Submetido por CCI em
Desde a sua criação, a CCI sempre destacou a importância decisiva de uma organização internacional de revolucionários no ressurgimento de um novo curso da luta de classes em escala mundial. Com sua intervenção na luta, embora ainda seja em escala modesta, com seus perseverantes trabalhos para a criação de um lugar verdadeiro de discussões entre grupos revolucionários, a CCI tem demonstrado na prática que a sua existência não era supérflua nem imaginária. Convencida de que sua função respondia a uma necessidade profunda da classe, tem combatido tanto o diletantismo como a megalomania dentro do meio revolucionário, ainda marcado pelos estigmas da irresponsabilidade e da falta de maturidade. Esta convicção não se apóia em uma crença religiosa, mas em um método de análises, a teoria marxista. As razões do ressurgimento da organização revolucionária não poderiam ser compreendidas fora dessa teoria, sem a qual não poderia haver movimento revolucionário autêntico.
As cisões recentes que a CCI acaba de suportar não devem ser compreendidas como uma crise fatal. Traduzem essencialmente uma incompreensão sobre as condições e a marcha do movimento da classe que segrega a organização revolucionária:
- que o curso até a revolução é um fenômeno mundial e não local;
- que a amplitude das crises e das lutas não iniciam obrigatoriamente um período imediatamente revolucionário;
- que a necessidade da organização não é nem contingente nem episódica, e sim cobre todo um período histórico até o triunfo do comunismo mundial;
- E que por tudo isso, o trabalho da organização tem que ser compreendido como algo a longo prazo, preservando-se de todos os atalhos artificiais segregados pela impaciência imediatista e que colocam em perigo a organização.
A incompreensão da função da organização de revolucionários tem resultado sempre na negação da sua necessidade:
- na visão anarquista e conselhista, a organização é considerada como uma violação da personalidade de cada operário, reduzindo-se a um conglomerado de indivíduos cujo agrupamento é puramente contingente;
- o bordiguismo clássico, que identifica partido e classe, rechaçando indiretamente a necessidade da organização ao confundir a função da organização de revolucionários com a função da organização geral da classe.
Tanto ontem como hoje, a organização de revolucionários continua sendo uma necessidade que não pode ser rechaçada sob o pretexto da contrarrevolução, ou da amplitude da luta de classe (como na Polônia 1980, onde não existia nenhuma fração revolucionaria organizada):
- desde a formação do proletariado como classe, no século XIX, o agrupamento de revolucionários foi e continua sendo uma necessidade vital. Toda classe histórica que carrega dentro de si o potencial para transformar a sociedade deve ter uma visão clara do objetivo e dos meios da luta que a levará ao triunfo das suas metas históricas;a finalidade comunista do proletariado engendra uma organização política que, na teoria (o programa) e na prática (a atividade), defende as metas gerais do conjunto do proletariado;
- criada permanentemente pela classe, a organização revolucionária supera, e portanto nega, qualquer divisão natural (geográfica e histórica) e artificial (categorias profissionais, locais de produção). Expressa a tendência permanente ao ressurgir de uma consciência unitária de classe, afirmando-se e opondo-se a toda divisão imediata;
- dado o trabalho sistemático da burguesia para desviar e destruir a consciência do proletariado, a organização revolucionária é uma arma decisiva para combater os efeitos nocivos da ideologia burguesa. Sua teoria (o programa comunista) e sua ação militante na classe são um poderoso antídoto contra o veneno da propaganda capitalista.
O programa comunista, de onde procedem os princípios da ação militante, é a base de toda organização revolucionária digna de tal nome. Sem teoria revolucionária, não pode haver função revolucionária, ou seja, organização para a realização desse programa. Por isso, o marxismo tem rechaçado sempre qualquer desvio imediatista ou economicista, tendentes a desnaturalizar e a negar o papel histórico da organização comunista.
A organização revolucionária é um órgão da classe. E quem diz órgão diz membro vivo de um corpo vivo. Sem esse órgão, a vida da classe estaria privada de uma das suas funções vitais e momentaneamente diminuída e mutilada. Por isso renasce de maneira constante essa função, cresce e floresce criando necessariamente o órgão que necessita.
Esse órgão não é um simples apêndice fisiológico da classe que se contenta e se limita a obedecer a suas pulsões imediatas. A organização revolucionária é uma parte da classe. Não está separada nem se confunde (é idêntica) com a classe. Nem é uma mediação entre o ser e a consciência de classe. É uma forma particular desta, a parte mais consciente. Portanto não agrupa o conjunto da classe e sim sua fração mais consciente e ativa. Do mesmo modo que o partido não é a classe, a classe não é o partido.
Ao ser parte da classe, a organização de revolucionários não é a soma das suas partes (os militantes), nem uma associação de categorias sociológicas (operários, empregados, intelectuais). Desenvolve-se como uma totalidade viva cujas diferentes células têm a função de assegurar o seu melhor funcionamento. Não privilegia nem a indivíduos nem a categorias particulares. Como uma imagem da classe, a organização surge como um corpo coletivo.
As condições para um pleno florescer da organização revolucionária são as mesmas que permitiram e permitem a ascensão da classe proletária:
- sua dimensão internacional: à imagem proletariado, a organização nasce e vive rompendo com o marco nacional imposto pela burguesia, opondo ao nacionalismo do capital a internacionalização da luta de classe em todos os países;
- sua dimensão histórica: a organização como fração mais avançada da classe, tem uma responsabilidade histórica diante da classe. Memória da insubstituível experiência do movimento operário passado, é a expressão mais consciente das metas gerais e históricas do proletariado mundial.
São essas condições as que dão, tanto à classe como à sua organização política, sua forma unitária.
A atividade da organização revolucionária não pode ser entendida senão como um conjunto unitário cujos componentes não estão separados, mas são interdependentes:
- atividade teórica, cuja elaboração é um esforço constante, e cujo resultado não é algo fixo e concluído de uma vez para sempre. É tão necessária como insubstituível;
- atividade de intervenção nas lutas econômicas e políticas da classe. É esta a prática por excelência da organização, na qual a teoria se transforma em arma de combate através da propaganda e da agitação;
- atividade organizativa que trabalha pelo desenvolvimento, pelo fortalecimento dos seus órgãos, pela preservação das aquisições organizativas, sem as quais o desenvolvimento quantitativo (adesões) não poderia transformar-se em desenvolvimento qualitativo.
Muitas incompreensões políticas e organizativas aparecidas na nossa corrente surgiram do esquecimento do marco teórico que a CCI adotou desde o seu nascimento. Têm como origem a mal assimilação da teoria da decadência do capitalismo e das implicações práticas dessa teoria na nossa intervenção.
XII
Se, na sua essência, a organização de revolucionários não tem mudado de natureza, os atributos da sua função têm se modificado qualitativamente entre a fase ascendente e a decadente do capitalismo. Os transtornos revolucionários do primeiro pós-guerra tornaram caducas algumas formas de existência da organização revolucionária, desenvolvendo outras que no século XIX só haviam aparecido embrionariamente.
O ciclo ascendente do capitalismo lhes deu uma forma singular, e portanto transitória, às organizações políticas revolucionárias:
- uma forma híbrida: tanto as cooperativas, os sindicatos, como os partidos podiam coexistir em uma mesma organização. Apesar dos esforços de Marx, a função política da organização viu-se relegada a um segundo plano, colocando a luta sindical num primeiro plano;
- a formação de organizações de massas que agrupam frações significativas de grupos sociais particulares (jovens, mulheres, cooperativas) e inclusive a maioria da classe operária de alguns países, deu à organização socialista uma forma afrouxada que a conduziu a um enfraquecimento da sua função original de organização revolucionária.
A possibilidade de reformas imediatas, tanto econômicas como políticas, desprezava o terreno da ação da organização socialista. A luta imediata, gradualista, tinha primazia sobre a vasta perspectiva do comunismo que havia sido afirmada no Manifesto.
A falta de amadurecimento das condições objetivas da revolução desembocou em uma especialização de tarefas ligadas organicamente, uma atomização da função da organização:
- tarefas teóricas reservadas a especialistas (escolas de marxismo, teóricos profissionais);
- tarefas de propaganda e de agitação assumidas pelos permanentes ("revolucionários profissionais") sindicalistas e parlamentares;
- tarefas organizativas exercidas por funcionários remunerados pelo partido.
A imaturidade do proletariado, cujas grandes massas procediam do campo ou de oficinas artesanais, o desenvolvimento do capitalismo em um marco de nações recém formadas, obscureceram a função real da organização de revolucionários:
- o incremento enorme das massas proletarizadas, sem tradições políticas e organizativas, submetidas às mentiras religiosas, ainda presas à nostalgia do seu estado anterior de produtores independentes, deu um lugar desmesurado ao trabalho de organização e de educação do proletariado. A função da organização era vista como uma injeção de consciência e de “ciência” no seio de uma classe ainda inculta e apenas saída das ilusões da sua primeira infância;
- o crescimento do proletariado nos marcos de nações industrializadas obscureceu a natureza internacional do socialismo (fala-se mais de “socialismo alemão”, de “socialismo inglês”, do que de socialismo internacional). A Primeira e a Segunda Internacional aparecem mais como federação de secções nacionais do que como uma mesma organização mundial centralizada;
- a função da organização era entendida como função nacional, de edificação do socialismo em cada país, coroada por uma federação associada de estados “socialistas” (Kautsky);
- a organização era considerada como a do povo “democrata”, levada a se unir pelas eleições, ao programa socialista.
As características passageiras desse período histórico falsearam as relações entre partido e classe:
- o papel dos revolucionários aparecia como dirigista (estado maior). Exigiam da classe virtudes de disciplina militar, submissão a seus chefes. Como qualquer exército, a classe não existia sem “chefes”, aos quais ela deixava o encargo de cumprir suas metas (substitucionismo) e inclusive de seus meios (sindicalismo); o partido era o partido do “povo inteiro” conquistado à “democracia socialista”. A função classista do partido se empantanava no democratismo.
Foi contra essa degeneração da função do partido que lutaram as esquerdas na Segunda Internacional e na Terceira Internacional do início. O fato de a Internacional Comunista ter voltado a recolher certos conceitos da antiga Internacional falida (como os partidos de massas, o frentismo, o substitucionismo, etc...) é uma realidade que não tem por que servir de exemplo para os revolucionários de hoje em dia. A ruptura com as deformações da função da organização é uma necessidade vital que se impõe com a era histórica da decadência.
O período histórico iniciado com a Primeira Guerra Mundial implicou uma mudança profunda, irreversível, da função dos revolucionários:
- a organização, seja em dimensão ainda reduzida ou partido desenvolvido, nem prepara nem organiza a classe e menos ainda a revolução, que é realizada pelo proletariado como um todo;
- nem é a educadora, nem o estado maior que prepara e dirige os militantes da classe. A classe se educa na luta revolucionária, e os “educadores” na realidade também são “educados” por essa luta;
- já não se reconhece a grupos particulares (jovens, mulheres, cooperativas, aposentados, etc...).
A organização revolucionária é, portanto, imediatamente unitária, embora não seja a organização unitária da classe, os Conselhos Operários. É uma unidade de uma unidade mais vasta, o proletariado mundial que lhe originou:
- já não surge de modo nacional e sim mundialmente, como uma totalidade que segrega seus diferentes ramos “nacionais”;
- seu programa é idêntico (unicidade) em todos os países, no leste como no oeste, no mundo capitalista desenvolvido como nos países subdesenvolvidos. Embora haja ainda hoje “especificidades” nacionais, produto da desigualdade no desenvolvimento capitalista e da sobrevivência de anacronismos pré-capitalistas, em nenhum caso podem levar a rechaçar a unicidade do programa. Este é mundial ou não é nada.
A maturação das condições objetivas da revolução (concentração do proletariado, maior homogeneização da consciência de uma classe mais unificada, mais qualificada, de nível intelectual e amadurecimento superiores aos de séculos passados) tem modificado profundamente não só a forma como também os objetivos da organização de revolucionários:
a) pela sua forma:
- é uma minoria mais restrita que no passado, porém também mais consciente, selecionada pelo seu programa e sua atividade política;
- é mais impessoal que no século XIX, deixando de aparecer como organização de chefes dirigentes da massa de militantes. Acabou-se o período de chefes ilustres e de grandes teóricos. A elaboração teórica se transformou em tarefa verdadeiramente coletiva. A imagem de milhões de combatentes proletários “anônimos”, a consciência da organização se desenvolve com a integração e a superação das consciências individuais em uma mesma consciência coletiva;
- está mais centralizada no seu modo de funcionamento, e ao contrário da Primeira e Segunda Internacionais, que permaneceram essencialmente uma justaposição de secções nacionais. Na época histórica em que a revolução não pode ser senão mundial, é a expressão da tendência mundial ao agrupamento de revolucionários. Sua centralização, ao contrário das concepções degeneradas da Internacional Comunista depois de 1921, não é uma absorção da atividade mundial dos revolucionários por um partido nacional particular. É em contrapartida, a auto-regulação das atividades de um mesmo corpo que existe em vários países, sem que uma parte possa predominar sobre as demais. A primazia do todo sobre as partes é condição da própria vida destas.
b) por seus fins:
- na fase histórica de guerras e revoluções, a organização volta a encontrar sua finalidade verdadeira, a de lutar pelo comunismo, não mais só na simples propaganda por uma meta longínqua, senão com a sua inserção direta no grande combate pela revolução mundial;
- como demonstrou a revolução russa, os revolucionários surgem e não existem mais que dentro, pela e para a classe, à qual não lhe exigem nem direitos nem privilégios. Não substituem a classe, da qual não têm nem procuração de plenos poderes, nem poder estatal a receber;
- seu papel consiste essencialmente em intervir em todas as lutas de classe, cumprir plenamente com a sua função insubstituível até depois da revolução, catalisar o processo de amadurecimento da consciência proletária.
O triunfo da contrarrevolução, a dominação totalitária do Estado, tornaram mais difícil a própria existência da organização revolucionária, reduzindo a própria extensão da sua intervenção. Nesse período de profundo retrocesso, sua função teórica prevaleceu sobre sua função de intervenção, revelando-se como algo vital para a conservação dos princípios revolucionários. O período de contrarrevolução demonstrou:
- que pequenos círculos, núcleos, minorias insignificantes e isoladas da classe, as organizações revolucionárias só podem se desenvolver após a abertura de um novo curso histórico em direção à revolução;
- que andar “recrutando” a todo custo acarreta uma perda da sua função, sacrificando os princípios diante da ilusão da quantidade. Toda adesão é voluntária: é a adesão consciente a um programa;
- que a existência da organização se perpetua graças à manutenção firme e rigorosa do seu marco teórico marxista. O que perde em quantidade ganha em qualidade por meio de uma severa seleção teórica, política e militante;
- que é, mais que no passado, o lugar privilegiado da resistência das fracas forças proletárias contra a pressão gigantesca do capitalismo, fortalecida por 50 anos de dominação contrarrevolucionária.
E por isso que, embora a organização não exista por e para si mesma, é vital a ela conservar de modo decidido o órgão que a classe lhe confiou, fortalecendo-lhe, trabalhando pelo agrupamento de revolucionários em escala mundial.
Nos finais do período de contrarrevolução modificou-se as condições de existência dos grupos revolucionários. Abriu-se um novo período, favorável ao reagrupamento dos revolucionários. Entretanto, este novo período de florescimento ainda é um ponto de viragem no qual as condições necessárias para o ressurgimento do partido ainda não estão presentes para ser suficientes, graças a um verdadeiro salto qualitativo. Por isso, durante certo lapso de tempo, florescerão grupos revolucionários que, graças a mútua confrontação, inclusive ações comuns, e a sua fusão no final, revelarão essa tendência para a constituição do partido mundial.
A realização desta tendência depende não só da abertura do curso da revolução, como também da própria consciência dos revolucionários.
Mesmo que tenham sido adiantadas etapas desde 1968, e que já tenha acontecido uma seleção no meio revolucionário, deve-se ficar claro que o surgimento do partido não é automático nem voluntarista, levando em conta o desenvolvimento lento da luta de classes e o frequente caráter imaturo e irresponsável do meio revolucionário.
De fato, após o ressurgimento histórico do proletariado em 1968, o meio revolucionário encontrou-se muito fraco e imaturo para enfrentar o novo período. O desaparecimento ou a esclerose das antigas esquerdas comunistas, que haviam lutado contra a corrente durante todo o período contrarrevolucionário, foi um fator contrário no amadurecimento das organizações revolucionárias. Mais do que o conhecimento teórico das esquerdas (redescoberto e assimilado pouco a pouco), foram as aquisições organizativas (a continuidade orgânica) que estavam faltando, e sem as quais a teoria termina como letra morta.
A função da organização, inclusive sua necessidade, foram muito frequentemente incompreendidas, quando não eram tratadas como piada.
Na falta de continuidade orgânica, os elementos brotados do ambiente depois de maio de 68 suportaram a esmagadora pressão do movimento estudantil e “contestatório”:
- adesão à teoria individualista da “vida cotidiana” e da “autorrealização”;
- academicismo de círculos, onde a teoria marxista era entendida tanto como uma “ciência” ou como ética pessoal;
- ativismo-imediatismo, no qual o obreirismo ocultava com dificuldade a rendição total diante das pressões do esquerdismo;
- a decomposição do movimento estudantil, o desencanto diante da lentidão e da sinuosidade da luta de classes, foram teorizadas na forma do modernismo. Porém o autêntico meio revolucionário foi se depurando dos elementos vacilantes, menos sérios, daqueles para os quais a militância era uma ocupação domingueira ou a fase suprema da alienação.
Apesar da confirmação impressionante, sobretudo desde a greve de massas da Polônia, que a crise abria um curso de explosões de classe cada vez mais generalizadas, as organizações revolucionárias (e entre elas a CCI) não se livraram de outro perigo, perigo não menos nocivo que o academicismo e o modernismo, o imediatismo, cujos irmãos são o individualismo e o diletantismo. Contra essas pragas, a organização revolucionária tem de resistir e liquidá-las de uma vez por todas se quiser manter-se viva.
A CCI, nesses últimos anos, aguentou os efeitos desastrosos do imediatismo, forma típica da impaciência pequeno-burguesa e as últimas sequelas da confusão de 68. As formas mais patentes do imediatismo foram:
- o ativismo, exibido na intervenção e teorizado com a forma voluntarista do “recrutamento”, esquecendo-se de que a organização não se desenvolve artificialmente, e sim organicamente com a seleção rigorosa com base na plataforma. O desenvolvimento “numérico” não é um simples fato voluntarista, é sim fruto de um amadurecimento da classe e dos elementos que ela segrega;
- o localismo se revelou em intervenções pontuais. Podíamos ver alguns da CCI apresentar a “sua” secção local como propriedade pessoal, entidade autônoma, quando só pode ser parte de um todo. A necessidade da organização internacional foi inclusive negada, até mesmo ridicularizada, não vendo nela mais que “blefe”, ou no melhor dos casos um “enlace” formal entre secções;
- o economicismo, já combatido por Lênin, que se expressou em um espírito “grevista”, considerando cada greve em si mesma e não situando-a e integrando-a no marco mundial da luta de classes. Muitas vezes, a função política da nossa corrente foi relegada a um segundo plano. Ao nos considerar em algumas ocasiões como “servidores” ou “técnicos” da luta a serviço dos operários, temos preconizado a preparação material da luta futura como algo primordial;
- “o seguidismo”, último avatar dessas incompreensões sobre o papel e a função da organização, concretizado na tendência de ir atrás das greves, ocultando suas bandeiras. Houve vacilações na denúncia clara e intransigente de qualquer forma oculta de sindicalismo ou neo-sindicalismo. Os princípios eram deixados em casa para assim “colar” melhor no movimento e ter eco imediatamente, “ser reconhecidos” pela classe a qualquer preço;
- o obreirismo foi, por fim, a síntese arrematada dessas aberrações, semelhante a que existe entre os esquerdistas, alguns haviam se dedicado a cultivar a demagogia mais rasteira, opondo “operários” e “intelectuais” , “base” e “topo” no seio da organização.
A saída de certa quantidade de companheiros demonstra que o imediatismo é uma doença que deixa gravíssimas sequelas, desembocando sem remédio na negação da função política da organização, tanto no corpo teórico como no programático.
Todos esses desvios de tipo esquerdista, não são os frutos de uma insuficiência teórica da Plataforma da organização. São expressões de uma mau assimilação do marco teórico, e em particular, da teoria da decadência do capitalismo, decadência que modifica profundamente as formas de atividade e de intervenção da organização de revolucionários.
Por tudo isso, a CCI deve combater com vigor contra qualquer abandono do marco programático, abandono que desemboca fatalmente no imediatismo na análise política. A CCI tem que lutar com decisão:
- contra o empirismo. A fixação no eventual do acontecimento, no contingente, leva fatalmente à velha concepção dos “casos particulares”, matriz eterna de todo tipo de oportunismo;
- contra toda tendência a superficialidade, que se expressa no espírito rotineiro e na preguiça intelectual;
- contra certa desconfiança ou vacilação diante do trabalho teórico. Não há que se opor o “bonito” da intervenção ao “aborrecimento” da teoria, visto que não se opõem. A teoria não deverá nunca ser entendida como terreno reservado a especialistas em marxismo. Ela é fruto da reflexão coletiva e da participação de todos na reflexão.
Para preservar o adquirido tanto teórica como organizativamente, terá que liquidar sem falta as sequelas do diletantismo, forma infantil do individualismo:
- trabalho com altos e baixos, sem método, a curto prazo;
- trabalho individual, expressão do “diletantismo artesanal”;
- irresponsabilidade política na formação de tendências prematuras e artificiais;
- demissão ou fuga diante de suas responsabilidades,
A organização não está ao serviço dos militantes na sua vida cotidiana. Pelo contrário, os militantes lutam cotidianamente para inserir-se no amplo trabalho da organização.
A compreensão clara da função da organização no período da decadência é a condição necessária para nosso próprio desenvolvimento no período decisivo desses anos oitenta.
Embora a revolução não seja um problema de organização, ela tem problemas organizativos a resolver, incompreensões a superar, para que a minoria de revolucionários possa existir como um órgão da classe.
A existência da CCI vem garantida pela reapropriação do método marxista, que é a bússola mais segura para entender os acontecimentos e para sua intervenção. Só a longo prazo pode-se entender e desenvolver qualquer trabalho de organização. Sem método, sem ânimo coletivo, sem esforço permanente do conjunto dos militantes, sem ânimo perseverante que elimine a impaciência imediatista, não poderá existir verdadeira organização revolucionária. O proletariado mundial confiou à CCI um órgão cuja existência é um fator necessário nos combates futuros.
A tarefa da organização revolucionária é, muito mais que no século passado, algo difícil. Exige mais de cada um. Sofre ainda, os últimos efeitos da contrarrevolução e os contragolpes de uma luta de classes ainda marcada por avanços e retrocessos.
Embora já não tenha que suportar a agonizante e destrutiva atmosfera da longa noite da contrarrevolução triunfante, ainda que hoje desempenhe sua atividade em um período favorável para a eclosão da luta de classes e da abertura de um curso para explosões generalizadas a nível mundial, a organização deve saber retroceder em ordem quando a luta reflui e a classe retrocede momentaneamente.
Por isso é que, até a revolução, a organização revolucionaria deverá saber lutar decididamente contra o ambiente de incertezas e até de desmoralização da classe. A defesa da integridade da organização em seus princípios e em sua função é primordial. Saber resistir sem fraquezas nem isolacionismos, é para os revolucionários saber preparar as condições da vitória futura. Para isso, a luta teórica mais aguerrida contra os desvios imediatistas é vital para que a teoria revolucionária possa ser um dia das massas.
Ao liberar-se das sequelas do imediatismo, ao voltar a se apropriar da tradição viva do marxismo, preservada e enriquecida pelas Esquerdas Comunistas, a organização demonstra na prática que é o instrumento insubstituível que o proletariado delegou para estar a altura das suas tarefas históricas.
Cláusulas adicionais
É nos períodos de lutas generalizadas e de movimentos revolucionários que a atividade dos revolucionários terá um impacto direto, inclusive decisivo, visto que:
- a classe operária se encontra então diante de um enfrentamento decisivo com o seu inimigo mortal: impor a perspectiva proletária ou ceder às mentiras, às provocações e deixar a burguesia lhe domar.
- a classe operária suporta no seu próprio seio, inclusive nas suas assembléias e conselhos, o trabalho de sabotagem e escavação dos agentes da burguesia que usarão todos os meios para frear e desviar a luta.
A presença dos revolucionários, que tem que apresentar orientações políticas claras ao movimento e acelerar o processo de homogeneização da consciência de classe é, neste momento, como demonstraram as experiências da revolução na Rússia e na Alemanha, um fator determinante que pode inclinar as coisas para um ou outro lado. Recordemos o papel capital dos revolucionários tal como define Lênin em As Teses de Abril: “Reconhecer o fato de que, na maior parte dos sovietes de deputados operários, o nosso partido está em minoria, e, de momento, numa minoria reduzida, diante do bloco de todos os elementos oportunistas pequeno-burgueses, sujeitos à influência da burguesia e que levam a sua influência para o seio do proletariado (...) Explicar às massas que os sovietes são a única forma possível de governo revolucionário e que, por isso, enquanto este governo se deixar influenciar pela burguesia, a nossa tarefa só pode consistir em explicar os erros da sua táctica de modo paciente, sistemático, tenaz, e adaptado especialmente às necessidades práticas das massas.” (Tese nº 4)
Desde hoje, a existência da CCI e a realização das suas tarefas atuais já são um trabalho de preparação indispensável para estar à altura das tarefas vindouras. A capacidade dos revolucionários para cumprir com o seu papel nos períodos de luta generalizada está condicionada por sua atividade atual.
Essa capacidade não nasce espontaneamente, mas se desenvolve mediante um processo de aprendizagem político e organizativo. As posições coerentes e elaboradas claramente, assim como a capacidade organizativa para defendê-las e aprofundá-las, não é algo que cai dos céus e sim que exigem, desde agora, uma preparação. A história nos mostra como a capacidade dos bolcheviques para desenvolver suas posições tendo em conta a experiência da classe (1905, a guerra) e para reforçar a organização lhes permitiu, ao contrário dos revolucionários na Alemanha, por exemplo, desempenhar um papel decisivo nos combates revolucionários da classe.
Nesse marco, um dos objetivos essenciais de um grupo comunista deve ser a superação do nível artesanal das suas atividades e da sua organização que é a marca típica dos seus primeiros passos na luta política. O desenvolvimento, a sistematização, o cumprimento regular e sem bruscos altos e baixos das suas tarefas de intervenção, publicação, difusão, discussão e correspondência com elementos próximos, deve ser algo central nas suas preocupações. Isso supõe que a organização se desenvolve mediante regras de funcionamento e órgãos específicos que lhe permitem atuar não como um monte de células dispersas e sim como um corpo único dotado de um metabolismo equilibrado.
Desde hoje, a organização de revolucionários também é um pólo de agrupamento político internacional coerente para os grupos políticos, círculos de discussão e grupos operários dispersos que surgem e vão surgir pelo mundo com o desenvolvimento das lutas. A existência de uma organização internacional comunista com imprensa e intervenção dá a esses grupos a possibilidade, mediante a confrontação de posições e experiências, de se envolver e desenvolver a coerência revolucionária das suas posições e, se for o caso, unir-se à organização comunista internacional. As possibilidades de desaparecimento, de desânimo, de degeneração destes grupos (por exemplo, por ativismo, localismo ou corporativismo) serão tanto maiores se não existir esse pólo. Com o desenvolvimento das lutas e a aproximação do período de enfrentamento revolucionário, esse papel terá cada vez mais importância com relação aos elementos que surgem diretamente da classe em luta.
Cada dia mais, a classe operária será levada a se chocar com seu inimigo mortal. Enquanto a derrubada do poder burguês não seja imediatamente realizável, o choque será violento e pode ser decisivo para a continuidade da luta. Por isso os revolucionários devem intervir já, conforme os seus meios, no seio da luta da sua classe:
- Para que as lutas operárias se desenvolvam o mais longe possível e se realizem todas as potencialidades que contém;
- Para fazer com que seja colocada a maior quantidade de problemas e que a maior quantidade de lições possam ser tiradas num marco das perspectivas políticas gerais.