Submetido por CCI em
A CCI teve a oportunidade de apresentar, em um auditório para uma platéia de 170 estudantes numa universidade brasileira, em setembro deste ano, sua análise da conjuntura mundial e suas alternativas. Publicamos o relatório das discussões[1] e, junto, a apresentação que foi feita, intitulada "A conjuntura mundial e as eleições", articulada nos três eixos seguintes: A guerra, a luta de classes e o papel das eleições.
Antes de tudo, queríamos sublinhar como, globalmente, os participantes se situaram em relação à nossa apresentação. Apesar do nosso discurso não ser "habitual" por considerar o papel das eleições totalmente a serviço da burguesia, e colocar em evidência a perspectiva do desenvolvimento da luta de classe internacional, ele não suscitou hostilidade nem ceticismo. Muito pelo contrario, houve grande interesse considerando nossa postura geral, e às vezes um apoio explícito.
Natureza dos sindicatos e da esquerda
A apresentação tinha falado pouco sobre o papel e a natureza dos sindicatos Uma intervenção sobre esta questão foi particularmente bem-vinda, colocando em evidência que são apêndices dos partidos burgueses e constituem um trampolim para quem quer fazer parte da alta burocracia do Estado.
Foi-nos perguntado o que achamos do governa Lula, se era de direita ou esquerda. "De esquerda, sem dúvida", respondemos. O fato de se ter comportado no governo como inimigo dos proletários não muda em nada esta realidade, visto que a esquerda é eleita com a mesma missão que a direita: defender os interesses do capital nacional, o que só pode ser realizado em detrimento do proletariado.
Qualquer que seja o discurso, mais ou menos radical, Bachelet em Chile, Kirchner em Argentina, Chávez na Venezuela ou Morales em Bolívia, todos são os mesmos. O mais "radical" entre eles, Chávez, que se confronta com setores do capital nacional que governaram até 1998, e que não perde uma oportunidade para denunciar publicamente o imperialismo dos Estados-Unidos – e de fortalecer sua própria zona de influencia no Caribe – não deixa de organizar, com igual brutalidade, a exploração dos proletários venezuelanos.
Agora dizer que, esquerda e direita, ambas defendem os interesses do capital nacional contra o proletariado não significa que são idênticas. Com efeito, de maneira geral, os proletários não têm ilusões sobre as intenções da direita que, abertamente, defende os interesses da burguesia. Infelizmente, não é o conjunto do proletariado que chega à mesma clareza considerando o papel da esquerda. Isso significa que a esquerda, e ainda mais a extrema esquerda, tem maior capacidade de mistificar o proletariado. É a razão pela qual estas frações do aparelho político da burguesia constituem o inimigo mais perigoso para o proletariado.
O papel das eleições
Algumas intervenções voltaram a falar das eleições. "Será que realmente não há possibilidade de utilizá-las a favor de uma transformação social?", "Não há possibilidade de utilizar o voto nulo como instrumento da luta de classe?". Sobre esta questão, nossa postura nada tem de dogmática, mas reflete a realidade mundial desde o começo do século 20. A partir de então, não somente "O centro de gravidade da vida política saiu definitivamente do parlamento", como o dizia a Internacional comunista, mas o circo eleitoral só pode ser uma arma ideológica da burguesia contra o proletariado. É uma realidade que os elementos mais conscientes do proletariado se abstêm geralmente de participar do circo eleitoral. No caso do Brasil, por conta das punições em caso de abstenção, dentre as quais pagamento de multas, perda de direitos civis importantes e até mesmo a suspensão dos salários de servidores públicos, a mesma consciência se expressa no voto nulo. Será que isso valida a palavra de ordem "Vote nulo!". De maneira nenhuma. A explicação vem como resposta à questão seguinte: de onde provém essa consciência dos proletários que votam "nulo"? Da generalização dos ataques às condições de vida, da constatação do impasse total do capitalismo, da luta e do contato com a propaganda revolucionária e, em particular, a denuncia que esta última faz das instituições democráticas burguesas, do circo eleitoral. Existe uma contradição entre esta denúncia e chamar a votar nulo, que só pode enfraquecer a denúncia. Com efeito, chamar a votar nulo aparece assim como um chamamento a exprimir seu descontentamento desta forma, e confere assim uma aparência de utilidade ao circo eleitoral.
Como a luta de classe se desenvolverá?
"Desde que as eleições não são mais um meio da luta de classe, como o proletariado vai fazer para lutar?"
As lutas que ele desenvolveu desde 1968, não foram lutas eleitorais. Apesar delas não terem a capacidade de destacar uma perspectiva revolucionária explícita, elas foram, entretanto, suficientemente potentes para impedir uma guerra mundial na época da Guerra fria, e depois uma confrontação central entre grandes potencias. O proletariado continua a ser um freio ao desencadeamento da guerra. Ele, e a população explorada em geral, não são arregimentados atrás das bandeiras das diferentes burguesias nacionais. A impossibilidade atual dos Estados-Unidos, para recrutar soldados destinados a servir de bucha de canhão nos conflitos do Iraque e do Afeganistão, ilustra tal situação.
Este proletariado mundial, que não se submete à lei da deterioração constante de suas condições de vida, resultado do agravamento da crise mundial, vai necessariamente ampliar suas lutas. Ora, desde dois anos, estas lutas, que são mundiais, apresentam de maneira crescente características necessárias ao desenvolvimento futuro de um processo revolucionário:
- o caráter maciço da luta, como vimos recentemente com a greve de dois milhões de operários em Bangladesh;
- a solidariedade demonstrada pelos proletários do aeroporto de Heathrow e dos transportes de Nova York em 2005;
- a capacidade de fazer surgir, no fogo da luta, assembléias maciças abertas a todos os operários, como na greve dos metalúrgicos de Vigo em Espanha durante a última primavera européia;
- a capacidade da luta dos estudantes na França, nesta mesma primavera, de dar nascimento a assembléias de luta soberanas, capazes de preservar a independência da luta em relação aos sindicatos e partidos da burguesia que só buscam controlá-la para derrotá-la.
A propósito deste último movimento, houve uma insistência para que déssemos mais caracterizações. O que fizemos brevemente. Embora não fossem essencialmente os assalariados que se mobilizaram, aqueles que foram à luta já fazem parte do proletariado. Com efeito, uma proporção muito alta de estudantes tem que trabalhar para sobreviver, e uma mesma proporção vão integrar, no fim de seus estudos, as fileiras do proletariado. Os estudantes lutaram para a revogação de uma lei que, por piorar a precariedade, considera o conjunto do proletariado. E foi com plena consciência que a grande maioria do movimento se comprometeu com a procura da solidariedade do conjunto do proletariado e também com tentativas de mobilizá-la para a luta. Houve manifestações massivas mobilizando até 3 milhões de pessoas no mesmo dia na França, em diferentes cidades. Tiveram regularmente lugar, na maioria das universidades em greve, assembléias gerais soberanas que constituíram o pulmão da luta. A solidariedade ficou no centro da mobilização enquanto se expressava na população, e dentro do proletariado em particular, uma enorme corrente de simpatia a favor desta luta. Tudo isso obrigou o governo a recuar diante da mobilização para evitar que ela se ampliasse mais ainda.
Algumas intervenções expressaram preocupações acerca de dificuldades objetivas do desenvolvimento da luta de classe: "Será que a dissolução das unidades de produção não vai constituir um obstáculo a tal desenvolvimento?". De maneira geral, assistimos a uma diminuição do proletariado industrial como resultado de mutações no processo de produção (das quais também resulta o aumento de proletários trabalhando no setor dito terciário), da crise econômica e dos deslocamentos de setores de produção para países nos quais a mão-de-obra é mais barata, como a China que conheceu, nestes últimos anos, um desenvolvimento importante. Este fenômeno constitui uma dificuldade para o proletariado, mas ele já demonstrou sua capacidade em superá-la. Com efeito, o proletariado não se limita à classe operária industrial. O proletariado inclui todos que, sendo explorados, só possuem sua força de trabalho para vender enquanto fonte de sobrevivência. Ele existe em todos os lugares e seu lugar privilegiado para se agrupar e se unificar é a rua, como foi demonstrado no movimento dos estudantes na França contra a precariedade.
O deslocamento de setores de atividade para países tais como a China cria uma divisão entre o proletariado chinês, hiper-explorado em condições terríveis, e o proletariado dos países centrais que, por conta do desaparecimento de centros de produção, sofre as conseqüências de um desemprego acentuado. Mas isso não é uma situação excepcional. Com efeito, desde o começo de sua existência, os proletários foram colocados em concorrência entre eles pela dominação do capital. E, desde o começo, a necessidade de resistir coletivamente a esta concorrência lhes permitiu superá-la pela luta coletiva. Em particular, vale a pena assinalar que a formação da Primeira Internacional respondeu à necessidade de impedir a burguesia inglesa de utilizar operários na França, Bélgica ou Alemanha para furar as greves dos operários ingleses. Hoje, apesar de lutas importantes do proletariado chinês, ele não é capaz, por si só, de romper seu isolamento. Isso coloca em evidência a responsabilidade do proletariado dos países mais potentes para impulsionar, através suas lutas, a solidariedade internacional.
O desenvolvimento da luta de classe será marcado pela capacidade crescente do proletariado de controlar suas lutas e desenvolver sua capacidade de auto-organização. É por isso que a prática de assembléias gerais soberanas, elegendo delegados revocáveis por elas, tende a se generalizar. Essa prática antecede surgimento dos conselhos operários, futuros órgãos do exercício do poder pelo proletariado. Este tipo de organização é a única que permite aos proletários possuírem coletivamente o controle crescente sobre a sociedade, sua existência e o futuro.
Um tal objetivo não pode ser alcançado por meio de formas organizativas que não saem do marco da organização burguesa da sociedade, como par exemplo a dita democracia participativa, supostamente visando corrigir os defeitos da democracia representativa clássica. Uma intervenção pediu a nossa opinião sobre esta questão. A democracia participativa não é nada mais que o meio de fazer com que os explorados e os excluídos gerenciem sua própria miséria, e enganá-los sobre um pretendido poder que eles teriam adquirido na sociedade. No final das contas, ela não é nada mais que uma mera mistificação.
A perspectiva revolucionária
É necessário apoiar as perspectivas de desenvolvimento da luta de classes sobre a experiência histórica do proletariado. A propósito disso, a questão seguinte nos foi colocada: "Porque a comuna de Paris e a revolução russa foram derrotadas? E porque a revolução russa degenerou?"
A Comuna de paris não constitui realmente uma revolução, foi uma insurreição vitoriosa do proletariado limitada a uma cidade. Suas limitações resultaram essencialmente da imaturidade das condições objetivas. Com efeito, nessa época, de um lado, o proletariado não tinha se desenvolvido a ponto de ter a capacidade de enfrentar, nos principais países industrializados, o capitalismo para derrubá-lo e, por outro lado, o capitalismo não tinha acabado de constituir um sistema progressista, capaz de desenvolver as forças produtivas sem que as suas contradições se manifestassem de maneira crônica e mais brutal ainda. A situação mudou no começo do século XX, com o surgimento dos primeiros conselhos operários em 1905 na Rússia, órgãos de poder da classe revolucionária. E pouco depois, a deflagração da Primeira Guerra Mundial foi a primeira manifestação brutal da entrada do sistema na sua fase de decadência, na sua "fase de guerras e revoluções" como a tinha caracterizada a Internacional comunista. Em reação ao desencadeamento da barbárie a um grau desconhecido até então, uma onda revolucionaria se desenvolveu em escala mundial e, de novo, os conselhos operários fizeram sua aparição. O proletariado conseguiu tomar o poder político na Rússia, mas uma tentativa revolucionaria foi derrotada na Alemanha em 1919, graças à capacidade da social-democracia de enganar os proletários, o que enfraqueceu consideravelmente a dinâmica revolucionaria mundial que, já em 1923, estava quase acabada. Isolado, o poder do proletariado na Rússia só podia degenerar. A contra-revolução se manifestou pela ascensão do stalinismo e através da formação de uma nova classe burguesa personificada pela burocracia do estado. Mas, ao contrario da Comuna de Paris, que não pôde se estender por conta da insuficiência das condições materiais, a onda revolucionaria mundial foi derrotada por falta de consciência considerando a alternativa em jogo. Por incapacidade também de desmascarar as manobras do inimigo de classe e de entender realmente que a social-democracia tinha definitivamente traído o internacionalismo proletário e o proletariado na Guerra mundial, através do seu posicionamento a favor dos diferentes campos imperialistas.
Menos de um ano depois de ter feito uma apresentação na universidade de Vitória Conquista, diante mais de 250 estudantes, sobre o tema "A esquerda comunista e a continuidade do marxismo", esta última reunião nos permitiu verificar com muita satisfação um interesse crescente das novas gerações para um futuro de luta de classe que recusa a miséria material, moral e intelectual deste mundo em decomposição. Convidamos a todos que estiveram presentes à reunião ou que tiverem a oportunidade de ler o presente artigo a dar continuidade ao debate iniciado manifestando por escrito acerca das questões aqui apresentadas.
CCI (12 de outubro)
[1] Com objetivo de facilitar a leitura deste relatório, alteramos a ordem dos assuntos abordados na discussão para agrupá-los por temas gerais.