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Coalizões e Sindicatos no Século XIX
Assim, Marx descrevia o processo de formação das primeiras organizações operárias:
"É sob a forma de coalizões que sempre ocorrem as primeiras tentativas dos trabalhadores para se associar. A grande indústria aglomera uma multidão que não se conhece. A concorrência os desune. Mas a manutenção do salário, o interesse comum que têm contra o patrão, une-os no mesmo pensamento de resistência - coalizão ”. Assim, a coalizão tem sempre objetivo - acabar com a concorrência. Se o primeiro objetivo era apenas a manutenção dos salários, à medida que os capitalistas se unem para reprimir, as coalizões, antes isoladas, agrupam-se frente ao capital. A manutenção da associação torna-se para os proletários mais importante que o salário. E tanto isto é verdade, que os economistas ingleses ficam espantados de ver os operários sacrificando uma boa parte do seu salário para manter associações que, aos olhos desses economistas, foram criadas para manter o salário (...) Na Inglaterra, não se ativeram as coalizões parciais, que apenas visavam uma greve e desapareceriam com ela. Formaram-se coalizões permanentes, os sindicatos, que servem de proteção aos operários em suas lutas contra os patrões. ” (Miséria da Filosofia)
Os sindicatos aparecem, então, como organizações permanentes, instrumentos da resistência organizada dos trabalhadores face ao capital. Resultando de condições econômicas, não são nem podem ser, contrariamente ao que afirmam os anarco-sindicalistas e outros reformistas, organizações "apolíticas". É político tudo que está em relação com o Estado. Sendo o Estado burguês fiador e defensor das relações que ligam o capital ao trabalho, a resistência a estas relações é, pois, resistência ao Estado, e, portanto, luta política.
Marx acrescenta:
"Nesta luta – verdadeira guerra civil – reúnem-se e se desenvolvem os elementos necessários à batalha final. Tendo chegado a tal ponto, a associação toma um caráter político.
As condições econômicas tinham inicialmente transformado a maioria da população em trabalhadores. A dominação do capital criou nessa massa uma situação comum, interesses comuns. Assim, essa massa já é uma classe em relação ao capital, mas ainda não para si mesma. Na luta, onde nós assinalamos tão só algumas fases, essa massa se reúne e constitui, por si mesma, em classe. Os interesses que defende tornam-se interesses de classe.
Mas a luta de uma classe contra outra é uma luta política (...). O movimento social não exclui o movimento político. Não existe movimento político que não seja social ao mesmo tempo. ” (Op. cit.).
Mas, se está claro que a luta de classe do proletariado é política, resta ainda saber de qual tipo de luta política se trata.
No século XIX, o capitalismo em expansão dá à luta política do proletariado a possibilidade de se expressar em dois aspectos diferentes: a luta no interior do Estado burguês, visando a obtenção de reformas econômicas e políticas; a preparação da luta revolucionária para a destruição do Estado burguês e da sociedade que o engendrou.
A luta por reformas
No século XIX, o capitalismo vive o apogeu de sua fase histórica ascendente. Nas principais potências econômicas, o capital emerge com toda a força, adequando o planeta inteiro à sua imagem. Os capitalistas ingleses, franceses, americanos, alemães invadem com suas mercadorias um mundo que oferece a sua produção, sempre crescente, mercados que parecem inesgotáveis. É a era da expansão imperialista e das revoluções industriais.
Nesse quadro histórico, a melhoria das condições de existência da classe operária constitui objetivamente, não apenas uma possibilidade real, mas também, em certos casos, um estímulo ao desenvolvimento capitalista. Assim, por exemplo, a conquista da jornada de trabalho de dez horas, pela classe operária inglesa, em 1848, não apenas constitui uma conquista real da classe operária (não foi anulada, no dia seguinte, pela obrigação de fazer horas extras), mas também uma simulação para a economia britânica. Eis como Marx comentava este acontecimento, em "Salários, Preços e Lucros", ilustrando a necessidade e a possibilidade da luta por reformas econômicas:
"(os economistas oficiais) anunciaram grandes males (se a lei das dez horas fosse obtida pelos trabalhadores): a acumulação diminuída, os preços em alta, mercados perdidos, produção desacelerada, com reação inevitável sobre os salários, enfim, a ruína (...). O resultado? Alta dos salários para os operários das fábricas apesar da limitação da jornada de trabalho, aumento do efetivo de trabalhadores, queda contínua dos preços dos produtos, maravilhoso desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, expansão inacreditável dos mercados para suas mercadorias ”.
Entretanto, em nenhum caso a burguesia concede tais reformas de bom grado. Toda concessão ao proletariado é, no imediato, feita em detrimento do lucro capitalista. Só num plano geral e ao fim de um certo tempo, a ferroada dada ao crescimento capitalista por tais concessões, faz sentir seus efeitos benéficos.
É, portanto, somente pela luta encarniçada que a classe operária arranca as reformas da classe dominante. Este é o sentido de suas lutas reivindicativas do século XIX.
Por outro lado, neste período de livre-câmbio a burguesia governa através de seu Parlamento. No interior dessa entidade, as diferentes facções das classes dominantes se enfrentam e decidem a política governamental. Para a classe operária, o direito ao sufrágio universal era um meio real de influenciar a política do Estado burguês, podendo ali ser representada.
Não que os parlamentares burgueses fizessem muito caso das exigências dos representantes das organizações operárias: no terreno do Estado burguês, a disputa burguesia-proletariado só podia favorecer à classe dominante.
Mas a burguesia desta época ainda estava dividida em facções mais progressistas e mais reacionárias.
A burguesia moderna ainda lutava contra os representantes das classes dominantes do antigo regime, cujo poder econômico ainda era forte, e contra as frações mais retrógradas de sua classe. É, pois, como diz o Manifesto Comunista: “aproveitando-se das dissensões internas da burguesia é que a organização dos proletários obtém o reconhecimento, sob formas de leis, de certos interesses dos trabalhadores".
Nesse quadro, a luta pelos direitos políticos democráticos constitui é para o proletariado uma necessidade. A conquista do sufrágio universal e do direito à organização, e a luta parlamentar, são a manifestação política e o corolário inseparável da luta e da organização sindical. Sindicalismo e parlamentarismo são formas específicas produzidas pela necessidade e possibilidade da luta por reformas no capitalismo ascendente.
A luta revolucionária
A luta por reformas é só um dos aspectos da luta do proletariado, no século XIX. A classe operária é uma classe explorada e a reforma, qualquer que seja ela, nunca poderá significar sua libertação. No sentido mais profundo, a luta operária se desenvolve não pela redução mas pelo fim de sua exploração.
"Uma classe oprimida é a condição vital de toda sociedade fundada no antagonismo de classe. A liberação da classe operaria implica, portanto, necessariamente na criação de uma nova sociedade" (Marx em "Miséria da Filosofia").
Assim, os revolucionários proletários não viam nas lutas por reformas uma verdadeira perspectiva para a classe operária, nem mesmo um combate que pudesse se constituir no eixo essencial de sua atividade. Limitada a si mesma, a luta por reformas só pode resultar na defesa da própria exploração. Ela não é mais um passo em direção à libertação definitiva da classe explorada, mas um novo laço que se prende ao seu pescoço.
Marx defende a necessidade de luta por reformas, mas denuncia com toda a sua energia as tendências reformistas que tentavam conter a classe operária, que "só via na luta por salários a luta por salários" e não uma escola de combate onde a classe forja as armas de sua emancipação definitiva. Ele qualifica de "cretinismo parlamentar" a tendência a se iludir sobre o parlamento e a consagrar-lhe energia em excesso.
A propósito da luta por reformas, o Manifesto dizia: "De vez em quando, os trabalhadores são vitoriosos, mas seu triunfo é efêmero. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o sucesso imediato, mas a unirão é a união cada vez mais extensa dos trabalhadores".
E, em "Salário, preço e lucro": "Além da servidão geral que implica o sistema de salários, os trabalhadores não devem exagerar o resultado final dessas lutas diárias. Que eles não esqueçam: combatem os efeitos, não as causas; retardam a descida, mas não mudam a direção; paliam, mas não curam a doença. Que não se dediquem completamente a essas inevitáveis escaramuças que provocam cada nova usurpação do capital, cada variação do mercado. Devem entender que o sistema atual, com todas as misérias que lhes inflige, engendra ao mesmo tempo as condições materiais e as formas sociais necessárias para reconstruir a sociedade. No seu estandarte é preciso apagar a divisa conservadora "Um salário justo por um dia de trabalho justo" e inscrever a palavra de ordem revolucionária: "Abolição do salário!" ”.
Da mesma forma, a resolução sobre os sindicatos da 1a Internacional diz: "O objetivo imediato dos sindicatos operários eraentretanto limitado às necessidades da lutas diárias, a expediente contra a usurpação incessante de do capital, em uma palavra, às questões de salários e de horas de trabalho. Esta atividade não é somente legítima, ela é necessária .” (Marx - Resolução sobre os Sindicatos da AIT). Mas "(...) os sindicatos se dedicam excessivamente às lutas locais e imediatas contra o capital. ** Eles desenvolveram o sua ação sem levar em conta a escravidão assalariada. Mantiveram-se afastados dos movimentos mais gerais e das lutas políticas.
Além de reagir contra as manobras do capital, eles agora devem atuar como centros organizadores da classe operária, visando à sua emancipação radical. Eles devem apoiar todo movimento social e político tendendo nesta direção ” (Resolução sobre os Sindicatos - 1o Congresso da AIT, Genebra, 1866).
A luta por reformas que limitavam a exploração capitalista e a compreensão desta luta, não como um fim em si, mas como um momento do processo revolucionário, eram complementares para os revolucionários no século XIX. Os partidos operários marxistas que, paralelamente aos sindicatos, se desenvolvem na segunda metade do século XIX e formam a segunda Internacional, tentam representar a classe operária no parlamento e dinamizar politicamente os sindicatos. Animadores que, diante das lutas locais e fragmentadas, priorizam os interesses comuns do proletariado como classe mundial e historicamente revolucionária.
As coalizões efêmeras dos primeiros tempos tinham se tornado, sob a forma de sindicatos, organizações permanentes que, em estreita colaboração com os partidos de massa na luta sistemática e progressiva por reformas, eram o terreno onde o proletariado se unia e forjava a sua consciência de classe.
Os sindicatos dominados pelo reformismo
O capitalismo estava no apogeu da fase ascendente: sua destruição pela revolução comunista ainda não era possível. Diante da expansão das forças produtivas, sob relações sociais capitalistas, face ao êxito da atuação parlamentar e sindical na conquista reformas, a idéia da revolução comunista aparecia como um projeto longínquo e até mesmo irrealizável.
Já, então, Marx denunciava os desvios do sindicalismo e do parlamentarismo. A expressão "Os fins são nada, o movimento é tudo" assinala o momento em que o reformismo invade o movimento operário. Os dirigentes operários, de representantes da classe face à sociedade capitalista, tornam-se progressivamente os representantes desta última face à classe. Uma burocracia parlamentar e sindical tende cada vez mais a dominar as organizações proletárias. Tal evolução se traduz na tendência a separar as lutas políticas das econômicas. Da mesma forma que se concebe o partido apenas como um aparelho parlamentar, assim também se tenta fazer dos sindicatos organizações puramente econômicas. Ao separar o político do econômico, o que se faz é integrar as organizações nas engrenagens do Estado capitalista.
A esquerda revolucionária da Internacional luta cotidianamente contra essa degenerescência geral. Rosa Luxemburgo afirma: "Não há duas lutas, uma econômica e outra política. Há somente uma única luta de classe, visando a limitar a exploração capitalista no seio da sociedade burguesa e a suprimir a exploração capitalista e ao mesmo tempo a sociedade burguesa ” (Greve de Massas, Partido e Sindicatos)
Mas a esquerda não chegará a reanimar a tendência geral. A entrada do capitalismo na sua fase de decadência precipitará sem apelação seus parlamentares no campo da burguesia.