Militarismo e decomposição (1990)

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Em várias ocasiões, a CCI tem insistido na importância da questão do militarismo e da guerra ao longo do período de decadência[1], e isso tanto do ponto de vista da vida do próprio capitalismo quanto do ponto de vista do proletariado. Com a rápida sucessão, durante o ano passado, de eventos de considerável importância histórica (colapso do Bloco do Leste, guerra do Golfo) trazendo perturbação em toda a situação mundial, com o reconhecimento da entrada do capitalismo na fase final de sua decadência, a da decomposição[2].É importante que os revolucionários demonstrem a maior clareza nesta questão essencial do lugar do militarismo nas novas condições do mundo de hoje.

O marxismo é um pensamento vivo

1) Ao contrário da corrente bordiguista, a CCI nunca considerou o marxismo como uma "doutrina invariante", e sim como um pensamento vivo para o qual cada acontecimento histórico importante é uma oportunidade de enriquecimento. Com efeito, tais acontecimentos permitem confirmar o quadro e as análises anteriormente desenvolvidos, vindo assim a consolidá-los, e evidenciando a caducidade de alguns deles, impondo um esforço de reflexão no sentido de ampliar o campo de aplicação de padrões que eram válidos antes, mas já superados, ou, se não, elaborar claramente novos esquemas capazes de levar em conta a nova realidade. Cabe às organizações revolucionárias a responsabilidade específica e fundamental de cumprir este esforço de reflexão, tendo o cuidado de avançar, a semelhança de nossos maiores, Lenin, Rosa, Bilan ou a Esquerda Comunista da França com prudência e audácia:

  • confiando firmemente nas realizações básicas do marxismo;
  • examinando a realidade sem atalhos e desenvolvendo o pensamento sem "qualquer proibição ou ostracismo" (Bilan).

Em particular, diante de tais eventos históricos, é importante que os revolucionários consigam distinguir claramente as análises que se tornaram obsoletas daquelas que permanecem válidas, de modo a evitar uma dupla armadilha: ou se fechando na esclerose, ou ainda "jogando o bebê fora com a água do banho". Mais precisamente, é preciso destacar claramente o que, nessas análises, é essencial, fundamental, e mantém toda a sua validade em diferentes circunstâncias históricas, em relação ao que é secundário e circunstancial; em suma: saber diferenciar entre a essência de uma realidade e suas diferentes manifestações particulares.

2) No último ano, a situação mundial sofreu convulsões consideráveis que modificaram significativamente a face do mundo que emergiu da segunda guerra imperialista. A CCI se esforçou para acompanhar de perto essas mudanças:

  • para explicar seu significado histórico;
  • para examinar até que ponto eles invalidaram ou confirmaram os marcos de análise anteriormente válidos.

É desta forma que estes acontecimentos históricos (agonia do stalinismo, desaparecimento do bloco oriental, desintegração do bloco ocidental), ainda que não puderam ser previstos na sua especificidade, foram plenamente integrados no quadro de análise e compreensão do presente período histórico elaborado anteriormente pela CCI: a fase de decomposição.

Assim é, também, com a atual Guerra do Golfo Pérsico. Mas, a própria importância deste evento, bem como a confusão que ele causou entre os revolucionários, faz com que seja responsabilidade de nossa organização compreender claramente o impacto e a repercussão das características da fase de decomposição sobre a questão do militarismo e da guerra, para examinar como essa questão surge neste novo período histórico.

O militarismo no coração da decadência do capitalismo

3) O militarismo e a guerra foram dados fundamentais para a vida do capitalismo desde a entrada desse sistema em seu período de decadência. Assim que o mercado mundial estava completamente constituído, no início do século XX, quando o mundo foi dividido em áreas coloniais e comerciais para as várias nações capitalistas avançadas, a intensificação e o desencadeamento da competição comercial que se seguiu entre essas nações só poderia levar ao agravamento das tensões militares, à constituição de arsenais cada vez mais imponentes e à crescente submissão de toda a vida econômica e social aos imperativos da esfera militar. De fato, o militarismo e a guerra imperialista são a manifestação central da entrada do capitalismo em seu período de decadência (e foi de fato a eclosão da Primeira Guerra Mundial que marcou o início desse período), a tal ponto que, para os revolucionários da época, imperialismo e capitalismo decadente tornaram-se sinônimos. Como o imperialismo não é uma manifestação particular do capitalismo, mas o seu modo de vida para todo o novo período histórico, não é este ou aquele Estado que é imperialista, mas todos os Estados, como aponta Rosa Luxemburg. Na realidade, se o imperialismo, o militarismo e a guerra se identificam a tal ponto com o período de decadência, é porque este último corresponde bem ao fato de que as relações capitalistas de produção se tornaram um obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas: o caráter perfeitamente irracional, no plano econômico global, das despesas militares e da guerra é uma expressão da aberração que é a manutenção destas relações de produção. Em particular, a autodestruição permanente e crescente do capital, que resulta deste modo de vida constitui um símbolo da agonia deste sistema, mostra claramente que ele está condenado pela história.

Capitalismo de Estado e blocos imperialistas

4) Confrontado com uma situação em que a guerra é onipresente na vida da sociedade, o capitalismo, em sua decadência, desenvolveu dois fenômenos que constituem as principais características desse período: o capitalismo de Estado e os blocos imperialistas. O capitalismo de Estado, cuja primeira manifestação significativa data da Primeira Guerra Mundial, responde à necessidade de cada país, com vistas ao confronto com outras nações, obter a máxima disciplina dentro de si dos diferentes setores da sociedade, para minimizar os confrontos entre classes, mas também entre frações rivais da classe dominante, para, em particular, mobilizar e controlar todo o seu potencial econômico. Da mesma forma, a constituição dos blocos imperialistas corresponde à necessidade de impor uma disciplina semelhante entre as diferentes burguesias nacionais para limitar seus antagonismos recíprocos e reuni-las para o confronto supremo entre os dois campos militares. E à medida que o capitalismo afundou em sua decadência e crise histórica, essas duas características só ficaram mais fortes. Em particular, o capitalismo de Estado na escala de todo um bloco imperialista, tal como se desenvolveu após a Segunda Guerra Mundial, apenas traduziu o agravamento desses dois fenômenos. Ao fazê-lo, tanto o capitalismo de Estado quanto os blocos imperialistas, bem como a combinação dos dois, não traduzem nenhuma "pacificação" das relações entre os diferentes setores do capital, muito menos um "reforço" deste. Pelo contrário, eles não são mais do que o meio segregado pela sociedade capitalista para tentar resistir à crescente tendência ao deslocamento[3].

O imperialismo na fase de decomposição do capitalismo

5) A decomposição geral da sociedade constitui a fase final do período de decadência do capitalismo. E durante esta fase, as características do período de decadência (a crise histórica da economia capitalista, o capitalismo de estado e, também os fenômenos fundamentais do militarismo e do imperialismo) estão longe de ser atenuadas. Pelo contrário, na medida em que a decomposição se apresenta como ponto culminante das contradições em que o capitalismo tem lutado cada vez mais desde o início de sua decadência, as características próprias desse período são, em sua fase final, ainda mais exacerbadas:

  • resultante do naufrágio inexorável do capitalismo em crise, a decomposição só a agrava;
  • a tendência para o capitalismo de Estado não é de modo algum posta em causa, muito pelo contrário, pelo desaparecimento de algumas das suas formas mais aberrantes e parasitárias, como ocorre com o estalinismo hoje[4].

O mesmo se aplica ao militarismo e ao imperialismo, como já era evidente ao longo dos anos 80, durante os quais o fenômeno da decomposição apareceu e se desenvolveu. E não é o desaparecimento da divisão do mundo em duas constelações imperialistas resultantes do colapso do bloco oriental que poderia desafiar tal realidade. De fato, não é a constituição dos blocos imperialistas que está na origem do militarismo e do imperialismo. É ao contrário: a constituição de blocos é apenas a consequência extrema (que em determinado momento pode agravar as próprias causas), uma manifestação (que não é necessariamente a única) do afundamento do capitalismo decadente no militarismo e na guerra. De certa forma, isso aconteceu com a formação dos blocos em relação ao imperialismo é como com o estalinismo em relação ao capitalismo de estado. Assim como o fim do estalinismo não põe em questão a tendência histórica para o capitalismo de estado, do qual foi uma manifestação, o presente fim dos blocos imperialistas não pode implicar qualquer questionamento do domínio do imperialismo sobre a vida da sociedade. A diferença fundamental é que enquanto o fim do estalinismo foi a eliminação de uma forma particularmente aberrante de capitalismo de estado, o fim dos blocos só abre a porta para uma forma ainda mais bárbara, aberrante e caótica de imperialismo.6) Essa análise, a CCI já a havia desenvolvido assim que o colapso do bloco do Leste foi destacado:

  • "No período de decadência do capitalismo, todos os estados são imperialistas e tomam medidas para assumir essa realidade: economia de guerra, armamentos etc. É por isso que o agravamento das turbulências na economia mundial intensificará as disputas entre os diferentes Estados, inclusive, e cada vez mais, a nível militar. A diferença com o período que acaba de terminar é que essas divisões e antagonismos, que antes eram contidos e utilizados pelos dois grandes blocos imperialistas, agora vão passar para o primeiro plano. O desaparecimento do gendarme imperialista russo, e o que dele resultará para o gendarme americano a respeito dos seus principais parceiros de ontem, abre a porta para o desencadeamento de toda uma série de rivalidades mais localizadas. Essas rivalidades e confrontos não podem, no momento, degenerar em um conflito mundial (mesmo supondo que o proletariado não está mais em posição de se opor a ele). Por outro lado, devido ao desaparecimento da disciplina imposta pela presença dos blocos, esses conflitos tendem a ser mais violentos e mais numerosos, em particular, obviamente, nas zonas onde o proletariado é o mais fraco." (Revista Internacional No. 61, 3º trimestre de 1990).
    "O agravamento da crise mundial da economia capitalista provocará necessariamente uma nova intensificação das contradições internas da classe burguesa. Estas contradições, como no passado, se manifestarão no nível de antagonismos bélicos: no capitalismo decadente, a guerra comercial só pode levar à eclosão de uma guerra armada. Neste sentido, as ilusões pacifistas que poderiam se desenvolver após o "aquecimento" das relações entre a URSS e os Estados Unidos devem ser combatidas sem concessões: os confrontos militares entre Estados, mesmo que não sejam mais manipulados e utilizados pelas grandes potências, não desaparecerão, longe disso. Pelo contrário, como vimos no passado, o militarismo e a guerra constituem o próprio modo de vida do capitalismo decadente, que o aprofundamento da crise só pode confirmar. No entanto, o que muda em relação com o período passado é que esses antagonismos militares não assumem mais a forma de confronto entre dois grandes blocos imperialistas..." ("Resolução sobre a situação internacional", Junho de 1990, Revista Internacional n°63).

Esta análise é atualmente amplamente confirmada pela Guerra do Golfo Pérsico.

A Guerra do Golfo: a primeira manifestação da nova situação mundial

7) Esta guerra constitui a primeira grande manifestação da situação em que o mundo se encontra após o colapso do bloco oriental (neste sentido, ela está se tornando muito mais importante hoje em dia):

  • confirma, a "aventura" descontrolada do Iraque apoderando-se de outro país de seu antigo bloco tutelar, o desaparecimento do próprio bloco ocidental;
  • revela a acentuação da tendência (específica da decadência capitalista) de todos os países usarem a força das armas para tentar libertar-se das amarras em que a crise os agarra de forma cada vez mais insustentável;
  • destaca, com o alucinante emprego dos meios militares pelos Estados Unidos e seus "aliados", o fato de que, cada vez mais, somente essa mesma força militar será capaz de manter um mínimo de estabilidade em um mundo ameaçado pelo caos crescente.

Nesse sentido, a Guerra do Golfo não é, como afirma a maior parte do meio político proletário, uma "guerra pelo preço do petróleo". Tampouco pode ser reduzida a uma "guerra pelo controle do Oriente Médio", por mais importante que seja essa região. Da mesma forma, não é apenas o caos que está se desenvolvendo no "Terceiro Mundo" que a operação militar que se desenrola no Golfo visa evitar. Tudo isso pode desempenhar um papel, é claro. É verdade que a maioria dos países ocidentais está interessada em petróleo de baixo custo (ao contrário da URSS que, no entanto, participa plenamente -na medida de seus reduzidos meios- para a ação contra o Iraque), não é, porém, com os meios que foram empregados (e que fizeram o preço do petróleo saltar muito além das necessidades do Iraque) que eles obterão uma queda nos preços. Também é verdade que o controle dos campos de petróleo pelos Estados Unidos é de inegável interesse para este país e fortalece sua posição em relação a seus rivais comerciais (Europa Ocidental, Japão): mas então, por que esses mesmos rivais os apoiam neste empreendimento? Da mesma forma, é claro que a URSS está principalmente interessada em estabilizar a região do Oriente Médio perto de suas já particularmente turbulentas províncias da Ásia Central e do Cáucaso. Mas o caos que se desenvolve na URSS não diz respeito apenas a este país; os países da Europa Central e, portanto, da Europa Ocidental, estão particularmente preocupados com o que está acontecendo na área do antigo bloco oriental. De modo mais geral, se os países avançados estão preocupados com o caos que está se desenvolvendo em algumas regiões do "Terceiro Mundo", é porque eles mesmos se encontram fragilizados diante desse caos, devido à nova situação em que o mundo se encontra hoje.

8) Na realidade, é fundamentalmente o caos já reinante em boa parte do mundo e que agora ameaça os grandes países desenvolvidos e suas relações recíprocas que a operação "Tempestade no Deserto" e seus anexos estão tentando conter. De fato, com o desaparecimento da divisão do mundo em dois grandes blocos imperialistas, desapareceu um dos fatores essenciais que mantinham certa coesão entre esses Estados. A tendência específica do novo período é, de fato, o "cada um por si" e, eventualmente dos Estados mais poderosos de se candidatem à "liderança" de um novo bloco. Mas, ao mesmo tempo, a burguesia desses países, medindo os perigos envolvidos em tal situação, tenta reagir contra esta tendência.

O que a Guerra do Golfo mostra, portanto, é que, diante da tendência ao caos generalizado próprio da fase de decomposição, e à qual o colapso do bloco oriental deu um impulso considerável, não há outra saída para o capitalismo, em sua tentativa de manter no lugar as diferentes partes de um corpo que tende a se desintegrar, do que a imposição do espartilho de ferro constituído pela força das armas[5]. Nesse sentido, os próprios meios que utiliza para tentar conter um caos cada vez mais sangrento são um fator de considerável agravamento da barbárie bélica em que o capitalismo está mergulhado.

A reconstituição de novos blocos não está na ordem do dia

9) Enquanto a formação de blocos se apresenta historicamente como consequência do desenvolvimento do militarismo e do imperialismo, a exacerbação dos dois últimos na atual fase da vida do capitalismo constitui, paradoxalmente, um grande obstáculo à reforma de um novo sistema de blocos substituindo aquele que acabou de desaparecer. A história (especialmente a do segundo pós-guerra) pôs em evidência o fato de o desaparecimento de um bloco imperialista (por exemplo, o "Eixo") colocar na ordem do dia o deslocamento do outro (os "aliados"), mas também a reconstituição de um novo "par" de blocos antagônicos (Leste e Oeste). É por isso que a situação atual efetivamente traz consigo, sob o ímpeto da crise e da agudização das tensões militares, uma tendência para a formação de dois novos blocos imperialistas. No entanto, o próprio fato de que a força das armas ter se tornado - como confirma a guerra do Golfo - o fator preponderante na tentativa dos países avançados de limitar o caos global, constitui um obstáculo considerável a essa tendência. Com efeito, esta mesma guerra veio sublinhar a esmagadora superioridade (para dizer o mínimo) do poder militar dos Estados Unidos em relação aos outros países desenvolvidos (tal demonstração constituía de fato um dos grandes objetivos deste país): na realidade, esse poder militar, por si só, é hoje pelo menos equivalente ao de todos os outros países do globo juntos. E tal desequilíbrio não está prestes a ser compensado, não há país em condições de, num futuro próximo, opor ao dos Estados Unidos um potencial militar que lhe permita reivindicar o posto de líder de um bloco capaz de competir com aquele que seria liderado por essa potência. E, para um prazo mais longo, a lista de candidatos para tal posição é extremamente limitada.

10) De fato, está fora de questão, por exemplo, que o chefe do bloco que acaba de desmoronar, a URSS, possa um dia reconquistar tal lugar. Na realidade, o fato de este país ter desempenhado tal papel no passado constitui, por si só, uma espécie de aberração, um acidente da história. A URSS, pelo seu considerável atraso a todos os níveis (econômico, mas também político e cultural), não tinha os atributos que lhe permitissem constituir "naturalmente" um bloco imperialista ao seu entorno[6]. Se ela conseguiu chegar a tal grau, foi pela "graça" de Hitler, que a trouxe para a guerra em 1941, e dos "aliados" que, em Yalta, a "recompensaram" por ter formado uma segunda frente contra Alemanha e a reembolsaram pelos 20 milhões de mortos pagos por sua população, com a plena disposição dos países da Europa Central que suas tropas haviam ocupado durante o desastre alemão[7]. De fato, é porque a URSS não pôde desempenhar esse papel de líder do bloco que foi forçada, para preservar seu império, a impor ao seu aparelho produtivo uma economia de guerra que arruinou completamente isso. O espetacular colapso do bloco oriental, além de sancionar a bancarrota de uma forma particularmente aberrante de capitalismo de Estado (já que também não foi o resultado de um desenvolvimento "orgânico" do capital, a URSS, que não foi apenas o resultado da revolução de 1917, mas também da eliminação da burguesia clássica), só poderia se vingar historicamente desta aberração original. É por isso que a URSS nunca mais poderá desempenhar um papel importante na cena internacional, apesar de seus consideráveis arsenais. Isto é tanto mais verdade quanto a dinâmica de deslocamento de seu império externo só pode continuar internamente, acabando por despojar a Rússia dos territórios que ela colonizou ao longo dos últimos séculos. Por tentar desempenhar um papel como potência mundial que estava além de suas forças, a Rússia está condenada a voltar à posição de terceira categoria que ocupava antes de Pedro, o Grande.

Os dois únicos candidatos potenciais para o título de líder do bloco, Japão e Alemanha, também não estão em condições de assumir tal papel num futuro próximo. O Japão, por sua vez, apesar de seu poder industrial e dinamismo econômico, nunca poderá reivindicar tal posição devido à sua localização geográfica, fora do centro da região com a maior densidade industrial: a Europa Ocidental. Quanto à Alemanha, o único país que poderia um dia desempenhar um papel que desempenhou no passado, seu atual poder militar (não tem nem mesmo armas nucleares, o que já diz muito) não lhe permite pensar em competir com os Estados Unidos neste campo, e isto por muito tempo. E isto é tanto mais verdade quanto, à medida que o capitalismo se afunda na decadência, é cada vez mais essencial que o chefe de um bloco tenha uma superioridade militar esmagadora sobre seus vassalos a fim de poder manter sua posição.

Estados Unidos: o único guarda do mundo

11) Assim, no início do período de decadência, e até os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, poderia existir uma certa "paridade" entre os diferentes parceiros de uma coalizão imperialista, embora a necessidade de um líder sempre se fez sentir. Por exemplo, na Primeira Guerra Mundial, não houve disparidade fundamental em termos de poder militar operacional entre os três "vencedores": Grã-Bretanha, França e Estados Unidos. Esta situação já evoluiu de forma muito importante durante a Segunda Guerra, onde os "vencedores" foram colocados sob a estreita dependência dos Estados Unidos que exibiam uma superioridade considerável sobre os seus "aliados". Estava para se tornar ainda mais pronunciada durante todo o período da "Guerra Fria" (que acaba de terminar), quando cada cabeça de bloco, os EUA e a URSS, especialmente através do controle das armas nucleares mais destrutivas, tinham uma superioridade absolutamente esmagadora sobre os outros países de seu bloco. A razão para esta tendência é que, como o capitalismo afundou na decadência:

  • as apostas e a escala dos conflitos entre blocos adquirem um caráter cada vez mais global e geral (quanto mais gangsteres houver para controlar, mais poderoso deve ser o "patrão");
  • os armamentos exigem investimentos cada vez mais colossais. Somente os países maiores poderão liberar os recursos necessários para a constituição de um arsenal nuclear completo e dedicar recursos suficientes para pesquisar as armas mais sofisticadas;
  • e, sobretudo, as tendências centrífugas entre todos os Estados, resultantes da exacerbação dos antagonismos nacionais, só podem se acentuar.

É o mesmo com este último fator que com o capitalismo de Estado: quanto mais as diferentes frações de uma burguesia nacional tendem a se dilacerar com o agravamento da crise que atiça sua concorrência, tanto mais o Estado deve se fortalecer para exercer sua autoridade sobre eles. Da mesma forma, quanto mais a crise histórica e sua forma aberta causam estragos, mais forte deve ser a cabeça do bloco para conter e controlar as tendências ao seu deslocamento entre as diferentes frações nacionais que o compõem. E, é claro que na fase final da decadência, a da decomposição, tal fenômeno só pode piorar em uma escala considerável.

Por todas estas razões, e em particular pela última, que a reconstituição de um novo par de blocos imperialistas, não só não é possível por muitos anos, como pode nunca mais acontecer: a revolução ou a destruição da humanidade ocorrendo antes desse prazo . No novo período histórico em que entramos, e os acontecimentos do Golfo acabam de confirmar isso, o mundo se apresenta como uma imensa corrida de ratos, onde a tendência do "cada um por si" entrará em ação, em que as alianças entre os Estados não terá, longe disso, o caráter de estabilidade que caracterizou os blocos, mas será ditado pelas necessidades do momento. Um mundo de desordem assassina, no qual o gendarme norte-americano tentará manter um mínimo de ordem através do uso cada vez mais maciço e brutal de seu poder militar.

Rumo ao "superimperialismo"?

12) O fato de que, no próximo período, o mundo não estará mais dividido em blocos imperialistas, que caberá a uma única potência - os Estados Unidos - exercer a "liderança" mundial, não significa de forma alguma que esteja agora correta a tese do "superimperialismo" (ou "ultraimperialismo") tal como foi desenvolvida por Kautsky durante a Primeira Guerra Mundial. Esta tese havia sido elaborada antes da guerra pela corrente oportunista que se desenvolvia na socialdemocracia. Teve suas raízes na visão gradualista e reformista que considerava que as contradições (entre classes e entre nações) dentro da sociedade capitalista estavam destinadas a se atenuar até desaparecerem. A tese de Kautsky pressupunha que os diversos setores do capital financeiro internacional seriam capazes de se unificar para estabelecer um domínio estável e pacífico sobre todo o mundo. Esta tese, que se apresentava como "marxista", foi obviamente contestada por todos os revolucionários, e em particular por Lênin (notadamente no Imperialismo, fase superior do capitalismo), que demonstrou que um capitalismo do qual a exploração e a competição entre os capitais é extinta não é mais capitalismo. É bastante claro que esta posição revolucionária permanece muito válida hoje em dia.

Da mesma forma, nossa análise não deve ser confundida com a desenvolvida por Chaulieu (Castoriadis), que teve pelo menos a vantagem de rejeitar explicitamente o "marxismo". Nessa análise, o mundo caminhava para um "terceiro sistema" não na harmonia tão buscada pelos reformistas, mas em convulsões brutais. Cada guerra mundial levou à eliminação de uma grande potência (a Segunda Guerra eliminou a Alemanha). A Terceira Guerra Mundial foi acenada para deixar no lugar apenas um único bloco cuja ordem reinaria sobre um mundo onde as crises econômicas teriam desaparecido e no qual a exploração capitalista da força de trabalho seria substituída por uma espécie de escravidão, um reinado dos "dominantes" sobre "governados".

O mundo de hoje, como emerge do colapso do bloco oriental e como se apresenta diante da decomposição geral, permanece, no entanto, totalmente capitalista. Crise econômica insolúvel e cada vez mais profunda, exploração cada vez mais feroz da força de trabalho, ditadura da lei do valor, exacerbação da competição entre capitais e antagonismos imperialistas entre nações, reino desenfreado do militarismo, destruição em massa e massacres em série: essa é a única realidade própria deste sistema. E como única perspectiva final, a destruição da humanidade.

O proletariado enfrentando a guerra imperialista

13) Mais do que nunca, portanto, a questão da guerra permanece central na vida do capitalismo. Mais do que nunca está questão é fundamental para a classe trabalhadora. A importância desta questão obviamente não é nova. Já era central mesmo antes da Primeira Guerra Mundial (como evidenciado pelos congressos internacionais de Stuttgart em 1907 e Basileia em 1912). Torna-se ainda mais decisiva, é claro, durante a primeira carnificina imperialista (como evidenciado pela luta de Lenin, Rosa Luxemburgo, Liebknecht, bem como a revolução na Rússia e na Alemanha). Mantém toda a sua acuidade entre as duas guerras mundiais, em particular durante a guerra em Espanha, para claro, não falar, da importância que assumiu durante o maior holocausto deste século, entre 1939 e 1945. Finalmente, manteve toda a sua importância durante as várias guerras de "libertação nacional" após 1945, momentos do confronto entre os dois blocos imperialistas. De fato, desde o início do século, a guerra foi a questão mais decisiva que o proletariado e suas minorias revolucionárias tiveram que enfrentar, muito à frente das questões sindicais ou parlamentares, por exemplo. Não podia ser de outro modo, a guerra constitui a forma mais concentrada da barbárie do capitalismo decadente, aquela que expressa sua agonia e a ameaça que ela representa para a sobrevivência da humanidade.

No período atual, no qual, ainda mais do que em décadas passadas, a barbárie bélica (sem ofensa aos Srs. Bush e Mitterrand com suas profecias de uma "nova ordem de paz") ​​será um fator permanente e onipresente da situação mundial, envolvendo cada vez mais países desenvolvidos (dentro dos únicos limites que o proletariado desses países pode estabelecer), a questão da guerra é ainda mais essencial para a classe trabalhadora. A CCI há muito demonstrou que, ao contrário do passado, o desenvolvimento de uma próxima onda revolucionária não viria da guerra, mas do agravamento da crise econômica. Esta análise permanece totalmente válida: as mobilizações operárias, ponto de partida das grandes lutas de classes, virão dos ataques econômicos. Da mesma forma, no plano da consciência, o agravamento da crise será fator fundamental para revelar o impasse histórico do modo de produção capitalista. Mas, neste mesmo nível de consciência, a questão da guerra é novamente chamada a desempenhar um papel de liderança:

  • ao destacar as consequências fundamentais deste impasse histórico: a destruição da humanidade;
  • ao constituir a única consequência objetiva da crise, da decadência e da decomposição que o proletariado pode limitar desde agora (ao contrário das outras manifestações de decomposição) na medida em que, nos países centrais, não está, atualmente, organizado sob bandeiras nacionalistas.

O impacto da guerra sobre a consciência da classe operária

14) É verdade que a guerra pode ser usada contra a classe operária muito mais facilmente do que a própria crise e os ataques econômicos:

  • pode favorecer o desenvolvimento do pacifismo;
  • pode fazê-lo sentir-se impotente, permitindo que a burguesia promova seus ataques econômicos.

Isso é realmente o que aconteceu até agora com a Guerra do Golfo. Mas esse tipo de impacto só pode ser limitado no tempo. A longo prazo:

  • com a permanência da barbárie bélica evidenciando toda a vaidade do discurso pacifista;
  • com destaque para o fato de que a classe trabalhadora é a principal vítima dessa barbárie, que é ela que pagam os custos como bucha de canhão e através do aumento da exploração;
  • com a retomada da combatividade diante de ataques econômicos cada vez mais maciços e brutais;

a tendência só pode ser revertida. E cabe obviamente aos revolucionários estar na vanguarda desta consciência: a sua responsabilidade será cada vez mais decisiva.

15) Na atual situação histórica, a intervenção dos comunistas na classe é determinada, além, obviamente, do considerável agravamento da crise econômica e dos consequentes ataques contra todo o proletariado, pela(o):

  • importância fundamental da questão da guerra;
  • papel decisivo dos revolucionários na tomada de consciência pela classe da gravidade do que está em jogo.

É importante, portanto, que esta questão esteja permanentemente em primeiro plano na propaganda dos revolucionários. E em períodos, como hoje, em que esta questão está na primeira linha do noticiário internacional, é importante que aproveitem a particular consciência dos trabalhadores sobre ela, com prioridade e uma ênfase especial.

As organizações revolucionárias terão que prestar atenção especial em:

  • denunciar as manobras dos sindicatos que pretendem convocar lutas econômicas para melhor passar a política de guerra (por exemplo em nome de uma "repartição justa" dos sacrifícios entre trabalhadores e patrões);
  • denunciar com a máxima virulência a repugnante hipocrisia dos esquerdistas que, em nome do "internacionalismo" e da "luta contra o imperialismo", apelam de fato ao apoio a um dos campos imperialistas;
  • arrastar na lama as campanhas pacifistas que constituem um meio privilegiado de desmobilizar a classe trabalhadora em sua luta contra o capitalismo, arrastando-a para o terreno podre do interclassismo;
  • sublinhar a gravidade dos desafios do presente período, em particular compreendendo plenamente todas as implicações das consideráveis convulsões que o mundo acaba de sofrer e, particularmente, o período de caos em que entrou.

CCI, 4 de outubro de 1990.


[1] Ver "Guerra, militarismo e blocos imperialistas" na Revue Internationale n°52 e n° 53.

[2] Para a análise da CCI sobre a questão da decomposição, ler Decomposição, a fase final do declínio do capitalismo.

[3] No entanto, é importante enfatizar uma grande diferença entre o capitalismo de Estado e os blocos imperialistas. O primeiro não pode ser questionado pelos conflitos entre as diferentes frações da classe capitalista (ou então é a guerra civil, que pode caracterizar certas zonas atrasadas do capitalismo, mas não os seus setores mais avançados): em geral, é o Estado, representando o capital nacional como um todo, que consegue impor sua autoridade sobre os vários componentes deste último. Por outro lado, os blocos imperialistas não apresentam o mesmo caráter de durabilidade. Em primeiro lugar, eles só foram formados tendo em vista a guerra mundial: em um período em que esta não estava momentaneamente na agenda (como nos anos 1920), eles poderiam muito bem desaparecer. Em segundo lugar, não há uma "predestinação" definitiva para os Estados a favor de tal e tal bloco: é de forma circunstancial que os blocos se constituem, segundo critérios econômicos, geográficos, militares, políticos etc. Nesse sentido, a história inclui muitos exemplos de Estados que mudaram de bloco após a modificação de um desses fatores. Essa diferença de estabilidade entre o estado capitalista e os blocos não é de modo algum misteriosa. Corresponde ao fato de que o nível mais alto de unidade que a burguesia pode alcançar é o da nação, na medida em que o Estado nacional é, por excelência, o instrumento de defesa de seus interesses (manutenção da "ordem", ordens massivas, política monetária, proteção aduaneira, etc.). Por isso, uma aliança dentro de um bloco imperialista nada mais é do que o conglomerado de interesses nacionais fundamentalmente antagônicos, um conglomerado destinado a preservar esses interesses na selva internacional. Ao decidir se alinhar em um bloco e não em outro, a burguesia não tem outra preocupação senão a garantia de seus interesses nacionais. Afinal, se podemos considerar o capitalismo como uma entidade global, devemos sempre ter em mente que, concretamente, é na forma de capitais concorrentes e rivais que ele existe.

[4] Na realidade, é de fato o modo de produção capitalista como um todo que, em sua decadência e ainda mais em sua fase de decomposição, constitui uma aberração do ponto de vista dos interesses da humanidade. Mas nesta agonia bárbara do capitalismo, certas formas dele, como o stalinismo, surgidas de circunstâncias históricas específicas (como veremos mais adiante) trazem características que as tornam ainda mais vulneráveis e as condenam a desaparecer antes mesmo que todo o sistema seja destruído pela revolução proletária ou pela destruição da humanidade.

[5] Nesse sentido, a maneira como a "ordem" do mundo será garantida no novo período tenderá a se assemelhar cada vez mais à maneira como a URSS manteve a ordem em seu antigo bloco: pelo terror e pela força de armas. No período de decomposição, e com o agravamento das convulsões econômicas do capital moribundo, são as formas mais brutais e bárbaras de relações entre Estados utilizadas antes que tenderão a se tornar a regra para todos os países do mundo.

[6] De fato, as razões pelas quais a Rússia não poderia representar uma locomotiva para a revolução mundial (é por isso que revolucionários como Lenin e Trotsky esperaram que a revolução na Alemanha levasse a revolução russa a reboque) foram as mesmas que fizeram ele um candidato totalmente inadequado para o papel de cabeça-dura.

[7] Outra razão pela qual os aliados ocidentais deram à URSS uma plena disposição dos países da Europa Central estava no fato de que contavam com esse poder para "policiar" o proletariado dessa região. A história mostrou (em Varsóvia, em particular) o quanto essa confiança era merecida.