses apresentam essas brutalidades da guerra civil, "como em todas as guerras", fruto do "selvagerismo" dos homens. Porém a atroz guerra civil, que sacudiu a Rússia durante três anos, que custou junto às enfermidades e a fome causada pelo bloqueio econômico imposto a população na Rússia, sete milhões de mortos, foi uma imposição do capitalismo mundial.

Junto aos exércitos ocidentais, junto às "bandas brancas", operavam ao mesmo tempo contra a revolução a sabotagem e as conspirações contra-revolucionárias da burguesia e a pequena-burguesia. Em julho de 1918, Savinkov [16] organizou com fundos disponibilizados pelo embaixador francês Noulens, um motim em Yaroslav onde se sustentaram duas semanas de autêntico terror e vingança contra tudo o que cheirava proletário, revolucionário, bolchevique. Também em julho, apenas alguns dias depois do desembarque franco-britânico em Murmansk, os socialistas revolucionários de esquerda organizaram uma tentativa de golpe de Estado, depois de assassinar o embaixador alemão, conde Mirbach, com objetivo de provocar uma retomada imediata das hostilidades com a Alemanha. Lênin o definiu como "outro monstruoso golpe do pequeno-burguês". Só lhe faltava à revolução nesse momento, uma guerra aberta com a Alemanha!

A revolução se debatia entre a vida e a morte. Sobreviver, à espera da revolução na Europa, exigia uma infinidade de sacrifícios, no terreno econômico como veremos mais adiante, porém também no terreno político. Não entraremos neste artigo, na análise, por exemplo, da questão do aparato repressivo ou do exército regular [17], sobre o que a revolução russa proporciona um sem fim de lições. Interessa-nos, não obstante destacar que a passagem da necessária violência revolucionária ao terror, assim como a substituição das milícias operárias por um exército hierarquizado, cada vez mais autônomo dos Conselhos operários, são em grande parte conseqüências do isolamento da revolução, da cada vez mais adversa correlação de forças entre burguesia e proletariado mundiais, que é no final das contas o que determina o curso da revolução que tem "triunfado" em um só país.

Entre uma Tcheca que no momento de sua formação em Novembro de 1917, conta com apenas 120 homens e que não dispõe nem de carro para assumir seu papel e o monstruoso aparato policial do GPU, utilizado precisamente por Stalin contra os próprios bolcheviques, não há uma "evolução lógica", sem uma degeneração resultado da derrota da revolução. Do mesmo modo, entre a "guarda vermelha" que por mandato dos Sovietes controla as unidades militares; e um exército regular onde se reinstauram o recrutamento obrigatório (Abril de 1919), a disciplina de quartel, a saudação militar, e que em Agosto de 1920 já há 315 000 "spetsys" militares ("especialistas" procedentes do antigo exército tzarista) não há uma continuidade prevista de antemão pelos "maquiavélicos" bolcheviques, mas o massacrante peso das exigências da luta entre um bastião proletário que necessita o ar da revolução internacional para sobreviver, e uma feroz contra-revolução mundial, que cada vez foi mais potente, porque cada vez amputava, com derrotas, mais partes do corpo do proletariado mundial.

A asfixia econômica

Nas condições do isolamento da revolução, do assédio permanente dos capitalistas, da sabotagem interior, e independentemente das ilusões dos bolcheviques sobre a possibilidade de introduzir uma lógica distinta à economia, a verdade é que como o próprio Lênin reconhecia, a economia na Rússia de 1918-1921, era a de uma "fortaleza sitiada", um bastião proletário, que tratava de agüentar, nas piores circunstâncias, a espera da extensão da revolução [18].

A terrível penúria econômica que padeceu a revolução na Rússia, não é a conseqüência da miséria que seria o resultado do socialismo, mas da impossibilidade de romper com a miséria quando a revolução proletária fica isolada. A diferença é sem dúvida substancial: enquanto que da primeira tese, os capitalistas esperam que os operários tirem a lição de que "é melhor não fazer a revolução e destruir o capitalismo, pois mal ou bem este sistema nos permite sobreviver", da segunda se extrai uma lição fundamental da luta operária, desde as menores greves nas fábricas até as revoluções que ocupam um país inteiro: "... se não estendermos as lutas, ficarmos isolados, estaremos derrotados".

A revolução operária na Rússia surge frente à Primeira Guerra mundial e, portanto, herda também desta o caos econômico, os racionamentos, a subordinação da produção às necessidades da guerra. Isolada, deverá sofrer, além disso, os estragos da guerra civil, e a intervenção militar das "democracias" ocidentais. Estas que mostravam uma máscara "humanitária" em Versalhes, sob o lema "viver e deixar viver" não duvidaram, no entanto em implementar um drástico bloqueio econômico que se estendeu desde março de 1918, até começos de 1920 (poucos meses antes da derrota definitiva do último "exército branco" de Wrangel) e que impedia inclusive a chegada à Rússia dos envios solidários que os proletários de outros países faziam a seus irmãos de classe, na Rússia.

Assim, a população se viu privada, por exemplo, de combustível. O frio semeava a Rússia de cadáveres. Como conseqüência do cerco estabelecido pelos capitalistas, o carvão da Ucrânia se manteve inacessível até 1920 e o petróleo de Baku e o do Cáucaso esteve em mãos inglesas desde o verão de 1918 até finais de 1919. O total de combustível que chegava naquele momento às cidades russas, não supria nem sequer 10% dos fornecimentos normais antes da Primeira Guerra mundial.

Nas cidades, se passava uma fome atroz. Desde a guerra imperialista, o açúcar e o pão se encontravam racionados. Com a guerra civil, o bloqueio econômico, e a sabotagem dos camponeses que escondiam grande parte da colheita, para depois vendê-la no mercado negro, esse racionamento alcançou níveis inumanos. Em Agosto de 1918, quando já se haviam esgotado por completo as existências de víveres nos armazéns das cidades, se decidiu diferenciar as rações:

  • os operários da indústria pesada recebiam a ração de primeira categoria, que proporcionava aproximadamente de 1200 a 1900 calorias/dia, ou seja, a quarta parte de suas necessidades reais. Este tipo de ração se fez logo extensiva, com o transcurso da guerra civil, aos familiares dos alistados no Exército vermelho.
  • a ração inferior representava a quarta parte da anterior, e era a que se proporcionava aos burgueses. O resto dos trabalhadores obtinha uma ração "média", três vezes maior que a inferior.

Em Outubro de 1919, quando o general branco Yudenitch chegou às portas de Petrogrado, Trotski descreve os voluntários que tinham que encarregar-se de travar a marcha dos guardas brancos, como um exército de espectros: "Por aquela época, os operários de Petrogrado tinham um aspecto lamentável, com suas caras pardas como a terra por falta de alimento, com seus trajes que se lhes caiam de rotos, com suas botas furadas, que muitas vezes nem sequer fechavam" [19].

Em janeiro de 1921, mesmo depois de acabada a guerra civil, a ração de pão preto é de 800 gramas para os trabalhadores das empresas a ritmo contínuo, e de 600 gramas para diversos trabalhadores de choque; e se rebaixa a 200 gramas para os portadores da "carta B" (desempregados). O mesmo pode-se dizer do arenque, que outras vezes havia ajudado a salvar a situação e que agora faltava por completo. As batatas chegavam quase sempre congeladas às cidades, pois o estado das vias férreas e das locomotivas era lamentável (20% de seu potencial de antes da guerra). No começo do verão de 1921, uma fome atroz sacudiu as províncias orientais, assim como a região de Volga. Existiam nesse momento segundo as estatísticas reconhecidas pelo próprio Congresso dos Sovietes entre 22 e 27 milhões de necessitados, que padeciam fome, frio, epidemias de tifo [20], difteria, gripe...

Aos escassos fornecimentos, se unia a especulação. Para conseguir algo com o que completar as rações oficiais, havia que recorrer ao mercado negro: a "sujarevka" (nome tomado da Praça Sujarevski de Moscou, onde se realizava semi-clandestinamente este tipo de transações). A metade do grão que chega às cidades vem do Comissariado de Abastecimento, a outra metade se consegue no mercado negro (a um preço 10 vezes superior ao oficialmente fixado). Existe outra forma de sobreviver: o contrabando, o transporte ilegal de produtos manufaturados ao campo, para trocá-los ali com os camponeses por víveres. Logo, a tipologia da revolução embalou um novo personagem: o "homem do saco" que trazia para aldeias sal, fósforo, às vezes um par de botas ou um pouco de petróleo em uma garrafa, para trocá-los por uns kilos de batatas e um pouco de farinha. Em Setembro de 1918, o Governo reconheceu oficialmente a existência do contrabando, limitando-o unicamente a 1,5 puds (aproximadamente 25 kilos) de trigo. Desde então o homem do saco passou a denominar-se o "homem do pud e meio", sem cessar de proliferar. Quando nas fábricas começou a pagar com os próprios produtos que os operários fabricavam, se ampliou igualmente a prática de que os próprios trabalhadores se transformavam em "homens do saco", vendendo para a população, correias, ferramentas...

Quanto às condições de trabalho, a tremenda miséria, o isolamento da revolução e a guerra civil, as agravaram brutalmente, tornando vãs as reivindicações operárias e inclusive as medidas que o próprio Governo adotava para satisfazê-las: "Quatro dias depois da revolução, se publicou um decreto que estabelecia a jornada de 8 horas, e a semanal de 48 horas, proibindo o trabalho aos menores de 14 anos e limitando o das mulheres. Um ano depois o Narkomtrud (comissariado do povo para o Trabalho) teve que voltar a recordar a obrigatoriedade deste decreto. Estas proibições tiveram pouco efeito, no período de extrema escassez de mão-de-obra da guerra civil" [21].

O próprio Lênin que havia criticado o "taylorismo", ou seja, o trabalho em série, qualificando-o como o "acorrentamento do homem à máquina", cedeu finalmente às exigências de incrementar a produção, instituindo os "sábados comunistas", pelo que os trabalhadores apenas recebiam uma refeição que, além disso, em geral acabavam pagando, para apoiar a revolução. Na confiança ainda de que a revolução proletária podia ser iminente na Europa, defendendo a sobrevivência do bastião proletário, privados, além disso, como veremos mais adiante de seus Sovietes, de suas assembléias operárias, de sua luta de classes contra a exploração capitalista, os setores mais combativos e mais conscientes da classe trabalhadora foram progressivamente se encadeando às formas mais brutais da exploração capitalista vigente na Rússia.

Apesar desses esforços e dessa super-exploração, as fábricas russas produziam cada vez menos, por um lado pela própria perda de produtividade de um proletariado desnutrido, mas também pelo próprio caos da economia russa: ainda em 1923, três anos depois do final da guerra civil, o conjunto da indústria russa, funcionava a 30% da capacidade de 1912. Na pequena indústria, a produtividade do operário era só de 57% da de 1913. Esta pequena indústria, desenvolvida, sobretudo a partir de 1919, era em grande parte rural (de fato sua produção era essencialmente de ferramentas, roupa, móveis..., para o mercado camponês local) e nela os operários trabalhavam em condições muito similares as da agricultura (em número de horas de trabalho em particular). Por conta das difíceis condições de existência nas cidades, grande parte dos trabalhadores imigrou para o campo, e se integrou dentro desta produção em pequena escala. Nas grandes cidades, os operários deixavam as grandes fábricas para trabalhar em pequenas oficinas, onde podiam obter peças para trocar com o campesinato. Em 1920, o número total de assalariados na indústria era de 2 200 000 trabalhadores, dos quais apenas 1 400 000 estavam empregados em estabelecimentos de mais de 30 operários.

Com a entrada em vigor da NEP (Nova política econômica) em 1921 [22], as empresas do Estado, necessitaram fazer frente a concorrência dos capitalistas "privados" da Rússia, ou aos investidores estrangeiros recém-chegados, e como em qualquer economia capitalista, o Estado-patrão necessitava produzir mais e mais barato. Por trás da desmobilização da guerra civil, e a entrada em vigor da NEP, se produziu uma onda de demissões, que, por exemplo, nas ferrovias, alcançou a metade do quadro. O desemprego começou a estender-se com força a partir de 1921. Em 1923 havia na Rússia 1 milhão de desempregados oficialmente recenseados.

A questão camponesa

O campesinato representava na Rússia 80% da população. Na insurreição, o congresso dos Sovietes adaptou o "Decreto sobre a terra", que trata de fazer frente à necessidade de dezenas de milhões de camponeses: cultivar um pedaço de terra para poder alimentar-se, e ao mesmo tempo, eliminar as grandes propriedades agrárias, que não só obrigavam os camponeses a trabalhar em condições arcaicas, mas, além disso, eram o ponto de apoio da contra-revolução. No entanto, as medidas tomadas não contribuíram para formar grandes unidades de exploração, nas que os trabalhadores agrícolas, puderam exercer um mínimo controle operário. Ao contrário, apesar de iniciativas como os "comitês de trabalhadores agrícolas", ou como depois os Koljozi ("granjas coletivas"), ou os Sovjozi ("granjas soviéticas"), chamadas também "fábricas socialistas de grãos", pois sua missão era a de abastecer de cereais o proletariado das cidades, o que se estendeu foi a pequena unidade camponesa, de dimensões ridículas, e que apenas dava para subsistir a própria família do camponês. As explorações agrárias de menos de 5 hectares, que em 1917 representavam 58% do total, alcançaram em 1920, 86% do total da terra cultivável. Por conseqüência estas explorações, dado o exíguo da sua produção, não podiam supor nenhum alívio para a fome nas cidades. As medidas de "requisições obrigatórias" com que os bolcheviques tentaram em um primeiro momento obter os alimentos que se necessitavam para cobrir as necessidades do proletariado e do Exército vermelho se saldaram não só com um fracasso lamentável: enquanto a quantidade do coletado, mas que, além disso, empurrou a grande parte destes camponeses aos exércitos brancos, ou melhor, a bandas armadas, amiúde muito numerosas, que combatiam às vezes aos exércitos brancos e às vezes aos bolcheviques, como foi o caso do anarquista Majno na Ucrânia.

A partir do verão de 1918, o Estado tratou de apoiar-se nos camponeses médios, para obter melhores resultados: no primeiro ano da revolução, o Comissariado de Abastos, havia recolhido apenas 780 mil toneladas de grão; de Agosto de 1918 a Agosto de 1919 conseguiu dois milhões de toneladas. No entanto, o camponês proprietário de uma exploração agrícola "média", não estava disposto a colaborar: "O camponês médio produz mais artigos alimentícios do que necessita, e enquanto tem excedentes de cereais, se converte em um explorador do operário faminto (...) Aqui está nossa missão fundamental, e nisto apóia a contradição fundamental; o camponês, enquanto que trabalhador, de homem que vive de seu próprio trabalho, que tem sofrido a opressão do capitalismo está ao lado do operário; porém o camponês, em sua qualidade de proprietário, do que tem excedentes de cereais, está acostumado a considerá-los como propriedade sua, que pode vender livremente" [23].

Tampouco aqui podiam os bolcheviques levar à prática outra política, além da que lhes era imposta pelo curso desfavorável da relação de forças entre a revolução operária e o capitalismo dominante. A solução para esse acúmulo de contradições, não estava nas mãos do Estado russo, nem residia nas relações entre o proletariado e o campesinato na Rússia. A solução, só podia vir do proletariado internacional.

"No IXº Congresso do Partido, em março de 1919, que proclamou a política de conciliar-se com o camponês médio, Lênin tocou num dos pontos dolorosos da agricultura coletiva; se conseguiria ganhar o camponês médio para a sociedade comunista "unicamente... quando facilitemos e melhoremos as condições econômicas de sua vida". Porém aí estava a dificuldade. "Se pudéssemos dar-lhe amanhã 100 000 tratores de primeira classe, dotados de gasolina, fornecer-lhe mecânicos (sabeis muito bem que no momento isto é pura utopia), o camponês médio diria: estou a favor da comuna (ou seja, do comunismo). Porém para fazer isso é necessário primeiro vencer a burguesia internacional, obrigá-la para que nos dê esses tratores". Lênin não seguia o silogismo. Edificar o socialismo na Rússia era impossível sem a agricultura socializada, e socializar a agricultura era impossível sem tratores, e obter tratores era impossível sem uma revolução proletária internacional" [24].

A economia dos primeiros anos da revolução na Rússia, não está marcada, nem no período do "comunismo de guerra", nem no da NEP, pelo socialismo, mas pelas asfixiantes condições que o isolamento impõe à revolução.

"Mais ainda nós tínhamos razão ao pensar que se a classe operária européia houvesse conquistado o poder antes, ter-se-ia encarregado do nosso país atrasado - pela economia e a cultura -, e assim nos havia sem dúvida alguma ajudado por meio da técnica e da organização e nos havia permitido, corrigindo e modificando em parte ou totalmente nossos métodos de comunismo de guerra, nos dirigir até uma economia socialista verdadeira" [25].

A derrota da onda revolucionária do proletariado mundial levou também à morte o bastião proletário russo. A partir da morte da revolução pôde constituir-se na Rússia, uma nova burguesia: "A burguesia russa se reconstituiu com a degeneração interna da revolução, não a partir da burguesia tzarista, eliminada pelo proletariado em 1917, mas a partir da burocracia parasitária do aparato de Estado, com o que se confundiu cada vez mais, debaixo da direção de Stalin, o Partido bolchevique. Esta burocracia do Partido-Estado a que ao eliminar, em finais dos anos 20, todos os setores suscetíveis de reconstruir uma burguesia privada e aos que se havia aliado para assegurar a gestão da economia (proprietários camponeses, especuladores da NEP) tomou o controle desta economia" [26].

O esgotamento dos conselhos operários

Como conseqüência do isolamento da revolução, se produzem não só a fome e as guerras, mas também a progressiva perda do principal capital da revolução: a ação massiva e consciente da classe operária, que tinha se desenvolvido entre fevereiro e outubro de 1917 [27]. Em finais de 1918, o número de operários de Petrogrado era de 50% do que existia em finais de 1916, e no outono de 1920, ao final da guerra civil, a que havia sido berço da revolução havia perdido quase 58% da população total. Moscou, a nova capital, se havia despovoado em 45%, e o conjunto das capitais da província em 33%. A maioria desses trabalhadores emigrou para o campo onde sobreviver era menos difícil.

Mas uma grande parte deles se alistou no Exército vermelho, ou se colocou ao serviço do Estado: "Quando as coisas se tornaram graves no front, nos voltamos ao Comitê central do partido e ao Presidium do comitê central sindical e dessas duas fontes enviamos proletários destacados a frente e ali criaram o Exército vermelho à sua própria imagem e semelhança" [28].

Cada vez que o Exército vermelho, composto majoritariamente de camponeses, retrocedia em debandada ou difundiam as deserções, se recrutavam brigadas dos trabalhadores mais decididos e conscientes, para colocá-los em vanguarda das operações militares ou como "barreira de contenção" contra as deserções camponesas. Mas também, cada vez que havia que tomar a responsabilidade de reprimir a sabotagem, de combater o caos dos abastecimentos, os bolcheviques recorriam à célebre consigna de Lênin: "Aqui faz falta energia proletária!". Mas essa energia da classe revolucionária se afastava cada vez mais dos centros onde havia nascido, e onde se havia adquirido a força para se desenvolver e se materializar, os Conselhos Operários e os Sovietes. Esta energia estava colocada ao serviço do Estado, o órgão que passaria a ser o motor da contra-revolução [29]. Como conseqüência disso, se produziu uma progressiva perda de vitalidade desses mesmos Sovietes que Trotski descreveu assim: "Quando a tarefa principal do governo era organizar a resistência ao inimigo e nos era obrigado resistir a todos os ataques, a direção se exercia quase exclusivamente mediante ordens e a ditadura do proletariado revestia, naturalmente, a forma de uma ditadura proletária militar. Então, os amplos órgãos de poder soviético, as assembléias plenárias dos Sovietes quase desapareceram e a direção passou exclusivamente aos Comitês executivos, ou seja, a órgãos limitados, a comitês de três ou cinco pessoas, etc. Com freqüência, sobretudo nas regiões próximas à linha de frente, os órgãos "regulares" do poder soviético, ou seja, os órgãos elegidos pelos trabalhadores, foram substituídos pelos "comitês revolucionários" locais que, no lugar de submeter os problemas a exame das assembléias de massas, os resolviam por própria iniciativa" [30].

E essa perda de reflexão e discussão coletivas, se dava não só nas assembléias, nos sovietes locais, mas no conjunto do tecido dos conselhos operários. A partir de 1918, o Congresso soberano dos Sovietes, que devia se reunir, a cada três meses, passou a fazê-lo uma vez ao ano. Inclusive o Comitê central dos Sovietes, em muitas ocasiões não podia levar adiante discussões e decisões coletivas. Quando no VIIº Congresso dos Sovietes (dezembro de 1919), o representante do Bund (Partido comunista judeu) pergunta que tem feito o Comitê executivo central, Trotski lhe responde: "O CEC está no front da batalha!".

Ao final, as decisões e a própria vida política se concentravam nas mãos do partido bolchevique. Kamenev no IXº Congresso do Partido bolchevique assinalava: "Administramos a Rússia, e só podemos fazê-lo através dos comunistas" (o sublinhado é nosso).

Nós estamos de acordo com Rosa Luxemburgo, quem em A Revolução russa (op. cit.) critica: " "Graças à luta aberta e direta pelo poder as massas trabalhadoras acumulam em um tempo brevíssimo uma grande experiência política, e em seu desenvolvimento político sobem rapidamente um degrau atrás do outro". Aqui Trotski se contradiz a si mesmo e a seus próprios camaradas de partido. Justamente porque é assim, ao esmagar a vida pública, secaram a fonte da experiência política e este desenvolvimento ascendente! (...) As tarefas gigantescas que os bolcheviques assumiram com coragem e determinação exigem o mais intenso treinamento político e acumulação de experiências pelas massas!".

Nesse mesmo sentido se expressou a Esquerda comunista italiana, ao fazer um balanço das causas da derrota da Revolução russa: "Mesmo que Marx, Engels, e, sobretudo Lênin houvessem assinalado muitas vezes a necessidade de opor ao Estado seu antídoto proletário, capaz de impedir sua degeneração, a revolução russa, longe de assegurar a manutenção e a vitalidade das organizações de classe do proletariado, as esteriliza ao incorporá-las ao aparato de Estado, devorando assim sua própria substância" (Bilan nº. 28).

Pouco importou que para tratar de preservar o peso político da classe operária, se primara a representação desta no Estado (um delegado para cada 25 mil operários, enquanto que 125 mil camponeses, elegiam também apenas um delegado), já que o problema era a absorção desses trabalhadores nas próprias engrenagens reacionárias do Estado. Finalmente, quando se completou a derrota da revolução proletária na Europa, nem sequer o férreo controle que sobre a sociedade mantinha o Partido Bolchevique, pôde evitar que o capitalismo dominante a nível mundial e, portanto também na própria Rússia, tomasse o controle do Estado, o levasse em uma direção absolutamente oposta à que pretendiam os comunistas: "A máquina escapa das mãos de quem a conduz: pode se dizer que há quem maneja o volante e conduz esta máquina, porém que esta segue uma direção diferente à que se quer, como se estivesse controlada por uma mão secreta, clandestina que só Deus sabe de quem é, pode ser de um especulador ou de um capitalista privado, ou de ambos de uma vez. O fato é que a máquina não vai à direção que quer o que está ao volante, às vezes vai melhor em sentido contrário" [31].

"Os bolcheviques temiam que a contra-revolução viesse com os exércitos brancos e outras expressões diretas da burguesia, e defenderam a revolução contra esses perigos. Temiam a volta da propriedade privada através da persistência da pequena produção, e em particular do campesinato. Porém o pior perigo da contra-revolução, não veio nem dos "Kulaks", nem dos operários desgraçadamente massacrados em Kronstadt, nem do "complô branco" que os bolcheviques viam depois desta revolta. Foi sobre o cadáver dos operários alemães massacrados em 1919 que a contra-revolução ganhou, e foi através do aparato burocrático do que se supunha devia ser o "semi-Estado" do proletariado que se expressou mais poderosamente" [32].

A saída à situação criada pela insurreição de Outubro de 1917, não estava na Rússia. Como assinalou Rosa Luxemburgo: "Na Rússia somente podia apresentar-se o problema. Não podia resolvê-lo". A chave da evolução da situação estava no proletariado internacional. Na realidade, enquanto se esperava a resposta deste, a onda revolucionária que seguiu à Primeira Guerra mundial, foi sendo esmagada. Deste modo, o curso dos acontecimentos na Rússia, esteve marcado por uma acumulação de contradições, de busca desesperada de soluções, sem poder cortar o "nó cego" de todas elas: a extensão da revolução.

"Em todo caso, a situação fatal em que hoje se encontram os bolcheviques é, igual à maioria de seus erros, uma conseqüência do caráter, pelo momento insolúvel, do problema que confrontaram o proletariado internacional, e na primeira linha o proletariado alemão. Realizar a ditadura do proletariado e a revolução socialista em um só país, cercado por uma brutal dominação reacionária imperialista e assediado pela mais sangrenta das guerras gerais que havia conhecido a história humana, é a quadratura do círculo. Qualquer partido revolucionário estaria condenado a fracassar nesta tarefa e a perecer, por muito que baseie sua política na vontade de vencer e na fé no socialismo internacional, ou na abnegação profunda" [33].

A Revolução russa foi a experiência mais importante, a mais rica de ensinamentos da história do movimento operário. As futuras lutas revolucionárias do proletariado não poderão economizar o esforço de assimilar suas múltiplas lições. Porém, sem lugar a dúvidas, a primeira dessas lições é a confirmação do já antigo e nunca tão atual grito de guerra do marxismo: "Proletários de todos os países, uni-vos!" e o convencimento de que esse slogan não é uma "idéia formosa", mas a condição prévia e vital para o triunfo da revolução comunista. O isolamento internacional é a morte da revolução.


[1] Rosa Luxemburgo, A Revolução russa. Tradução nossa.

[2] A primeira constituição soviética de 1918 reconhecia a cidadania "a todos os estrangeiros que residam no território da Federação Soviética com tanto que pertençam a classe operária ou ao campesinato que não explora mão-de-obra".

[3] Radek, citado por E.H. Carr, A Revolução bolchevique. Tradução nossa.

[4] "Manifesto da Internacional comunista aos proletários de todo mundo", em Os Quatro primeiros congressos da Internacional comunista. Tradução nossa.

[5] As sessões do IIº Congresso da IC se celebraram frente um mapa onde se refletiam os avanços do Exército vermelho, em seu contra-ataque sobre a Polônia no verão de 1920. Como é sabido, o único que conseguiu esta incursão militar foi que os proletários polacos fecharam fileiras em volta da sua burguesia, sendo assim derrotado o Exército vermelho às portas de Varsóvia.

[6] Trotski, citado por E.H. Carr, op. cit. Tradução nossa.

[7] Em janeiro de 1918, estourou uma greve de meio milhão de operários em Berlim, que se estendeu a Hamburgo, Kiel, o Rhur, Leipzig..., e se constituíram os primeiros Conselhos operários. Ao mesmo tempo surgiram revoltas operárias em Viena e Budapeste, que inclusive a maioria de jornalistas burgueses (cf. E. H. Carr, op. cit.) diziam que estavam relacionadas com a Revolução russa, e mais concretamente com as negociações de Brest-Litovsk.

[8] Ver na Revista internacional, nºs 8 e 9: "A Esquerda comunista na Rússia".

[9] Lênin, Obras escolhidas. Tradução nossa.

[10] "A responsabilidade histórica", em A revolução russa. Tradução nossa.

[11] Ver em Revista internacional nº8: "A Esquerda comunista na Rússia", e Revista internacional nºs 12 e 13: "Outubro de 1917: início da revolução proletária". Ver também nosso folheto - em francês ou inglês - O período de transição do capitalismo ao socialismo, onde a propósito da experiência russa, examinamos o problema das negociações do bastião proletário com os governos capitalistas.

[12] "Teses do Iº Congresso da IC sobre a situação internacional e a política da Entente", em Os quatro primeiros congressos da Internacional comunista. Tradução nossa.

[13] Citado em E. H. Carr, op. cit. Tradução nossa.

[14] E.H. Carr, op. cit. Tradução nossa.

[15] Este Governo chegou a controlar todo o meio e baixo Volga. Em outubro de 1918, se produziu o levantamento de 400 mil "alemães do Volga" que instituíram nesse território uma "Comuna de operários". A chamada "legião tcheca" era constituída por prisioneiros de guerra tchecoslovacos que foram autorizados pelo Governo russo a abandonar a Rússia por Vladivostok. No caminho 60 mil dos 200 mil com que contava a expedição, se amotinaram, (há que dizer também que cerca de 12 000 soldados desta "legião" engrossaram o Exército vermelho) criando bandas armadas dedicadas ao saque e ao terror.

[16] Este antigo social-revolucionário serviu em setembro de 1917 de intermediário clandestino entre Kerensky e Kornilov. Em janeiro de 1918 organizou um atentado contra Lênin, e logo foi nomeado representante dos "brancos" em Paris, onde evidentemente se acotovelava não só com os serviços secretos dos "aliados", mas com ministros, generais..., que em prêmio ao seu "democrático" trabalho lhe puseram ao comando dos pelotões de sabotadores, os chamados "verdes".

[17] Ver na Revista internacional nº3, "A degeneração da revolução russa"; nos nº 8 e 9, "A Esquerda comunista na Rússia"; nos nºs 12 e 13, "Outubro de 1917: início da revolução proletária".

[18] O socialismo jamais existiu na Rússia, já que exige a vitória em escala mundial do proletariado sobre a burguesia. A política econômica de um bastião proletário isolado não pode senão ser ditada pelo capitalismo dominante em escala mundial. O "socialismo em um único país" não é mais que o tapa-sexo da contra-revolução stalinista, como sempre o tem denunciado os revolucionários. Convidamos o leitor interessado em estudar mais profundamente este tema a consultar a Revista internacional nº3, "a degeneração da Revolução russa", ou o capítulo "A Revolução russa e a corrente conselhista" em nosso folheto Rússia 1917, início da Revolução mundial".

[19] Minha vida. Trotsky Tradução nossa.

[20] As epidemias de tifo foram tão extensas e tão repetidas, que Lênin mesmo susteve: "ou a revolução acaba com os piolhos ou os piolhos acabam com a revolução". Tradução nossa.

[21] E.H. Carr, op. cit. Tradução nossa.

[22] Apesar do que então pensavam muitos dos membros da Esquerda comunista na Rússia, a NEP, não significava uma volta ao capitalismo, pois na Rússia nunca houve uma economia socialista. Tomamos posição frente a esta questão da NEP, na Revista internacional nº. 2: "Resposta a Workers Voice", e nºs 8 e 9: "A Esquerda comunista na Rússia".

[23] Lênin, citado em E.H. Carr, op. cit. Tradução nossa.

[24] E. H. Carr, op. cit. Tradução nossa.

[25] Lênin, "A NEP e a revolução", em Teoria econômica e Economia política na construção do socialismo. Tradução nossa.

[26] De nosso suplemento: Não morreu o comunismo, e sim o seu pior inimigo o stalinismo. Tradução nossa.

[27] Ver artigo na Revista internacional nº. 71.

[28] Trotski, citado em E. H. Carr, op. cit. Tradução nossa.

[29] Temos expressado nossa posição sobre o papel do Estado no período de transição, e as relações dos Conselhos operários com esse Estado, precisamente tirando lições da experiência russa no folheto O período de transição do capitalismo ao socialismo, e na Revista internacional nºs 8, 11, 15, 18. Assim mesmo, sobre nossa crítica a idéia de que o partido toma o poder em nome da classe operária, ver Revista internacional nºs 23 e 34-35.

[30] Trotski, A Teoria da revolução permanente. Tradução nossa.

[31] Lênin, Informe político do Comitê central ao Partido, 1922. Tradução nossa.

[32] Introdução ao folheto da CCI: O período de transição do capitalismo ao socialismo, editado em francês e inglês.

[33] Rosa Luxemburgo: "A tragédia russa". Cartas de Spartacus, nº 11, setembro de 1918.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Herança da Esquerda comunista [2]

URL de origem:https://pt.internationalism.org/ICCOline/2007/revolucao_Russe.htm

Ligações
[1] https://pt.internationalism.org/tag/5/38/brochuras [2] https://pt.internationalism.org/tag/1/3/Heran%C3%A7a-da-Esquerda-comunista [3] https://pt.internationalism.org/tag/1/8/Revolu%C3%A7%C3%A3o-russa-alem%C3%A3 [4] http://www.moreira.pro.br/pagcent.htm [5] http://www.moreira.pro.br/classcent.htm