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No The Guardian de 28/02/11, com o artigo intitulado "Como os líderes ‘revolucionários' da América Latina podem apoiar Kadafi?" Mike Gonzales critica os presidentes Ortega da Nicarágua e Chávez da Venezuela, juntamente com Fidel Castro, por expressarem simpatia por Kadafi e pelo governo líbio. Diz que "não podem apoiar um regime opressivo que enfrenta agora um movimento democrático de massas vindo de baixo" quando, aparentemente, o fazem.
A natureza exata do movimento está em aberto para a discussão, mas não pode haver nenhum pseudo-debate com o fato de que o estado capitalista líbio é repressivo.
Em contraste com o regime de Kadafi, Gonzales diz que Ortega e Chávez "chegaram ao poder como resultado de uma insurreição de massas" e que ao derrubar Batista, Castro "era imensamente popular". Independente das suas rotas ao poder Ortega, Chavez e Castro são partes integrantes da classe dominante capitalista em seus países. Acontece que Ortega e Chavez passaram a ser presidentes após eleições. Entretanto, quer estejam no poder através da urna eleitoral, quer estejam através de um golpe militar como Kadafi, fazem o melhor que podem para servir seus capitais nacionais.
O que Gonzales quer ouvir é uma denúncia apaixonada da repressão líbia e expressões de solidariedade com o povo. Sua explicação para a falha de seus heróis caídos é a de que "A Líbia investiu em todos os três países e se apresentou como um poder antiimperialista." Esta é uma explicação um pouco crua, parcialmente materialista. Na realidade, todos estes líderes de esquerda proclamam suas credenciais do antiimperialistas, e reconhecem Kadafi como um dos seus, um dos patrões que podem falar como 'radicais'. Enquanto isso, a classe trabalhadora explorada e outros estratos sociais oprimidos resistem à realidade capitalista que eles dirigem.
Há uma exceção a este padrão. O presidente iraniano Ahmadinejad criticou "o mau comportamento do governo líbio para com o povo" e disse que o estado deve escutar os desejos do povo. Isto é o que líderes ‘radicais' supostamente fazem, e, se criticam outros governos sua mensagem será transmitida por seus admiradores esquerdistas.
Hipocrisia esquerdista sobre as conexões líbias do WRP [1]
O golpe de Kadafi de1969 parece um pouco de diferentes através dos olhos do WRP, que publica "Newsline". Referem-se a ele como "a revolução líbia, através da qual o povo líbio tomou o controle do seu país do imperialismo da Inglaterra e dos EUA em 1969." (28/02/11).
Outros esquerdistas riem do WRP por causa dos acordos e comunicados que assinou com o governo líbio, em sua lealdade servil ao estado ‘socialista' líbio e ao Iraque de Saddam Hussein (ambos deram dinheiro ao WRP), a sua defesa da execução de stalinistas no Iraque, e toda uma série de atividades sórdidas de colaboração com regimes no Oriente Médio durante o final dos anos 70 e no início dos 80. Mesmo agora, depois que todas as contribuições líbias possivelmente secaram há muito tempo, "concitamos as massas e a juventude líbias a se posicionar ao lado do coronel Kadafi para defender as conquistas da revolução líbia, e para desenvolvê-las. Isto só pode ser feito pela derrota da rebelião atual" (Newsline 23/02/11), e publica um dos maiores trechos disponíveis do discurso de Kadafi "feito ao povo líbio... para reuni-lo contra as forças internas da contra-revolução e seus apoiadores da Inglaterra e dos EUA." (idem, 24/02/11).
Mas os esquerdistas que apontam o dedo acusador ao WRP por aceitar o dinheiro do regime sangrento de Kadafi são suspeitos para dizer alguma coisa. O que o WRP era pago para fazer a maioria de grupos esquerdistas faz de graça.
Tomemos o exemplo da guerra do Vietnã. Nos anos 60 e 70 o grupo International Socialists (que se tornaram o SWP mais tarde [2], descreveu o Vietnã do Norte como um ‘estado capitalista', quando trotskistas mais ortodoxos chamaram-no de ‘estado operário deformado', e os stalinistas chamaram-no de ‘socialista'. Estas diferenças pouco afetaram a insistência unitária da esquerda na necessidade dos trabalhadores e camponeses no Vietnã sacrificarem suas vidas pelo norte capitalista contra o sul capitalista.
Na guerra de oito anos entre Irã e Iraque nos anos 80, durante a qual aproximadamente um milhão de pessoas morreu, a esquerda pôs toda a ênfase em sua propaganda no apoio dos EUA e outros ao regime iraquiano de Saddam Hussein. Pode ter havido algumas reservas sobre o regime iraniano e sua ideologia religiosa arcaica, mas o consenso à esquerda era o de que era melhor morrer pelo Irã que pelo Iraque. Naturalmente, quando o Iraque estava sob ataque dos EUA e suas ‘coalizões' os esquerdistas descobriram um Saddam defensável, mesmo que a situação da classe trabalhadora não tenha sido alterada de modo nenhum.
Durante os conflitos que desintegraram a Iugoslávia no começo dos anos 90, os esquerdistas escolheram seu campo uma vez mais. A lógica da defesa da Bósnia ou de Kosovo levou ao apoio do bombardeio de Belgrado. O apoio à Sérvia e a uma Iugoslávia unida significou apoio aos massacres empreendidos por forças ‘oficiais' e paramilitares
A bestialidade do WRP é fácil de ver, mas o ‘apoio crítico' oferecido por outros esquerdistas para várias facções da burguesia é abertamente venenoso. Com os chamados à intervenção militar na Líbia crescendo em voz alta será interessante ver a quem os esquerdistas vão se unir. A experiência passada mostra que não será com a classe trabalhadora em defesa de seus interesses.
Car 04/03/11
World Revolution, órgão da CCI na Grã-Bretanha
https://en.internationalism.org/wr/342/leftists-gaddafi
[1] Workers Revolutionary Party: Partido Revolucionário dos Trabalhadores, grupo trotskista inglês ligado ao PSOL brasileiro de Heloísa Helena e Plínio de Arruda Sampaio. É importante sublinhar que atualmente no Brasil (e também no exterior), todas as organizações burguesas "radicais" grandes e pequenas declaram solidariedade ao governo líbio diante da ameaça imperialista pró-EUA: o jornal getulista-stalinista-lulista (sim, eles podem!) "Hora do Povo", a LBI, o PSTU, etc.
[2] SWP: Socialist Workers Party, Partido Socialista dos Trabalhadores, outra agremiação trotskista inglesa. Mike Gonzales é integrante deste partido