O que é a revolução proletária?

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É surpreendente a defasagem que existe na situação atual entre, por um lado, a indignação que tem origem no dilúvio de ataques aos trabalhadores e, por outro lado, o interesse ainda muito pequeno para a questão da revolução. Na realidade, como já evidenciamos, atualmente a classe operária não acredita na possibilidade da revolução, ao contrário do que prevalecia no período posterior a 1968. Vamos colocar em evidência nesta apresentação que a revolução é possível e necessária, rememorando o que ela é, segundo o marxismo, e também respondendo às objeções mais frequentes colocadas contra a ideia de revolução.

O que é a revolução proletária e a nova sociedade segundo o marxismo?

Em que consiste esta nova sociedade?

Será uma sociedade isenta de penúria, de miséria, fronteiras, e guerra; uma sociedade em que as necessidades humanas serão atendidas. Será a associação livre dos produtores, isto é, daqueles que, através de seu trabalho, produzem as riquezas. Isto será o comunismo, onde o desenvolvimento de cada um será a condição do desenvolvimento de todos. O trabalho deixará de constituir um sofrimento e uma fonte inesgotável de aborrecimento para se tornar um fator de desenvolvimento dos seres humanos. Findo o sacrifício de uma vida presa pela especialização excessiva dentro da mesma atividade, pois, como dizia Marx: "na sociedade comunista, na qual cada homem não tem um círculo exclusivo de atividade, mas se pode adestrar em todos os ramos que preferir, a sociedade regula a produção geral e, precisamente desse modo, torna possível que eu faça hoje uma coisa e amanhã outra, que cace de manhã, pesque de tarde, crie gado à tardinha, critique depois da ceia, tal como me aprouver, sem ter de me tornar caçador, pescador, pastor ou crítico" (A Ideologia Alemã; Feuerbach. Oposição das Concepções Materialista e Idealista). Obviamente, deve-se reter disso a ideia básica, e não o fato que terá caçadores na sociedade comunista. Se houver, será nos museus.

Qual será base material desta nova sociedade?

A abundância, quando o reino da necessidade constituiu até o momento o fundamento das sociedades de classe e de exploração.

Como tal abundância será possível?

Desde quando os homens não produziram mais segundo os métodos das comunidades primitivas, a produtividade do trabalho ampliou-se consideravelmente com as sociedades de classes. Particularmente, sob o capitalismo. Este desenvolveu, muito mais que todas as sociedades que o antecederam, tudo que contribui na produção dos meios de produção e de consumo: as máquinas, a tecnologia, as ciências, etc. De fato, o nível atual de produtividade do trabalho pode ser medido pelo fato de que o trabalho de uma porcentagem bastante reduzida da população mundial pode ser suficiente para alimentar o conjunto desta população.

Hoje, está evidente que, se as capacidades produtivas fossem orientadas diferentemente, a fome no mundo seria erradicada e se necessitaria trabalhar muito menos para satisfazer nossas necessidades. Uma exemplificação  disso: em 2008, 100 000 pessoas morriam de fome diariamente, num contexto em que a agricultura estava em condição de alimentar o dobro dos 6 bilhões de seres humanos do planeta (segundo um relatório da ONU - feito por Jean Ziegler, relator geral). Mas querer realizar tudo isso sob o capitalismo é utópico.

O que pode permitir que o capitalismo seja substituído por outra sociedade?

Certamente não será obra da burguesia. Não haverá uma transição harmoniosa do capitalismo para o comunismo. A classe dominante da sociedade capitalista, aquela que extrai suas riquezas através da exploração do proletariado nunca se decidirá abandonar o sistema de exploração que garante sua posição privilegiada na sociedade. Individualmente, elementos burgueses poderão apoiar ou se juntar ao combate por outra sociedade. Mas isso nunca será o caso da classe burguesa como um todo.

O motor da transformação social é uma classe que, além de não ter nenhum interesse próprio a defender neste sistema, é:

  • A classe da sociedade que é explorada segundo os métodos da produção capitalista;
  • A classe portadora de um projeto de sociedade, o da livre associação dos produtores, que permite ultrapassar as contradições do sistema atual.

E para derrubar o capitalismo e levar a cabo seu projeto de classe revolucionária, esta classe dispõe da força necessária que lhe conferem o seu número, sua concentração e o fato de produzir o essencial das riquezas da sociedade.

Assim, o capitalismo desenvolveu as forças produtivas que podem permitir a abundância e também criou a classe revolucionária que será seu coveiro, a classe operária.

O que poderia fazer com que a humanidade queira transitar do capitalismo para o comunismo?

Tal transformação não será empreendida pela humanidade como um todo, apesar dela ser vítima do sistema atual e de ter interesse na sua derrubada. É a classe revolucionária que é o motor da revolução.

Na realidade, é a necessidade que constitui a base da mudança revolucionária. Como todas as sociedades de exploração que antecederam o capitalismo, este será levado a padecer de suas contradições insuperáveis se não for substituído por outro sistema que seja resultado da superação das ditas contradições. Para sintetizar isso, podemos dizer que este sistema produz, não pela satisfação das necessidades humanas, mas pelo lucro. As riquezas que ele acumula em um pólo da sociedade fundamentam a possibilidade da abundância para todos. O problema é que, ao mesmo tempo, tal fenômeno é acompanhado por um empobrecimento incessante, imposto a uma maioria cada vez mais numerosa. Desse modo, o proletariado é levado a se insurgir contra a sua condição, tendo em vista a perspectiva da transformação da sociedade.  

Desse modo, a revolução não é produto de um imperativo moral, e sim da necessidade, embora não sejam poucas as razões morais e humanas para acabar com este sistema.

A etapa atual da crise iniciada no final dos anos 60 constitui a concretização gritante do caráter insuperável das contradições capitalistas.

Porque a revolução proletária é indispensável para a instauração de uma nova sociedade?

Neste plano, existe diferenças importantes com a revolução burguesa. Enquanto os métodos de produção capitalistas conseguiram emergir sob o feudalismo, não pode existir "ilhotas" de comunismo no seio do capitalismo, qualquer que seja o tamanho delas. Há várias causas para isso:

  • - O feudalismo, como sistema de exploração, podia tolerar até certo ponto o desenvolvimento deste outro sistema de exploração que é o capitalismo. A mesma tolerância do capitalismo em relação ao comunismo, que é sua antítese, está completamente fora das possibilidades;
  • - O desenvolvimento do capitalismo em escala undial não foi simultáneo. Precisou-se várias séculos antes deste sistma se tornar dominante no mundo. Tornou-se dominante na Inglaterra, enquanto outros países estavam longe de conhecer um desenvolvimento desta amplitude. A revolução inglesa, e mais tarde em outros países, aconteceu então como um ato para legitimar a nível político uma realidade econômica.
  • - Ao contrário disso, a revolução proletária constitui o primeiro ato, político, cuja realização é a condição prévia necessária à instauração de relações de produção comunista.

Será que a transformação comunista é possível num país só, ou num conjunto de países, onde a classe operária conseguiu tomar o poder?

Ao contrário do capitalismo, o socialismo não pode se desenvolver progressivamente de um país a outro. Só pode existir em escala mundial ao acionar o conjunto das forças produtivas e das redes de circulação dos bens criados pelo capitalismo. É por isso que a revolução deve intervir nessa escala para permitir a transformação socialista. O poder do proletariado isolado dentro de um país, ou até um conjunto de países, continua sendo dominado pelas leis do capitalismo, quaisquer que sejam as medidas adotadas.

Porque esta classe revolucionária, depois de ter cumprido sua revolução, não faria como as antigas classes dominantes que, depois de ter estabelecido seu poder, se tornaram exploradoras?

As outras classes revolucionárias do passado não se tornaram exploradoras depois de ter tomado o poder. Antes disso já  existiam enquanto classes exploradoras.

Cabe à classe revolucionária derrubar a velha sociedade, cabe a ela também liderar a transformação revolucionária com o objetivo da edificação da nova sociedade. Esta classe revolucionária apresenta uma diferença infinita com relação às demais classes revolucionárias do passado: ela é, pela primeira vez na história, a classe explorada. Ao abolir sua exploração, extingue toda exploração. Por isso que sua vocação não pode ser emancipar-se sozinha, e sim emancipar o conjunto da humanidade.

 

As objeções mais frequentes lançadas contra a ideia da revolução proletária

Será que não existe o risco de ver a próxima revolução seguir o mesmo curso que a Revolução Russa, ou seja, a degeneração?

Não existe nenhuma fatalidade assegurando que a revolução possa acontecer, que seja vitoriosa e, depois, que a transformação das relações sociais rumo o comunismo seja levada a cabo.

Se a revolução na Rússia degenerou, não é, sobretudo, por conta de seus erros, mas do isolamento internacional no qual se encontrou com o refluxo da onda revolucionária mundial da qual foi o produto. Não é somente a construção do socialismo que é impossível num único país, mas até o poder do proletariado não pode ser assegurado por muito tempo ao ficar isolado só em um país. Em tais circunstâncias, só pode tender à degeneração. Com efeito, o poder proletário existe unicamente para assumir uma função bem definida: estender a revolução em escala mundial e iniciar a transformação das relações sociais de produção. Se não existe a possibilidade de realizar estes objetivos, por conta de uma correlação de forças desfavorável em escala internacional, então este poder é submetido à pressão crescente do capitalismo mundial: ofensivas militares e diplomáticas para asfixiá-lo; concorrência econômica mundial; etc. Foi o que aconteceu com a Rússia dos sovietes.

Será que o fato de tomar o poder já não seria corruptor por si só, constituindo-se, assim, num grande fator de degeneração?

O poder político do proletariado é exercido em escala mundial através da sua organização em Conselhos Operários. Esta forma de organização, que surgiu espontaneamente pela primeira vez na Rússia em 1905, é a única forma de organização que permite à classe operária pensar e atuar como um todo unido, e isso apesar da imensurável heterogeneidade que pode existir no seu seio. Sua força é baseada em duas características essenciais:

  • - As assembléias de base são lugares permanentes de discussão onde participa o conjunto do proletariado;
  • - Elegem delegados revogáveis que dão nascimento a assembléias de delegados; estas funcionam segundo os mesmos princípios de que as assembléias de base e, por sua vez, elegem outros delegados. Dessa forma, o movimento se centraliza e permite que as decisões tomadas nos diferentes níveis de centralização, sejam realmente a emanação da classe operária em movimento;

É a única forma de organização capaz de levar em conta a evolução acelerada da consciência no seio da classe operária que caracteriza as fases revolucionárias ou pré-revolucionárias.

Isso é a ditadura do proletariado, depois da tomada do poder.

Além disso, o poder proletário cria as bases do seu próprio desaparecimento, pois seu alvo é dirigir a transformação revolucionária paraa construção de uma sociedade sem classes sociais, sem Estado, sem poder político sobre a sociedade. É, portanto, o único poder político na história que não tem como objetivo sua própria perpetuação.

Entretanto, nada do que dissemos constitui uma garantia contra a degeneração, esta tendo origem enquanto resultado obrigatório de um retrocesso duradouro da revolução em escala mundial.

Será que não existe o risco da revolução provocar um banho de sangue?

Se a revolução não acontecer ou não for vencedora, não é um simples banho de sangue que vamos conhecer, mas milhares de banhos de sangue. Na realidade, a incapacidade do proletariado derrubar este sistema fará com que a situação atual de crise histórica do capitalismo se expressará através de guerras ainda mais mortíferas, de uma deterioração agravada do meio ambiente e pela explosão e generalização da miséria sob todas suas formas. Tudo isso tornará a vida na terra um verdadeiro inferno, até uma impossibilidade.

Ao estar destinada a abolir a ditadura de classe da burguesia, a revolução será necessariamente violenta, mas será uma violência libertadora, tendo em vista permitir o advento de um mundo livre da barbárie. Se tomarmos o caso da Revolução Russa, o número de vítimas resultado da insurreição de 1917 foi irrisório em comparação ao número de mortos diários na Primeira Guerra Mundial, da reação branca organizada pelo capitalismo mundial contra a Revolução Russa ou ainda a contrarrevolução stalinista. Além disso, foi a primeira onda revolucionária mundial e, particularmente, a revolução na Alemanha que obrigou a burguesia a colocar um ponto final à primeira matança mundial, na medida em que a continuidade da guerra constituía um solo fértil à radicalização das massas e, portanto, à revolução.

Por outro lado, para fabricar uma imagem diabólica da revolução, a burguesia utiliza situações que não têm nada ver com esta, mas que, pelo contrário, são diretamente expressões da ação de frações da burguesia: a contrarrevolução stalinista, a pretendida revolução maoísta, o terror de Pol Pot no Camboja, etc.

Realmente, será que é possível a revolução?

Sim. Não é a derrota da primeira tentativa revolucionária mundial que pode afirmar o contrário.

De fato, a ditadura do proletariado na Rússia era a expressão mais avançada de uma onda revolucionária mundial. Esta última envolveu nada menos que o proletariado alemão, a fração mais avançada do proletariado mundial, e que durante mais de três anos desenvolveu uma luta sem tréguas contra a burguesia.

Infelizmente, foi derrotado e sua derrota significou, consequentemente, a derrota da onda revolucionária mundial e a degeneração da Revolução Russa. Por outro lado, uma vitória da revolução na Alemanha teria aberto a possibilidade da extensão da revolução na Europa central e, depois, na Europa ocidental e no mundo.

Para concluir, a revolução proletária é possível, existem as condições para ela ter êxito, mas não existe nenhuma certeza quanto a este resultado. A única coisa da qual podemos ter certeza é que a manutenção da ordem social atual, sem que haja uma  revolução mundial, só pode desembocar, a longo prazo, na impossibilidade de sobreviver neste mundo; em outros termos: significa o fim da humanidade. É essa alternativa que traduz a palavra de ordem histórica, colocada pelo movimento operário quando da primeira onda revolucionária mundial de 1917-23: "Socialismo ou Barbárie".