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Alguns historiadores assalariados do capital estão cheios de elogios hipócritas à "iniciativa" e inclusive à "energia revolucionária" dos operários e seus órgãos de luta de massas, os conselhos operários. Estão cheios de compreensão pelo desespero dos operários, soldados e camponeses, diante dos sacrifícios da "Grande guerra". Porém, sobretudo se apresentam como os verdadeiros defensores da "autêntica Revolução russa", contra sua suposta destruição que os bolcheviques teriam levado a cabo. Em outras palavras, no centro do ataque burguês contra a Revolução russa está a oposição entre "Fevereiro" e "Outubro" de 1917, opondo assim o inicio e a conclusão da luta pelo poder que é a essência de toda grande revolução.
A hipocrisia dos que defendem a Revolução de Fevereiro para atacar a de Outubro
Rememorando o caráter explosivo, espontâneo e massivo das lutas que começaram em fevereiro de 1917, quer dizer, as greves de massas, os milhões de pessoas que tomaram as ruas, as explosões de euforia pública, e o feito de que o próprio Lênin declarara de que a Rússia neste período era o país mais livre da Terra, a burguesia opõe a isto os acontecimentos de Outubro, onde havia pouca espontaneidade, onde se planejavam as ações com antecedência, não havia greves, nem manifestações na rua, nem assembléias de massas durante a rebelião, quando se tomou o poder por meio das ações de uns poucos milhares de homens armados na capital, sob o comando de um Comitê militar revolucionário, diretamente inspirado pelo Partido bolchevique. E então conclui: Não provaria tudo isto que Outubro só foi um golpe dos bolcheviques? Um golpe contra a maioria dea população, contra a classe operária, contra a história, contra mesmo a natureza humana? E tudo isto, nos dizem, é o resultado de "uma louca utopia marxista", que só podia sobreviver através do terror, que leva diretamente ao stalinismo.
Segundo a classe dominante, a classe operária na Rússia não queria nada mais que o que lhe havia prometido o regime de Fevereiro: uma "democracia parlamentar", disposta a "respeitar os direitos humanos", e um governo que, ao mesmo tempo que continuava a guerra, se declarava "partidário de uma paz rápida e sem anexações". Dito de outra forma, a burguesia quer nos fazer acreditar que o proletariado russo lutava para a mesma situação de miséria que sofre atualmente o proletariado moderno. Se o regime de Fevreiro não tivesse sido derrubado em outubro, vêem nos dizer, a Rússia seria hoje um país tão próspero e poderoso como os EUA, e o desenvolvimento do capitalismo no século XX teria sido pacífico.
O que expressa realmente esta hipócrita defesa do caráter espontâneo dos acontecimentos de fevereiro é o ódio e o medo que os exploradores de todos os países sentem pela revolução de Outubro. A espontaneidade da greve de massas, o reagrupamento de todo o proletariado nas ruas e nas assembléias gerais, a formação dos conselhos operários no calor da luta, são momentos essenciais na luta de libertação da classe operária. "Indubitavelmente, a espontaneidade do movimento é um sintoma de sua profundidade entre as massas, da consistência de suas raízes, de sua invencibilidade", como resaltou Lenin [1]. Porém na medida em que a burguesia continua sendo a classe dominante, em que as forças políticas e armadas do Estado capitalista permanecem intactas, ainda é possível que contenha, neutralize e dissolva as forças de seu inimigo de classe. Os conselhos operários, esses poderosos instrumentos da luta operária, que surgiram mais ou menos espontaneamente, não são, contudo nem os únicos, nem necessariamente as mais altas expressões da revolução proletária. Predominam nas primeiras etapas do processo revolucionário. A burguesia contrarrevolucionária os infla precisamente para apresentar o inicio da revolução como seu ponto culminante, sabendo que é bem fácil esmagar uma revolução que se detém a meio caminho.
Porém a revolução russa não se deteve na metade do caminho. Indo até o final, ao completar o que começou em fevereiro, a Revolução russa confirmou a capacidade da classe operária para construir paciente, consciente e coletivamente, não só "espontaneamente", mas também de forma deliberada, planificada estratégicamente, os instrumentos que requerem para a tomada do poder: seu partido de classe marxista e seus conselhos operários, galvanizados em torno de um programa de classe e uma vontade real de governar a sociedade, e a estratégia e os instrumentos específicos da insurreição proletária. Esta unidade entre a luta política de massas e a tomada militar do poder, entre o espontâneo e o planificado, entre os conselhos operários e o partido de classe, entre as ações de milhões de operários e as de audazes minorias da classe avançadas, é a essência da revolução proletária. Esta unidade é a que tenta dissolver hoje a burguesia com suas calúnias contra o bolchevismo e a insurreição de Outubro.
A destruição do Estado capitalista, a derrubada do governo de classe da burguesia, o princípio da revolução mundial: estes são os êxitos gigantescos de Outubro de 1917, o maior e mais consciente, o mais atrevido capítulo até agora em toda a história da humanidade. Outubro fez em pedaços séculos de servidão engendrado pela sociedade de classes, demostrando que, pela primeira vez na história, existe uma classe que é ao mesmo tempo classe explorada e revolucionária. Uma classe capaz de governar a sociedade abolindo o governo das classes, capaz de libertar a humanidade de sua "pré-história" de submissão a forças sociais cegas. Essa é a verdadeira razão porque a classe dominante até agora, e agora mais que nunca, difunde a imundice de suas mentiras e calúnias sobre Outubro vermelho, o acontecimento "mais odiado" da história moderna, porém que é, de fato, o orgulho da consciência de classe do proletariado. Pretendemos demostrar que a insurreição de Outubro, que os porta-vozes e escreventes do capital chamam um "golpe", foi o ponto culminante, não só da Revolução russa, mas de toda a luta de nossa classe até então. Como escreveu Lênin em 1917: "O fato de que a burguesia nos odeie com tanto furor é um dos sintomas mais evidentes de que indicamos com acerto ao povo o caminho e os meios para derrubar o dominio da burguesia" [2].
"A crise está madura"
Em 10 de outubro de 1917, Lênin, o homem mais procurado do país, assediado pela polícia por todas as partes da Rússia, compareceu à reunião do Comitê central do Partido bolchevique em Petrogrado, disfarçado com peruca e óculos, e escreveu a siguinte resolução em uma página de um caderno escolar:
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"O CC reconhece que tanto a situação internacional da Revolução russa (insurreição na frota alemã como manifestação extrema da marcha ascendente em toda Europa da revolução socialista mundial; e por outro lado, a ameaça de que a paz imperialista estrangule a revolução na Rússia), como a situação militar (decisão indubitável da burguesia russa e de Kerenski e companhia de entregar Petrogrado aos alemães) e a conquista pelo partido proletário da maioria dentro dos sovietes; unindo tudo isso a insurreição camponesa e a virada da confiança do povo para nosso Partido (eleições de Moscou), e, finalmente, a preparação manifesta de uma segunda korniloviada (evacuação das tropas de Petrogrado, envio de cosacos a Petrogrado, cerco de Minsk pelos cosacos, etc.), põem à ordem do dia a insurreição armada. Reconhecendo, pois, que a insurreição armada é inevitavel e se acha plenamente madura, o CC solicita a todas as organizações do Partido se guiar por isto e a examinar e resolver a partir deste ponto de vista todos os problemas práticos (Congresso dos Sovietes da região do Norte, evacuação das tropas de Petrogrado, ações em Moscou e Minsk, etc.)" [3].
Exatamente quatro meses antes, o Partido bolchevique havia freado deliberadamente o ímpeto combativo dos operários de Petrogrado, a quem as classes dominantes impulsionou a um enfrentamento isolado e prematuro com o Estado. Uma situação assim, devia ter levado sem a menor dúvida a decapitação do proletariado russo na capital e a que seu partido de classe fosse dizimado. O partido, superando suas próprias dúvidas internas, se aprestava firmemente em "... mobilizar todas suas forças para imprimir nos operários e nos soldados a necessidade incondicional de uma última luta desesperada e resoluta para derrubar o governo de Kerenski". Em 29 de setembro declarava: "A crise está madura. Está em jogo todo o futuro da Revolução russa. Está em jogo toda a honra do Partido bolchevique. Está em jogo todo o futuro da revolução operária internacional pelo socialismo".[4]
A explicação da atitude completamente diferente do Partido em outubro, oposta à de julho, está contida na resolução mencionada antes com uma brilhante claridade e audácia marxista. O ponto de partida, como sempre para o marxismo, é a análise da situação internacional, a avaliação da relação de forças entre as classes e as necessidades do proletariado mundial. A diferença da situação em julho de 1917, a resolução faz notar que o proletariado russo já não está só; que a revolução mundial havia começado nos países centrais do capitalismo. "Dêem uma olhada na situação internacional. O crescimento da revolução mundial é indiscutivel. A explosão de revolta dos operários Tchecos tem sido sufocada com incrível ferocidade, indicadora do extremado temor do governo. Na Itália as coisas tem chegado também a um estouro massivo em Turim. Porém o mais importante é a rebelião da frota alemã" [5]. É responsabilidade da classe operária na Rússia, não só aproveitar a oportunidade para romper seu isolamento internacional, imposto até então pela guerra mundial, mas sobretudo estender as chamas da insurreição na Europa ocidental, começando a revolução mundial.
Contra a minoria de seu próprio partido que ainda fazia eco da argumentação menchevique pseudomarxista, contrarrevolucionária, de que a revolução deveria começar em um país mais avançado, Lênin mostrou que, na realidade, as condições na Alemanha eram muito mais difíceis que na Rússia e que o verdadeiro significado histórico da revolução na Rússia era ajudar a desenvolver a revolução na Alemanha. "Os alemães, em condições diabólicamente dificeis, com só um Liebknecht (e, além disso, no presídio); sem jornais, sem liberdade de reunião, sem sovietes; com uma hostilidade incrível à idéia do internacionalismo por parte de todas as classes da população - incluindo o último camponês adaptado; com uma formidável organização da burguesia imperialista grande, média e pequena; os alemães, ou melhor, os revolucionários internacionalistas alemães, os operários com capas de marinheiros, têm organizado uma rebelião na frota com um por cento de probabilidades de êxito. Nós, em troca, com dezenas de jornais, com liberdade de reunião, com a maioria nos sovietes; nós, os internacionalistas proletários colocados nas melhores condições de todo o mundo, nos negaríamos a apoiar com nossa insurreição os revolucionários alemães. Raciocinaríamos como os Scheidemann e os Renaudel: o mais sensato é não revoltar-se, pois senão nos metralham que excelentes, que judiciosos, que ideais internacionalistas perderá o mundo!! Demostremos nossa sensatez. Aprovemos uma resolução de simpatia com os insurgentes alemães e recusemos a insurreição na Rússia. Isso será internacionalismo autêntico, sensato" [6].
Esta posição e este método internacionalista, exatamente o oposto à posição burguesa nacionalista que desenvolveu o stalinismo durante a contrarrevolução, não era exclusiva do Partido bolchevique nessa época, senão a propriedade comum dos operários avançados da Rússia com sua educação política marxista. Assim, em começos de outubro, os marinheiros revolucionários da frota do Báltico proclamaram através das estações de rádio de seus barcos aos confins da terra a siguinte convocação: "Neste momento em que as ondas do Báltico estão manchadas de sangue dos nossos irmãos, levantamos nossa voz: ... Povos oprimidos de todo o mundo! icem a bandeira da revolta!". Porém a avaliaçao das forças de classes a nivel mundial que faziam os bolcheviques não se limitava a examinar o estado do proletariado internacional, mas expressava uma clara compreensão da situação global do inimigo de classe. Baseando-se sempre em um enraizado e profundo conhecimento da história do movimento operário, os bolcheviques sabiam, pelo exemplo da Comuna de Paris de 1871, que a burguesia imperialista, inclusive em plena guerra mundial, unificaria suas forças contra a revolução.
"Não demonstra a completa inatividade da marinha inglesa em geral, assim como dos submarinos ingleses durante a tomada de Osel pelos alemães, em relação com o plano do Governo de transferir-se de Petrogrado para Moscou, que se há forjado um complô entre os imperialistas russos e ingleses, entre Kerenski e os capitalistas anglo-franceses, para entregar Petrogrado aos alemães e, desta forma, estrangular a revolução russa?", pregunta-se Lenin, e acrescenta, "A resolução da Seção de soldados do Soviete de Petrogrado contra a evacuação do Governo de Petrogrado mostra que também entre os soldados amadurece o convencimento do complô de Kerenski" [7]. Em agosto, sob Kerenski e Kornilov, a Riga revolucionária foi entregue aos pés do kaiser Guillermo II. Os primeiros rumores de uma paz em separado entre Grã-Bretanha e Alemanha contra a Revolução russa alarmaram Lenin. O objetivo dos bolcheviques não era a "paz", senão a revolução, posto que sabiam, como verdadeiros marxistas, que o "cessar fogo" capitalista só podia ser um intervalo entre duas guerras mundiais. Era esta visão comunista da espiral inevitavel da barbárie que o capitalismo decadente em falência histórica, reservava a humanidade o que impulsionava agora a bolchevismo na corrida contra o relógio para cessar a guerra por meios revolucionários proletários. Ao mesmo tempo, os capitalistas começavam a sabotar a produção em todas as partes para desacreditar a revolução. Estes feitos, no entanto, no fim das contas contribuíram para os operários em destruir o mito burguês patriota da "defesa nacional", segundo o qual, a burguesia e o proletariado da mesma nação, têm um interesse comum em repelir o "agressor" estrangeiro. Isto explica também porque, em outubro, a preocupação dos operários já não era desencadear a greve de massas, mas manter a produção em marcha contra a tentativa de ataque da burguesia a suas próprias fábricas.
Entre os fatores que foram decisivos para levar a classe operária à insurreição está o fato de que a revolução estava ameaçada por novos ataques contrarrevolucionários, e que os operários, sobretudo os principais sovietes, apoiavam agora os bolcheviques. Esses dois fatores eram o fruto direto da confrontação de massas mais importante entre julho e outubro de 1917: o golpe de Kornilov em agosto. Sob da direção dos bolcheviques, o proletariado interrompeu a marcha de Kornilov a capital, essencialmente ganhando a suas tropas, e sabotando seu transporte e logística graças aos operários das ferroviárias, do correio e outros. Nesta ação, durante a qual os sovietes se revitalizaram como organização revolucionária de toda a classe, os operários descubriram que o Governo provisório de Petrogrado, dirigido pelo socialista revolucionário Kerenski e pelos mencheviques, estava envolvido no complô contrarrevolucionário. A partir desse momento, os operários compreenderam que esses partidos haviam se convertido em uma verdadeira "ala esquerda do capital", e começaram a se pender para os bolcheviques.
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"Toda a arte tática consiste em saber aproveitar o momento em que a combinação das condições é mais favorável. A sublevação de Kornilov preparara definitivamente estas condições. As massas, que tinham perdido a confiança nos partidos da maioria soviética, viram o perigo de contra-revolução com os próprios olhos. Consideraram que cabia agora aos bolcheviques encontrar uma saída para a situação" [8].
O teste mais claro que dá prova das qualidades revolucionárias de um partido operário é sua capacidade para explicar a questão do poder. "Ora, a mudança mais brusca é aquela em que o Partido do proletariado passa da preparação, propaganda, organização e agitação para a luta direta pelo poder, à insurreição armada contra a burguesia. Tudo o que há de irresoluto, cético, conciliador e capitulacionista no interior do Partido, ergue-se contra a insurreição" [9].
Porém o Partido bolchevique superou esta crise, envolvendo se firmemente na luta armada pelo poder e demostrando assim suas qualidades revolucionárias sem precedente.
O proletariado toma o caminho da insurreição
Em fevereiro de 1917 se estabeleceu uma situação denominada de "duplo poder". Junto ao Estado burguês, e oposto a ele, os conselhos operários apareciam como um governo potencial alternativo da classe operária. Posto que na realidade não possam coexistir dois governos opostos de duas classes inimigas, posto que necessariamente uma tenha que destruir a outra para impor-se à sociedade, esse período de duplo poder é necessariamente curto e instável. Essa fase não se caracteriza, desde já, por uma "coexistência pacífica" ou uma mútua tolerância. Poderá ter uma aparência de equilíbrio social. Na realidade é uma etapa decisiva na guerra civil entre o trabalho e o capital.
A falsificação burguesa da história está obrigada a mascarar a luta de vida ou morte das classes que teve lugar entre fevereiro e outubro de 1917 para apresentar a revolução de Outubro como um "golpe bolchevique". Um prolongamento "anormal" desse período de "duplo poder" teria significado necessariamente o fim da revolução e de seus órgãos. Os sovietes são reais unicamente "como órgão de insurreição, como órgão do poder revolucionário. Fora disso, os sovietes não são mais que um mero joguete que só pode produzir apatía, indiferença e decepção entre as massas, que estão legitimamente fartas da interminável repetição de resoluções e protestos" [10]. Ainda que a insurreição proletária não fosse mais espontânea que o golpe militar contrarrevolucionário, nos meses que antecederam a outubro, ambas classes manifestaram repetidamente sua tendência espontânea à luta pelo poder. As Jornadas de julho e o golpe de Kornilov só foram as manifestações mais claras. A mesma insurreição de Outubro na realidade começou não com um sinal do Partido bolchevique, mas com o intento do governo burguês de enviar as tropas mais revolucionárias, dois terços da guarnição de Petrogrado, a frente de guerra, com a intenção de substituí-los por batalhões contrarrevolucionários. Dito de outra forma, a burguesia começou, apenas algumas semanas depois da kornilovada, com um novo intento de esmagar a revolução, obrigando o proletariado a tomar medidas insurrecionais para defendê-la.
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"No entanto, o desenlace da insurreição de 25 de Outubro pré-determinara-se já, pelo menos em três quartas partes, no momento em que, opondo-nos ao afastamento da guarnição de Petrogrado, criamos o Comitê Militar Revolucionário (7 de Outubro), nomeamos os nossos comissários para todas as unidades e instituições militares e, por isso mesmo, isolamos completamente, não só o estado-maior da circunscrição militar de Petrogrado, mas também o governo... A partir do momento em que, por ordem do Comitê Militar Revolucionário, os batalhões se recusaram a abandonar a cidade, estava-se diante de uma insurreição vitoriosa na capital" [11].
Ademais, este Comitê militar revolucionário, que tinha de conduzir as ações militares decisivas de 25 de outubro, não só não era um órgão do Partido bolchevique, mas que em sua origem foi proposto pelos partidos de "esquerda" contrarrevolucionários como um meio para impor precisamente a retirada das tropas da capital sob a autoridade dos sovietes; porém foi trasformado imediatamente pelo soviete em um instrumento não só para opor-se a esta medida, mas para organizar a luta pelo poder.
"Não, o poder dos sovietes não era uma quimera, uma construção arbitraria, a invenção dos teóricos do Partido. Subia, irresistivelmente. de baixo da desordem econõmica da impotência dos possuidores das necessidades das massas; os sovietes, transformavam-se, na verdade, no poder para os operãrios, o soldados, os camponeses não existia outro caminho. A respeito do poder dos sovietes, não era mais tempo de procurar raciocinios e objeções; era necessário realizá-lo" [12]. A lenda de um golpe bolchevique é uma das maiores mentiras da história. De fato, a insurreição se anunciou públicamente de antemão aos delegados revolucionários eleitos. O discurso de Trotski em 18 de outubro à Conferência da guarnição é uma ilustração disto: "A burguesia sabe que o Soviete de Petrogrado proporá ao congresso dos Sovietes que tome o poder em mãos... Pressentindo a batalha inevitável, as classes burguesas se esforçam por desarmar Petrogrado... A primeira tentativa da contra-revolução para suprimir o Congresso responderemos por meio de uma contra-ofensiva que será implacável e que levaremos até o fim". O ponto 3 da resolução adaptada pela Conferência da guarnição, diz: "O Congresso Panrusso dos Sovietes deve tomar o poder em mãos e assegurar ao povo paz, terra e pão" [13]. Para assegurar que todo o proletariado apoiaria a luta pelo poder, a Conferência decidiu uma pacífica revisão de forças, que se celebraria em Petrogrado, antes do Congresso dos sovietes, e se basearia em assembléias de massas e debates : "Nas salas superlotadas, o auditório renovava-se durante horas e horas. Vagas e vagas, operários, soldados e marinheiros, espraiavam-se até os edifícios e inundavam-nos. Um tremor perpassou pelo pequeno povo da cidade, acordando-o com os gemidos e as advertências que realmente deviam provocar o medo. Dezenas de milhares de pessoas faziam submergir o enorme edifício da Casa do Povo, Espalhavam-se pelos corredores, pelos bufetes e pelos salões. Nos postes de ferro fundido, nas janelas, estavam suspensos, em guirlandas, pencas de cabeças humanas, de braços e de pernas, Havia no ar aquela carga de electricidade que anuncia próximos fragores. Abaixo Kerensky! Abaixo a guerra. O poder aos sovietes. Nem um dos conciliadores ousou aparecer diante das multidões ardentes para opor-lhes objecções ou fazer advertências. A palavra pertencia aos bolcheviques" [14].Trotski acrescenta: "A experiência da Revolução, da guerra, de uma luta dura, de toda uma vida amarga, emerge das profundezas da memória de todos os homens esmagados pela necessidade, e cunha-se nas palavras de ordem simples e imperiosa. Aquilo não podia continuar assim. Era preciso abrir uma passagem para o futuro".
O Partido não inventou este "desejo de poder" das massas, porém o inspirou e deu ao proletariado confiança em sua capacidade para governar. Como escreveu Lenin depois do golpe de Kornilov: "Deixemos a esses de pouca fé aprender deste exemplo. Vergonha aos que dizem: "não temos nenhuma máquina com que substituir a velha, que funciona inexoravelmente fazendo a defesa da burguesia". Pos temos uma máquina. Trata-se dos sovietes. Não temamos a iniciativa e a independência das massas. Confiemos nas organizações revolucionárias das massas e veremos em todas as esferas da vida do Estado o mesmo poder, majestade e vontade inquebrantável dos operários e camponeses que tem mostrado sua solidariedade e entusiasmo contra a kornilovada" [15].
A tarefa do momento: demolir o Estado burguês
A insurreição é um dos problemas mais cruciais, complexos e exigentes, que o proletariado tem que resolver se quer cumprir sua missão histórica. Na revolução burguesa esta questão é muito menos decisiva, posto que a burguesia podia basear sua luta pelo poder sobre o poder que já tinha conquistado a nivel político e econômico no seio da sociedade feudal. Durante sua revolução, a burguesia deixou a pequena burguesia e a jovem classe operária combater por ela. Quando se dissipava a fumaça da batalha, a burguesia amiude prefiriu entregar seu recém-conquistado poder às antigas classes feudais, agora aburguesadas e domesticadas, posto que por tradição estas tinham a autoridade de sua parte. O proletariado, ao contrário, não tem nenhuma propriedade nem poder econômico dentro do capitalismo, e não pode delegar, nem sua luta pelo poder, nem a defesa de seu governo de classe a nenhuma outra classe nem setor da sociedade. Tem que tomar ele mesmo o poder, arrastando, atrás sua liderança, à outros estratos da sociedade, e aceitando a plena responsabilidade, assumindo as consequências e os riscos de sua luta. Na insurreição, o proletariado revela e descobre mais claro que nunca, o "segredo" de sua própria existência como a primeira e a última classe explorada e revolucionária da história. Não é de estranhar que a burguesia se dedique a censurar a memória de Outubro!
A tarefa primordial do proletariado, de fevereiro em diante, foi conquistar os corações e as mentes de todos aqueles setores que pudessem ser ganhos para sua causa, e que de outro modo poderiam ser utilizados contra a revolução: os soldados, os camponeses, os funcionários do Estado, os empregados de transportes e comunicações, e inclusive os serventes da burguesia. Às vésperas da insurreição já se havia completado esta tarefa.
A tarefa da insurreição era bastante diferente: a de romper a resistência desses corpos de Estado e formações armadas que não podiam ser ganhos para a causa do proletariado, e cuja existência contínua contém o núcleo da contrarrevolução mais bárbara. Para romper esta resistência, para demolir o Estado burguês, o proletariado tem que criar uma força armada e colocá-la sob sua própria direção de classe com disciplina de ferro. Ainda que estivessem dirigidas pelo proletariado, as forças insurreicionais de 25 de outubro estavam compostas essencialmente de soldados que obedeciam sua órdens. "A Revolução de Outubro foi a luta do proletariado contra a burguesia pelo poder. Foi, todavia, o mujique quem decidiu, afinal de contas, o resultado da luta... O que deu, na capital, á insurreição, o carácter de um golpe desferido rapidamente e com um mínimo de vítimas, foi a combinação do complô revolucionário da insurreição proletária com a luta da guarnição camponesa para a sua própria salvaguarda. O Partido dirigia a insurreição: a principal força motriz era o proletariado; os destacamentos operários armados representavam o punho fechado para o choque; mas o resultado da luta deveria ser decidido pela guarnição camponesa, difícil de sublevar" [16]. Na realidade, o proletariado pôde tomar o poder porque foi capaz de mobilizar outros estratos sociais atrás do seu próprio projeto de classe: exatamente o oposto a um "golpe".
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"Quase não houve manifestações, combates de rua, barricadas, tudo quanto se entende geralmente por insurreição; a Revolução não tinha necessidade de resolver um problema que já estava resolvido. A tomada do aparelho governamental poderia ser efetuada segundo um plano, com o auxílio dos destacamentos armados, relativamente pouco numerosos, partindo de um centro único (...) Em Outubro, a calma nas ruas, a ausência de multidão, a inexistência de combates davam, ao adversário, motivos para falar em conspiração de uma minoria insignificante, em espírito de aventura de um punhado de bolcheviques (...) Na verdade, os bolcheviques, no último momento da luta pelo poder, poderiam reduzir tudo a um "complô", não porque fóssem uma pequena minoria, mas, ao contrário, porque tinham. atrás dêles, nos bairros operários e nas casernas, uma esmagadora maioria, fortemente agrupada, organizada, disciplinada" [17].
Eleger o momento adequado: pedra angular da luta pelo poder
Tecnicamente falando, a insurrecição comunista é uma simples questão de organização militar e de estratégia. Politicamente, é a tarefa mais exigente que se possa imaginar. E o mais difícil de tudo é eleger o momento adequado da luta pelo poder. O principal perigo era uma insurreição prematura. Por volta de setembro, Lênin já estava chamando incessantemente a preparação imediata da luta armada, e declarando: "Agora ou nunca!".
É impossível dispor a vontade de uma situaçao revolucionaria. "Caso os bolcheviques não tivessem tomado o poder em outubro-novembro, por certo, Jamais o teriam tomado. Ao invés de uma direção firme, as massas teriam encontrado, entre os bolcheviques, sempre as mesmas divergências fastidiosas entre a palavra e a ação, e afastar-se-iam do partido que iludira suas esperanças durante dois ou três meses, assim como se afastaram dos socialistas-revolucionários e dos mencheviques" [18]. Por isso, Lenin, ao combater o perigo de atrasar a luta pelo poder, não só salientava os preparativos contrarrevolucionários da burguesia mundial, mas, sobretudo, advertia contra os efeitos desastrosos das vacilações para os operários, que estavam quase desesperados. "O povo faminto poderia começar a demolir tudo ao seu redor de forma puramente anarquista, se os bolcheviques não fossem capazes de conduzí-lo a batalha final. Não se pode esperar sem correr o risco de ajudar a confabulação de Rodzianko com Guillermo e de contribuir à ruina completa, com a fuga geral dos soldados, se estes (próximos já a desmoralização) chegam ao desespero completo e abandonam tudo a sua sorte" [19].
Eleger o momento adequado também requer uma avaliação exata, não só da correlação de forças entre a burguesia e o proletariado, mas tambiém da dinâmica das camadas intermediárias. "Uma situação revolucionária não é eterna. De tôdas as premissas de urna insurreição, a menos estável é o estado de espirito da pequena burguesia. Em épocas de crise nacional ela segue a classe que, não apenas pela palavra como também pela ação, lhe inspira confiança. Capaz de entusiasmos impulsivos, até mesmo de delírios revolucionários, a pequena burguesia não tem resistência, perde fàcllmente a coragem em caso de insucesso e das ardentes esperanças cai na desilusão. E são, precisamente, as violentas e ràpidas mudanças dos estados de ânimo que dão tamanha instabilidade a cada situação revolucionária. Se o partido proletário não tem suficiente resolução para transformar, em tempo, a expectativa e as esperanças das massas populares em ação revolucionária, o fluxo é cedo substituido pelo refluxo: as camadas intermediárias viram as costas à revolução e procuram um salvador no campo oposto" [20].
A arte da insurreição
Na sua luta para persuadir o Partido da necessidade imperiosa de uma insurreição imediata, Lenin retomou as reflexões de Marx (em Revolução e contrarrevolução na Alemanha) sobre a questão da insurreição como uma arte, "que, como a arte da guerra ou outras, está sujeita a certas regras cuja negligência leva à submersão do partido responsável." Segundo Marx, a regra mais importante é não parar nunca na metade do caminho uma vez que tenha começado a insurreição; manter sempre a ofensiva posto que " a defensiva é a morte de toda sublevação armada"; surpreender o inimigo e desmoralizá-lo por meio de êxitos cotidianos, "ainda que sejam pequenos", obrigando-o a bater-se em retirada; "em poucas palavras, segundo Danton, o grande mestre da tática revolucionária: "audácia, audácia e audácia"". E como assinalou Lenin, "... há que concentrar no lugar e no momento decisivos forças muito superiores, porque do contrário, o inimigo, melhor preparado e organizado, aniquilará os insurgentes". Lenin acrescenta: "Confiemos em que, se se concorda com a insurreição, os dirigentes aplicaram com êxito as grandes regras de Danton e Marx. O triunfo da Revolução russa e da revolução mundial depende de dois ou três dias de luta" [21].
Com este objetivo, o proletariado teve que criar os órgãos de sua luta pelo poder, um comitê militar e destacamentos armados. "Assim como um ferreiro não pode pegar com a mão nua um ferro aquecido a alta temperatura, o proletariado não pode, com as mãos nuas, apoderar-se do poder: é necessário, para isso, que possua uma organização apropriada. Na combinação da insurreição das massas com a conspiração, na subordinação do complô à insurreição, na organização da insurreição através da conspiração, reside o dominio complicado e cheio de responsabilidade da política revolucionária que Marx e Engels denominavam a "arte da insurreição" " [22].
Esta explicação centralizada, coordenada, é o que permitiu ao proletariado esmagar a última resistência armada da burguesia e desferir um golpe terrivel que a burguesia mundial não esqueceria, e de fato não o tem esquecido até agora. "..Os historiadores e os homens políticos denominam, habitualmente, insurreição das fôrças elementares o movimento de massas que, ligadas pela hostilidade contra o antigo regime, não possuem objetivos claros, nem métodos de luta elaborados, nem direção que conduza, conscientemente, à vitória. A insurreição das fôrças elementares é de bom grado reconhecida pelos historiadores oficiais, pelo menos pelos democratas, como uma calamidade inevitável cuja responsabilidade recai sõbre o antigo regime. A. verdadeira razão de tal indulgência está em que as Insurreições das fôrças "elementares" não podem sair dos quadros do regime burguês (...) O que ela nega, como sendo ‘blanquismo" ou pior ainda, bolchevismo, é o preparo consciente da insurreição,
o plano, a conspiração" [23].
Isto é o que enfurece ainda mais a burguesia: a audácia com que a classe operária lhe arrebatou o poder. A burguesia do mundo inteiro sabia que estava preparando uma sublevação. Porém não sabia como e quando atacaria o inimigo. Ao desferir seu golpe definitivo, o proletariado se aproveitou plenamente da vantagem da surpresa da eleição do terreno de batalha. A burguesia esperava que seu inimigo fosse bastante ingênuo e "democrático" para decidir a questão da insurreição públicamente, na presença das classes dirigentes, no Congresso pan-russo dos Sovietes que se havia convocado em Petrogrado. Ali esperava sabotar e impedir a decisão e sua execução. Porém quando os delegados do Congresso chegaram a capital, a insurreição estava em pleno apogeu e a classe governante ja cambaleava. O proletariado de Petrogrado, através do seu Comitê militar revolucionário, entregou o poder ao Congresso dos Sovietes, e a burguesia não pôde fazer nada para impedí-lo. Golpe! Conspiração! gritava a burguesia, ainda grita o mesmo. A resposta de Lenin foi: golpe, não; conspiração, sim, porém uma conspiração subordinada a vontade das massas e às necessidades da insurreição. E Trotski acrescenta: "Quanto mais elevado for o nível político de um movimento revolucionário, quanto mais séria fôr a direção, maior será o lugar ocupado pela conspiração dentro da Insurreição popular" [24].
O bolchevismo uma forma de blanquismo? As classes exploradoras lançam de novo, atualmente esta acusação. "Os bolcheviques tiveram de, mais de uma vez, muito tempo antes da insurreição de Outubro, refutar acusações contra êles dirigidas pelos adversários, que os acusavam de maquinações conspirativas e de bianquismo. Ora, ninguém, mais do que Lenine, manteve uma luta tão intransigente contra a mera conspiração. Os oportunistas da social-democracia internacional tomaram, muitas vêzes, sob a proteção dêles, a velha tática socialista-revolucionária do terror individual contra os agentes do tzarismo, resistindo à critica implacável dos bolchevlques, que opunham ao aventureiro Individualismo de intelflguentsia o movimento que visava a insurreição das massas. Ao repudiar tôdas as variedades de blanquismo e da anarquia, Lenine também não se inclinava, um minuto sequer, diante da "sagrada" fõrça elementar das massas". Trotski acrescenta a isto: "A conspiração não substitui a insurreição. A minoria activa do proletariado, por mais organizada que seja, não pode apoderar-se do poder independentemente da situação geral do pais: nisso o blanquismo é condenado pela história. Mas apenas nisso, o teorema direito conserva toda a força dele. Para a conquista do poder, não basta ao proletariado uma insurreição das forças elementares. Ele precisa de uma organização correspondente, ele precisa de um plano, ele precisa da conspiração. É dessa forma que Lênin coloca a questão" [25].
O partido e a insurreiçao
É um fato bem conhecido que Lênin, o primeiro que foi completamente claro sobre a necessidade da luta pelo poder em outubro, expondo diferentes planos para a insurreição (um, centralizado na Finlândia e a frota do Báltico e outro em Moscou), em algum momento defendeu que fosse o Partido bolchevique, e não um órgão dos sovietes, que organizasse diretamente a insurreição. Os feitos provaram que a organização e a liderança da sublevação por um órgão do soviete como o Comitê militar revolucionário, onde por conseqüência o Partido tinha a influência dominante, é a melhor garantia para o êxito completo do acometimento , posto que então é o conjunto da classe, e não só os simpatizantes do partido, que se sente representado por seus órgãos unitários revolucionários.
Porém a proposta de Lênin, segundo a burguesia, revela que para ele a revolução não é tarefa das massas, mas um assunto privado do Partido. Porque se não - perguntam - estava termanantemente contra esperar o Congresso dos sovietes para decidir a sublevação. A atitude de Lênin se inscrevia plenamente no marxismo e sua confiança fundada historicamente nas massas proletarias. "Seria desastroso, ou em todo caso uma explicação puramente formal, querer esperar a incerta votação de 25 de outubro. O povo tem o direito e o dever de decidir sobre essas questões, não pelo voto, mas pela força; o povo tem o direito e o dever, nos momentos críticos da revolução, de mostrar a seus representantes, inclusive a seus melhores representantes, a direção correta, em vez de esperá-los. Isto nos ensina a história de todas as revoluções, e seria um monstruoso crime dos revolucionários deixar passar o momento, quando sabem que a salvação da revolução, as propostas de paz, a salvação de Petrogrado, e acabar com a fome, ou a devolução da terra aos camponeses, depende disto. O governo cambaleia, e há que dar-lhe o último golpe. A qualquer preço!" [26].
Na realidade, todos os líderes bolcheviques estavam de acordo com isto. Quem quer que fosse que dirigisse a sublevação, o poder alcançado seria entregue imediatamente ao Congresso pan-russo dos sovietes. O Partido sabia perfeitamente que a revolução não era somente assunto seu ou dos operários de Petrogrado, mas do conjunto do proletariado. Mas em relação a questão de quem devia conduzir a insurreição propriamente dita, Lênin estava certo quando argumentava que o faziam os órgãos da classe melhor preparados e em melhores condições para assumir a tarefa da planificação política e militar e de liderança política da luta pelo poder. Trotski tinha razão ao argumentar que o melhor dotado para esta tarefa seria um órgão do Soviete, especialmente criado para esta tarefa, e sob da influência do Partido. Mas não se tratava so de um debate de princípios, mas de um assunto vital de eficácia política. A preocupação de Lênin de que não se podia sobrecarregar com esta tarefa o conjunto do aparelho do Soviete, posto que isso atrasaria a insurreição e levaria a divulgar os planos ao inimigo, era completamente válida. Foi necessária a dolorosa experiência da Revolução russa para que depois, a esquerda comunista pudesse expor que, ainda é indispensavel a direção política do partido de classe, tanto na luta pelo poder como na ditadura do proletariado, não é tarefa do partido tomar o poder. Sobre esta questão, nem Lenin, nem outros bolcheviques (nem os espartakistas na Alemanha, etc) eram suficientemente claros em 1917, nem podiam sê-lo. Mas em relação a "arte da insurreição", a paciência revolucionária, e a precaução para evitar sublevações prematuras, em relação a audácia revolucionária necessária para tomar o poder, não tem hoje revolucionários de quem se pode aprender mais de que Lênin . Em particular sobre o papel do partido na insurreição. A história provou que Lênin tinha razão: quem toma o poder são as massas, e o soviete colabora com a organização, mas o partido de classe é a arma mais indispensável da luta pelo poder. Em julho de 1917 foi o partido que não permitiu que a classe operária sofresse uma derrota decisiva. Em outubro de 1917, o partido conduziu a classe ao poder. Sem esta direção indispensável não se teria tomado o poder.
Lênin contra Stalin
Porém a revolução de Outubro levou ao stalinismo! Grita a burguesia tirando seu argumento "definitivo". Porém na realidade o que levou ao stalinismo foi a contrarrevolução burguesa, a derrota da revolução na Europa ocidental, a invasão e o isolamento internacional da União soviética, o apoio da burguesia mundial à burocracia nacionalista que se desenvolvia na Rússia contra o proletariado e os bolcheviques. É importante recordar que durante as semanas cruciais de outubro de 1917, como durante os meses anteriores, dentro do Partido bolchevique se manifestou uma corrente que refletia o peso da ideologia burguesa, que se opunha a insurreição, e da qual Stalin já era o representante mais perigoso. Já em março de 1917, Stalin havia sido o principal porta-voz no Partido daqueles que queriam abandonar sua posição internacionalista revolucionária, apoiar o Governo provisório e sua política de continuação da guerra imperialista, e reagrupar-se com os socialpatriotas mencheviques. Quando Lênin chamou publicamente a insurreição, Stalin, como editor do órgão de imprensa do Partido, atrasava intencionalmente a publicação de seus artigos, enquanto as contribuições de Kamenev e Zinoviev, que estavam contra o levantamento, e que amiúde rompiam com a disciplina do Partido, estavam publicadas como se tratasse da posição oficial do Partido, razão pela qual Lênin o ameaçou demitir do Comitê central. Stalin continuou pretendendo que Lenin, que estava pela insurreição imediata e que agora tinha o Partido à reboque, e Kamenev e Zinoviev, que sabotavam abertamente as decisões do Partido, eram "da mesma opinião". Durante a insurreição, o aventureiro político Stalin "desapareceu" - na realidade para ver que grupo ganhava antes de reaparecer defendendo sua própria posição. A luta de Lênin e o Partido contra o "stalinismo" em 1917, contra suas manipulações e a sabotagem trapaceira à insurreição (a diferença de Zinoviev e Kamenev, pois, estes, quando menos, atuavam abertamente), voltou a retomar no Partido nos últimos dias da vida de Lênin, mas desta vez em condições infinitamente mais desfavoráveis.
O cume mais alto da história humana
Longe de ser um banal golpe de Estado, como mente a classe dominante, a revolução de Outubro é o ponto mais alto que foi alcançado até hoje pela humanidade em toda sua história. Pela primeira vez uma classe explorada teve a coragem e a capacidade de tomar o poder arrebatando-o dos exploadores e inaugurar a revolução proletária mundial. Ainda que a revolução prematuramente tenha sido derrotada em Berlim, Budapeste e Turim, ainda que o proletariado russo e mundial tivesse que pagar um preço terrivel por sua derrota - o horror da contrarrevolução, outra guerra mundial, e toda a barbárie até hoje - a burguesia ainda não foi capaz de apagar a memória e as lições deste enorme acontecimento. Hoje, quando a mentalidade e a ideologia decomposta da classe dominante destila o individualismo, o niilismo e o obscurantismo, o florecimento de visões reacionárias do mundo, como o racismo e o nacionalismo, o misticismo, o ecologismo burguês, quando e são abandonados os últimos vestígios de crença no progresso humano, o farol que acendeu a revolução de Outubro marca o caminho. Outubro recorda ao proletariado que o futuro da humanidade está em suas mãos, e que essas mãos, são capazes de cumprir sua tarefa. A luta de classes do proletariado, a reapropiação pela classe operária de sua própria história, a defesa e o desenvolvimento do método científico do marxismo, esse é o programa de Outubro. Esse é hoje o programa para o futuro da humanidade. Como Trotski escreveu na conclusão de sua grande História da Revolução rusa: "A subida histórica da humanidade, tomada em conjunto, pode ser resumida como um encadeamento de vitórias da consciência sobre as forças cegas - na natureza, na sociedade, no próprio homem. O pensamento critico e criador vangloriou-se dos maiores sucessos, até o momento presente, na luta contra a natureza. As ciências físico-químicas chegaram a tal ponto que os homens se dispõem a se transformarem nos senhores da matéria. Mas as relações sociais continuam a ser estabelecidas à semelhança dos attols. O parlamentarismo iluminou apenas a superfície da sociedade e ainda assim com uma luz bastante artificial. Comparada com a Monarquia e outras heranças do canibalismo e da selvajaria das cavernas, a democracia representa, é evidente, uma grande conquista. Mas não atinge de modo algum o jogo cego das forças nas relações mútuas da sociedade. Foi exactamente nos domínios mais profundos do inconsciente que a Insurreição de Outubro, pela primeira vez, levantou a mão. O sistema soviético quer introduzir um objectivo e um plano nos fundamentos mesmos de uma sociedade onde reinam, até agora, simples consequências acumuladas"
[1] Lênin, A Revolução russa e a guerra civil. Tradução nossa.
[2] Lênin, Se sustentarão os bolcheviques no poder? Tradução nossa.
[3] Lênin, Reunião do CC do POSDR, 10-23 de outubro de 1917. Tradução nossa.
[4] Lênin, A crise está madura. Tradução nossa.
[5] Lênin, Carta aos camaradas bolcheviques que participam no Congresso dos Sovietes da região do Norte. Tradução nossa.
[6] Lênin, Carta aos camaradas. Tradução nossa.
[7] Lênin, Carta à Conferência da cidade de Petrogrado. Tradução nossa.
[8] Trotski, As lições de Outubro, escrito em 1924. Tradução Aluizio Franco Moreira(Mestre em História) www.moreira.pro.br/pagcent.htm
[9] Trotski, Idem.
[10] Lênin, Tese para um informe perante a Conferência de Outubro. Tradução nossa.
[11] Trotski, As lições de Outubro.
[12] Trotski, A História da Revolução russa; Edição - Editora Paz e Terra; Volume III; capítulo "Retirada do pré-parlamento e luta pelo congresso dos soviets"
[13] Trotski, op. cit.; capítulo "Retirada do pré-parlamento"
[14] Trotski, op. cit.; capítulo "O comitê militar revolucionário"
[15] Lênin, Se sustentarão os bolcheviques no poder? Tradução nossa.
[16] Trotski, op. cit.; capítulo "A insurreição".
[17] Idem.
[18] Idem.
[19] Lênin, Carta aos camaradas. Tradução nossa.
[20] Trotski, op. cit.; capítulo "A arte da insurreição".
[21] Lênin, Conselhos de um ausente. Tradução nossa.
[22] Idem.
[23] Trotski, op. cit.; capítulo "A arte da insurreição".
[24] Idem.
[25] Ídem.
[26] Lênin, Carta ao Comitê central. Tradução nossa.