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Plataforma da Corrente Comunista Internacional

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PRIMEIRO CONGRESSO INTERNACIONAL DA CORRENTE COMUNISTA INTERNACIONAL - Janeiro 1976.

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  • Quem somos nós? [1]

Prólogo da Plataforma, dos dois Manifestos e do apêndice sobre a Esquerda comunista

  • 3975 leituras

Este folheto tem como objetivo reagrupar quatro documentos elaborados pela CCI em diferentes momentos de sua história que têm como ponto comum sintetizar as posições programáticas e as perspectivas gerais de nossa organização. Para compreender a significação destes documentos é útil proporcionar alguns elementos da história da CCI.

A CCI foi fundada em janeiro de 1975 pelos diferentes grupos políticos que tinham nascido como conseqüência do reatamento histórico da classe operária no final dos anos 60 expresso entre outras pela greve de Maio de 68 na França, o Cordobazo argentino de 69, o "Outono Quente" Italiano do mesmo ano (outubro e novembro de 1968), a greve dos operários do Báltico na Polônia nos meses de dezembro e janeiro de 1970-71. Este despertar proletário pôs fim a quatro decênios de contra-revolução e anunciava todo um período de combates de classe encarniçados na medida em que piorava a crise econômica que o tinha provocado.

A aparição de novos grupos, mais ou menos informais ou organizados, mas tratando de reapropiar-se das posições de classe do proletariado, constituía uma das manifestações mais evidentes do fim do período de contra-revolução e da abertura de um período de enfrentamentos de classe. Mas era necessário, para que estivessem à altura de sua responsabilidade, que estes agrupamentos compreendessem de uma vez as condições novas das quais eles eram produto e, ao mesmo tempo, a necessidade de vincular-se politicamente às posições das Esquerdas Comunistas que tinham se destacado da Internacional Comunista diante de sua degeneração ao longo dos anos 20. Os grupos que constituíram a CCI tinham chegado a esta compreensão. Apoiavam-se principalmente sobre a experiência e as posições da Esquerda Comunista da França (que tinha publicado a revista Internationalisme entre 1945 e 1952) que precedentemente tinham constituído a base da formação em 1964 do grupo Internacionalismo na Venezuela.

Em junho de 1968, na continuidade da greve geral tinha se constituído na França o grupo Révolution Internationale sobre as mesmas posições de Internacionalismo e que como conseqüência de uma série de discussões sobre posições programáticas, tinha se agrupado em 1972 com outros dois grupos também produtos dos acontecimentos de Maio 68 para constituir a futura seção da CCI na França. As discussões se ampliaram a outros grupos que tinham se destacado em outros países, World Revolution na Grã-Bretanha, Internationalism nos EUA, Rivoluzione Internazionale na Itália e Ação Proletária na Espanha. Finalmente estes seis grupos, que tinham plataformas muito próximas, decidiram constituir uma organização única, a Corrente Comunista Internacional, em uma conferência que teve lugar em janeiro 1975.

Uma das tarefas que se deu a esta nova organização internacional foi elaborar uma nova plataforma política que sintetizasse as posições de classe e expressasse o grau de clareza ao qual tinham chegado os militantes depois de sete anos de discussões, reflexão e intervenção na classe. Esta plataforma foi adotada em janeiro de 1976 por ocasião do primeiro Congresso da CCI e constituiu, depois, a base para as novas adesões à organização. É o documento que publicamos neste folheto (incluindo as retificações decididas pelos 3º, 7º e 14º Congressos em 1979, 1987 e 2001). É um documento de natureza programática que, além de sua introdução, que faz referência a acontecimentos da época em que foi redigido e a certas formulações que hoje devem ser escritas em tempo passado (por isso julgamos útil acompanhá-lo com algumas notas), é válido para todo o período histórico atual do movimento operário aberto pela entrada do capitalismo em sua fase de decadência, pela primeira revolução proletária vitoriosa da História, Outubro de 1917, e pela degeneração desta como conseqüência de seu isolamento internacional. Por esta razão, o Primeiro Congresso da CCI julgou útil adotar, ao mesmo tempo, outro documento, o Manifesto da CCI, que publicamos neste folheto e que dá conta do novo curso histórico aberto pelo despertar do proletariado desde finais dos anos 60.

Este documento que tem hoje mais de 20 anos e faz referência a fatos que as novas gerações não conhecem bem. Por isso, julgamos útil acompanhá-lo, com mais razão ainda que a plataforma, por toda uma série de notas. E isto porque no final dos anos 80 surgiu um acontecimento de uma amplitude considerável como foi o afundamento dos regimes chamados "socialistas" dos países do Leste e de todo o bloco dirigido pela Rússia.

Foi justamente este acontecimento histórico de uma envergadura considerável que motivou a CCI a adotar em seu 9º Congresso o Manifesto intitulado Revolução Comunista ou Destruição da Humanidade que incluímos também neste folheto.

O Manifesto do 9º Congresso foi adotado no verão de 1991. Desenvolve a análise da CCI da nova situação mundial aberta pela bancarrota de todo um segmento do sistema capitalista: os regimes stalinistas. Este acontecimento, seguido dois anos mais tarde pelo desencadeamento da Guerra do Golfo e do desmembramento do bloco ocidental, tem aberto um novo período na história do capitalismo: o afundamento do modo de produção burguês na fase última de sua decadência, a decomposição. Neste sentido, este documento está completando e atualizando os dois precedentes.

Para poder estar à altura de suas responsabilidades diante do que está em jogo na situação histórica presente, as organizações revolucionárias devem estar à escuta dos fatos. Devem ser capazes de adaptar sua análise à evolução da História. O marxismo não é um dogma, nem uma teoria acabada invariável, mas sim é, ao contrário, uma teoria viva. Para poder ser uma arma eficaz da luta do proletariado por sua emancipação, a teoria e o método do marxismo devem confrontar-se constantemente à realidade histórica. Este folheto da CCI tem como objetivo responder a essa necessidade reafirmando evidentemente as posições políticas comunistas que foram definitivamente resolvidas pela experiência histórica do movimento operário.

A CCI se reivindica das contribuições sucessivas da Liga dos Comunistas, da Primeira, Segunda e Terceira Internacionais, das Frações da Esquerda comunista que se constituiram no seio da Terceira Internacional da qual foram excluidas, particularmente das Esquerdas holandesa, alemã e italiana. Para permitir uma visão panorâmica da continuidade e do desenvolvimento do marxismo efetuados por todas estas organizações e, em particular, dos aportes da Esquerda comunista, a CCI resolveu produzir em 1998 um texto intitulado A esquerda comunista e a continuidade do marxismo que julgamos útil publicar também neste folheto.

Corrente

Comunista

Internacional

março de 2008 ([1])

 


[1]) A presente introdução se diferencia da última publicada em agosto de 2005 apenas pela introdução do último parágrafo relativo à nova publicação do texto sobre A esquerda comunista.

Plataforma da Corrente Comunista Internacional - Introdução

  • 5961 leituras

Depois do período mais longo da contra-revolução que conheceu em sua história, o proletariado encontra de novo o caminho da luta de classes. As lutas atuais, como conseqüência da crise mais aguda do sistema e do aparecimento de novas gerações de proletários muito menos afetadas que as precedentes pelo peso das derrotas passadas da classe operária, são as mais generalizadas que jamais viveu nossa classe. Da explosão de 1968 na França até hoje, da Itália à Argentina, da Inglaterra ao Japão, da Suécia ao Egito, dos Estados Unidos à Índia, da Polônia à Espanha as lutas operárias chegaram a constituir um pesadelo para a classe capitalista.

O aparecimento do proletariado sobre a cena histórica refuta definitivamente todas as teorias produzidas pela contra-revolução, ou tornadas possíveis por ela, que tentaram negar a natureza revolucionária do proletariado. O ressurgir atual da luta de classes demonstrou concretamente que o proletariado é a única classe revolucionária de nossa época.

Uma classe revolucionária é aquela cuja dominação sobre a sociedade leva consigo a instauração e extensão de novas relações de produção tornadas necessárias pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas, as quais serão instauradas a partir da destruição das antigas relações de produção caducas. Tal qual os modos de produção que lhe precederam, o capitalismo corresponde a uma etapa particular da sociedade. Forma progressiva que foi do desenvolvimento social, criou com sua generalização as condições de sua própria destruição.

A classe operária, por seu lugar específico no processo de produção capitalista, por sua natureza de produtor coletivo do essencial da riqueza social, privada, entretanto de toda propriedade sobre os meios de produção que ela mesma põe em funcionamento e, portanto, sem nenhum interesse de manutenção da sociedade capitalista é a única classe que pode objetiva e subjetivamente instaurar o novo modo de produção que deve substituir ao capitalismo, o comunismo. O ressurgimento atual da luta proletária indica que a perspectiva do comunismo não é só uma necessidade histórica, mas também uma possibilidade real.

Entretanto, o esforço que deve fazer o proletariado para se dar meios para confrontar vitoriosamente o capitalismo é ainda imenso. Produtos e fatores ativos deste esforço, as correntes e elementos revolucionários que apareceram desde o começo do ressurgir proletário, têm uma enorme responsabilidade no desenvolvimento e a evolução global dos combates. Para estar à altura destas responsabilidades devem organizar-se ao redor das fronteiras de classe que as experiências sucessivas do proletariado resolveram e que devem guiar toda sua atividade ou intervenção em seu seio.

Através de sua experiência prática e teórica, a classe cria os meios e os objetivos de sua luta histórica, pela destruição do capitalismo e a instauração do comunismo. Desde o começo do capitalismo, a atividade do proletariado tendeu para um esforço constante para, através de sua experiência tomar consciência de seus interesses de classe e se livrar do controle da classe dominante e de suas mistificações. Este esforço do proletariado está marcado por uma continuidade que se estende ao longo de toda a história do movimento operário desde suas primeiras Sociedades Secretas até as Frações de Esquerda que se constituiram no seio da Terceira Internacional da qual foram excluidas . Apesar de todas as aberrações, de todas as manifestações da ideologia burguesa que pode encontrar-se em suas posições e em seu modo de ação, as diferentes organizações que se sucederam constituem elos insubstituíveis na cadeia da continuidade histórica da luta proletária e, o fato de ter sucumbido à derrota ou à degeneração interna, não diminui em nada a sua contribuição fundamental a essa luta. Assim, a organização de revolucionários que se constitui hoje, como manifestação do renascimento geral da luta proletária depois de meio século de contra-revolução e ruptura no movimento operário, deve vincular-se absolutamente com esta continuidade histórica a fim de que os combates presentes e futuros da classe possam armar-se plenamente com as lições de sua experiência passada e de que, todas as derrotas parciais que balizem seu caminho não sejam inúteis, mas sim constituam outras tantas promessas de sua vitória final.

A Corrente Comunista Internacional se reivindica das contribuições sucessivas da Liga dos Comunistas, da Primeira, Segunda e Terceira Internacionais, das Frações da Esquerda comunista que foram excluidas da Terceira Internacional , particularmente das Esquerdas holandesa, alemã e italiana. São estas contribuições essenciais as que permitem integrar as fronteiras de classe em uma visão coerente e geral que recolhemos na presente plataforma.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Organização revolucionaria [2]

1. Teoria da revolução comunista

  • 8751 leituras

O marxismo é a aquisição teórica fundamental da luta proletária. Só apoiando-se nele, o conjunto de experiências do proletariado pode integrar um todo coerente. Ao explicar a marcha da História pelo desenvolvimento da luta de classes, quer dizer, da luta apoiada na defesa de interesses econômicos em um quadro dado de desenvolvimento das forças produtivas e ao reconhecer o proletariado como a única classe agente da revolução que abolirá o capitalismo, o marxismo é a única concepção do mundo que se situa no ponto de vista desta classe. Longe de constituir uma concepção abstrata sobre o mundo é, acima de tudo, uma arma de combate do proletariado. Ao estar apoiado na primeira e única classe cuja emancipação leva necessariamente consigo a emancipação de toda a humanidade e cuja dominação sobre a sociedade não implica em nenhuma forma de exploração, mas, ao contrário, a abolição de toda exploração, o marxismo é o único sistema capaz de compreender a realidade social de maneira objetiva e científica, sem prejuízos nem mistificações de nenhuma classe.

Em conseqüência, apesar de não ser nem um sistema nem um corpo de idéias e conceitos fechados, mas, ao contrário, uma teoria em elaboração constante em direta e viva relação com a luta de classes e, apesar de ter se beneficiado das expressões teóricas da ação das classes que lhe precederam, o marxismo constitui, a partir do momento em que suas bases foram estabelecidas, a única base a partir da qual a teoria revolucionária pode desenvolver-se.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Materialismo histórico Marxismo [3]

2. As condições da revolução proletária

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Toda revolução social é o ato pelo qual a classe portadora das novas relações de produção estabelece sua dominação política sobre o conjunto da sociedade. A revolução proletária não escapa a esta definição, mas suas condições e objetivos diferem fundamentalmente das revoluções do passado.

Estas, por estarem situadas entre dois modos de produção apoiados na penúria, tinham por função substituir a dominação de uma classe exploradora pela de outra classe igualmente exploradora; simplesmente substituíam uma forma de propriedade por outra e uns privilégios por outros novos.

A revolução proletária tem como finalidade substituir as relações de produção fundadas na penúria por relações de produção apoiadas na abundância. Por isso, significa o fim de toda propriedade, de todo privilégio e de toda exploração.

Estas diferenças conferem à revolução proletária as características abaixo que a classe operária deve compreender e dominar como condição indispensável do êxito de sua luta histórica:

A) É a primeira forma de revolução de caráter mundial na História, que só poderá alcançar seus objetivos quando se generalizar em todos os países, visto que com a propriedade privada ela terá que abolir também as estruturas regionais, setoriais e nacionais ligadas a ela. É a generalização da dominação capitalista à escala mundial que faz não somente necessária, mas também possível à extensão mundial da revolução.

B) Igualmente, pela primeira vez na História, a classe revolucionária é ao mesmo tempo a classe explorada do velho modo de produção. Por isso, na conquista do poder político não pode apoiar-se em nenhum tipo de poder econômico prévio. Muito pelo contrário, em oposição ao que aconteceu com as outras classes revolucionárias da História, a tomada do poder político pelo proletariado precede necessariamente um período de transição durante o qual a dominação das velhas relações de produção é destruída em benefício da dominação das novas.

C) O fato de que, pela primeira vez na História, uma classe seja ao mesmo tempo revolucionária e explorada implica igualmente que sua luta reivindicativa como classe explorada não pode ser dissociada e oposta em nenhum momento a sua luta como classe revolucionária. Ao contrário, como o marxismo afirmou desde seus princípios contra as teorias proudhonianas e pequeno-burguesas, o desenvolvimento da luta revolucionária está condicionado pelo aprofundamento e generalização da luta reivindicativa do proletariado como classe explorada.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Herança da Esquerda comunista [4]

3. A decadência do capitalismo

  • 7458 leituras

Para que a revolução proletária possa passar do estádio de um simples desejo ou de uma simples potencialidade ao estádio de uma possibilidade completa é preciso que se converta em uma necessidade objetiva para o desenvolvimento da humanidade. Tal situação prevalece desde a Primeira Guerra Mundial: nesta data termina a fase ascendente do capitalismo que começa no século xvi e que alcança seu apogeu no final do século xix. A nova fase aberta a partir deste momento é a decadência do capitalismo.

Como em todas as sociedades do passado, a primeira fase do capitalismo traduzia o caráter estritamente necessário das relações de produção que ele encarna, quer dizer, sua natureza indispensável para o desenvolvimento das forças produtivas da humanidade. A segunda, ao contrário, traduz a transformação dessas relações em uma trava cada vez maior a esse desenvolvimento.

A decadência do capitalismo é o produto do desenvolvimento das contradições internas inerentes a esse modo de produção que se podem definir assim:

Embora a mercadoria existisse na maior parte das sociedades, a economia capitalista é a primeira apoiada fundamentalmente na produção de mercadorias. A existência de mercados em constante expansão é uma das condições essenciais do desenvolvimento capitalista. Em particular a realização da mais-valia produzida pela exploração da classe operária é indispensável para a acumulação do capital, motor essencial de sua dinâmica. Contrariamente ao que pretendem os adoradores do capital, a produção capitalista não cria automaticamente e à vontade os mercados necessários para seu crescimento. O capitalismo se desenvolve em um mundo não capitalista e é nesse mundo onde encontra mercados que permitem seu desenvolvimento. Mas ao generalizar suas relações ao conjunto do planeta e ao unificar o mercado mundial, alcança um grau crítico de saturação desses mesmos mercados que lhe tinham permitido a formidável expansão do século xix. Além disso, a dificuldade crescente que tem o capital para encontrar mercados nos quais possa realizar sua mais-valia, acentua a pressão para baixar a taxa de lucro; esta última sendo o resultado do crescimento constante da proporção entre o valor dos meios de produção e o da força de trabalho que os põe em funcionamento. Esta baixa da taxa de lucro, que no começo era só uma tendência, torna-se cada vez mais efetiva, travando assim com mais força o processo de acumulação do capital e, em conseqüência, o funcionamento das estruturas do sistema.

Depois de ter unificado e universalizado a troca mercantil, dando um impulso decisivo ao desenvolvimento da humanidade, o capitalismo pôs na ordem do dia o desaparecimento das relações de produção fundadas na troca mercantil. Enquanto o proletariado não se der os meios de impor esse desaparecimento, essas relações de produção manter-se-ão e levarão a humanidade a contradições cada vez mais monstruosas.

A crise de superprodução, manifestação característica das contradições do capitalismo, que no passado era um intervalo entre cada fase de expansão e a seguinte, mais elevada que a anterior, transformou-se hoje em permanente. As capacidades do aparelho produtivo são permanentemente subutilizadas e o capital é incapaz de estender a produção, ao menos no mesmo ritmo de crescimento da população mundial. A única coisa que o capital pode estender hoje é a miséria humana absoluta como a conhecem os países do terceiro mundo.

A concorrência entre as nações capitalistas só pode, nestas condições, tornar-se cada vez mais implacável. O imperialismo, política à qual toda nação está obrigada para poder sobreviver qualquer que seja seu tamanho, impõe à humanidade o estar submersa desde 1914 em um ciclo infernal de crise-guerra-reconstrução-nova crise..., onde a produção de armamentos, cada vez mais monstruosa, torna-se o único terreno de aplicação da ciência e de utilização das forças produtivas. Na decadência do capitalismo, a humanidade não sobrevive a não ser à base de destruições e auto mutilações permanentes.

À miséria fisiológica que aflige os países subdesenvolvidos, corresponde nos desenvolvidos, uma desumanização extrema, jamais vista antes das relações entre os membros da sociedade e que tem por base a ausência total de perspectivas que o capitalismo oferece à humanidade, pois as únicas coisas que pode oferecer são as guerras cada vez mais mortíferas e uma exploração cada vez mais sistemática, racional e científica. Desta situação resultam, como nas fases de decadência de anteriores modos de produção, um afundamento e uma decomposição crescente das instituições sociais, da ideologia dominante, do conjunto de valores morais, das formas da arte e de todas as demais manifestações culturais do capitalismo. O desenvolvimento de ideologias como o fascismo e o estalinismo marcam o triunfo crescente da barbárie e a ausência de alternativa revolucionária.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Decadência do capitalismo [5]

4. O capitalismo de estado

  • 7836 leituras

Em todo período de decadência, ante o agravamento das contradições do sistema, o Estado, que atua como garantia da coesão do corpo social e das relações de produção dominantes, tende a reforçar-se até o extremo de incorporar a suas estruturas o conjunto da vida social. A hipertrofia da administração imperial e da monarquia absoluta são manifestações deste fenômeno, na decadência da sociedade escravista romana e na da sociedade feudal respectivamente.

Na decadência capitalista a tendência geral para o capitalismo de Estado é uma das características dominantes da vida social. Neste período, cada capital nacional se encontra privado de todo apoio para um desenvolvimento potente e, condenado a uma concorrência imperialista aguda, é obrigado a enfrentar econômica e militarmente seus rivais no exterior e, no interior, deve fazer frente à exacerbação crescente das contradições sociais. A única força da sociedade que é capaz de se encarregar do cumprimento destas tarefas é o Estado. Efetivamente, só o Estado pode:

-  Encarregar-se da economia nacional, de forma global e centralizada, para atenuar a concorrência interna que a debilita; a fim de reforçar sua capacidade para se confrontar, como um todo, à concorrência no mercado mundial.

-  Estabelecer o aparelho militar necessário para defender seus interesses ante a exacerbação dos antagonismos internacionais.

-  Enfim, notadamente graças às forças de repressão e a uma burocracia cada vez mais monstruosa, fortalecer a coesão interna da sociedade ameaçada de deslocamento pela crescente decomposição de seus fundamentos econômicos e impor, por meio de uma violência onipresente, a manutenção de uma estrutura social cada vez mais inepta a organizar espontaneamente as relações humanas e que é aceita com tanto menos facilidade quanto mais é seu absurdo do ponto de vista da própria sociedade.

No plano econômico, esta tendência para o capitalismo de Estado, nunca plenamente realizada, traduz-se pela passagem de todos os controles do aparelho produtivo para as mãos do Estado. Isto não elimina a lei do valor, a concorrência nem a anarquia da produção, características fundamentais da produção capitalista. Estas continuam aplicando-se à escala mundial, onde as leis do mercado continuam imperando e determinando, portanto, as condições de produção no interior de cada economia nacional por muito estatizada que esteja. Em conseqüência, se as leis do valor e da concorrência são "violadas", é com a finalidade de que possam ser melhor aplicadas. Se a anarquia da produção parece retroceder ante o planejamento estatal, não faz na realidade nada mais que ressurgir mais violentamente em escala mundial, sobretudo por ocasião das crises agudas que o capitalismo de Estado é incapaz de acautelar. Longe de constituir uma racionalização do capitalismo, a estatização não é mais que uma manifestação de seu afundamento.

Esta estatização se realiza, seja de maneira gradual pela fusão de capitais privados com o capital estatal, como acontece na maioria dos países desenvolvidos; seja por saltos bruscos sob a forma de nacionalizações maciças e totais, em geral ali onde o capitalismo privado é mais débil.

Efetivamente, embora a tendência ao capitalismo de Estado se manifesta em todos os países do mundo, esta se acelera e se mostra claramente nas épocas e nos países onde os efeitos da decadência se fazem sentir com mais violência: historicamente durante os períodos de crise aberta ou de guerra, geograficamente nas economias mais débeis. Mas o capitalismo de estado não é um fenômeno específico dos países atrasados. Ao contrário, embora o grau de estatização formal seja em geral mais elevado no capitalismo subdesenvolvido, o autêntico controle do Estado sobre a vida econômica, é muito mais efetivo nos países mais desenvolvidos, devido ao alto grau de concentração do capital que ali reina.

No plano político e social, a tendência ao capitalismo de Estado se traduz pelo fato de que o aparelho do Estado, sob formas totalitárias extremas (fascismo, estalinismo) ou sob máscaras democráticas, exerce um controle cada vez mais potente, onipresente e sistemático sobre todos os aspectos da vida social. A uma escala muito superior à decadência romana ou feudal, o Estado da decadência capitalista se converteu em uma máquina monstruosa, fria e impessoal que terminou por devorar a substância da sociedade civil.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Internacionalismo Guerra [6]

5. Os chamadospaíses socialistas

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Ao deixar o capital em mãos do Estado, o capitalismo de Estado cria a ilusão do desaparecimento da propriedade privada dos meios de produção e da eliminação da classe burguesa. A teoria stalinista do socialismo em um só país, assim como a mentira dos países "socialistas" ou "em transição ao socialismo", encontra seus fundamentos nessa aparência mistificadora.

As mudanças provocadas pela tendência ao capitalismo de Estado não se situam ao nível real das relações de produção, mas ao nível jurídico das formas de propriedade. Não eliminam o caráter privado da propriedade dos meios de produção, mas o aspecto jurídico da propriedade individual. Os trabalhadores continuam privados de todo controle real sobre os meios de produção e permanecem totalmente separados deles. Os meios de produção somente são coletivizados para a burocracia que os possui e administra coletivamente.

A burocracia estatal que assume a função econômica específica de extração do super-trabalho do proletariado e de acumulação do capital nacional constitui uma classe, mas não é uma nova classe. Por sua função, não é mais que a burguesia em sua forma estatal. O que a distingue não é a importância de seus privilégios, mas a maneira como os detém: em lugar de percebê-los sob a forma de dividendos, procedentes da posse de partes do capital, percebe-os sob a forma de "gastos de função", recompensas e remunerações fixas na aparência salarial, mas cuja soma total é, freqüentemente, dezenas ou centenas de vezes superior ao salário de um operário.

A centralização e o planejamento capitalista pelo Estado, longe de ser um passo para a eliminação da exploração não é mais que um meio para fazê-la mais eficaz.

No plano econômico, a Rússia, mesmo durante o curto lapso de tempo em que o proletariado deteve o poder político, nunca pôde separar-se plenamente do capitalismo. Se a forma capitalista de Estado apareceu nesse contexto, tão cedo e de maneira tão desenvolvida, foi porque a desorganização econômica causada pela derrota da Primeira Guerra Mundial seguida pela Guerra Civil levaram ao extremo as dificuldades de sobrevivência de um capital nacional no âmbito da decadência do capitalismo. O triunfo da contra-revolução na Rússia se fez sob os auspícios da reorganização da economia nacional mediante as formas mais acabadas de capitalismo de Estado, cinicamente apresentadas como "desenvolvimentos de Outubro" e "construção do socialismo". O exemplo foi seguido em outros lugares: China, Países do Leste, Cuba, Coréia do Norte, Vietnã... Nada tem de proletário ou comunista nestes países. Ali reina a ditadura do capital em sua expressão mais decadente, mascarada por uma das maiores mistificações da História. Toda defesa, inclusive se for "crítica" ou "condicional", destes países é uma atividade absolutamente contra-revolucionária ([1]).


[1]) A queda do bloco do Leste e dos regimes stalinistas varreu esta mistificação dos países ditos "socialistas"; esta que foi durante meio-século a ponta de lança da mais terrível contra-revolução na História. Entretanto a burguesia "democrática" ao desencadear repetidamente suas campanhas ideológicas considerando a dita "falência do comunismo", continua perpetuando a maior mentira da História: a identificação do stalinismo ao comunismo. Os partidos da esquerda e da extrema esquerda do capital que tinham apoiado (mesmo com críticas) os países ditos socialistas são agora obrigados a se adaptarem à nova situação mundial. Para poder continuar mistificando e controlando o proletariado, esforçam-se para retirar da memória coletiva seu apoio ao stalinismo.

Herança da Esquerda comunista: 

  • História do movimento operário [7]

6. A luta do proletariadono capitalismo decadente

  • 7082 leituras

Desde seu início, a luta do proletariado para defender seus interesses de classe leva em si mesma a perspectiva da destruição do capital e o advento da sociedade comunista.

O proletariado não persegue o fim último de seu combate por idealismo ou por inspiração divina, mas sim porque as condições materiais nas quais desenvolve sua luta imediata lhe obriga necessariamente a fazê-lo. Toda outra forma de combate o conduziria fatalmente ao desastre.

Enquanto a burguesia pôde, no período ascendente do capitalismo, acordar verdadeiras reformas da condição proletária, graças à gigantesca expansão de suas riquezas no mundo inteiro, as condições objetivas necessárias para o assalto revolucionário do proletariado não existiam.

Apesar da vontade revolucionária e comunista, afirmada desde a revolução burguesa pelas tendências mais radicais do proletariado, a luta operária durante este período histórico ficou limitada ao combate por reformas.

Aprender a organizar-se para arrancar reformas políticas e econômicas através do parlamentarismo e do sindicalismo terminou por constituir-se, no final do século xix um dos eixos essenciais da atividade proletária. Encontramos assim, nas organizações autenticamente operárias, lado a lado, elementos reformistas (para os quais toda luta operária tem de ser unicamente uma luta para obter reformas) e os revolucionários (para quem as lutas para obter reformas só podem constituir uma etapa do processo que leva às lutas revolucionárias).

Assim, podemos ver neste período o apoio do proletariado a certas frações da burguesia em sua luta contra outras mais reacionárias, com o objetivo de impor mudanças sociais a seu favor, o que correspondia à aceleração do desenvolvimento das forças produtivas.

O conjunto destas condições se transforma radicalmente no capitalismo decadente. O mundo ficou estreito demais para conter o número de capitais nacionais existentes. Em cada nação, o capital se vê obrigado a aumentar sua produtividade, ou seja, a exploração de seus trabalhadores até limites extremos.

A organização da exploração deixa de ser um caso entre donos de empresas e operários para se tornar o do Estado e de mil novas engrenagens criadas para administrá-la, controlá-la, afogar nela todo perigo revolucionário, e para submetê-la a uma repressão sistemática e insidiosa.

A inflação, convertida em um fenômeno permanente desde a Primeira Guerra Mundial, devora todo aumento de salários. A duração do tempo de trabalho estanca ou diminui somente para compensar os aumentos do tempo de transporte ou para impedir a total destruição neuronal dos trabalhadores submetidos a um ritmo de vida e de trabalho brutalmente crescentes.

A luta por reformas se converteu em uma utopia grosseira. Contra o capital a classe operária não pode levar mais que um combate à morte. Não tem outra alternativa que aceitar ser esmagada e atomizada em uma soma de indivíduos ou lutar enfrentando o Estado, generalizando as lutas o mais extensamente possível, rechaçando ou deixar-se encerrar em um quadro puramente econômico ou no bairrismo da fábrica ou da profissão e dando-se como forma de organização os embriões de seus órgãos de poder: os conselhos operários.

Nestas novas condições históricas muitas das antigas armas do proletariado se converteram em inoperantes. As forças políticas que as preconizam só o fazem para melhor amarrar o proletariado à exploração e para romper nele toda vontade de combate.

A distinção feita no movimento operário entre Programa Máximo e Programa Mínimo perdeu todo seu sentido. Não há nenhum programa mínimo possível. O proletariado só pode desenvolver suas lutas se ele as põe na perspectiva de seu programa máximo: a revolução comunista.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Organização revolucionaria [2]

7. Os sindicatos: órgãosdo proletariado ontem, instrumentos do capital hoje

  • 4649 leituras

No século xix no período de maior prosperidade capitalista, o proletariado se deu, ao preço de lutas encarniçadas e sangrentas, organizações permanentes e profissionais destinadas a assegurar a defesa de seus interesses econômicos: os sindicatos. Estes órgãos assumiram um papel fundamental na luta por melhorias e reformas substanciais das condições de vida dos trabalhadores que o sistema podia outorgar. Constituíam igualmente lugares de agrupamento da classe e de desenvolvimento de sua solidariedade e de sua consciência, nos quais os revolucionários intervinham ativamente para convertê-los em escolas do comunismo. Em conseqüência, embora a existência de sindicatos tenha estado sempre indissoluvelmente ligada ao assalariado e embora várias vezes, no período ascendente, tenham se burocratizado de forma importante, constituíam não obstante, autênticos órgãos da classe, na medida em que a abolição do assalariado não estava ainda na ordem do dia.

Ao entrar em sua fase decadente, o capitalismo perde toda capacidade para conceder melhorias e reformas a favor da classe operária. Tendo perdido toda possibilidade de exercer sua função inicial de defensores eficazes dos interesses proletários e, confrontados a uma situação histórica onde somente está na ordem do dia a abolição do assalariado, e, portanto, seu próprio desaparecimento, os sindicatos se transformaram, como condição de sua própria sobrevivência, em autênticos defensores do capitalismo, em agentes do Estado burguês no meio operário (evolução que foi fortemente favorecida pela tendência inexorável do Estado no período decadente a absorver todas as estruturas da sociedade).

A função anti-proletária dos sindicatos se manifestou pela primeira vez de forma decisiva no curso da Primeira Guerra Mundial, na qual, ao lado dos partidos social-democratas, participaram da mobilização dos operários para a carnificina imperialista.

Na onda revolucionária que seguiu à guerra imperialista, fizeram o impossível para destruir as tentativas do proletariado para acabar com o capitalismo. Depois, mantiveram-se com vida, não pela classe operária, mas pelo Estado capitalista, para o qual cumprem funções muito importantes:

  • Participação ativa nas tentativas do Estado capitalista para racionalizar a economia, regulamentar a venda da força de trabalho e intensificar a exploração;
  • Sabotagem da luta operária desde seu interior. Utilizando meios próprios desse Estado, como são o engano e a divisão, para desviar as lutas para becos sem saída ou a repressão aberta das greves autônomas.

Dado que os sindicatos perderam seu caráter proletário, não podem ser "reconquistados" pela classe operária, nem constituir um "terreno fértil" para a atividade das minorias revolucionárias. Há mais de meio século que os operários têm cada vez menos interesse em participar da atividade destas organizações transformadas, de corpo e alma, em órgãos do Estado capitalista. De fato, as lutas operárias de resistência contra a degradação de suas condições de vida tendem a tomar a forma de greves autônomas fora dos sindicatos e contra eles. Dirigidas por assembléias gerais de grevistas e, em casos nos quais se generalizaram, coordenadas por comitês de delegados eleitos e revogáveis pelas assembléias, estas lutas se situaram imediatamente em um terreno político, na medida em que tiveram que se enfrentar com o Estado, neste caso representado pelos seus representantes na empresa: os sindicatos. Só a generalização e a radicalização destas lutas podem permitir à classe operária passar ao assalto aberto e frontal contra o Estado capitalista. A destruição do Estado burguês implica necessariamente a destruição dos sindicatos.

O caráter antiproletário dos antigos sindicatos não é o resultado de seu próprio modo de organização, por profissão ou ramo industrial, nem pela existência de "maus chefes", mas sim pela impossibilidade de manter vivas organizações permanentes baseadas na defesa dos interesses econômicos do proletariado. Em conseqüência, o caráter capitalista destes órgãos se estende a todas as organizações que se dão funções similares quaisquer que sejam seu modelo organizativo ou as intenções que proclamem. É a mesma coisa considerando os "sindicatos revolucionários", os shops stewards ou todos aqueles órgãos (comitês ou núcleos operários, comissões operárias...) que podem subsistir depois de uma luta, inclusive opostos aos sindicatos e que tentem reconstruir um "pólo autêntico" de defesa dos interesses imediatos dos trabalhadores. Sobre esta base tais organizações não podem escapar à engrenagem da integração efetiva no aparelho estatal, nem mesmo a título de órgãos não oficiais ou ilegais.

Todas as políticas de "utilização", de "renovação" ou de "reconquista de organizações de caráter sindical", são completamente favoráveis à sobrevivência do capitalismo porque conduzem a revigorar estas instituições capitalistas que, na maioria dos casos foram abandonadas pelos trabalhadores. Depois de mais de meio século de experiência no qual o caráter anti-operário destas organizações nunca foi desmentido, as correntes que preconizam ainda tais políticas se encontram fatalmente no terreno da contra-revolução.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Conselhos operários [8]

8. A mistificação parlamentar e eleitoral

  • 3442 leituras

No período de apogeu do sistema capitalista o parlamento constituía a forma mais apropriada de organização da vida política burguesa. Instituição especificamente burguesa, o parlamento nunca foi um terreno predileto para a ação operária. A participação do proletariado em suas atividades, assim como nas campanhas eleitorais, incluía perigos muito graves que os revolucionários do século passado nunca deixaram de denunciar. Entretanto, em um período em que a revolução não estava na ordem do dia e o proletariado podia obter reformas favoráveis dentro do sistema, tal participação permitia, por sua vez fazer pressão a favor destas reformas, utilizar as campanhas eleitorais como meio de propaganda e agitação ao redor do programa proletário e empregar o parlamento como tribuna de denúncia da ignomínia da política burguesa. Por isso, a luta pelo sufrágio universal constituiu uma das ocasiões de maior mobilização do proletariado durante todo o século xix e em grande número de países.

Com a entrada do sistema em sua fase de decadência, o parlamento deixa de ser um órgão útil para a obtenção de reformas. Como disse o II° Congresso da Internacional Comunista: "O centro de gravidade da vida política saiu definitivamente do parlamento". A única função que pode assumir e que explica a sua sobrevivência, é a mistificação. Por isso desaparece para o proletariado toda possibilidade de utilizá-lo. Efetivamente o proletariado não pode mais conquistar reformas impossíveis através de um órgão que perdeu toda função política real. No momento em que a sua tarefa fundamental reside na destruição do conjunto das instituições estatais burguesas, e, portanto do parlamento; no momento em que ele tem de estabelecer a sua própria ditadura nas ruínas do sufrágio universal e outros vestígios da sociedade burguesa, a participação do proletariado nas instituições parlamentares e eleitorais terá, quaisquer que sejam as intenções afirmadas dos que a preconizam, como conseqüência de introduzir uma vida aparente nestas instituições moribundas.

A participação eleitoral e parlamentar não comporta atualmente nenhuma das vantagens que havia no século passado. Ao contrário, acumula todos os inconvenientes e perigos já assinalados pelos revolucionários do século xix e, sobretudo, mantém viva a ilusão da possibilidade de uma "via pacífica e progressiva ao socialismo", através da conquista da maioria parlamentar pelos partidos chamados "operários".

A política de "destruição por dentro" do parlamento, à qual entregar-se-iam os deputados "revolucionários", só leva à corrupção das organizações políticas que a praticam e à sua absorção pelo capitalismo.

Finalmente, a utilização das eleições e dos parlamentos como tribunas de agitação e propaganda, na medida em que são essencialmente assuntos de especialistas e privilegiam o jogo dos partidos políticos em detrimento da atividade própria dos operários, tende a manter os esquemas políticos da sociedade burguesa e a estimular a passividade dos trabalhadores. Se tal inconveniente podia ser aceito quando a revolução não estava na ordem do dia, converte-se em um obstáculo decisivo no momento em que a única tarefa para o proletariado é a destruição da velha ordem social e a instauração da sociedade comunista, que exigem a participação ativa e consciente do conjunto da classe.

Se em sua origem as táticas do "parlamentarismo revolucionário" eram, sobretudo, a manifestação do peso do passado no seio da classe e de suas organizações, estas se demonstraram, depois de uma prática com resultados catastróficos para a classe, como uma política totalmente contra-revolucionária. As correntes que a preconizam se situam no campo da burguesia, da mesma maneira que aqueles outros que apresentam o parlamentarismo como um instrumento para a transformação socialista da sociedade.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Revolução russa alemã [9]

9. O frentismo, estratégia para desviar o proletariado

  • 3457 leituras

Na decadência capitalista, quando só a revolução proletária constitui um passo adiante na História, não pode existir nenhuma tarefa comum, inclusive momentânea, entre a classe revolucionária e qualquer fração da classe dominante, por muito "democrática", "progressista" ou "popular" que esta se apresente. Contrariamente à fase ascendente do capitalismo, seu período decadente não permite a nenhuma fração burguesa desempenhar um papel progressista. Especialmente, a democracia burguesa que, contra os vestígios das estruturas herdadas do feudalismo constituía no século xix uma forma política progressiva, perdeu na época da decadência todo conteúdo político real. Ela só subsiste como um espelho deformador que encobre o desenvolvimento do totalitarismo estatal. As frações da burguesia que se reclamam desta são tão reacionárias quanto as demais.

De fato, desde a Primeira Guerra Mundial, a "democracia" se revelou como uma das piores drogas contra o proletariado. É em seu nome que, depois desta guerra, foi esmagada a revolução em vários países europeus. Também em seu nome e contra o "fascismo" foram mobilizados dezenas de milhões de proletários na Segunda guerra imperialista mundial. Ainda hoje, em seu nome, o capital tenta desviar as lutas proletárias para alianças "contra o fascismo", "contra a reação", "contra a repressão", "contra o totalitarismo", etc.

Produto específico de um período em que o proletariado tinha sido previamente esmagado, o fascismo não está hoje absolutamente na ordem do dia e toda propaganda sobre o "perigo fascista" é claramente mistificadora. Por outra parte, o fascismo não detém o monopólio da repressão. Compartilha-a com todas as demais opções burguesas. Se as forças políticas democráticas ou de esquerda identificam fascismo com repressão, é porque tentam ocultar que elas mesmas utilizam a repressão com determinação, até tal ponto que a elas incumbe o essencial do esmagamento dos movimentos revolucionários da classe operária.

Tal qual nas "frentes populares" ou "antifascistas", as táticas da "frente única" revelaram-se como perigosos meios para desviar a luta proletária. Estas táticas, que convidam as organizações revolucionárias a propor alianças com partidos ditos "operários" a fim de "encurralá-los" e "desmascará-los", só fazem, afinal, manter ilusões sobre a verdadeira natureza desses partidos e atrasar a ruptura dos operários com eles.

A autonomia do proletariado frente às demais classes da sociedade é a condição essencial para o desenvolvimento de todas suas lutas para seu objetivo revolucionário. Todas as alianças inter-classistas particularmente com frações da burguesia, só podem resultar em seu desarmamento perante o seu inimigo, a lhe fazer abandonar o único terreno onde pode acumular suas forças: seu terreno de classe. Toda corrente política que tente apartar o proletariado desse terreno pertence necessariamente ao campo burguês.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Esquerda do capital [10]

10. O mito contra-revolucionário da “Libertação nacional”

  • 4745 leituras

A libertação nacional e a constituição de novas nações não foram jamais tarefas próprias do proletariado. Embora no século xix os revolucionários tiveram que apoiar tal tipo de lutas, jamais o fizeram em nome do "direito dos povos a dispor de si mesmos" e estiveram sempre conscientes do caráter exclusivamente burguês destas. Tal apoio se fundava unicamente em um fato: no período ascendente do capitalismo, a nação representava a entidade apropriada para o desenvolvimento do capitalismo e todo novo desenvolvimento desse âmbito, ao eliminar os vestígios reacionários das formas sociais pré-capitalistas, constituía um passo adiante no crescimento das forças produtivas à escala mundial e, conseqüentemente, na maturação das condições materiais do socialismo.

Com a entrada do capitalismo em sua fase de decadência assim como do conjunto das relações de produção capitalistas, a nação se converte em um âmbito muito estreito para o desenvolvimento das forças produtivas. Hoje em dia, a constituição jurídica de um novo país não supõe nenhum passo real adiante em tal desenvolvimento, que por outra parte as nações mais antigas e mais capitalistas são elas mesmas incapazes de assumir. Em um mundo dividido em blocos imperialistas toda luta de "libertação nacional", longe de constituir um movimento progressivo, não é mais que um momento no enfrentamento constante entre blocos rivais no qual os proletários e camponeses arrolados, voluntariamente ou à força, participam só como carne de canhão ([1]).

Tais lutas não debilitam nenhum imperialismo já que não questionam as relações de produção capitalista, que são as bases em que este se assenta. E se chegam a debilitar um bloco imperialista é para reforçar o outro. A nação "liberada" entra totalmente na roda imperialista posto que no período da decadência nenhum país, seja grande ou pequeno pode evitar tal política.

Se no mundo atual uma "libertação nacional triunfante" não tem outra significação que uma mudança de bloco imperialista para o país em questão, para os trabalhadores, em particular para os dos novos países "socialistas", esta se traduz em uma intensificação, sistematização e militarização da exploração por parte do capital estatizado, o qual transforma a nação "liberada" em um verdadeiro campo de concentração, expressão da barbárie geral do sistema. Longe de ser, como alguns pretendem, um trampolim para a luta de classe do proletariado do Terceiro Mundo, estas lutas, pelas manifestações patrióticas que comportam e pelo alistamento no capital nacional que implicam, atuam sempre como freio e desvio da luta proletária, que freqüentemente é encarniçada nestes países. Meio século de História demonstrou de forma contundente que - ao contrário das afirmações da Internacional Comunista - as lutas de "libertação nacional" não impulsionam o combate proletário nos países "avançados" nem nos "subdesenvolvidos". Os proletários de uns e outros países não têm nada a esperar destas lutas nem que optar por qualquer que seja o campo. Nesses choques inter-imperialistas, o slogan dos revolucionários só pode ser, contra a versão moderna da "defesa nacional", aquele que os revolucionários já tinham adotado na Primeira Guerra Mundial: derrotismo revolucionário, transformação da guerra imperialista em guerra civil. Toda posição de "apoio incondicional" ou "crítico" a estas lutas é tão criminoso como a dos social-patriotas na Primeira Guerra Mundial e, portanto, totalmente incompatível com uma atividade comunista.


[1]) Depois da queda do bloco do Leste no final dos anos 1980 e do desmembramento do bloco do Oeste vindo em conseqüência do primeiro, as lutas de libertação nacional deixaram de constituir uma mistificação permitindo que frações de esquerda e extrema esquerda do capital levassem parcelas do proletariado em direção do apoio a um campo imperialista contra outro. Entretanto, embora o mito da libertação nacional tenha sido extinto com a queda do bloco imperialista russo, ele continua vigoroso em algumas regiões periféricas do mundo e pode ainda servir.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Autonomia do proletariado [11]

11. A autogestão, auto-exploração do proletariado

  • 3981 leituras

Se a nação se converteu em um quadro muito estreito para o desenvolvimento das forças produtivas, isto é ainda mais certo para a empresa, que nunca conheceu uma verdadeira autonomia em relação às leis da produção capitalista e cuja dependência do Estado se acentua constantemente na decadência capitalista. Por isso a autogestão, ou seja, a gestão da empresa pelos operários no seio de uma sociedade que continua sendo capitalista, se no século passado já era uma utopia pequeno burguesa, hoje constitui uma mistificação claramente capitalista ([1]).

Como gestão econômica do capital que é, a autogestão tem como fim fazer os operários aceitarem as dificuldades das empresas golpeadas pela crise e fazê-los organizar as modalidades de sua própria exploração.

Como arma política da contra-revolução tem como função:

  • Dividir a classe operária, encerrando-a e isolando-a fábrica a fábrica, bairro a bairro, ramo a ramo.
  • Atar os operários às preocupações próprias da economia capitalista, quando o que têm que fazer é destruí-la.
  • Desviar o proletariado da primeira tarefa que torna possível sua emancipação, quer dizer, a destruição do aparelho político do capital e a instauração da ditadura do proletariado em escala mundial.

Unicamente a esta escala o proletariado poderá se encarregar da gestão da produção, mas não o fará no quadro das leis capitalistas, mas no processo da destruição destas.

Todas as posições políticas que, inclusive em nome da "auto-experiência do proletariado" ou do "estabelecimento de relações comunistas entre os operários", defendem a autogestão participam na defesa objetiva das relações de produção capitalista.

 


[1]) Esta mistificação que tinha chegado a seu ponto mais alto na experiência "autogestionária" e na derrota de LIP na França em 1974-75, está hoje esgotada. Entretanto, não se pode excluir que no futuro ela conheça uma nova vitalidade com o anarquismo de volta. Com efeito, nas lutas de 1936 na Espanha, os anarquistas e anarco-sindicalistas foram os porta-bandeiras do mito da auto-gestão, apresentada como uma medida econômica "revolucionária"

Herança da Esquerda comunista: 

  • Crise econômica [12]

12. As lutas marginais (parciais), um beco reacionário sem saída

  • 3497 leituras

A decadência do capitalismo acentuou a decomposição de todos seus valores humanos e a degradação profunda das relações humanas.

Entretanto, embora seja verdade que a revolução proletária engendrará novas relações em todos os âmbitos da vida, é errôneo acreditar que se pode contribuir para isso organizando lutas setoriais sobre problemas específicos, tais como o racismo, a condição feminina, a ecologia, a sexualidade ou outros aspectos da vida cotidiana.

A luta contra os fundamentos econômicos da sociedade capitalista contém a luta contra seus aspectos superestruturais (forma de vida, costumes, ideologia, etc.), mas o recíproco é falso: a luta contra aspectos superestruturais não encaminha para a luta contra os fundamentos da exploração.

Por seu conteúdo mesmo, as lutas marginais, longe de reforçar a necessária autonomia da classe operária, tendem, pelo contrário, a diluí-la na confusão de categorias particulares ou invertebradas (sexo, raça, juventude, etc.) totalmente impotentes diante da História.

Por isso, constituem um autêntico instrumento da contra-revolução que os governos burgueses aprenderam a recuperar e utilizar eficazmente para a preservação da ordem social.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Período do transição [13]

13. A natureza contra-revolucionária dos partidos “operários”

  • 3555 leituras

O conjunto de partidos e grupos que defendem, inclusive condicionalmente ou de maneira "crítica", certos Estados ou certas frações da burguesia contra outras, seja em nome do "socialismo", da "democracia", do "antifascismo", da "independência nacional", da "frente única" ou do "mal menor"; que fundam sua política sobre o jogo burguês das eleições, sobre a atividade antioperária dos sindicatos ou sobre as mistificações autogestionárias são órgãos do aparelho político do capital. Destacam-se entre eles os partidos "socialistas" e "comunistas".

Estes partidos, com efeito, depois de terem constituído durante um período verdadeiras vanguardas do proletariado mundial, conheceram entretanto, um processo de degeneração que os conduziu ao campo do capital. Se as Internacionais, às quais eles pertenciam (Segunda Internacional no caso dos partidos socialistas e Terceira Internacional no caso dos partidos comunistas), apesar da sobrevivência formal de sua estrutura, morreram como tais face a um momento de derrota histórica da classe operária. Sobreviveram, entretanto, para converter-se progressivamente, cada um por sua parte, em engrenagens (freqüentemente decisivas) do aparelho do Estado burguês em seus países respectivos.

Assim, ocorreu com os partidos socialistas. Em um processo de gangrena pelo reformismo e pelo oportunismo, a maioria dos mais importantes entre eles, por ocasião da Primeira Guerra Mundial (que marca a morte da Segunda Internacional), comprometeram-se, sob a direção de sua direita "social-chauvinista" passada definitivamente à burguesia primeiro com a política de defesa nacional, para depois se opor abertamente à onda revolucionária do pós-guerra até o extremo de jogar o papel de verdugos do proletariado como na Alemanha em 1919. A integração final de cada um destes partidos em seus Estados nacionais respectivos teve lugar em diferentes momentos no período que se seguiu ao estouro da Primeira Guerra Mundial, entretanto, este processo se viu definitivamente concluído no começo dos anos 20, quando as últimas correntes proletárias foram eliminadas ou saíram de suas filas para unir-se à Internacional Comunista.

Do mesmo modo, os partidos comunistas passaram por sua vez ao campo do capitalismo depois de um processo semelhante de degeneração oportunista. Este processo, teve início no começo dos anos 20 e continuou depois da morte da Internacional Comunista (marcada em 1928 pela adoção da teoria do "socialismo em um só país") até desembocar em uma completa integração ao Estado capitalista no começo dos anos 30, face à luta encarniçada de suas frações de esquerda, com sua participação nos esforços de armamento de suas burguesias respectivas e sua entrada nas "Frentes Populares". Sua participação ativa na "Resistência" durante a Segunda Guerra Mundial e posteriormente na "reconstrução nacional" após sua finalização, confirmou-os como fiéis servidores do capital nacional e como a mais pura encarnação da contra-revolução.

O conjunto das correntes chamadas "revolucionárias", tais como o maoísmo - que é uma simples variante dos partidos passados à burguesia -, o trotskismo - que após ter se constituído uma reação proletária contra a traição dos PC's, viu-se apanhado em um processo similar de degeneração - ou o anarquismo tradicional - que se situa hoje em uma postura política de defesa de certas posições dos partidos socialistas ou comunistas (como por exemplo, as alianças "antifascistas") pertencem ao mesmo campo que eles, o campo do capital: que tenham menos influência ou o que utilizem uma linguagem mais radical não muda em nada o caráter burguês de seu programa e de sua natureza, o que faz deles úteis aliciadores ou suplentes dos grandes partidos de esquerda.

Herança da Esquerda comunista: 

  • Trotsky e trotskismo [14]

14. A primeira grande onda revolucionária do proletariado

  • 6765 leituras

Ao marcar a entrada do capitalismo em sua fase de decadência, a Primeira Guerra Mundial indica que as condições objetivas para a revolução proletária estavam daí em diante maduras.

A onda revolucionária que, em resposta à guerra e a suas seqüelas, surge na Rússia, estende-se na Europa, impacta nas duas Américas e repercute como um eco na China, constituiu a primeira tentativa do proletariado mundial para cumprir sua tarefa histórica de destruição do capitalismo.

No seu mais forte combate, o proletariado toma o poder na Rússia, leva a cabo insurreições de massas na Alemanha e sacode até em seus alicerces a ordem burguesa na Itália, Hungria e Áustria. Embora com menos potencial ele se expressa também com igual determinação e combatividade no resto do mundo como, por exemplo, na Espanha, na Inglaterra, na América do Norte e do Sul. Finalmente, o fracasso trágico desta onda revolucionária ficou marcado em 1927 pelo esmagamento na China das insurreições operárias de Shangai e de Cantão, o qual veio fechar uma larga série de combates e derrotas da classe operária a nível internacional. É por isso que a Revolução de Outubro de 1917 na Rússia não pode ser definida como um fato isolado nem, como defendem distintas correntes, uma "revolução burguesa", "capitalista de Estado", "dupla" ou "permanente" impondo ao proletariado as tarefas "democráticas" que a burguesia teria sido incapaz de levar a cabo. A Revolução de Outubro só pode ser entendida como uma das manifestações mais importantes desse imenso movimento revolucionário mundial da classe operária.

É igualmente à onda revolucionária que está ligada a constituição da Terceira Internacional (Internacional Comunista), a qual rompe orgânica e politicamente com a Segunda Internacional, cuja participação na Grande Guerra imperialista tinha mostrado claramente sua passagem para o campo da burguesia. O Partido Bolchevique, fração da Esquerda Revolucionária que se destacou da Segunda Internacional, com a clareza de suas posições políticas condensadas em slogans como: "transformação da guerra imperialista em guerra civil", "destruição do Estado burguês", "todo o poder aos Soviets", etc; assim como com sua participação na criação da Terceira Internacional teve uma contribuição fundamental ao processo revolucionário e constituiu naquela época uma autêntica vanguarda do proletariado mundial.

Entretanto, embora a degeneração da revolução russa e a da Terceira Internacional tenham sido essencialmente conseqüências do esmagamento das tentativas revolucionárias do proletariado em outros países e do esgotamento geral da onda revolucionária, é preciso ver o papel jogado pelo Partido Bolchevique nesse processo de degeneração e nos fracassos internacionais do proletariado. Este papel resulta da importância maior que este partido dava à Internacional Comunista por conta da fraqueza dos outros partidos. Ao esmagar em 1921 a sublevação de Kronstadt e ao pôr em marcha políticas do tipo "conquista dos sindicatos", "parlamentarismo revolucionário", "frente única", - claramente contrárias às da ala esquerda da Terceira Internacional - teve uma influência e uma responsabilidade na liquidação da onda revolucionária tão importantes quanto as que tinha assumido no desenvolvimento desta onda.

Na Rússia mesmo, a contra-revolução não veio só "do exterior", mas também "do interior" e particularmente das estruturas do Estado estabelecidas pelo Partido Bolchevique, convertido em partido estatal. O que durante Outubro de 1917 eram somente erros graves atribuíveis à imaturidade do proletariado russo e de todo o movimento operário mundial frente à mudança de período histórico, acabou convertendo-se em biombo e justificação ideológicos da contra-revolução e ademais atuando a favor desta.

Entretanto, tanto o declínio da onda revolucionária na Rússia e no resto do mundo, quanto a degeneração da Terceira Internacional e do próprio partido bolchevique assim como o papel contra-revolucionário desempenhado por este último a partir de um determinado momento, só podem ser entendidos vendo esta onda revolucionária e a Terceira Internacional, inclusive seus componentes na Rússia, como autênticas manifestações do movimento proletário. Qualquer outra interpretação constitui um considerável fator de confusão e impede às correntes políticas que defendem estas expressões revolucionárias, o cumprimento de suas tarefas revolucionárias.

Embora não subsista nenhuma aquisição "material" destas experiências de classe, é unicamente compreendendo sua natureza que podemos e devemos destacar suas aquisições teóricas reais que são de grande importância. Em especial, a revolução russa constitui o único exemplo da tomada de poder político pelo proletariado (à parte da tentativa efêmera e desesperada da Comuna de Paris em 1871 e das experiências abortadas da Hungria e Baviera em 1919). Por isso contribuiu com ensinamentos vitais para a compreensão de dois problemas cruciais da Revolução Proletária: o conteúdo da revolução e a natureza da organização dos revolucionários.

15. A ditadura do proletariado

  • 8034 leituras

A tomada do poder político pelo proletariado à escala mundial, condição preliminar e primeira etapa da transformação revolucionária da sociedade capitalista, significa, em primeiro lugar, a destruição total do Estado Capitalista.

Com efeito, dado que a burguesia assenta nele a perpetuação de seu domínio de classe sobre a sociedade, da exploração e de seus privilégios sobre outras classes, em especial sobre a classe operária, este órgão está especialmente adaptado a sua função e não pode servir ao proletariado que não tem nenhum privilégio nem exploração a preservar.

Não existe uma "via pacífica ao socialismo": à violência de classe minoritária e exploradora exercida aberta ou hipocritamente, mas de forma cada vez mais sistemática pela burguesia, o proletariado deve opor sua própria violência revolucionária de classe.

Alavanca da transformação econômica da sociedade, a ditadura do proletariado, ou seja, o exercício exclusivo por este do poder político terá por tarefa expropriar à classe exploradora, socializando seus meios de produção e incorporando progressivamente toda a atividade econômica ao setor socializado. Apoiado em seu poder político o proletariado deverá atacar a economia política burguesa levando uma política econômica dirigida à abolição do trabalho assalariado e da produção mercantil no sentido da plena satisfação das necessidades humanas.

Durante este período de transição do capitalismo ao comunismo existem camadas e classes não exploradoras diferentes do proletariado que apóiam sua existência no setor não socializado da economia. Disso resulta a manutenção da luta de classes dada à persistência de interesses econômicos contraditórios na sociedade. Assim, surge o Estado destinado a impedir a destruição da sociedade rasgada ainda pelos conflitos entre as classes. Entretanto, com o desaparecimento progressivo dessas classes sociais pela integração de seus membros no setor socializado e, portanto, com a abolição de toda classe social, o Estado estará chamado a desaparecer.

A forma que toma a ditadura do proletariado é a dos Conselhos Operários, assembléias unitárias e centralizadas que englobam o conjunto da classe operária, com delegados escolhidos e revogáveis que permitem o exercício efetivo, coletivo e indivisível do poder pelo conjunto dela. Estes Conselhos deverão ter o monopólio das armas como garantia do poder político exclusivo da classe operária.

Unicamente a classe operária, em sua totalidade, pode exercer o poder no sentido da transformação comunista da sociedade: ao contrário de outras classes revolucionárias do passado ela não pode delegar seu poder a nenhuma instituição ou minoria, inclusive a organização dos revolucionários. Esta atua dentro dos Conselhos operários, mas ela não pode substituir a organização unitária da classe no cumprimento de suas tarefas históricas.

Igualmente, a experiência da Revolução Russa demonstrou a complexidade e a gravidade do problema colocado pelas relações entre classe e Estado no período de transição. No próximo período o proletariado e os revolucionários não poderão passar por cima deste problema, mas sim deverão lhe consagrar todos os esforços necessários para resolvê-lo.

A ditadura do proletariado implica na absoluta subtração deste, enquanto classe, a toda submissão a forças exteriores e ao estabelecimento de relações de violência em seu seio. No Período de Transição o proletariado é a única classe revolucionária da sociedade. Sua consciência, sua coesão e sua ação autônoma são a garantia essencial possível do resultado comunista de sua ditadura.

16. A organização dos revolucionários

  • 5299 leituras

A) Organização e consciência de classe

Toda classe que luta contra a ordem social de sua época não pode fazê-lo eficazmente se não der à sua luta uma forma organizada e consciente. Isto já era válido para camadas como camponeses ou escravos que não eram portadores de nenhum futuro histórico, qualquer que fosse o grau de imperfeição e alienação de suas formas de organização e consciência. Mas esta necessidade se aplica com maior razão às classes históricas portadoras das novas relações de produção que necessitam da evolução da sociedade. Entre elas, o proletariado é a única classe que não dispõe na velha sociedade de nenhum poder econômico que antecipe sua futura dominação. Por isso a organização e a consciência são fatores muito mais decisivos de sua luta.

A forma de organização que a classe se dá para sua luta revolucionária e para o exercício de seu poder político são os Conselhos Operários. Mas se é o conjunto da classe que é o sujeito da revolução e que se reagrupa nestes órgãos no momento desta, isso não significa que o processo de sua tomada de consciência seja simultâneo e homogêneo.

A consciência da classe se forja através de suas lutas, construindo-se em um difícil caminho de êxitos e derrotas. Esta deve fazer frente às divisões por categorias e nações que constituem o marco natural do capitalismo e que este está totalmente interessado por mantê-las no seio do proletariado.

B) Os revolucionários e sua função

Os revolucionários são os primeiros elementos da classe operária que, através deste processo heterogêneo, dão-se "uma inteligência nítida das condições, a marcha e os fins gerais do movimento proletário" (do "Manifesto Comunista") e, como na sociedade capitalista "as idéias dominantes são as idéias da classe dominante" (idem.) eles constituem forçosamente uma minoria da classe.

Produto da classe, manifestação do processo de sua tomada de consciência, os revolucionários só podem existir como tais organizando-se e constituindo um fator ativo deste processo. Para cumprir esta tarefa e de forma indissociável a organização dos revolucionários:

  • Participa de todas as lutas da classe nas quais seus membros se distinguem por ser os elementos mais decididos e combativos;
  • Intervêm nelas pondo sempre em primeiro plano os interesses gerais e os objetivos finais de seu movimento;
  • Para essa intervenção e como parte integrante desta, consagram-se de maneira permanente ao trabalho de reflexão e elaboração teórica; só este trabalho permite que sua atividade geral se apóie realmente sobre toda a experiência passada da classe e sobre suas perspectivas de futuro que ele desempenha.

C) As relações entre a classe operária e a organização dos revolucionários

Embora a organização geral da classe e a organização dos revolucionários formem parte de um mesmo movimento, isto não impede que sejam duas coisas distintas.

A primeira, a organização dos Conselhos, agrupa ao conjunto da classe: o único critério de pertencer a ela é o de ser trabalhador.

A segunda, pelo contrário, não agrupa mais que os elementos revolucionários da classe. O critério de pertencer e esta não é sociológico, mas político: o acordo com o programa e o compromisso de defendê-lo. Por isso podem tomar parte da vanguarda da classe indivíduos que não formam parte dela sociologicamente mas que, rompendo com sua classe de origem, fazem seus os interesses históricos do proletariado.

Entretanto, embora a classe e a organização de vanguarda são duas coisas bem distintas, isto não significa que estejam separadas, sejam estranhas uma à outra ou opostas como pretendem de um lado as correntes "leninistas" e de outro as correntes "conselhistas" e "obreristas". O que ambas as concepções querem esquecer é que longe de enfrentar-se ou opor-se, estes dois elementos - a classe e os revolucionários - são de fato complementares em uma relação do todo com as partes. Entre a primeira e os segundos não podem existir jamais relações de força, posto que "os comunistas não têm interesses distintos aos do conjunto do proletariado" (idem).

Como parte que são da classe operária, os revolucionários não podem em nenhum momento substituí-la, nem em suas lutas dentro do capitalismo nem, com maior razão até, na tarefa de destruir o capitalismo e de exercer a ditadura do proletariado. Contrariamente a outras classes revolucionárias do passado, a obra histórica que deve realizar o proletariado não pode fazer-se somente com a consciência de uma minoria, por muito clara que esta seja, mas exige em cada momento a participação consciente e a atividade criadora do conjunto da classe.

A consciência generalizada é a única garantia da vitória da revolução proletária e, dado que é essencialmente resultado da experiência prática, a atividade do conjunto da classe é insubstituível. Em particular o uso que a classe deve fazer da violência não pode ser uma atividade separada do movimento geral da classe. Por isso, o terrorismo individual ou o de grupos isolados é absolutamente alheio aos métodos da classe e constitui, no melhor dos casos, uma manifestação do desespero pequeno burguês, quando não um método cínico da luta entre as frações da burguesia. Quando faz sua aparição dentro da luta proletária, expressa influências alheias a esta e só pode enfraquecer as bases mesmas do desenvolvimento da consciência da classe.

A auto-organizacão das lutas da classe e o exercício do poder por ela mesma não é uma das vias do comunismo, que se poderia pôr ao mesmo nível que outras, mas sim é a ÚNICA VIA.

A organização dos revolucionários (cuja forma mais avançada é o partido) é um órgão necessário que a classe se dá para o desenvolvimento da tomada de consciência de seu futuro histórico e para a orientação política de seu combate para esse futuro. Por isso, a existência do partido e sua atividade constituem uma condição indispensável para a vitória final do proletariado.

D) A autonomia da classe operária

Por outra parte, o conceito "autonomia de classe" tal como é compreendido pelas correntes "anarquistas" e "obreiristas", que dizem opor-se às concepções "substitucionistas", tem neste caso um conteúdo reacionário e pequeno burguês. Além do que a "autonomia" fica reduzida para estas correntes à autonomia de pequenas seitas que pretendem representar a classe operária da mesma forma que o fazem as correntes "substitucionistas" que elas denunciam, suas concepções comportam dois aspectos principais:

  • A rejeição de todos os partidos e organizações políticas, quaisquer que sejam.
  • A autonomia de cada fração da classe operária (fábrica, bairro, região, nação, etc) em relação às outras: o "federalismo".

Atualmente tais noções são, no melhor dos casos, uma reação primária contra o burocratismo stalinista e o desenvolvimento do totalitarismo estatal. No pior, a expressão política do isolamento e da divisão da própria pequena burguesia. Ambos os casos traduzem uma incompreensão total de três aspectos fundamentais da luta revolucionária do proletariado:

  • A importância e a prioridade das tarefas políticas da classe: destruição do Estado capitalista, ditadura mundial do proletariado, etc;
  • A importância e o caráter indispensável da organização dos revolucionários dentro da classe.
  • O caráter unitário, centralizado e mundial da luta revolucionária da classe operária.

Para nós, marxistas, a autonomia da classe significa sua independência em relação às demais classes da sociedade. Esta autonomia é CONDIÇÃO INDISPENSÁVEL para a ação revolucionária da classe na medida em que o proletariado é hoje a única classe revolucionária. Esta independência se manifesta tanto no plano organizativo (organização dos Conselhos Operários) como nos planos político e programático e, portanto, contra o que pensam as correntes obreiristas, em estreita relação com sua vanguarda comunista.

E) A organização dos revolucionários nos diferentes momentos da luta de classes

A organização geral da classe e a organização dos revolucionários são duas coisas diferentes. Não só quanto a sua função, mas também quanto às circunstâncias de sua aparição. Os Conselhos Operários só aparecem nos períodos de enfrentamento revolucionário, quando todas as lutas da classe tendem para a derrubada do poder. Pelo contrário, o esforço de tomada de consciência da classe existe continuamente desde suas origens e existirá sempre até seu desaparecimento na sociedade comunista. Assim, existem em todos os períodos, minorias revolucionárias que são expressão deste esforço constante. Mas a amplitude, a influência, o tipo de atividade e o modo de organização destas minorias estão em estreita relação com as condições da luta de classes.

Nos períodos de atividade intensa da classe, estas minorias têm uma influência direta sobre o curso prático desta atividade. Pode-se falar aí de partido para designar a organização desta vanguarda. Pelo contrário, nos períodos de retrocesso ou de vazio da luta de classes, os revolucionários não têm uma influência imediata sobre o curso da História. Então só podem existir organizações de tamanho muito mais reduzido cuja função não seria influir sobre o movimento imediato, mas resistir face a este, o que as leva a lutar contra corrente dentro de uma classe paralisada e arrastada pela burguesia a seu terreno (colaboração de classe, união sagrada, antifascismo, resistência patriótica, etc.) Sua tarefa essencial consiste em, tirando lições das experiências anteriores, preparar o quadro teórico e programático do futuro partido proletário, que deverá ressurgir no futuro desenvolvimento revolucionário da classe. Em certa medida estes grupos e frações que, em um momento de retrocesso da luta se destacaram do partido em degeneração ou lhe sobrevivem, têm o papel de constituir a ponte política e orgânica até seu próximo ressurgimento.

F) O modo de organização dos revolucionários

A natureza necessariamente mundial e centralizada da revolução proletária confere ao partido da classe operária esse mesmo caráter mundial e centralizado, e as frações ou grupos que trabalham por sua reconstrução tendem necessariamente para uma centralização mundial. Isto se concretiza na eleição de órgãos centrais, investidos de responsabilidades políticas entre congresso e congresso, ante os quais são responsáveis.

A estrutura que se dá à organização dos revolucionários deve levar em consideração duas necessidades fundamentais:

  • Permitir o pleno desenvolvimento da consciência revolucionária em seu seio e, portanto o debate o mais amplo possível de todas as questões e desacordos que surgem em uma organização não monolítica.
  • Assegurar, ao mesmo tempo, sua coesão e sua unidade de ação, especialmente mediante a aplicação por todas as partes da organização das decisões adotadas majoritariamente.

Da mesma maneira, as relações que se estabelecem entre as diferentes partes e os diferentes militantes da organização arrastam consigo, necessariamente, os estigmas da sociedade capitalista, e não podem constituir uma ilhota de relações comunistas dentro deste sistema. Entretanto não podem existir em contradição com o objetivo prosseguido, por isso deve apoiar-se necessariamente sobre a solidariedade e a mútua confiança que são uns dos marcos de pertencer a uma organização da classe portadora do comunismo.


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