A guerra na Ucrânia não é um trovão num céu azul. Sua devastação ocorre em um momento em que os fenômenos catastróficos se multiplicam: deterioração ambiental, crise econômica acelerada, convulsões políticas que afetam até o país mais antigo do capitalismo (o Reino Unido), o retorno de terríveis fomes em grande escala, migrações massivas de populações fugindo de zonas de guerra, massacres, perseguições ou miséria... Esta combinação de fenômenos, sua interdependência e interação, levou a Corrente Comunista Internacional a adotar o documento que publicamos abaixo, que tenta integrá-los a uma estrutura histórica mais ampla, levando em conta o evento igualmente importante do surgimento de um movimento de greve em larga escala que abalou o Reino Unido como resultado de um profundo descontentamento: "o verão da raiva".
1. Os anos vinte do século XXI estão se configurando para ser um dos períodos mais convulsivos da história e já estão acumulando desastres e sofrimentos indescritíveis. Começou com a pandemia Covid-19 (que ainda está ocorrendo) e uma guerra no coração da Europa, que está ocorrendo há mais de nove meses e cujo resultado ninguém pode prever. O capitalismo entrou em uma fase de grave distúrbio em todas as frentes. Por trás desse acúmulo e entrelaçamento de convulsões está a ameaça de destruição da humanidade. Como já assinalamos em nossas teses "Decomposição, a fase final da decadência do capitalismo [1]"[1], o capitalismo "É a primeira [sociedade] a pôr em perigo a própria sobrevivência da humanidade, a primeira capaz de destruir a espécie humana" (tese 1).
2. A decadência do capitalismo não é um processo homogêneo e regular: ele tem, ao contrário, uma história que se expressa através de várias fases. A fase de decomposição foi identificada em nossas "Teses" como "uma fase específica - e última - da sua história, aquela em que a decomposição social se torna um fator, até mesmo o fator decisivo na evolução da sociedade" (Tese 2). É claro que se o proletariado não fosse capaz de derrubar o capitalismo, testemunharíamos uma terrível agonia que levaria à destruição da humanidade.
3. Com o súbito surto da pandemia de Covid, identificamos quatro características da fase de decomposição:
- A crescente severidade de seus efeitos. A pandemia causou entre 15 e 20 milhões de mortes, a paralisia geral da economia por mais de um ano, o colapso dos sistemas nacionais de saúde, a incapacidade dos estados de se coordenarem internacionalmente para combater o vírus e produzir vacinas, com cada estado afundando em vez disso em uma política do cada um por si. Tal situação reflete não apenas a impossibilidade de o sistema escapar de suas leis ditadas pela concorrência, mas também a exacerbação das rivalidades que resultaram no descuido, aberração e caos da gestão burguesa, e isto no próprio coração dos países mais poderosos ou desenvolvidos do planeta.
- a irrupção dos efeitos da decomposição no nível econômico. Esta tendência, já observada no 23e Congresso da CCI, foi plenamente confirmada e constitui uma "novidade" porque desde os anos 80 a burguesia dos países centrais tinha conseguido proteger a economia dos principais efeitos da decomposição.[2]
- A crescente interação de seus efeitos, que agrava as contradições do capitalismo a um nível nunca antes alcançado. De fato, nos trinta anos anteriores, a burguesia tinha mais ou menos conseguido (especialmente nos países centrais) isolar ou limitar os efeitos da decomposição, geralmente impedindo-os de interagir. O que se tornou claro nos últimos dois anos é a interação e entrelaçamento da barbárie bélica, uma crise ecológica fenomenal, o caos no aparelho político de um bom número de burguesias importantes, a atual pandemia e o risco crescente de novas crises sanitárias, fome, o êxodo gigantesco de milhões de pessoas, a propagação das ideologias mais retrógradas e irracionais, etc.., tudo isso em meio a um virulento agravamento da crise econômica que enfraquece ainda mais amplos setores da população, em particular os proletários expostos ao crescente empobrecimento e a uma deterioração acelerada de suas condições de vida (desemprego, precariedade, dificuldade em encontrar alimentos, moradia...).
- A crescente presença de seus efeitos nos países centrais. Se, nos últimos trinta anos, os países centrais têm sido relativamente protegidos dos efeitos da decadência, agora estão sendo duramente atingidos e, pior ainda, tendem a se tornar seus maiores propagadores, como nos Estados Unidos, onde no início de 2021 testemunhamos a tentativa de invasão do Capitólio pelos partidários do populista Trump como se fosse uma república bananeira comum.
4 - O ano de 2022 foi uma mostra marcante destas quatro características, através de :
- O início da guerra na Ucrânia.
- O surgimento de ondas sem precedentes de refugiados.
- A continuidade da pandemia com sistemas de saúde à beira do colapso.[3]
- Uma crescente perda de controle pela burguesia sobre seu aparato político, da qual a crise no Reino Unido foi uma manifestação espetacular.
- Uma crise agrícola que leva a escassez de muitos produtos alimentícios em um contexto de superprodução generalizada, que é um fenômeno relativamente novo em mais de um século de decadência: "No curto prazo, a mudança climática está atacando os pilares da segurança alimentar. O aumento das temperaturas e a extrema variabilidade climática ameaçam prejudicar as colheitas; de fato, em 2020, os tempos de cultivo foram reduzidos em 9,3 dias para o milho, 1,7 dias para o arroz e 6 dias para o trigo no inverno e na primavera, em comparação com o período entre 1981 e 2004."[4]
- A fome assustadora está atingindo cada vez mais países.[5]
A agregação e interação de fenômenos destrutivos leva a um "efeito vórtice" que concentra, catalisa e multiplica cada um de seus efeitos parciais, causando ainda mais devastação destrutiva. Alguns cientistas veem isto mais ou menos claramente, como Marine Romanello do University College London: "Nosso relatório deste ano revela que estamos em um momento crítico. Vemos como a mudança climática está afetando gravemente a saúde no mundo todo, enquanto a dependência global contínua de combustíveis fósseis está exacerbando este dano à saúde em meio a uma multiplicidade de crises globais. Este "efeito vórtex" é uma mudança qualitativa cujas consequências se tornarão cada vez mais evidentes no próximo período.
Neste contexto, é necessário sublinhar o papel motor da guerra como uma ação intencional e planejada dos estados capitalistas, tornando-se o mais poderoso e sério fator de caos e destruição. Na verdade, a guerra na Ucrânia teve um efeito multiplicador dos fatores de barbárie e destruição, envolvendo :
- O risco de bombardeio de usinas nucleares está sempre presente, como pode ser visto particularmente em torno da localidade de Zaporijjia.
- O perigo do uso de armas químicas e nucleares.
- A escalada violenta do militarismo com suas consequências para o meio ambiente e o clima.
- O impacto direto da guerra sobre a crise energética e a crise alimentar.
Neste contexto, precisamos compreender em toda a sua gravidade a expansão da crise ambiental para níveis nunca antes vistos:
- Uma onda de calor de verão, a pior desde 1961, com a perspectiva de tais ondas de calor se tornarem permanentes.
- Uma seca nunca vista antes, a pior em 500 anos, segundo os especialistas, afetando até mesmo rios como o Tâmisa, o Reno ou o Pó, que geralmente fluem rapidamente.
- Os incêndios foram devastadores, também os piores em décadas.
- Cheias incontroláveis como as do Paquistão, onde afetaram um terço da superfície do país (assim como na Tailândia).
- Um risco de colapso da camada de gelo como resultado do derretimento das geleiras do tamanho do Reino Unido, com consequências catastróficas.
Outro fator ligado à crise ambiental, que ao mesmo tempo a agrava, é o estado dilapidado das usinas nucleares[6] no contexto da crise energética (resultante da crise econômica), mas também como consequência da guerra na Ucrânia. Há claramente um risco de desastres sem precedentes, além do risco de bombardeio de usinas nucleares ucranianas.
Não somos os únicos a ver a gravidade da situação, e é mesmo uma personalidade que de forma alguma pode ser suspeita de ser um inimigo do capitalismo que proclama que "a crise climática está nos matando. Isto acabaria não só com a questão da saúde de nosso planeta, mas também de toda sua população através da contaminação atmosférica"... (diz Antônio Guterres, Secretário Geral da ONU em uma mensagem para sua Assembleia Geral em setembro de 2022).
5. O pano de fundo para este desenvolvimento catastrófico é o agravamento dramático da crise econômica que vem se desenvolvendo desde 2019 e que foi exacerbada primeiro pela pandemia e depois pela guerra. Esta crise está se formando para ser uma crise mais longa e profunda do que a de 1929. Primeiramente, porque a irrupção dos efeitos da decomposição sobre a economia tende a bagunçar o funcionamento da produção, causando constantes gargalos e bloqueios em uma situação de crescente desemprego combinado, paradoxalmente, com situações de escassez de mão de obra. Acima de tudo, ela se expressa no desencadeamento da inflação, que os vários planos de resgate sucessivos, apressadamente implantados pelos Estados diante da pandemia e da guerra, só alimentaram através de uma corrida precipitada para o endividamento. O aumento das taxas de juros pelos bancos centrais, numa tentativa de conter a inflação, corre o risco de precipitar uma recessão muito violenta, estrangulando tanto os estados quanto as empresas. É um verdadeiro tsunami de miséria, uma pauperização brutal do proletariado nos países centrais que está agora em andamento.
6. Como resultado, países importantes estão em uma situação cada vez mais perigosa, que pode ter sérias repercussões para o mundo como um todo:
- É provável que haja grandes tumultos na Rússia. É improvável que uma simples remoção de Putin do cargo fosse sem derramamento de sangue e conflitos sangrentos entre facções rivais. A possível fragmentação de partes da Rússia, o maior e mais fortemente armado Estado do mundo, teria consequências imprevisíveis para o mundo inteiro.
- A China é cada vez mais afetada pelos repetidos golpes da pandemia (e possivelmente outros que virão), o enfraquecimento da economia, os repetidos desastres ambientais e a enorme pressão imperialista dos EUA. O esforço econômico e estratégico das "Novas Estradas da Seda" só pode agravar ainda mais a situação difícil do capitalismo chinês. Como a Resolução sobre a Situação Internacional do 24e Congresso da CCI [2] aponta: "a China é uma bomba relógio [...] O controle totalitário sobre todo o corpo social, o endurecimento repressivo da fração estalinista de Xi Jinping, não são uma expressão de força, mas uma manifestação da fraqueza do Estado, cuja coesão é ameaçada pela existência de forças centrífugas dentro da sociedade e importantes lutas de grupo dentro da classe dominante."
- Os próprios Estados Unidos estão no auge do mais sério conflito burguês desde a Segunda Guerra Mundial, " a extensão das divisões dentro da classe dirigente dos EUA foi revelada pelas eleições contestadas de novembro de 2020, e especialmente pela invasão do Capitólio pelos partidários do Trump em 6 de janeiro de 2021, estimulada pelo próprio Trump e sua comitiva. Este último evento demonstra que as divisões internas nos Estados Unidos passam pela sociedade como um todo. Embora Trump tenha sido expulso do governo, o Trumpismo continua a ser uma força poderosa e fortemente armada, expressa tanto nas ruas como nas urnas".[7] Isto só foi confirmado recentemente com as eleições intermediárias de Biden, onde as divisões entre cada partido rival (Democratas e Republicanos) nunca foram tão profundas e exacerbadas, assim como as clivagens dentro de cada um dos dois campos, mesmo com o peso do populismo e das ideologias mais retrógradas, marcada pela rejeição do pensamento racional, coerente e construído, longe de ser refreada por tentativas de deixar de lado uma nova candidatura de Trump, só se tornou cada vez mais profunda e duradouramente enraizada na sociedade americana, como no resto do mundo. Isto é uma indicação de como as relações sociais apodreceram .
7 - A deterioração da situação mundial a um nível sem precedentes é ainda agravada por dois fatores muito importantes ligados ao controle insuficiente por parte dos Estados capitalistas, especialmente os mais poderosos, das relações sociais como um todo:
- Como notamos com a crise do Covid-19 e mesmo antes (em nosso 23e congresso), a capacidade de cooperação entre os grandes Estados para atrasar e diminuir o impacto da crise econômica e limitar ou adiar os efeitos da decomposição para os países mais fracos, enfraqueceu consideravelmente e a tendência não é para o "retorno" das políticas de "cooperação internacional", mas sim o contrário. Tal dificuldade só pode agravar o caos global.
- Por outro lado, dentro das grandes burguesias do mundo, não se pode detectar razoavelmente o surgimento de políticas que poderiam conter, mesmo parcialmente ou temporariamente, uma erosão tão destrutiva e rápida. Sem subestimar a capacidade de resposta da burguesia, não se vê, pelo menos por enquanto, a implementação de políticas similares às dos anos 80 e 90 que mitigaram e retardaram os piores efeitos da crise e da decomposição.
8. Este desenvolvimento, embora possa nos surpreender por sua velocidade e escala, foi em grande parte previsto pela atualização de nossa análise sobre decomposição feita pelo 22e congresso.[8] Por um lado, o relatório reconheceu claramente o aumento do populismo nos países centrais como uma importante manifestação da perda de controle da burguesia sobre seu aparato político. Da mesma forma, mencionamos como outra manifestação a erupção de ondas de refugiados e o êxodo de pessoas para os centros do capitalismo e apontamos, em particular, o desastre ambiental e sua escala.
Ao mesmo tempo, o relatório havia identificado problemas que hoje não figuram de forma proeminente na mídia, mas que continuam a piorar: terrorismo, o problema habitacional nos países centrais, a fome e, em particular, "a destruição das relações humanas, dos laços familiares e emocionais que só pioraram, como demonstra o consumo de antidepressivos, a explosão do sofrimento psicológico no trabalho, bem como o aparecimento de verdadeiros hecatombe, como o que ocorreu na França durante o verão de 2003, quando 15.000 pessoas idosas adicionais morreram durante o período da onda de calor". Deve-se notar que a pandemia endureceu consideravelmente esta tendência ao extremo e que os suicídios e doenças psicológicas durante este período foram considerados como "uma segunda pandemia".
9. A perspectiva que estamos postulando segue coerentemente o quadro analítico desenvolvido pelas "Teses sobre Decomposição" trinta anos antes:
- "Em tal situação, em que as duas classes fundamentais e antagônicas da sociedade se confrontam sem conseguir impor sua própria resposta decisiva, a história continua, no entanto, seu curso. No capitalismo, ainda menos do que nos outros modos de produção que o precederam, a vida social não pode "estagnar" ou ser "congelada"" (tese 4). Durante trinta anos, o apodrecimento só se aprofundou e agora está levando a um agravamento qualitativo, mostrando suas consequências destrutivas de uma forma nunca vista antes.
- "nenhum modo de produção pode continuar vivendo, desenvolver-se, estabelecer-se sobre bases firmes, manter a coesão social, se não for capaz de dar uma perspectiva ao conjunto da sociedade que domina. E isto é ainda mais verdade para o capitalismo, tendo sido o modo de produção mais dinâmico da história" (tese 5). A situação atual é a continuação de mais de cinquenta anos de agravamento ininterrupto da crise capitalista sem que a burguesia tenha sido capaz de oferecer uma perspectiva, enquanto o proletariado ainda não foi capaz de avançar a sua própria: a revolução comunista. Ela está arrastando o mundo para uma espiral de barbárie e destruição na qual os países centrais, que durante todo um período tinham desempenhado um papel de freio relativo na decomposição, estão agora se tornando um fator agravante.
- A decomposição "Esta decomposição não volta a qualquer tipo de sociedade anterior, a qualquer fase anterior da vida do capitalismo [...].Hoje, a civilização humana está perdendo uma certa quantidade do que adquiriu (o domínio da natureza, por exemplo); mas não é por isso que recuperará a capacidade de progresso e conquista, características, especialmente, do capitalismo ascendente. O curso da história é irreversível: a decomposição conduz, como o seu nome tão bem indica, ao desmembramento e à putrefacção da sociedade, ao nada." (tese 11).
10. Diante desta situação, as "Teses sobre Decomposição", embora alertando que, "ao contrário do que acontecia nos anos 70, o tempo já não desempenha um papel em favor da classe trabalhadora" (tese 16) e que existe o perigo de uma lenta, mas em última instância irreversível, erosão dos próprios fundamentos do comunismo, deixam claro que "a perspectiva histórica segue aberta" (tese 17).
De fato, "Apesar do golpe à consciência do proletariado, resultando do colapso do Bloco do Leste, o proletariado não sofreu grandes derrotas no campo das suas lutas. A sua combatividade permanece intacta. Mas, além disso, e este é o elemento que determina em última instância a evolução da situação mundial, o mesmo fator que está na origem do desenvolvimento da decomposição, o agravamento inexorável da crise do capitalismo, constitui o estímulo essencial para a luta e a consciência da classe", a própria condição de sua capacidade de resistir ao veneno ideológico do apodrecimento da sociedade. Sua luta contra os efeitos diretos da própria crise constitui a base para o desenvolvimento de sua força e de sua unidade de classe. (tese 17).
"A crise econômica, ao contrário da decomposição social, que diz respeito essencialmente às superestruturas, é um fenômeno que afeta diretamente a infraestrutura da sociedade em que se baseiam as superestruturas; é por isso que a crise põe a nu as primeiras causas de toda a barbárie que paira sobre a sociedade, permitindo assim que o proletariado tome consciência da necessidade de mudar radicalmente o sistema e não mais pretender melhorar alguns aspectos do mesmo" (tese 17).
Esta perspectiva está de fato começando a surgir: "diante dos ataques da burguesia, a classe trabalhadora do Reino Unido mostra que está mais uma vez pronta para lutar por sua dignidade, para recusar os sacrifícios que são constantemente impostos pelo capital. E mais uma vez, é o reflexo mais significativo da dinâmica internacional: no inverno passado, começaram a surgir greves na Espanha e nos Estados Unidos; neste verão, a Alemanha e a Bélgica também experimentaram as greves; para os próximos meses, todos os comentaristas estão anunciando "uma situação social explosiva" na França e na Itália. É impossível prever onde e quando a combatividade dos trabalhadores se manifestará novamente em massa num futuro próximo, mas uma coisa é certa, a escala da atual mobilização dos trabalhadores no Reino Unido é um fato histórico importante: os dias de passividade e submissão acabaram. As novas gerações de trabalhadores estão levantando suas cabeças."[9]
Temos destacado as lutas no Reino Unido como uma ruptura da passividade e desorientação que prevaleciam antes. O retorno da combatividade dos trabalhadores em resposta à crise pode se tornar uma fonte de conscientização, assim como nossa intervenção, que é essencial diante de tal situação. É evidente que cada aceleração da decomposição consegue deter os esforços de combatividade dos trabalhadores: o movimento na França 2019 sofreu uma parada quando a pandemia eclodiu. Isto significa uma dificuldade adicional e não insignificante diante do desenvolvimento das lutas e da recuperação da confiança do proletariado em si mesmo e em suas próprias forças. No entanto, não há outra maneira além da luta. A retomada da luta é, em si mesma, uma primeira vitória. O proletariado mundial em um processo muito atormentado, com muitas derrotas amargas, pode finalmente recuperar sua identidade como classe e eventualmente lançar uma ofensiva internacional contra este sistema moribundo.
11. A década de 2020 do século 21e terá, portanto, uma importância considerável no desenvolvimento histórico neste contexto. Eles mostrarão com ainda maior clareza do que no passado a perspectiva de destruição da humanidade contida na decomposição capitalista. No outro polo, o proletariado começará a dar seus primeiros passos, como aqueles delineados através da combatividade das lutas na Grã-Bretanha, para defender suas condições de vida diante da multiplicação dos ataques de cada burguesia e dos golpes da crise econômica mundial com todas as suas implicações. Estes primeiros passos serão muitas vezes hesitantes e cheios de fraquezas, mas são essenciais para que a classe trabalhadora possa reafirmar sua capacidade histórica de impor sua perspectiva comunista. Assim, os dois polos da perspectiva se opõem globalmente na alternativa: destruição da humanidade ou revolução comunista, mesmo que esta última alternativa ainda esteja muito distante e enfrente enormes obstáculos. Esclarecer este contexto histórico é uma tarefa imensa, mas absolutamente necessária e vital para as organizações revolucionárias do proletariado. Requer que eles sejam os melhores defensores e propagadores de uma perspectiva geral. É também um teste crucial de sua capacidade de analisar e dar respostas aos desafios colocados pelos diferentes aspectos da situação atual: guerra, crise, luta de classes, crise ambiental, crise política, etc.
CCI, 28 de outubro de 2022
[1] Adotado em 1990
[2] Ver Relatório sobre a Crise Econômica para o 24º Congresso da CCI (julho de 2020).
[3] Globalmente, o risco para a saúde humana em todos os países, incluindo os "mais desenvolvidos", aumentou drasticamente, enquanto os cientistas também alertam para a possibilidade de novas pandemias. O estudo de uma equipe do London University College publicado no The Lancet também mostra como a crise climática aumentou a disseminação da dengue em 12% entre 2018 e 2021 e que "as mortes por ondas de calor aumentaram em 68% entre 2017 e 2021, em comparação com o período entre 2000 e 2004".
[4] A Lanceta (2022). Deve-se notar que embora a enorme deterioração ecológica não seja o único fator na crise alimentar, a concentração da produção em pouquíssimos países e a forte especulação financeira com trigo e outros alimentos básicos tornam mais grave o problema.
[5] À sua maneira, o Fundo Monetário Internacional reconhece a realidade da situação: "é mais provável que o crescimento abrande ainda mais e que a inflação seja mais alta do que o esperado. Em geral, os riscos são elevados e amplamente comparáveis à situação no início da pandemia - uma combinação de fatores sem precedentes está moldando o panorama, com elementos individuais interagindo de maneiras que são inerentemente difíceis de prever. Muitos dos riscos descritos abaixo são essencialmente uma intensificação das forças já presentes no cenário de base. Além disso, a realização de riscos a curto prazo pode precipitar riscos a médio prazo e tornar mais difícil a resolução de problemas a longo prazo."
[6] Na França, um gigante mundial da energia nuclear, 32 de seus 56 reatores nucleares estão fechados.
[7] Resolução sobre a situação internacional do 24e Congresso da CCI.
[8] Ver Report on Decomposition Today (May 2017) [3], International Review No. 164.
Enquanto a burguesia e sua mídia não param de esconder a falência histórica do capitalismo, a burguesia, quando reúne os principais líderes do mundo no Fórum Econômico Mundial em Davos e fala entre seus pares, não consegue evitar uma certa lucidez. As conclusões do relatório geral apresentado ao Fórum são particularmente edificantes desse ponto de vista:
"Os primeiros anos desta década marcaram um período particularmente conturbado na história humana. O retorno a um 'novo normal' após a pandemia de Covid-19 foi rapidamente prejudicado pela eclosão da guerra na Ucrânia, dando início a uma nova série de crises de alimentos e energia, desencadeando problemas que décadas de progresso tentaram resolver.
Ao entrarmos em 2023, o mundo está enfrentando uma série de riscos que são ao mesmo tempo, completamente novos e assustadoramente familiares. Testemunhamos o retorno de riscos "antigos" - inflação, crises de custo de vida, guerras comerciais, saídas de capital dos mercados emergentes, agitação social generalizada, confrontos geopolíticos e o espectro da guerra nuclear - que poucos líderes empresariais e tomadores de decisões públicas desta geração vivenciaram. Esses fenômenos são amplificados por desenvolvimentos relativamente novos no cenário de risco global, incluindo níveis insustentáveis de dívida, uma nova era de baixo crescimento, redução do investimento global e desglobalização, um declínio no desenvolvimento humano após décadas de progresso, o desenvolvimento rápido e irrestrito de tecnologias de uso duplo (civil e militar) e a pressão crescente dos impactos e das ambições da mudança climática em uma janela de transição cada vez menor para um mundo de +1,5°C. Todos esses fatores estão convergindo para moldar uma década única, incerta e conturbada.
A próxima década será caracterizada por crises ambientais e sociais, alimentadas por tendências geopolíticas e econômicas subjacentes. A "crise do custo de vida" é classificada como o risco global mais grave para os próximos dois anos, com um pico de curto prazo. A "perda de biodiversidade e o colapso do ecossistema" são vistos como um dos riscos globais que se deteriorarão mais rapidamente na próxima década, e todos os seis riscos ambientais figuram entre os dez principais riscos para os próximos dez anos. Nove riscos aparecem na classificação dos dez principais riscos de curto e longo prazo, incluindo "confronto geoeconômico" e "erosão da coesão social e polarização da sociedade", além de dois recém-chegados à classificação: "cibercrime e cibersegurança generalizados" e "migração involuntária em larga escala"". [1]
Essa longa citação não vem de uma publicação da CCI. Ela é fruto do trabalho de um dos think tanks mais conceituados entre os principais líderes políticos e econômicos do mundo. Na verdade, essas observações em sua maioria estão alinhadas com o texto adotado pela CCI em outubro de 2022 sobre a aceleração da decomposição capitalista:
"Os anos vinte do século XXI estão se configurando para ser um dos períodos mais convulsivos da história e já estão acumulando desastres e sofrimentos indescritíveis. Começou com a pandemia Covid-19 (que ainda está ocorrendo) e uma guerra no coração da Europa, que está ocorrendo há mais de nove meses e cujo resultado ninguém pode prever. O capitalismo entrou em uma fase de grave distúrbio em todas as frentes. Por trás desse acúmulo e entrelaçamento de convulsões está a ameaça de destruição da humanidade. [...]
Com o súbito surto da pandemia de Covid, identificamos quatro características da fase de decomposição:
O ano de 2022 foi uma mostra marcante destas quatro características:
A agregação e a interação de fenômenos destrutivos levam a um "efeito turbilhão" que concentra, catalisa e multiplica cada um de seus efeitos parciais, causando uma devastação ainda mais destrutiva. [...] Esse 'efeito turbilhão' representa uma mudança qualitativa cujas consequências se tornarão cada vez mais evidentes no futuro".[2]
Na realidade, não foi por alguns meses que a análise da CCI precedeu a dos especialistas mais informados da classe dominante, mas por várias décadas, uma vez que as descobertas apresentadas neste texto são simplesmente uma confirmação impressionante das previsões que já havíamos apresentado no final da década de 1980, principalmente em nossas "Teses sobre decomposição".
O "efeito turbilhão", mencionado em nosso texto, destaca o fato de que basta que um desses fenômenos se agrave para que ele imediatamente desencadeie explosões e reações em cadeia sobre outros efeitos da decomposição, de modo que crises parciais se transformem em um turbilhão incontrolável de catástrofes.
O Relatório de Riscos Globais não difere quando fala da dinâmica que conduz ao que a burguesia chama de "policrise": "Choques simultâneos, riscos profundamente interconectados e a erosão da resiliência dão origem ao risco de policrise, em que crises díspares interagem de tal forma que o impacto geral excede em muito a soma de cada parte. A erosão da cooperação geopolítica terá efeitos cascatas sobre o cenário de risco global no médio prazo, inclusive contribuindo para uma possível policrise de riscos ambientais, geopolíticos e socioeconômicos inter-relacionados ligados à oferta e à demanda de recursos naturais. O relatório descreve quatro possíveis futuros centrados na escassez de alimentos, água, metais e minerais, que podem desencadear uma crise humanitária e ecológica, desde guerras por água e fome até a contínua superexploração de recursos ecológicos e a desaceleração da mitigação e adaptação às mudanças climáticas". A descrição muito precisa do Relatório de Riscos Globais sobre a "interconexão dos riscos globais" é basicamente, sem que se tenha consciência disso, o processo que leva à barbárie total e à destruição da humanidade.
Essa objetividade, por outro lado, é abandonada pelos especialistas burgueses quando tentam explicar a origem desses "riscos". Embora eles não se estabeleçam esse objetivo, podemos deduzir, a partir das evidências que apresentam, que as raízes dos cataclismos se encontram em supostas decisões inadequadas. As soluções que propõem baseiam-se em um otimismo ingênuo, esperando "uma mudança significativa na política ou no investimento", uma colaboração feliz entre os estados e com o capital privado.
Enredado em uma visão burguesa da situação histórica, o Global Risks Report não consegue entender que os fenômenos que ele consegue descrever são o resultado da própria existência do capitalismo, que a guerra, a destruição ecológica ou a crise econômica não têm solução nesse sistema. Embora, desde seu início, o capitalismo tenha sido um sistema baseado na exploração humana, na depredação e na destruição da natureza, o capitalismo foi um fator de desenvolvimento político e social na época de seu surgimento (principalmente no século XIX). Mas, como qualquer modo de produção, ele acabou atingindo sua fase de decadência, uma fase em que o desenvolvimento das forças produtivas entra cada vez mais em oposição às relações de produção que as restringem. Não é coincidência que tenha sido a Primeira Guerra Mundial que deu início ao processo de decadência do sistema: desde então, o militarismo e a guerra definem a vida econômica e política da burguesia.
Reconhecendo a decadência capitalista, os revolucionários da Terceira Internacional a definiram em sua plataforma programática como "a época da desintegração do capitalismo, de seu colapso interno. A época da revolução comunista do proletariado". Portanto, a decadência representa as condições materiais que permitem o amadurecimento das condições da revolução social.
Mais de cem anos depois desse ponto de inflexão, o impasse no qual o capitalismo se encontra, a terrível barbárie e a destruição maciça que ele causa estão se tornando cada vez mais evidentes para a humanidade. Desde a implosão do bloco "soviético" em 1989, as contradições internas que caracterizaram a fase decadente do capitalismo realmente explodiram, revelando a podridão do sistema. Esse novo período, o da decomposição do capitalismo, é marcado por um processo de do cada um por si e de deslocamento, que se tornou o fator determinante na evolução da sociedade, reunindo e agravando fenômenos destrutivos e expondo o perigo que o capitalismo representa para a humanidade.
Essas tendências destrutivas não são apenas acentuadas, mas também aparecem juntas e, acima de tudo, interagem entre si. Assim, no início da fase de decomposição, os diferentes Estados puderam intervir e isolar os efeitos, de modo que cada catástrofe ocorreu sem estar ligada às outras.
A pandemia e, sobretudo, a guerra na Ucrânia marcaram uma mudança qualitativa na decomposição, não apenas porque seus efeitos foram globais e resultaram em milhões de mortes e pessoas deslocadas, mas também porque tiveram um impacto agravante sobre os conflitos em vários campos: destacaram a incapacidade da burguesia de conter desastres de forma coordenada, bem como sua irracionalidade, paralisaram a economia, aceleraram a crise de saúde, aguçaram as rivalidades comerciais e imperialistas etc..
É precisamente essa interação das contradições do capitalismo decadente, avançando em um turbilhão, que parece ser a principal característica dessa fase de decomposição. É na história da decadência do sistema capitalista que podemos situar os fundamentos dos eventos atuais e entender por que os anos 20 do século XXI se configuram "como um dos períodos mais convulsivos da história".
Assim como os modos de produção que o precederam, o modo de produção capitalista não é eterno. Como os modos de produção do passado, ele está destinado a ser substituído (se não destruir a humanidade antes disso) por outro modo de produção superior, correspondente ao desenvolvimento das forças produtivas, um desenvolvimento que ele mesmo tornou possível em algum momento de sua história. Um modo de produção que abolirá as relações de mercadoria que estão no centro da crise histórica do capitalismo, onde não haverá mais espaço para uma classe privilegiada que vive da exploração dos produtores.
Se a burguesia, com todas as suas equipes de especialistas, pode descrever fenômenos, ela não pode entendê-los fundamentalmente, muito menos oferecer uma solução. A única classe que pode oferecer uma alternativa à sua barbárie é o proletariado, a classe explorada no capitalismo, que não tem nenhuma vantagem a defender. Além disso, a classe trabalhadora é também a que mais sofre todo o peso dos ataques às suas condições de trabalho e de vida que decorrem diretamente da pressão acentuada da crise, acentuada por todas as manifestações de decomposição.
Apesar de todos os ataques sofridos nas últimas décadas, duas condições permitem que os trabalhadores se mantenham como uma força histórica capaz de enfrentar o capital: a primeira é que o proletariado não está derrotado e mantém seu espírito de luta. A segunda é justamente o aprofundamento da crise econômica, que expõe as causas profundas de toda a barbárie que pesa sobre a sociedade, permitindo assim que o proletariado tome consciência da necessidade de mudar radicalmente o sistema e não mais buscar apenas melhorias ilusórias em certos aspectos.
Justamente agora, sob o impulso da crise econômica, o proletariado começou a desenvolver suas lutas, como demonstram as mobilizações na Europa. Desde o verão de 2022, a classe trabalhadora da Grã-Bretanha tem saído às ruas para defender suas condições de vida. A mesma combatividade foi então expressa em mobilizações na França, Alemanha, Espanha, Bélgica e até mesmo em greves nos Estados Unidos. Desse ponto de vista, a década que se inicia também marca uma ruptura com a passividade e a desorientação que há muito tempo o proletariado demonstra.
A combatividade que agora se expressa na Europa, enfatiza que um processo de amadurecimento teve início, caminhando em direção à reconquista de uma identidade de classe genuína e à confiança na força do proletariado a nível internacional. Esse processo é o solo no qual a luta histórica da classe trabalhadora contra a barbárie do capitalismo em putrefação pode florescer, para a perspectiva revolucionária.
MA, 15 de maio de 2023
[1] "Global Risks Report, Main conclusions: some elements", apresentado no Fórum Econômico Mundial em Davos (janeiro de 2023)
Em maio de 1990, a CCI adotou teses intituladas "Decomposição, a fase final da decadência capitalista", que apresentavam nossa análise geral da situação mundial à época e após o colapso do bloco imperialista oriental no final de 1989. A ideia central dessas teses era, como o título indica, que a decadência do modo de produção capitalista, que havia iniciado na Primeira Guerra Mundial, havia ingressado em uma nova fase de sua evolução, dominada pela decomposição geral da sociedade. Em seu 22º congresso, em 2017, ao adotar um texto intitulado "Relatório sobre a decomposição hoje (maio de 2017)", nossa organização considerou necessário atualizar o documento de 1990, para "confrontar os pontos essenciais das teses com a situação atual: até que ponto os aspectos apresentados foram verificados, ou mesmo ampliados, ou foram refutados ou precisam ser complementados". Esse segundo documento, escrito 27 anos após o primeiro, mostrou que a análise adotada em 1990 foi amplamente confirmada. Ao mesmo tempo, o texto de 2017 abordou aspectos da situação global que não foram incluídos no documento de 1990, mas que complementaram o quadro apresentado e que assumiram grande importância: a explosão do fluxo de refugiados da guerra, da fome e da perseguição, e o aumento do populismo xenófobo, que está tendo um impacto crescente na vida política da classe dominante.
Hoje, a CCI acredita que é necessário atualizar os textos de 1990 e 2017, não um quarto de século depois do último, mas apenas 6 anos depois, porque no último período testemunhamos uma aceleração e amplificação espetacular das manifestações dessa decomposição geral da sociedade capitalista.
Essa mudança catastrófica e acelerada no estado do mundo obviamente não passou despercebida pelos principais líderes políticos e econômicos do mundo. O "Relatório de Riscos Globais" (GRR), baseado nas análises de uma infinidade de "especialistas" (1.200 em 2022), é apresentado todos os anos no Fórum Econômico Mundial (WEF) em Davos, onde esses líderes se reúnem:
"Os primeiros anos desta década anunciaram um período particularmente conturbado na história da humanidade. O retorno a um "novo normal" após a pandemia da COVID-19 foi rapidamente afetado pela eclosão da guerra na Ucrânia, dando início a uma nova série de crises de alimentos e energia - desencadeando problemas que décadas de progresso tentaram resolver.
Ao entrarmos em 2023, o mundo está enfrentando uma série de riscos que são completamente novos e assustadoramente familiares. Observamos o retorno de riscos "antigos" - inflação, crises de custo de vida, guerras comerciais, saídas de capital de mercados emergentes, agitação social generalizada, confrontos geopolíticos e o espectro da guerra nuclear - que poucos líderes empresariais e tomadores de decisões públicas desta geração vivenciaram. Esses fenômenos são amplificados por desenvolvimentos relativamente novos no cenário de risco global, incluindo níveis insustentáveis de dívida, uma nova era de baixo crescimento, redução do investimento global e desglobalização, um declínio no desenvolvimento humano após décadas de progresso, o desenvolvimento rápido e irrestrito de tecnologias de uso duplo (civil e militar) e a pressão crescente dos impactos e das ambições da mudança climática em uma janela cada vez menor de transição para um mundo de 1,5°C. Todos esses elementos estão convergindo para moldar uma década única, incerta e conturbada." (Principais conclusões: alguns trechos)
Em geral, seja por meio de declarações governamentais ou na grande mídia, a classe dominante tenta minimizar a extrema gravidade da situação global. Mas quando ela reúne os principais líderes mundiais ou dialoga consigo mesma, como faz no Fórum anual de Davos, ela não pode deixar de ser lúcida em certa medida. Além disso, é significativo que as descobertas alarmantes contidas neste relatório tiveram pouquíssimo eco na grande mídia, cuja vocação fundamental não é informar honestamente a população, e particularmente os explorados, mas atuar como agências de propaganda destinadas a fazê-los aceitar uma situação que está se tornando cada vez mais catastrófica, para esconder deles a completa falência histórica do modo de produção capitalista.
De fato, as conclusões contidas no relatório apresentado no Fórum de Davos em janeiro de 2023 estão amplamente alinhadas com o texto adotado pela CCI em outubro de 2022, intitulado "A aceleração da decomposição capitalista levanta abertamente a questão da destruição da humanidade". Na realidade, a análise do CCI não precedeu a dos "especialistas" mais informados da classe dominante em alguns meses, mas em várias décadas, uma vez que as conclusões apresentadas em nosso documento de outubro de 2022 nada mais são do que uma confirmação impressionante das previsões que já havíamos apresentado no final da década de 1980, notadamente em nossas "Teses sobre a decomposição". Que os comunistas tenham uma certa vantagem, até mesmo uma vantagem definitiva, sobre os "especialistas" burgueses na previsão das principais tendências catastróficas que estão atuando no mundo capitalista não é surpreendente: como regra geral, a classe dominante só pode esconder de si mesma e da classe que ela explora e que é a única que pode proporcionar uma solução para as contradições que minam a sociedade, o proletariado, uma realidade fundamental: não mais do que os modos de produção que o precederam, o modo de produção capitalista também não é eterno. Como os modos de produção do passado, ele está destinado a ser substituído, se não destruir a humanidade antes disso, por outro modo de produção superior correspondente ao desenvolvimento das forças produtivas que ele tornou possível em um determinado momento de sua história. Um modo de produção que abolirá as relações de mercadoria no centro da crise histórica do capitalismo, no qual não haverá mais espaço para uma classe privilegiada vivendo da exploração dos produtores. É precisamente por não conseguir visualizar seu próprio fim que a classe burguesa é incapaz, via de regra, de olhar com clareza para as contradições que estão levando a sociedade que ela governa à ruína.
No posfácio da 2ª edição de d’ O Capital em alemão, Marx escreveu: "O movimento contraditório da sociedade capitalista se faz sentir para o burguês prático da maneira mais impressionante, pelas vicissitudes da indústria moderna em seu ciclo periódico, cujo clímax é a crise geral. Já vemos o retorno de um conjunto de sintomas; ela está se aproximando novamente; pela universalidade de seu campo de ação e pela intensidade de seus efeitos, ela vai enfiar a dialética na cabeça até mesmo dos tatuadores que surgiram como cogumelos no novo Sacro Império Prussiano-Alemão".
Ao mesmo tempo em que a CCI adotava as teses sobre a decomposição, anunciando a entrada do capitalismo em uma nova fase, a fase final, de sua decadência, marcada por um agravamento qualitativo das contradições desse sistema e uma decomposição geral da sociedade, o "burguês prático", notadamente na pessoa do presidente Bush pai, estava extasiado com a nova e gloriosa perspectiva inaugurada a seu ver pelo colapso dos regimes stalinistas e do bloco "soviético", uma era de "paz" e "prosperidade". Hoje, diante do "movimento contraditório da sociedade capitalista", na forma não de uma crise cíclica como as do século XX, mas de uma crise permanente e insolúvel de sua economia, gerando crescente desordem social e caos, esse mesmo "burguês prático" é obrigado a deixar que um pouco de "dialética" entre na sua cabeça.
É por essa razão que a atualização das teses sobre decomposição se baseará em grande parte nas análises e previsões contidas no Relatório de Riscos Globais de 2023, bem como em nosso texto de outubro de 2022, que, em muitos aspectos, constitui uma confirmação. Uma confirmação fornecida pelos membros mais lúcidos da classe dominante, na realidade uma verdadeira admissão da falência histórica de seu sistema. O uso de dados e análises fornecidos pela classe inimiga não é uma "inovação" da CCI. De fato, os revolucionários geralmente não têm os meios para coletar os dados e as estatísticas que o aparato estatal e administrativo da burguesia reúne para suas próprias necessidades na administração da sociedade. Foi em parte, obviamente com um olhar crítico, que Engels desenvolveu seu estudo sobre "A situação da classe trabalhadora na Inglaterra". E Marx, especialmente em O Capital, utiliza com frequência as "notas azuis" dos inquéritos parlamentares britânicos. Com relação às análises e previsões produzidas pelos "especialistas" burgueses, é necessário ser ainda mais crítico do que com relação aos dados factuais, especialmente quando eles correspondem à propaganda destinada a "demonstrar" que o capitalismo é o melhor ou o único sistema capaz de garantir o progresso e o bem-estar aos humanos. No entanto, quando essas análises e previsões enfatizam o impasse catastrófico em que esse sistema se encontra, o que obviamente não corresponde à sua apologia, é útil e importante confiar nelas para apoiar e reforçar nossas próprias análises e previsões.
Parte I: A década de 2020 inaugura uma nova fase na decomposição do capitalismo
Para reduzir o tamanho da publicação deste relatório submetido e aprovado pelo Congresso, decidimos substituir a primeira parte, essencialmente baseada no relatório do Fórum Econômico Mundial, por um artigo já publicado em nosso site (A decomposição do capitalismo está se acelerando! [6]) que resume o que a ICC chama de efeito "turbilhão de crises" típico da situação atual de decomposição acelerada do capitalismo.
Parte II: O método marxista, uma ferramenta indispensável para entender o mundo de hoje
A história é a história da luta de classes
De modo geral, os grupos do MPP (Meio Político Proletário) entenderam muito pouco do que queremos dizer em nossa análise da decomposição. O grupo que foi mais longe na refutação dessa análise foi o grupo Bordiguista, que publica Le Prolétaire na França. Ele dedicou dois artigos à nossa análise da ascensão do populismo em vários países e sua ligação com a análise da decomposição (que ele descreve como "famosa e esfumaçada"), dos quais aqui estão alguns trechos:
"A Révolution Internationale explica as raízes dessa chamada "decomposição": "a atual incapacidade das duas classes fundamentais e antagônicas, a burguesia e o proletariado, de apresentar sua própria perspectiva (guerra mundial ou revolução) gerou uma situação de "bloqueio momentâneo" e o apodrecimento da sociedade". "Os proletários, que diariamente veem suas condições de exploração piorarem e suas condições de vida se deteriorarem, ficarão felizes em saber que sua classe é capaz de bloquear a burguesia e impedi-la de apresentar suas "perspectivas"..." (LP 523)
"Portanto, negamos que a burguesia tenha "perdido o controle de seu sistema político e que as políticas adotadas pelos governos da Grã-Bretanha ou dos Estados Unidos se devam a uma doença misteriosa chamada "populismo", causada pelo "afundamento da sociedade na barbárie"".
"Em termos muito gerais, essas mudanças (às quais poderíamos acrescentar o progresso da extrema direita na Suécia ou na Alemanha, com o apoio de parte do establishment político burguês) têm a função de responder a uma necessidade de dominação burguesa, seja interna ou externamente, em uma situação de acumulação de riscos econômicos e políticos em nível internacional - e não algo que 'perturbe o jogo político com a consequência de uma crescente perda de controle do aparato político burguês no terreno eleitoral'" (LP 530).
Quanto à ideia de que o populismo corresponderia a uma política "realista" genuína da burguesia e controlada por ela, o que aconteceu no Reino Unido nos últimos anos deveria fazer esse grupo pensar um pouco.
Como podemos ver, Le Prolétaire se dá ao trabalho de ir ao cerne de nossa análise: a situação de bloqueio entre as classes que surgiu após o renascimento histórico do proletariado mundial em 1968 (que ele não reconheceu, assim como o MPP como um todo). De fato, por trás desse desconhecimento, há uma incompreensão e uma rejeição da noção de curso histórico, que remonta a uma discordância que temos com os grupos que surgiram do Partido de 1945.
Para esses Bordigistas, negar a existência do período de decomposição significa negar o papel histórico fundamental desempenhado pela luta entre as classes no desenvolvimento da situação mundial. Em outras palavras, um grande desvio do método marxista. Reconhecer o fator decisivo da luta de classes somente naqueles momentos excepcionais em que o proletariado se manifesta abertamente no cenário mundial, ou seja, quando as capacidades da classe trabalhadora são óbvias para todos, é uma indicação do declínio dos epígonos da esquerda italiana.
O fato de que a burguesia sempre, em todos os momentos, seja em períodos de derrota ou recuo, ou em períodos de revolução, aprendeu a considerar as disposições da classe trabalhadora tornou-se conhecido pelo marxismo depois de 1848, após o sangrento esmagamento da insurreição do proletariado francês em junho daquele ano. O 18 Brumaire de Louis Bonaparte, de Marx, que Engels sempre apresentou como o exemplo por excelência da aplicação do método do materialismo histórico aos acontecimentos mundiais, mostra que, após os acontecimentos de 1848, a burguesia foi obrigada a reconhecer até mesmo a classe trabalhadora derrotada como seu adversário histórico. Esse reconhecimento foi um fator importante no alinhamento da classe dominante por trás do golpe de Estado de Louis Bonaparte em 1852 e na repressão da fração republicana da burguesia.[1]
Outro sucessor do Partido de 1945, a Tendência Comunista Internacionalista (TCI, antigo Bureau Internacional do Partido Revolucionário) também renunciou ao ABC do materialismo histórico, segundo o qual "a história é a história da luta de classes", e exibe com orgulho sua ignorância sobre o atual período de decomposição do capitalismo mundial e suas causas subjacentes, que residem no estado de antagonismos de classe.
A TCI também tenta apresentar nossa análise como não marxista e idealista:
"Após o colapso da URSS, a CCI repentinamente declarou que esse colapso havia criado uma nova situação na qual o capitalismo havia atingido um novo estágio, que ela chamou de "decomposição". Em sua compreensão equivocada de como o capitalismo funciona, para a CCI quase tudo o que é ruim - do fundamentalismo religioso às muitas guerras que eclodiram desde o colapso do bloco oriental - é simplesmente uma expressão do Caos e da Decomposição. Acreditamos que isso equivale a um completo abandono do terreno do marxismo, pois essas guerras, assim como as guerras anteriores da fase decadente do capitalismo, são o resultado dessa própria ordem imperialista. (...) A superprodução de capital e mercadorias, causada ciclicamente pela tendência de queda das taxas de lucro, leva a crises econômicas e contradições que, por sua vez, dão origem a guerras imperialistas. Assim que um volume suficiente de capital tiver sido desvalorizado e os meios de produção destruídos (pela guerra), um novo ciclo de produção poderá ser iniciado. Desde 1973, estamos na fase final de tal crise, e um novo ciclo de acumulação ainda não começou". (Marxismo ou idealismo - Nossas diferenças com a CCI)
É de se perguntar se os camaradas da TCI (que pensam que foi após o colapso do bloco oriental em 1989 que subitamente tiramos nossa análise da decomposição da cartola) se deram ao trabalho de ler nosso texto básico de 1990. Em sua introdução, somos muito claros: "Mesmo antes dos eventos no Leste, a CCI já havia destacado esse fenômeno histórico (veja, em particular, a International Review, nº 57)". Também é terrivelmente superficial atribuir a nós a ideia de que "quase tudo o que é ruim (...) é simplesmente a expressão do Caos e da Decomposição". E eles apresentam uma ideia fundamental que eles acham que nós não tínhamos pensado: "essas guerras, como as guerras anteriores da fase decadente do capitalismo, são o resultado dessa própria ordem imperialista". Que descoberta! Nunca dissemos nada diferente, mas a pergunta que está sendo feita, e que eles não estão se fazendo, é em que contexto histórico geral a ordem imperialista se encaixa hoje. Para os militantes da TCI, basta destruir capital constante suficiente para que se inicie um novo ciclo de acumulação. Desse ponto de vista, a destruição que está ocorrendo hoje na Ucrânia é uma bênção para a saúde da economia mundial. Precisamos transmitir essa mensagem aos líderes econômicos da burguesia que, como vimos no recente Fórum de Davos, ficaram alarmados com as perspectivas do mundo capitalista e, em especial, com o impacto negativo da guerra na Ucrânia sobre a economia mundial. De fato, aqueles que nos atribuem uma ruptura com a abordagem marxista fariam bem em reler (ou ler) os textos fundamentais de Marx e Engels e tentar entender o método que eles empregam. Se os fatos em si, a evolução da situação mundial, confirmam, dia após dia, a validade de nossa análise, é em grande parte porque ela está firmemente baseada no método dialético do marxismo (mesmo que não haja referência explícita a esse método ou citações de Marx ou Engels nas teses de 1990).
Em sua rejeição da análise da decomposição do capitalismo mundial, a TCI se distingue e se envergonha por também levar seu machado polêmico, embora sem corte, a outro pilar do método marxista do materialismo histórico, resumido no prefácio de Marx à "Contribuição à Crítica da Economia Política" de 1859 (e retomado no primeiro ponto da plataforma da CCI). As relações de produção em toda formação social na história humana - relações que determinam os interesses e as ações das classes opostas que surgiram a partir delas - são sempre transformadas de fatores no desenvolvimento das forças produtivas durante uma fase ascendente e em impedimentos negativos a essas mesmas forças durante outra fase, criando a necessidade de uma revolução social. No entanto, o período de decomposição, o ponto culminante de um século de decadência do capitalismo como modo de produção, simplesmente não existe para a TCI.
Embora a TCI use a expressão "fase de decadência do capitalismo", ela não entendeu o que essa fase significa para o desenvolvimento da crise econômica do capitalismo ou para as guerras imperialistas que decorrem dela.
Na época da ascensão do capitalismo, os ciclos de produção - comumente conhecidos como booms e bustos - eram os batimentos do coração de um sistema em expansão progressiva. As guerras limitadas daquela época podiam acelerar essa progressão por meio da consolidação nacional - como a Guerra Franco-Prussiana de 1871 fez para a Alemanha - ou conquistar novos mercados por meio da conquista colonial. A devastação das duas guerras mundiais, a destruição imperialista do período decadente e suas consequências expressam, em contraste, a ruína do sistema capitalista e seu impasse como modo de produção.
Para a TCI, entretanto, a dinâmica saudável de acumulação capitalista do século XX é eterna: para essa organização, os ciclos de produção só aumentaram de tamanho. E isso os leva ao absurdo de que um novo ciclo de produção capitalista poderia ser fertilizado nas cinzas de uma terceira guerra mundial[2]. Mesmo a burguesia não é tão estupidamente otimista quanto às perspectivas de seu sistema e tem uma compreensão melhor da era de catástrofes que enfrenta.
A TCI pode ser "economicamente materialista", mas não no sentido marxista de analisar o desenvolvimento das relações de produção em condições históricas que se alteraram fundamentalmente.
Em três obras fundamentais do movimento operário, O Capital, de Marx, a Acumulação de Capital, de Rosa Luxemburgo, e O Estado e a Revolução, de Lênin, há uma abordagem histórica para as questões em estudo. Marx dedica muitas páginas à explicação de como o modo de produção capitalista, que já dominava completamente a sociedade de sua época, se desenvolveu no decorrer da história. Rosa Luxemburgo examina como a questão da acumulação foi colocada por vários autores anteriores, e Lênin faz o mesmo com a questão do Estado. Nessa abordagem histórica, o objetivo é considerar o fato de que as realidades que estamos examinando não são estáticas, coisas intangíveis que existem desde tempos imemoriais, mas correspondem a processos em constante evolução com elementos de continuidade, mas também, e acima de tudo, de transformação e até mesmo de ruptura. As teses de 1990 procuram se inspirar nessa abordagem, apresentando a situação histórica atual dentro da história geral da sociedade, a do capitalismo e, mais particularmente, a história da decadência desse sistema. Mais concretamente, elas apontam as semelhanças entre a decadência das sociedades pré-capitalistas e a da sociedade capitalista, mas também, e acima de tudo, as diferenças entre elas, uma questão que está no cerne do início da fase de decomposição nesta última: "Enquanto nas sociedades do passado as novas relações de produção destinadas a suceder as relações de produção que se tornaram obsoletas podiam se desenvolver ao lado delas, no interior da própria sociedade - o que podia, de certa forma, limitar os efeitos e a extensão de sua decadência -, a sociedade comunista, a única capaz de suceder o capitalismo, não pode de forma alguma se desenvolver no seu interior; Portanto, não há possibilidade de qualquer regeneração da sociedade na ausência da derrubada violenta do poder da classe burguesa e da extirpação das relações de produção capitalistas." (Tese 1)
Por outro lado, o materialismo a-histórico da TCI pode explicar todos os eventos, todas as guerras, em todas as épocas, aplicando encantadoramente a mesma fórmula: "ciclos de acumulação". Esse materialismo oracular, por explicar tudo, não explica nada, e é por isso que ele não pode exorcizar o perigo do idealismo. Pelo contrário, as lacunas criadas pelo materialismo vulgar devem ser preenchidas pelo cimento idealista. Quando as condições reais da luta revolucionária do proletariado não podem ser compreendidas ou explicadas, é necessário um deus ex-machine idealista para resolver o problema: "o partido revolucionário". Mas não se trata do partido comunista que surge e é construído em condições históricas específicas, mas um partido mítico que pode ser inflado a qualquer momento pelo ar quente oportunista.
O componente dialético do materialismo histórico
Os epígonos da esquerda italiana[3] , ao descreverem a existência de um período de decomposição do capitalismo mundial, tiveram, portanto, que tentar suprimir dois grandes pilares do método marxista do materialismo histórico. Em primeiro lugar, o fato de que a história do capitalismo, como toda a história anterior, é a história da luta de classes e, em segundo lugar, o fato de que o papel determinante das leis econômicas evolui com a evolução histórica de um modo de produção.
Há um terceiro requisito esquecido, implícito nos outros dois aspectos do método marxista: o reconhecimento da evolução dialética de todos os fenômenos, incluindo o desenvolvimento das sociedades humanas, de acordo com a unidade dos opostos, que Lenin descreveu como a essência da dialética em seu trabalho sobre a questão durante a Primeira Guerra Mundial. Enquanto os epígonos veem o desenvolvimento apenas em termos de repetição e aumento ou diminuição, o marxismo entende que a necessidade histórica - o determinismo materialista - se expressa de forma contraditória e interativa, de modo que a causa e o efeito podem mudar de lugar e a necessidade se revela por meio de um caminho tortuoso.
Para o marxismo, a superestrutura das formações sociais, ou seja, sua organização política, jurídica e ideológica, nasce da infraestrutura econômica e é determinada por ela. Foi isso que os epígonos entenderam. No entanto, o fato de que essa superestrutura pode atuar tanto como causa - se não como princípio – quanto como efeito, escapa a eles. Engels, no final de sua vida, teve de insistir nesse ponto preciso em uma série de cartas dirigidas na década de 1890 ao materialismo vulgar dos epígonos da época. Sua correspondência é leitura absolutamente essencial para aqueles que negam hoje que a decomposição da superestrutura capitalista pode ter um efeito catastrófico sobre os fundamentos econômicos do sistema.
"O desenvolvimento político, jurídico, filosófico, religioso, literário, artístico etc. é baseado no desenvolvimento econômico. Todos eles reagem uns sobre os outros e sobre a base econômica. Não é verdade que a situação econômica seja a única causa ativa e que todo o resto seja apenas um efeito passivo. Mas há uma ação recíproca com base na necessidade econômica que se impõe sempre, em última instância." (Engels para Borgius, 25 de janeiro de 1894)
Na fase final do declínio capitalista, seu período de decomposição, o efeito retroativo da superestrutura decadente sobre a infraestrutura econômica é cada vez mais acentuado, como demonstraram vividamente os efeitos econômicos negativos da pandemia de Covid, das mudanças climáticas e da guerra imperialista na Europa - exceto para os discípulos cegos de Bordiga e Damen.[4]
Marx não teve a possibilidade de expor, como havia planejado, seu método, aquele que ele usou especialmente em O Capital. Ele só menciona esse método, muito brevemente, no posfácio da edição alemã de seu livro. De nossa parte, particularmente em face das acusações muitas vezes estúpidas do MPP (e ainda mais dos parasitas) de que nossa análise "não é marxista", que é "idealista", é nossa tarefa destacar a fidelidade da abordagem das teses de 1990 ao método dialético do marxismo, do qual podemos recordar alguns elementos adicionais:
Transformando quantidade em qualidade:
Essa é uma ideia recorrente no texto de 1990. Manifestações de decomposição podem ter existido durante a decadência do capitalismo, mas hoje o acúmulo dessas manifestações é prova de uma ruptura transformadora na vida da sociedade, sinalizando a entrada em uma nova época de decadência capitalista na qual a decomposição se torna o elemento decisivo. Esse componente da dialética marxista não se limita aos fatos sociais. Como Engels aponta, notadamente em Anti Dühring e A Dialética da Natureza, é um fenômeno que pode ser encontrado em todos os campos e que, além disso, foi apreendido por outros pensadores. Por exemplo, em Anti Dühring, Engels cita Napoleão Bonaparte que diz (em resumo): "Dois mamelucos eram absolutamente superiores a três franceses; (...) 1.000 franceses sempre derrubavam 1.500 mamelucos" por causa da disciplina que se torna eficaz quando envolve um grande número de combatentes. Engels também insistiu que essa lei se aplicava totalmente às ciências. No que se refere à situação histórica atual e à multiplicação de toda uma série de eventos catastróficos, é dar as costas à dialética marxista (o que é normal por parte da ideologia burguesa e da maioria dos "especialistas" acadêmicos) e não confiar nessa lei da transformação da quantidade em qualidade, o que, no entanto, é o caso de todo o MPP, que tenta aplicar uma causa específica e isolada a cada uma das manifestações catastróficas da história atual.
O todo não é a simples soma de suas partes:
Os diferentes componentes da vida da sociedade, embora cada um tenha sua especificidade, e possam até mesmo adquirir uma autonomia relativa em certas circunstâncias, são interdeterminados dentro de uma totalidade governada, "em última instância" (mas apenas em última instância, como diz Engels em sua famosa carta a J. Bloch de 21 de setembro de 1890), pelo modo e pelas relações de produção e sua evolução. Esse é um dos principais fenômenos da situação atual. As diversas manifestações de decomposição, que a princípio poderiam parecer independentes, mas cuja acumulação já indicava que havíamos entrado em uma nova época de decadência capitalista, agora estão reverberando cada vez mais umas sobre as outras em uma espécie de "reação em cadeia", um "redemoinho" que está dando à história a aceleração que testemunhamos (incluindo os "especialistas" em Davos).
O papel decisivo do futuro
Por fim, o empréstimo da dialética marxista da abordagem histórica, desse aspecto essencial de movimento e transformação, está no cerne da ideia central de nossa análise da decomposição: "nenhum modo de produção pode viver, desenvolver-se, manter-se em bases viáveis, garantir a coesão social, se não for capaz de apresentar uma perspectiva para toda a sociedade que domina. Isso é particularmente verdadeiro no caso do capitalismo como o modo de produção mais dinâmico da história. (Tese 5) E precisamente, hoje, nenhuma das duas classes fundamentais, a burguesia e o proletariado, pode, no momento, oferecer tal perspectiva à sociedade.
Para aqueles que nos chamam de "idealistas", é um verdadeiro escândalo afirmar que um fator ideológico, a ausência de um projeto na sociedade, pode ter um grande impacto na vida da sociedade. Na verdade, eles provam que o materialismo que alegam não é nada mais do que um materialismo vulgar já criticado por Marx em sua época, notadamente nas Teses sobre Feuerbach. Em sua visão, as forças produtivas se desenvolvem de forma autônoma. E o desenvolvimento das forças produtivas, por si só, dita mudanças nas relações de produção e nas relações de classe.
Segundo eles, as instituições e ideologias, ou seja, a superestrutura, permanecem em vigor enquanto legitimam e preservam as relações de produção existentes. E assim elementos como ideias, moralidade humana, ou mesmo intervenção política no processo histórico são excluídos.
O materialismo histórico contém, além dos fatores econômicos, outros fatores, como a riqueza natural e os fatores contextuais. As forças produtivas contêm muito mais do que máquinas ou tecnologia. Elas contêm conhecimento, know-how e experiência. Na verdade, tudo o que torna possível ou dificulta o processo de trabalho. A forma de cooperação e associação são, por si só, forças produtivas, como também são um elemento importante na transformação e no desenvolvimento econômico.
Aqueles que podem ser chamados de "antidialéticos"[5] negam a distinção entre as condições objetivas e subjetivas da luta revolucionária. Eles derivam a capacidade da classe simplesmente da defesa de seus interesses econômicos imediatos. Eles consideram que os interesses de classe do proletariado criarão sua capacidade de realizar e defender esses interesses. Eles negam as forças em ação para desorganizar sistematicamente a classe trabalhadora, aniquilar suas capacidades, dividi-la e obscurecer o caráter de classe de sua luta.
Como observou Lênin, temos de fazer análises concretas da situação concreta. E na sociedade capitalista mais desenvolvida, um papel muito importante é dado à ideologia, a um aparato que deve defender e justificar os interesses burgueses e dar estabilidade ao sistema capitalista. É por isso que Marx enfatizou que, para que a revolução comunista ocorra suas condições objetivas e subjetivas devem ser atendidas. A primeira condição é a capacidade da economia de produzir em abundância suficiente para a população mundial. A segunda condição era um nível suficiente de desenvolvimento da consciência de classe. Isso nos leva de volta à nossa análise da questão do "elo fraco" e da experiência histórica necessária expressa na consciência.
Os "deterministas" retiram o desenvolvimento das forças produtivas de seu contexto social. Eles tendem a negar TODA a importância da superestrutura ideológica, mesmo que a neguem. As lutas dos trabalhadores tendem a aparecer como uma pura questão de reflexos. Essa é uma visão fundamentalmente fatalista, bem expressa na ideia de Bordiga de que "a revolução é tão certa como se já tivesse ocorrido". Essa visão leva à submissão passiva, uma submissão que aguarda os efeitos automáticos do desenvolvimento econômico. Em última análise, ela não deixa espaço para a luta de classes como condição fundamental para qualquer mudança, em contradição com a primeira frase do Manifesto Comunista: "A história de todas as sociedades até os dias de hoje não tem sido outra coisa senão a história das lutas de classes".
A terceira tese sobre Feuerbach nos dá uma boa compreensão do materialismo histórico e rejeita o determinismo estrito:
"A doutrina materialista que sustenta que os homens são produtos das circunstâncias e da educação, e que, consequentemente, homens transformados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos os homens e que o próprio educador tem de ser educado. É por isso que ela tende necessariamente a dividir a sociedade em duas partes, a primeira das quais está colocada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen).
A coincidência entre a mudança das circunstâncias e a atividade humana ou a autotransformação só pode ser racionalmente considerada e compreendida como prática revolucionária."
A importância do futuro na vida das sociedades humanas:
Nossos detratores provavelmente verão isso como uma visão idealista, mas afirmamos que a dialética marxista atribui ao futuro um lugar fundamental na evolução e no movimento da sociedade. Dos três momentos de um processo histórico - passado, presente e futuro - é o futuro que constitui o fator fundamental em sua dinâmica.
O papel do futuro é fundamental para a história da humanidade. Os primeiros humanos que saíram da África para conquistar o mundo e os aborígenes que saíram da Austrália para conquistar o Pacífico estavam olhando para o futuro em busca de novos meios de subsistência. É essa preocupação com o futuro que impulsiona o desejo de procriar, assim como a maioria das religiões. E como nossos detratores precisam de alguns exemplos "bem econômicos", podemos citar dois deles no funcionamento do capitalismo. Quando um capitalista investe, não é para olhar para o passado, mas para obter lucro no futuro. Da mesma forma, o crédito, que desempenha um papel tão fundamental nos mecanismos do capitalismo, nada mais é do que um esboço do futuro.
O papel do futuro é onipresente nos textos de Marx e do marxismo em geral. Esse papel é bem ilustrado na conhecida passagem d’O Capital:
"Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade."
Obviamente, esse papel essencial do futuro na sociedade é ainda mais fundamental para o movimento dos trabalhadores, cujas lutas no presente só adquirem significado real na perspectiva da revolução comunista do futuro.
"A revolução social do século XIX [a revolução proletária] não pode tirar sua poesia do passado, mas apenas do futuro". (Marx, 18 brumário de Louis Bonaparte)
"Os sindicatos atuam de forma útil como centros de resistência às invasões do capital. Eles falham parcialmente em seu objetivo quando fazem uso imprudente de seu poder. Eles perdem totalmente seu objetivo ao se limitarem a uma guerra de escaramuças contra os efeitos do regime existente, em vez de trabalhar ao mesmo tempo para sua transformação e usar sua força organizada como uma alavanca para a emancipação definitiva da classe trabalhadora, ou seja, para a abolição definitiva do trabalho assalariado." (Marx, Salários, preços e lucro)
"O objetivo final, seja ele qual for, não é nada, o movimento é tudo. [De acordo com Bernstein]. Agora, o objetivo final do socialismo é o único elemento decisivo que distingue o movimento socialista da democracia burguesa e do radicalismo burguês, o único elemento que, em vez de dar ao movimento operário a vã tarefa de engessar o regime capitalista para salvá-lo, transforma-o em uma luta de classes contra esse regime, pela abolição desse regime..." (Rosa Luxemburg, Reforma Social ou Revolução?).
"O que fazer", "Por onde começar" (Lênin)
E é justamente porque a sociedade atual está privada desse elemento fundamental, o futuro, a perspectiva (que é sentida por um número cada vez maior de pessoas, sobretudo os jovens), uma perspectiva que somente o proletariado pode oferecer, que ela está se afundando no desespero e apodrecendo sobre seus pés.
Parte III: Perspectivas para o proletariado
O relatório do WEF 2023 nos alerta de forma convincente para a extrema gravidade da situação atual do mundo, que será muito pior até a década de 2030 "na ausência de mudanças ou investimentos políticos significativos", ao mesmo tempo, em que "destaca a paralisia e a ineficácia dos principais mecanismos multilaterais para lidar com as crises enfrentadas pela ordem mundial" e aponta para a "divergência entre o que é cientificamente necessário e o que é politicamente conveniente". Em outras palavras, a situação é desesperadora e a sociedade atual é definitivamente incapaz de reverter o curso de sua destruição, o que confirma o título de nosso texto de outubro de 2022: "A aceleração da decomposição capitalista levanta abertamente a questão da destruição da humanidade", assim como confirma plenamente o prognóstico já contido em nossas teses de 1990.
Ao mesmo tempo, o relatório se refere várias vezes à perspectiva de "agitação social generalizada" que "não se limitará aos mercados emergentes" (o que significa que também afetará os países mais desenvolvidos) e que "constitui um desafio existencial para os sistemas políticos em todo o mundo". Nada menos que isso! Para o FEM (Fórum Económico Mundial) e a burguesia em geral, essa agitação social se enquadra na categoria negativa de "riscos" e ameaças à "ordem mundial". Mas as previsões do FEM, de forma tímida e não intencional, adicionam combustível à nossa própria análise ao apontar que o proletariado continua a representar uma ameaça à ordem burguesa. Como a burguesia como um todo, o FEM não faz distinção entre as várias agitações sociais: todos eles são um fator de "desordem" e "caos". E é verdade que certos movimentos se enquadram nessa categoria, como no caso da "Primavera Árabe", por exemplo. Mas, na realidade, o que mais assusta a burguesia, sem que ela o diga abertamente ou tenha plena consciência disso, é que alguns desses "convulsões sociais" prenunciam a derrubada de seu poder sobre a sociedade e o sistema capitalista: as lutas do proletariado.
Assim, mesmo nesse aspecto, o FEM ilustra nossas teses de 1990 e nosso texto de outubro de 2022. Este último retoma a ideia de que, apesar de todas as dificuldades que encontrou, o proletariado não perdeu o jogo, que "a perspectiva histórica permanece totalmente aberta" (tese 17). E ele nos lembra que "Apesar do golpe desferido na consciência do proletariado pelo colapso do bloco oriental, ele não sofreu nenhuma derrota importante no terreno de sua luta; nesse sentido, seu espírito de luta permanece praticamente intacto. Mas, além disso, e esse é o elemento que, em última análise, determina a evolução da situação mundial, o mesmo fator que está na origem do desenvolvimento da decomposição, o agravamento inexorável da crise do capitalismo, constitui o estímulo essencial à luta e ao despertar da classe, a própria condição de sua capacidade de resistir ao veneno ideológico do apodrecimento da sociedade. De fato, assim como o proletariado não pode encontrar uma base para a unidade de classe em lutas parciais contra os efeitos da decomposição, sua luta contra os efeitos diretos da própria crise constitui a base para o desenvolvimento de sua força e de sua unidade de classe." (Ibid.).
E mais:
"a crise econômica, ao contrário da decomposição social que diz respeito essencialmente às superestruturas, é um fenômeno que afeta diretamente a infraestrutura da sociedade sobre a qual essas superestruturas repousam; nesse sentido, ela expõe as causas finais de toda a barbárie que se abate sobre a sociedade, permitindo assim que o proletariado se conscientize da necessidade de mudar radicalmente o sistema, e não de tentar melhorar certos aspectos dele." (Ibid.).
E, de fato, podemos ver hoje que, apesar do peso da decomposição (particularmente o colapso do stalinismo) e do longo torpor que a afetou, a classe trabalhadora continua presente no palco da história e possuía a capacidade de retomar sua luta, como demonstrado, em particular, pelas lutas no Reino Unido e na França (os dois proletariados que estavam na origem da fundação da AIT em 1864: é um aceno para a história!)
"Nesse contexto, os anos 20 do século XXI terão um impacto considerável no desenvolvimento histórico. Eles mostrarão ainda mais claramente do que no passado a perspectiva de destruição da humanidade contida na decomposição capitalista. No outro extremo do espectro, o proletariado começará a dar seus primeiros passos, como fez com a combatividade das lutas na Grã-Bretanha, para defender suas condições de vida diante da multiplicação dos ataques de todas as burguesias e dos golpes da crise econômica mundial com todas as suas implicações. Esses primeiros passos serão muitas vezes hesitantes e cheios de fraquezas, mas são essenciais para que a classe trabalhadora possa reafirmar sua capacidade histórica de impor sua perspectiva comunista. Assim, os dois polos da perspectiva se oporão amplamente na alternativa: destruição da humanidade ou revolução comunista, mesmo que essa última alternativa ainda esteja muito distante e enfrente enormes obstáculos."
De fato, o caminho que o proletariado tem pela frente é, extremamente longo e difícil. Por um lado, ele terá de enfrentar todas as armadilhas que a burguesia colocará em seu caminho, e isso em uma atmosfera ideológica envenenada pela decomposição da sociedade capitalista, que constantemente dificulta a luta e a consciência do proletariado:
As teses de 1990 enfatizam essas dificuldades. Elas enfatizam, em particular, que "é (...) fundamental entender que quanto mais o proletariado adiar a derrubada do capitalismo, maiores serão os perigos e os efeitos nocivos da decomposição". (Tese 15)
"De fato, deve-se ressaltar que hoje, diferentemente da situação da década de 1970, o tempo não está mais do lado da classe trabalhadora. Enquanto a ameaça de destruição da sociedade era representada apenas pela guerra imperialista, o simples fato de que as lutas do proletariado eram capazes de se manter como um obstáculo decisivo a esse resultado era suficiente para bloquear o caminho para essa destruição. Por outro lado, ao contrário da guerra imperialista que, para ser desencadeada, exige a adesão do proletariado aos ideais da burguesia, a decomposição não precisa do alistamento da classe trabalhadora para destruir a humanidade. Na verdade, assim como não podem se opor ao colapso econômico, as lutas do proletariado nesse sistema também não têm o poder de agir como um freio à decomposição. Nessas condições, mesmo que a ameaça da decomposição à vida da sociedade pareça ser mais duradoura do que a que poderia advir de uma guerra mundial (se as condições para essa última estivessem presentes, o que não é o caso hoje), ela é, por outro lado, muito mais insidiosa. Para pôr fim à ameaça de decomposição, as lutas dos trabalhadores para resistir aos efeitos da crise não são mais suficientes: somente a revolução comunista pode superar tal ameaça". (Tese 16)
A aceleração brutal da decomposição que estamos testemunhando hoje, que torna a perspectiva da destruição da humanidade cada vez mais ameaçadora, mesmo aos olhos dos setores mais lúcidos da burguesia, é a confirmação dessa análise. E como somente a revolução comunista pode pôr fim à dinâmica destrutiva da decomposição e a seus efeitos cada vez mais deletérios, isso pode dar uma ideia da dificuldade do caminho que leva à derrubada do capitalismo. Um caminho ao longo do qual as tarefas que o proletariado enfrentará serão consideráveis. Em particular, ele terá de se reapropriar totalmente de sua identidade de classe, que foi gravemente afetada pela contrarrevolução e pelas várias manifestações de decomposição, especialmente o colapso dos chamados regimes "socialistas". Ela também terá de se reapropriar de sua experiência, o que é uma tarefa imensa, dado o quanto essa experiência foi esquecida pelos trabalhadores. Essa é uma responsabilidade fundamental da vanguarda comunista: dar uma contribuição decisiva para que toda a classe se reaproprie das lições de mais de um século e meio de luta proletária.
As dificuldades que o proletariado terá de enfrentar não desaparecerão com a derrubada do Estado capitalista em todos os países. Seguindo Marx, insistimos com frequência na imensidão da tarefa que aguarda a classe trabalhadora durante o período de transição do capitalismo para o comunismo, uma tarefa desproporcional a todas as revoluções do passado, já que se trata de passar do "reino da necessidade para o reino da liberdade". E é claro que quanto mais tempo levar para a revolução ser realizada, mais imensa será a tarefa: dia após dia, o capitalismo destrói o planeta um pouco mais e, com ele, as condições materiais para o comunismo. Além disso, a tomada do poder pelo proletariado se seguirá a uma terrível guerra civil, aumentando a devastação de todos os tipos já causada pelo modo de produção capitalista, mesmo antes do período revolucionário. Nesse sentido, a tarefa de reconstrução da sociedade que o proletariado terá de realizar será incomparavelmente mais gigantesca do que a que teria de realizar se tivesse tomado o poder durante a onda revolucionária do primeiro período pós-guerra. Da mesma forma, se a destruição da Segunda Guerra Mundial já era considerável, ela afetou apenas os países envolvidos na luta, o que permitiu que a economia mundial fosse reconstruída, especialmente porque a principal potência industrial, os Estados Unidos, foi poupada dessa destruição. Hoje, no entanto, o planeta inteiro está sendo afetado pela crescente destruição de todos os tipos causada pelo capitalismo moribundo. Consequentemente, devemos ter clareza quanto ao fato de que a tomada do poder pela classe trabalhadora em escala mundial não é, por si só, uma garantia de que ela conseguirá realizar sua tarefa histórica, o estabelecimento do comunismo. O capitalismo, ao permitir um tremendo desenvolvimento das forças produtivas, criou as condições materiais para o comunismo, mas a decadência desse sistema e sua decomposição podem minar essas condições, legando ao proletariado um planeta completamente devastado e irrecuperável.
Portanto, é responsabilidade dos revolucionários apontar as dificuldades que o proletariado terá de enfrentar no caminho para o comunismo. Seu papel não é oferecer consolo para que a classe trabalhadora não se desespere. A verdade é revolucionária, como disse Marx, por mais terrível que seja.
Dito isso, se conseguir tomar o poder, o proletariado terá um certo número de ativos à sua disposição para realizar sua tarefa de reconstruir a sociedade.
Por um lado, ela poderá aproveitar o enorme progresso realizado pela ciência e tecnologia no decorrer do século XX e nas duas décadas do século XXI. O relatório do FEM se refere a esses avanços, especificando que eles dizem respeito a "tecnologias de uso duplo (civil e militar)". Uma vez que o proletariado tenha assumido o poder, o uso militar não será mais necessário, representando um avanço considerável, pois está claro que hoje a maioria dos benefícios resultantes do progresso tecnológico é capturada pela esfera militar (juntamente com outros gastos improdutivos).
De modo mais geral, a tomada do poder pelo proletariado deve levar a uma liberação sem precedentes das forças produtivas aprisionadas pelas leis do capitalismo. Não apenas o enorme fardo dos gastos militares e improdutivos será eliminado, mas também o monstruoso desperdício representado pela concorrência entre os vários setores econômicos e nacionais da sociedade burguesa e a fenomenal subutilização das forças produtivas (obsolescência programada, desemprego em massa, ausência ou deficiência de sistemas educacionais etc.).
Mas a principal vantagem do proletariado nesse período de transição e reconstrução não será tecnológica ou estritamente econômica. Ela será fundamentalmente política. Se o proletariado conseguir tomar o poder, isso significará que ele alcançou um nível muito alto de consciência, organização e solidariedade durante o período de confronto com o estado capitalista, da guerra civil contra a burguesia. Essas conquistas serão de valor inestimável quando se trata de enfrentar os imensos desafios que temos pela frente. Acima de tudo, o proletariado poderá se apoiar no futuro, esse elemento fundamental na vida da sociedade, o futuro cuja ausência na sociedade atual é o cerne de seu apodrecimento.
Em seu Relatório de Desenvolvimento Humano 2021/2022, publicado em outubro passado e intitulado "Uncertain Times, Unstable Lives" (Tempos incertos, vidas instáveis):
"Novas camadas de incerteza estão interagindo para criar novos tipos de incerteza - um novo complexo de incertezas - nunca antes visto na história da humanidade. Além da incerteza cotidiana que as pessoas enfrentam desde tempos imemoriais, agora estamos navegando em águas desconhecidas, presos em três correntes cruzadas voláteis:
As crises globais se acumularam: a crise financeira global, a crise climática global em andamento e a pandemia de Covid-19, uma crise alimentar global iminente. Há uma sensação incômoda de que o controle que temos sobre nossas vidas está se esvaindo, de que as normas e instituições com as quais costumávamos contar para obter estabilidade e prosperidade não são páreo para o complexo de incertezas de hoje."]
Como podemos ver, esse relatório da ONU segue a mesma linha do relatório do FEM. De certa forma, ele vai ainda mais longe, ao considerar que a Terra entrou em um novo período geológico como resultado da ação humana, que começou no século XVII e que ele chama de Antropoceno e que chamamos de capitalismo. Acima de tudo, ele destaca o profundo desespero, o "sem futuro" que permeia cada vez mais a sociedade (que ele chama de "complexo de incerteza").
O fato de a revolução proletária estar devolvendo à sociedade humana um futuro que ela perdeu será um fator poderoso na capacidade da classe trabalhadora de finalmente alcançar a "terra prometida" do comunismo após, não 40 anos, mas bem mais de um século de "travessia do deserto".
[1] "Seu instinto lhes dizia que, se a República tornava sua dominação política mais completa, ao mesmo tempo minava seus fundamentos sociais, colocando-os contra as classes oprimidas da sociedade e forçando-os a lutar contra elas sem um intermediário, sem a cobertura da coroa, sem poder desviar o interesse da nação por meio de suas lutas subalternas entre si e contra a realeza. Foi o sentimento de sua fraqueza que os fez tremer diante das condições puras de sua própria dominação de classe e lamentar as formas menos completas, menos desenvolvidas e, consequentemente, menos perigosas de sua dominação." (Le 18 brumaire de Louis Bonaparte, 3e Part)
[2] Essa mudança qualitativa fundamental (e não apenas quantitativa) na vida do capitalismo é claramente destacada pelo Manifesto da Internacional Comunista (março de 1919): "Se a sujeição absoluta do poder político ao capital financeiro levou a humanidade à carnificina imperialista, essa carnificina permitiu que o capital financeiro não apenas militarizasse o Estado ao máximo, mas militarizasse a si mesmo, de modo que não pode mais cumprir suas funções econômicas essenciais a não ser com ferro e sangue. (...) A nacionalização da vida econômica, tão fortemente combatida pelo liberalismo capitalista, é um fato consumado. Não é mais possível retornar à livre concorrência, mas também retornar ao domínio de trustes, sindicatos e outros polvos capitalistas agora é impossível.. Mas, obviamente, os camaradas da TCI não estão familiarizados com esse documento; a menos que não concordem com essa posição fundamental da IC, o que eles deveriam dizer claramente.
[3] Nós nos permitimos usar esse termo porque os descendentes do Partito de 1945 deram as costas ao trabalho teórico revolucionário de Bilan, a esquerda italiana no exílio, na década de 1930.
[4] Outra carta de Engels sobre o tema do método marxista parece perfeitamente adequada a esses discípulos: "O que falta a todos esses senhores é a dialética. Eles sempre veem aqui apenas a causa, ali apenas o efeito. Que é uma abstração vazia, que no mundo real tais antagonismos polares metafísicos existem apenas em crises, mas que todo o grande curso das coisas ocorre na forma de ação e reação de forças, sem dúvida muito desiguais, - das quais o movimento econômico é de longe a força mais poderosa, a mais inicial, a mais decisiva, que não há nada aqui absoluto e que tudo é relativo, tudo isso, o que você espera, eles não veem; para eles Hegel não existia...." (Engels para Conrad Schmidt, 27 de outubro de 1890)
[5] Precisamos distinguir a dialética marxista objetiva da dialética vazia e subjetiva das várias correntes do anarquismo e do modernismo, que permanecem confusas no nível de encontrar contradições em todos os lugares. Elas podem muito bem reconhecer alguns dos fenômenos de decomposição, mas caracteristicamente se recusam a ver a causa e a lógica finais do período de decomposição na falência econômica do sistema capitalista. Para eles, a dialética histórica objetiva é um anátema, porque os privaria de sua principal preocupação, ou seja, a preservação dogmática de sua liberdade de opinião individual. Se o fator econômico for tratado como um entre outros de igual importância, sua dialética permanecerá subjetiva, anti-histórica e, como os epígonos da esquerda italiana, incapaz de compreender a trajetória dos eventos.
O atual banho de sangue imperialista no Oriente Médio é apenas o último de um século de guerra quase permanente que caracteriza o capitalismo mundial desde 1914.
Os massacres de milhões de civis indefesos, os genocídios, a redução de cidades e, até mesmo de países inteiros a escombros não trouxeram nada além da promessa de mais e piores atrocidades por vir.
As justificativas ou "soluções" propostas pelas várias potências imperialistas envolvidas, grandes ou pequenas, para a atual carnificina, como todas as que a precederam, constituem um gigantesco engano destinado a persuadir, dividir e preparar a classe trabalhadora explorada para um massacre fratricida em nome de uma burguesia nacional contra outra.
Hoje, um dilúvio de fogo e ferro está chovendo sobre as pessoas que vivem em Israel e Gaza. De um lado, o Hamas. Do outro, o exército israelense. No meio, trabalhadores bombardeados, baleados, executados e feitos reféns. Milhares de pessoas já morreram.
Em todo o mundo, a burguesia está nos chamando a escolher um lado. Pela resistência Palestina à opressão israelense. Ou a favor da resposta israelense ao terrorismo palestino. Cada um denuncia a barbárie do outro para justificar a guerra. O Estado israelense vem oprimindo o povo palestino há décadas, por meio de bloqueios, perseguições, postos de controle e humilhações. As organizações palestinas matam inocentes com ataques a faca e atentados a bomba. Cada lado pede que o sangue do outro seja derramado.
Essa lógica mortal é a da guerra imperialista! São os nossos exploradores e seus Estados que estão sempre travando uma guerra impiedosa para defender seus próprios interesses. E somos nós, a classe trabalhadora, os explorados, que pagamos sempre o preço, com nossas vidas.
Para nós, proletários, não há lado a escolher, não temos pátria, nem nação a defender! Em ambos os lados da fronteira, somos irmãos de classe! Nem Israel, nem Palestina!
Somente o proletariado internacional unido pode pôr um fim a esses massacres crescentes e aos interesses imperialistas por trás deles. Essa solução única e internacionalista, preparada por um punhado de comunistas de esquerda em Zimmerwald, foi validada em outubro de 1917, quando a luta revolucionária da classe trabalhadora derrubou o regime capitalista na Rússia e estabeleceu seu próprio poder político de classe. Com seu exemplo, Outubro inspirou um movimento revolucionário internacional mais amplo que forçou o fim da Primeira Guerra Mundial.
A única corrente política que sobreviveu à derrota dessa onda revolucionária e manteve uma defesa militante dos princípios internacionalistas foi a Esquerda Comunista. Na década de 1930, ela preservou essa linha fundamental da classe trabalhadora durante as guerras espanhola e sino-japonesa, enquanto outras correntes políticas, como os stalinistas, trotskistas e anarquistas, escolheram seu campo imperialista no início desses conflitos. A Esquerda Comunista manteve seu internacionalismo durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto essas outras correntes participaram da carnificina imperialista disfarçada de luta entre "fascismo e antifascismo" e/ou em defesa da União "Soviética".
Hoje, as escassas forças militantes organizadas da Esquerda Comunista continuam a aderir a esta intransigência internacionalista, mas os seus escassos recursos estão ainda mais enfraquecidos pela fragmentação em vários grupos diferentes e por um espírito sectário e mutuamente hostil.
É por isso que, em face da crescente queda na barbárie imperialista, essas forças díspares devem fazer uma declaração conjunta contra todas as potências imperialistas, contra os apelos à defesa nacional por trás dos exploradores, contra os apelos hipócritas à "paz" e, pela luta de classe proletária que conduz à revolução comunista.
Corrente Comunista Internacional
Voz Internacionalista
17.10.2023
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Há apenas 20 meses, após a invasão russa da Ucrânia, uma declaração conjunta semelhante foi proposta aos grupos da esquerda comunista pela CCI. Os grupos que a assinaram – a CCI, o Instituto Onorato Damen, a Internationalist Voice e a International Communist Perspective (Coreia do Sul) - produziram posteriormente dois boletins de discussão dos grupos da Esquerda Comunista, debatendo suas respectivas posições e diferenças, e celebraram reuniões públicas conjuntas.
No entanto, outros grupos da Esquerda Comunista se recusaram a assinar o apelo (ou não responderam), apesar de concordarem com seu princípio internacionalista. Dada a urgência de defender hoje esse princípio em comum, pedimos a esses grupos - listados abaixo - que reconsiderem e assinem o apelo.
Um dos argumentos contra a assinatura da declaração conjunta sobre a Ucrânia foi que outras diferenças entre os grupos eram grandes demais para permitir isso. É inegável que essas diferenças importantes existem, seja em questões de análise, questões teóricas, na concepção do partido político ou até mesmo nas condições de filiação dos militantes. Mas o princípio mais urgente e fundamental do internacionalismo proletário, a fronteira de classe que distingue as organizações revolucionárias gerais da Esquerda Comunista, é muito mais importante. E uma declaração conjunta sobre essa questão não significa que outras diferenças sejam esquecidas. Pelo contrário, os Boletins de Discussão demonstram que um fórum de discussão é possível e necessário.
Outro argumento utilizado foi o de que era necessária uma influência mais prática da perspectiva internacionalista na classe trabalhadora, mais ampla do que apenas um apelo limitado à Esquerda Comunista. É claro que todas as organizações comunistas internacionalistas militantes querem ter mais influência sobre a classe trabalhadora. Mas se as organizações internacionalistas da Esquerda Comunista não conseguem nem mesmo agir de forma prática em conjunto, com base em seu princípio fundamental nos momentos cruciais do conflito imperialista, como podem esperar ser levadas a sério por setores mais amplos do proletariado?
O atual conflito israelense-palestino, mais perigoso e volátil do que qualquer outro conflito anterior, que ocorre menos de dois anos após o ressurgimento da guerra imperialista na Ucrânia e ao lado de muitas outras conflagrações imperialistas recentemente (Sérvia/Kosovo, Azerbaijão/Armênia e as crescentes tensões entre os EUA e a China sobre Taiwan), significa que uma declaração internacionalista conjunta é ainda mais urgente do que antes.
Por esse motivo, estamos pedindo direta e publicamente aos grupos a seguir que manifestem sua disposição em assinar a declaração contra a guerra imperialista reproduzida acima, que poderá, se necessário, ser emendada ou reformulada em função de seu objetivo internacionalista comum:
À:
Tendência Comunista Internacionalista
PCI (Programa Comunista)
PCI (Il Partito Comunista)
PCI (O Proletário, O Comunista)
Istituto Onorato Damen
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Outros grupos que não são membros da Esquerda Comunista, mas que concordam com as posições internacionalistas defendidas neste apelo, podem anunciar seu apoio a este apelo e distribuí-lo.
No Reino Unido, um grito se espalha de eco em eco, de greve em greve, desde junho: "Enough is enough !!" "Trop c'est trop !!" [1]
Este movimento massivo, apelidado de "O Verão da Raiva", tornou-se o Outono da Raiva, depois o Inverno da Raiva.
Esta onda de greves no Reino Unido é o símbolo da combatividade dos operários que se desenvolve em todo o mundo:
– Na Espanha, onde médicos pediatras da região de Madri entraram em greve no final de novembro, assim como os setores aéreo e ferroviário em dezembro. Novas greves são anunciadas na área da saúde, para janeiro, em diversas regiões.
– Na Alemanha, onde os preços em alta levam os empregadores a temer que tenham de enfrentar as consequências de uma crise energética sem precedentes. O vasto setor de metalurgia e eletro indústria experimentou, assim, uma série de greves pontuais em novembro.
– Na Itália, onde uma greve dos controladores de tráfego aéreo em meados de outubro se somou à dos pilotos da EasyJet. O governo adotou medida para proibir todas as greves nos feriados.
– Na Bélgica, onde foi convocada a greve nacional nos dias 9 de novembro e 16 de dezembro.
– Na Grécia, onde uma manifestação reuniu dezenas de milhares de funcionários do setor privado em Atenas em novembro, gritando "O elevado custo de vida é insuportável!".
– Na França, onde nos últimos meses se sucederam greves nos transportes públicos, nos hospitais…
– Em Portugal, onde os trabalhadores exigem um salário-mínimo de 800 euros contra 705 atualmente. Em 18 de novembro, o funcionalismo público estava em greve. Em dezembro, o setor de transportes também se mobilizou.
– Nos Estados Unidos, membros eleitos da Câmara dos Representantes intervieram para desbloquear um conflito social e evitar uma greve no setor de cargas ferroviárias. Em janeiro, foram as enfermeiras de Nova York que se mobilizaram aos milhares.
A lista seria interminável porque, na realidade, há por toda parte uma vasta ocorrência de pequenas greves isoladas umas das outras, nas empresas, nas administrações. Porque em todos os locais, em todos os países, em todos os setores, as condições de vida e de trabalho estão se deteriorando, em todos os locais preços altos e salários miseráveis, em todos os locais precariedade e flexibilidade, em todos os locais taxas infernais e pessoal insuficiente, em todos os locais uma terrível deterioração das condições de moradia, especialmente para os jovens.
Desde a pandemia de Covid-19, os hospitais tornaram-se o símbolo desta realidade cotidiana para todos os trabalhadores: falta de pessoal e sobrecarga de trabalho, até a exaustão, por um salário insuficiente para pagar as contas.
A longa onda de greves que vem ocorrendo no Reino Unido desde junho, um país onde o proletariado parecia resignado desde os anos Thatcher, expressa uma verdadeira ruptura, uma mudança de mentalidade no seio da classe trabalhadora, não apenas no Reino Unido, mas também internacionalmente. Essas lutas mostram que, diante do considerável aprofundamento da crise, os explorados não estão mais dispostos a deixar as coisas seguirem seu curso.
Com a inflação acima de 11% e o anúncio de um orçamento de austeridade por parte do governo de Rishi Sunak, sucederam-se greves em quase todos os setores: transportes (trens, ônibus, metro, aeroportos) e saúde, trabalhadores dos correios Royal Mail, funcionários do Departamento do Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais, funcionários da Amazon, funcionários de escolas na Escócia, trabalhadores petroleiros do Mar do Norte… A extensão da mobilização dos enfermeiros não era vista neste país há mais de um século! E os professores, por sua vez, devem entrar em greve a partir de fevereiro.
Na França, o governo também decidiu impor uma nova "reforma" aumentando a idade para aposentadorias. O objetivo é simples: economizar dinheiro espremendo a classe trabalhadora como um limão, até a morte. Concretamente, isso significará trabalhar velho, doente, exausto ou sair com uma pensão reduzida e miserável. Muitas vezes, aliás, a demissão virá cortar, antes da idade fatídica, o nó desse dilema.
Os ataques às nossas condições de vida não vão cessar. A crise econômica global continuará a piorar. Para sair dela na arena internacional do mercado e da concorrência, cada burguesia de cada país imporá condições de vida e trabalho cada vez mais insustentáveis à classe trabalhadora, invocando a "solidariedade com a Ucrânia" ou "o futuro da economia nacional".
Isso é ainda mais verdadeiro com o desenvolvimento da economia de guerra. Uma parte crescente do trabalho e da riqueza está sendo canalizada para a economia de guerra. Na Ucrânia, mas também na Etiópia, Iêmen, Síria, Mali, Níger, Congo etc., isso significa: bombas, balas e morte! Em outros locais, leva ao medo, à inflação e a jornadas de trabalho exaustivas. Todos os governos exigem "sacrifícios"!
Diante do sistema capitalista que mergulha a humanidade na miséria e na guerra, na competição e na divisão, cabe à classe trabalhadora (trabalhadores assalariados de todos os setores, de todas as nações, desempregados ou empregados, com ou sem diploma, ativos ou aposentados...) oferecer outra perspectiva. Ao recusar esses "sacrifícios", ao desenvolver uma luta unida, massiva e unida, pode mostrar que um outro mundo é possível.
Há meses, em todos os países e em todos os setores, sim, há greves. Mas isoladas uma das outras. Cada um tem sua greve, em sua fábrica, seu depósito, sua empresa, sua administração. Nenhuma ligação real entre essas lutas, mesmo quando bastaria atravessar a rua para que os grevistas do hospital encontrassem os da escola ou do supermercado em frente. Às vezes, essa divisão beira o ridículo quando, na mesma empresa, as greves são cortadas por corporação, ou equipe, ou piso. É preciso imaginar as secretárias em greve em horário diferente dos agentes técnicos, ou as do primeiro andar em greve no seu canto sem ligação com as do segundo. Às vezes é isso mesmo que acontece!
A dispersão das greves, o confinamento, cada um no seu canto, faz o jogo da burguesia, nos enfraquece, nos reduz à impotência, nos esgota e nos leva à derrota.
É por isso que a burguesia emprega tanta energia para mantê-la. Em todos os países, a mesma estratégia: os governos se dividem. Eles fingem apoiar este ou aquele setor para melhor atacar os outros. Destacam pontualmente um setor, até mesmo uma empresa, fazendo promessas que jamais cumprirão, para passar despercebido a procissão de ataques que recai por toda parte. Para melhor dividir, mandam uma ajuda específica para uma categoria e reduzem os direitos de todas as outras. Negociar filial por filial, empresa por empresa, é a regra em todos os locais.
Na França, o anúncio da reforma previdenciária, que afetará toda a classe trabalhadora, é acompanhado por um ensurdecedor "debate" midiático sobre a injustiça da reforma para esta ou aquela categoria da população. Deveria ser mais justo integrando melhor os perfis particulares dos aprendizes, certos trabalhadores braçais, das mulheres… Sempre a mesma armadilha!
Por que essa divisão? É apenas a propaganda e as manobras dos governos que conseguem nos dividir dessa forma, separar as greves e as lutas da classe trabalhadora umas das outras?
A ideia de estarmos todos no mesmo barco cresce. A ideia de que somente uma luta massiva, e unida pode possibilitar o estabelecimento de um equilíbrio de poder que está germinando na mente de todos. Então, por que essa divisão por meses, em todos os países, em todos os setores?
No Reino Unido, as greves são tradicionalmente acompanhadas por piquetes na frente de cada local em greve. Durante meses, os piquetes permaneceram lado a lado, às vezes com apenas um dia de diferença, às vezes ao mesmo tempo, mas separados por algumas centenas de metros. Nenhuma conexão entre eles. Cada um em sua greve, cada um no seu piquete. Sem lutar contra esta dispersão, sem o desenvolvimento de uma verdadeira unidade na luta, a combatividade corre o risco de se esgotar. Nas últimas semanas, o impasse e o perigo dessa situação começaram a preocupar os grevistas. Os trabalhadores que estão em greve há seis meses podem ser tomados por um sentimento de cansaço e impotência.
No entanto, em vários piquetes, os trabalhadores expressaram o sentimento de estarem envolvidos em algo maior do que a sua empresa, a sua administração, o seu setor, é crescente a vontade de lutar juntos.
Só que, há meses, em todos os países, em todos os setores, são os sindicatos que organizam todas essas lutas fragmentadas, são os sindicatos que ditam seus métodos, que dividem, isolam, defendem a negociação setor por setor, corporação por corporação, são os sindicatos que fazem de cada demanda uma demanda específica, são os sindicatos que alertam que, acima de tudo, "as reivindicações não devem se misturar para não se diluírem".
Mas os sindicatos também perceberam que a raiva está se formando, que corre o risco de transbordar e romper os diques que ergueram entre corporações, empresas, setores... Eles sabem que a ideia de "lutar juntos" está amadurecendo na classe.
É por isso que, por exemplo no Reino Unido, os sindicatos estão começando a falar em reuniões de diferentes setores, o que eles tinham evitado até agora. As palavras "unidade", "solidariedade" começam a aparecer em seus discursos. Não renunciam aqui a dividir, mas para poderem continuar a fazê-lo se apegam às preocupações da classe. Mantêm assim o controle, a direção das lutas.
Na França, diante do anúncio da reforma previdenciária, os sindicatos mostraram assim sua unidade e sua determinação; eles convocaram grandes manifestações de rua, fazendo frente ao governo. Eles gritam que essa reforma não vai passar, que são necessários milhões para rejeitá-la.
Lá se vai o discurso e as promessas. Mas qual é a realidade? Para ter uma ideia,, basta lembrar o movimento de luta de 2019-2020, já contra a reforma da previdência de Macron. Diante do aumento da combatividade e da solidariedade entre as gerações, os sindicatos usaram a mesma estratagema ao defender a "convergência de lutas", um substituto movimento unitário, onde os manifestantes que desfilavam na rua eram separados por setor e por companhia. Não estávamos todos juntos, mas um atrás do outro. As bandeiras sindicais e os serviços da ordem fatiaram os cortejos por corporação, por empresa, por central sindical. Acima de tudo, sem discussão, sem assembleia. "Desfila com os teus colegas do costume e vai para casa, até ao próximo". Som alto, para ter certeza de que os mais teimosos não se possam discutir entre eles. Porque o que realmente faz tremer a burguesia é quando os trabalhadores tomam em mãos suas lutas, quando se organizam, quando começam a se reunir, a debater... a se tornar uma classe em luta!
No Reino Unido e na França, como em qualquer outro lugar, para construir um equilíbrio de poder que nos permita resistir aos incessantes ataques às nossas condições de vida e de trabalho, que amanhã se agravarão com a violência, devemos, onde pudermos, se reunir para debater e apresentar os métodos de luta que são a força da classe trabalhadora e que lhe permitiram, em certos momentos de sua história, abalar a burguesia e seu sistema:
– a busca de apoio e solidariedade para além da própria corporação, empresa, setor de atividade, cidade, região, país;
– a organização autônoma da luta dos trabalhadores, notadamente por meio de assembleias gerais, sem deixar o controle para os sindicatos, os chamados "especialistas" em lutas e sua organização;
– a discussão mais ampla possível sobre as necessidades gerais da luta, sobre as lições a serem tiradas das lutas e também das derrotas, porque haverá derrotas, mas a maior derrota é sofrer os ataques sem reagir. Entrar na luta é a primeira vitória dos explorados.
Em 1985, sob Thatcher, os mineiros britânicos lutaram durante um ano inteiro, com imensa coragem e determinação exemplar; mas isolados, fechados em sua corporação, eles eram impotentes; e sua derrota foi a de toda a classe trabalhadora. Devemos aprender com nossos erros. É fundamental que sejam superadas as fragilidades que assolam a classe trabalhadora há décadas e marcam nossa sucessão de derrotas: o corporativismo e a ilusão sindical. A autonomia da luta, a unidade e a solidariedade são os marcos essenciais na preparação das lutas de amanhã!
Para isso, devemos nos reconhecer como membros de uma mesma classe, uma classe unida pela solidariedade na luta: o proletariado. As lutas de hoje são essenciais não só para defendermos passo a passo contra os ataques, mas também para reivindicar essa identidade de classe em escala global, para preparar a derrubada desse sistema sinônimo de miséria e catástrofes de todos os tipos.
No capitalismo não há solução: nem para a destruição do planeta, nem para as guerras, nem para o desemprego, nem para a precariedade, nem para a miséria. Somente a luta do proletariado mundial, apoiada por todos os oprimidos e explorados do mundo pode abrir caminho para uma alternativa, a do comunismo.
As greves no Reino Unido, as manifestações na França, são um chamado à luta dos proletários de todos os países.
Corrente Comunista Internacional, 12 de janeiro de 2023
[1] O sentimento comum entre os grevistas, que sejam inglês ou francês: "Já chega"
Greves gerais e gigantescas manifestações no dia 7 de março na França, no dia 8 na Itália, no dia 11 na Grã-Bretanha. Por toda parte, a a ira raivosa se espalha.
No Reino Unido, uma onda histórica de greves já dura nove meses! Depois de ter sofrido décadas de austeridade sem questionar, o proletariado britânico não aceita mais os sacrifícios. “Enough is enough ! Já chega !”, ele grita. Na França, é o aumento da idade de aposentadoria que incendiou a atmosfera. As manifestações levaram milhões de pessoas às ruas. "Nem mais um ano, nem um euro a menos" é o grito de guerra. Na Espanha, houve grandes manifestações contra o colapso do sistema de saúde e greves em muitos setores (limpeza, transporte, informática, etc.). “A indignação vem de longe”, a imprensa o reconhece. Na Alemanha, estrangulados pela inflação, os funcionários do setor público e seus colegas carteiros entraram em greve para exigir aumentos salariais, "algo que nunca se via há muitos anos!". Na Dinamarca, estouraram greves e manifestações contra a supressão de um feriado para financiar o aumento do orçamento militar. Em Portugal, professores, ferroviários e profissionais de saúde também protestam contra os baixos salários e o custo de vida. A Holanda, os Estados Unidos, o Canadá, o México, a China... as mesmas greves contra as mesmas condições de vida insuportáveis e indignas: “A verdadeira miséria: não poder aquecer-se, comer, cuidar-se, movimentar-se!”
Essa simultaneidade de lutas em todos esses países, não é acidental. Confirma uma verdadeira mudança de mentalidade dentro da nossa classe. Depois de mais de trinta anos de resignação e desânimo, com nossas lutas dizemos: "Não nos deixaremos esmagar. Podemos e devemos lutar ".
Este retorno de combatividade da classe trabalhadora nos permite estar juntos na luta, ser solidários na luta, nos sentirmos orgulhosos, dignos e unidos na luta. Uma ideia muito simples, mas extremamente valiosa está germinando em nossas cabeças: estamos todos no mesmo barco!
Empregados de jaleco branco, de macacão azul ou de gravata, desempregados, estudantes precários, aposentados, de todos os setores, públicos e privados, todos passamos a nos reconhecer como uma força social unida pelas mesmas condições de exploração. Sofremos a mesma exploração, a mesma crise do capitalismo, os mesmos ataques às nossas condições de vida e trabalho. Carregamos a mesma luta. Nós somos a classe trabalhadora.
“Os trabalhadores lutam juntos”, gritam os grevistas no Reino Unido. “Ou lutamos juntos, ou vamos acabar dormindo na rua”, confirmam os manifestantes na França.
Algumas lutas anteriores mostram que é possível fazer recuar um governo, parar seus ataques.
Em 1968, o proletariado francês se uniu, tomando as rédeas de suas lutas. Depois das grandes manifestações de 13 de maio para protestar contra a repressão policial sofrida pelos estudantes, as greves e assembleias gerais se espalharam como fogo nas fábricas e em todos os locais de trabalho para terminar, com seus 9 milhões de grevistas, na maior greve da história do movimento operário internacional. Diante dessa dinâmica de extensão e unidade da luta dos trabalhadores, o governo e os sindicatos se apressaram em firmar um acordo geral de aumento salarial para frear o movimento.
Em 1980, na Polônia, diante do aumento dos preços dos alimentos, os grevistas levaram a luta ainda mais longe, reunindo-se em grandes assembleias gerais, decidindo suas próprias demandas e ações e, acima de tudo, lutando constantemente para estender a luta. Diante dessa força, não era apenas a burguesia polonesa que tremia, mas a burguesia de todos os países.
Em 2006, na França, após apenas algumas semanas de mobilização, o governo rescindiu seu “Contrato de Primeiro Emprego”. Porquê? O que assustou tanto a burguesia que recuou tão rapidamente? Os estudantes precários organizaram massivas assembleias gerais nas universidades, abertas a trabalhadores, desempregados e pensionistas, e lançaram um slogan unificador: a luta contra a precariedade e o desemprego. Essas Assembleias eram os pulmões do movimento, onde foram realizados debates e tomadas decisões. Resultado: a cada final de semana, as manifestações reuniam cada vez mais setores. Os assalariados e aposentados juntaram-se aos alunos sob o lema: “Pedaços jovens de bacon, pães velhos, tudo a mesma salada”. A burguesia francesa e o governo, diante dessa tendência à unificação do movimento, não tiveram escolha senão retirar seu CPE.
Hoje, assalariados, desempregados, aposentados, estudantes precários, ainda nos falta confiança em nós mesmos, em nossa força coletiva, para ousar tomar nossas lutas em nossas próprias mãos. Mas não há outra maneira. Todas as "ações" propostas pelos sindicatos levam à derrota. Piquetes, greves, manifestações, bloqueio da economia... não importa desde que essas ações permaneçam sob seu controle. Se os sindicatos mudam a forma de suas ações conforme as circunstâncias, é sempre para melhor manter o mesmo pano de fundo: dividir e isolar os trabalhadores uns dos outros para não debatermos e decidamos por nós mesmos como fazer a luta.
Por nove meses no Reino Unido, o que os sindicatos têm feito? Eles dispersam a resposta dos trabalhadores: a cada dia, um setor diferente em greve. Cada um no seu canto, cada um no seu piquete. Nenhuma manifestação comum, nenhum debate coletivo, nenhuma unidade real na luta. Este não é um erro estratégico, mas de uma divisão deliberada.
Como o governo Thatcher em 1984-85 conseguiu quebrar a espinha da classe trabalhadora no Reino Unido? Através do trabalho sujo dos sindicatos que isolavam os mineiros de seus irmãos de classe em outros setores. Eles os trancaram em uma greve longa e estéril. Por mais de um ano, os garimpeiros ocuparam os poços para "bloquear a economia". Sozinhos e impotentes, os grevistas esgotaram suas forças e coragem. E sua derrota foi a derrota de toda a classe trabalhadora. Os trabalhadores do Reino Unido não levantaram a cabeça até agora, mais de trinta anos depois. Esta derrota é, então, uma lição cara que o proletariado mundial não deve esquecer.
Somente unidos em assembleias gerais autônomas, massivas e abertas, que realmente decidam os rumos do movimento, poderemos levantar uma luta unida que se amplie, liderada pela solidariedade entre todos os setores, todas as gerações. Assembleias onde nos sentimos unidos e confiantes na nossa força coletiva. Assembleias onde possamos adotar juntos reivindicações cada vez mais unificadoras. Assembleias das quais podemos sair em delegações massivas para encontrar nossos irmãos de classe, os trabalhadores da fábrica, hospital, escola ou da administração mais próxima.
“Nós podemos ganhar?” As vezes. Mas, sim, e somente se tomarmos nossas lutas em nossas próprias mãos. Só então podemos parar os ataques momentaneamente, podemos fazer recuar um governo.
Mas a verdade é que a crise econômica mundial empurrará setores inteiros do proletariado para a precariedade. Para funcionar na arena internacional do mercado e da concorrência, todas as burguesias de todos os países, sejam governos de esquerda, de direita ou de centro, tradicionais ou populistas, vão impor condições de vida e trabalho cada vez mais insuportáveis sobre nós.
A verdade é que, com o desenvolvimento da economia de guerra em todos os cantos do planeta, os sacrifícios exigidos pela burguesia se tornarão cada vez mais insuportáveis.
A verdade é que o confronto imperialista de todas as nações é uma espiral de destruição e caos sangrento que pode levar à morte de toda a humanidade. Todos os dias na Ucrânia uma torrente de seres humanos é ceifada pelos abomináveis instrumentos de morte russos e ocidentais.
A verdade é que simples epidemias de gripe ou bronquiolite estão deixando de joelhos os sistemas de saúde em colapso.
A verdade é que o capitalismo continuará devastando o planeta e destruindo o clima, causando enchentes, secas e incêndios devastadores.
A verdade é que milhões de pessoas continuarão fugindo da guerra, da fome, da catástrofe climática, ou de todas as três, apenas para se chocar com os muros de arame farpado de outros países ou afundar no mar.
Então surge a pergunta: de que adianta lutar contra os baixos salários, contra a falta de pessoal, contra esta ou aquela reforma? Pois bem, a luta dos trabalhadores tem como objetivo a derrubada do capitalismo e de todos os seus males, o advento de um mundo sem classes, nem exploração, sem guerras nem fronteiras: o comunismo.
A verdadeira vitória é a própria luta. O simples fato de entrar na luta, de desenvolver nossa solidariedade, já é uma vitória. Lutando juntos, rejeitando a resignação, preparamos as lutas de amanhã e criamos pouco a pouco, apesar das derrotas inevitáveis, as condições para um mundo novo.
Nossa solidariedade na luta é a antítese da competição para a morte desse sistema dividido em empresas e nações concorrentes.
A nossa solidariedade entre gerações é a antítese do não futuro e do espiral destruidor deste sistema.
Nossa luta simboliza a recusa de nos sacrificarmos no altar do militarismo e da guerra.
A luta da classe trabalhadora é imediatamente um desafio aos próprios fundamentos do capitalismo e da exploração.
Cada greve traz em si o germe da revolução.
Corrente Comunista Internacional, 1º de março de 2023
Cinco meses de luta, quatorze dias de ação, milhões de manifestantes, um sem-número de greves e bloqueios, recordes de mobilização... Em suma, um movimento social em escala desconhecida na França desde 1968. No entanto, a reforma previdenciária foi aprovada. Então, tudo isso por nada? Absolutamente não!
Este movimento é uma promessa para o futuro. É um sinal de que nós, classe trabalhadora, começamos a levantar a cabeça. Mais uma vez, nos unimos na luta. Durante décadas, sofremos ataques implacáveis, de sucessivos governos, de direita e de esquerda. Mas, a partir de agora, recusamos esta deterioração contínua das nossas condições de vida e de trabalho. Isso é o que mostra a massividade do nosso movimento.
Desde a primeira manifestação, a de 19 de janeiro, a grande maioria dos trabalhadores não teve ilusões: o governo não recuaria. No entanto, semana após semana, havia milhões de nós nas ruas não querendo se submeter. Recusando-nos assim a nos resignar, lutando juntos, desenvolvendo a solidariedade entre setores e entre gerações, conseguimos uma primeira vitória: a da própria luta.
Esta vitória é preciosa para o futuro. Porque sabemos que os ataques vão aumentar. Os preços dos alimentos, da eletricidade, da habitação, dos combustíveis… continuarão a subir. Tanto no setor privado, como no setor público, a precariedade, a carência de pessoal, o ritmo de trabalho infernais e os salários miseráveis se agravarão cada vez mais. O Estado continuará a destruir o sistema de saúde, de educação, de transportes… só aumentarão os orçamentos para armamento e repressão!
Teremos, portanto, de continuar lutando, contando com a experiência do nosso movimento atual. Por isso é fundamental que nos reunamos, sempre que possível (no final das manifestações, nos nossos locais de trabalho, nos comitês de luta ou nos círculos de discussão, nas reuniões das organizações revolucionárias), para discutir e aprender.
Porque, esse movimento é rico em lições:
Se quisermos entender isso, se quisermos ir mais longe da próxima vez, precisamos continuar no caminho que este movimento começou a percorrer: recordar nossas experiências de lutas passadas e suas lições.
Certas lutas do passado mostram que é possível fazer o governo recuar, conter seus ataques.
Em 1968, o proletariado na França se uniu para assumir suas lutas. Após as imensas manifestações de 13 de maio para protestar contra a repressão policial sofrida pelos estudantes, as paralisações e as assembleias gerais se espalharam como fogo nas fábricas e em todos os locais de trabalho para suceder, com seus 9 milhões de grevistas, a maior greve da história do movimento operário internacional. Diante dessa dinâmica de extensão e unidade da luta dos trabalhadores, o governo e os sindicatos se apressaram em firmar um acordo de aumento geral de salários para deter o movimento.
Em agosto de 1980, na Polônia, diante do aumento dos preços dos alimentos, os grevistas levaram ainda mais longe o controle das lutas reunindo-se em grandes assembleias gerais, decidindo sobre as reivindicações e ações e, sobretudo, tendo a preocupação constante de ampliar a luta. Diante dessa força, não foi apenas a burguesia polonesa que tremeu, mas a de todos os países.
Em 2006, na França, após apenas algumas semanas de mobilização, o governo retirou seu "Contrato do Primeiro Emprego". O que assustou a burguesia a ponto de fazê-la recuar tão rapidamente! Os estudantes precarizados organizaram, nas universidades, assembleias gerais massivas, abertas aos trabalhadores, desempregados e aposentados. Propuseram um slogan unificador: a luta contra a precariedade e o desemprego. As assembleias gerais eram a alma do movimento, onde os debates eram conduzidos, onde as decisões eram tomadas. A cada final de semana, as manifestações reuniam mais e mais setores. Os trabalhadores assalariados e aposentados juntaram-se aos estudantes, sob o lema: "Bacon fresco, pão velho, tudo na mesma salada!"
De fato, a maior força de uma luta é o fato dela ser um assunto de todos os explorados e não dos "especialistas". Na realidade, todas as "ações" propostas pelas organizações sindicais são projetadas para evitar que elas sejam "ultrapassados", para evitar que o ímpeto desses movimentos vitoriosos ressurja, para evitar que debatamos e decidamos por nós mesmos como conduzir a luta. Piquetes, greves, manifestações, bloqueio da economia... enquanto essas ações permanecerem sob o controle dos sindicatos, elas só podem levar à derrota.
Há quase um ano, no Reino Unido, o que os sindicatos têm feito? Espalharam a resposta dos trabalhadores: a cada dia, um setor diferente em greve. Cada um no seu canto, cada um no seu piquete. Nenhuma assembleia, nenhum debate coletivo, nenhuma unidade real na luta. Este não é um erro estratégico, mas uma divisão deliberada. Já em 1984-85, o governo Thatcher havia conseguido quebrar os ombros da classe trabalhadora no Reino Unido por meio do mesmo trabalho sujo dos sindicatos. Isolaram os mineiros de seus irmãos de classe em outros setores. Eles os prenderam em uma greve longa e estéril. Por mais de um ano, os mineiros ocuparam as minas, sob a bandeira do "bloqueio da economia". Sozinhos e indefesos, os grevistas esgotaram suas forças e sua coragem. E sua derrota foi a de toda a classe trabalhadora! Os trabalhadores do Reino Unido só agora levantaram a cabeça, mais de trinta anos depois! Esta derrota é, portanto, uma lição muito cara que o proletariado mundial não deve esquecer.
Somente ao nos agruparmos em assembleias gerais abertas e massivas, autônomas, decidindo realmente sobre a condução do movimento, pode constituir a base de uma luta unida e ampliada, sustentada pela solidariedade entre todos os setores, todas as gerações. Assembleias gerais nas quais possamos juntos adotar reivindicações cada vez mais unificadoras. Assembleias gerais em que possamos nos reunir e das quais podemos sair em delegações massivas para encontrar os nossos irmãos de classe, os operários da fábrica, do hospital, do estabelecimento escolar, ou da administração mais próxima.
Hoje, ainda nos falta confiança em nós mesmos, em nossa força coletiva, para ousar tomar nossas lutas em nossas próprias mãos. Este é o limite atual de nosso movimento, é por isso que a burguesia francesa não tremeu, porque seu governo não recuou. Mas nossa história prova que podemos fazer isso. E, de qualquer forma, não há outro jeito.
O capitalismo continuará a nos mergulhar na miséria e na barbárie. Deixado à sua própria lógica, este sistema decadente atrairá partes cada vez maiores da humanidade para a guerra e a miséria, destruirá o planeta com gases de efeito estufa, florestas arrasadas e bombas.
O sentimento de solidariedade, de estarmos todos no mesmo barco, a necessidade de nos mantermos unidos, entre diferentes setores, entre diferentes gerações, são evidências da natureza profunda da luta dos trabalhadores, uma luta por um mundo radicalmente diferente, um mundo sem exploração ou classes sociais, um mundo sem fronteiras ou confrontos entre nações, onde a "guerra de todos contra todos" dará lugar à solidariedade entre todos os seres humanos: o comunismo.
Nossa luta histórica contra o capitalismo também é internacional. Nos últimos doze meses, assistimos a movimentos sociais em uma escala jamais vista desde a década de 1980 no Reino Unido, Espanha, Alemanha, Dinamarca, Portugal, Holanda, Estados Unidos, Canadá, México, China… as mesmas greves contra a mesma exploração cada vez mais insustentável. "Os trabalhadores se unem", gritavam os grevistas no Reino Unido. "Ou lutamos juntos, ou vamos acabar dormindo na rua!", confirmaram os manifestantes na França. A bandeira "Por todos nós" sob a qual ocorreu a greve contra o empobrecimento na Alemanha em 27 de março é particularmente significativa desse sentimento geral, que cresce na classe trabalhadora: estamos todos lutando uns pelos outros.
Na luta contra a deterioração das nossas condições de vida e de trabalho, especialmente em face à inflação, vamos desenvolvendo gradualmente a nossa força coletiva, a nossa autoconfiança, a nossa solidariedade, a nossa unidade. Na luta, vamos percebendo aos poucos que nós, classe trabalhadora, somos capazes de assumir nossas lutas, de nos organizarmos, de nos reunirmos em assembleias gerais para decidir sobre nossas palavras de ordem e nossas ações. Aos poucos perceberemos que somos capazes de oferecer outra perspectiva além da morte prometida por um sistema capitalista em decomposição: a revolução comunista.
A perspectiva da revolução proletária retornará às nossas mentes e às nossas lutas.
O futuro pertence à luta de classes!
Corrente Comunista Internacional, 4 de junho de 2023
Este artigo foi recentemente publicado online pela seção francesa da CCI. Os atos de violência entre jovens descritos no artigo ocorreram na França, mas não são específicos do país, mas são uma característica deste mundo em decomposição. Da mesma forma, a solução para a tragédia que o capitalismo inflige diariamente à humanidade e a seus jovens está em escala global: a derrubada de um sistema que é incapaz de oferecer aos jovens dos subúrbios qualquer perspectiva que não seja o desemprego, a morte brutal na esquina da rua nas mãos de gangues ou da polícia, ou como consequência do comportamento antissocial e mortal de outros jovens que são um puro reflexo do mundo em que vivemos.
A trágica morte do jovem Nahel, em Nanterre, nos subúrbios de Paris, assassinado por um policial, acendeu o barril de pólvora. Imediatamente, tumultos eclodiram em vilas e cidades em toda a França contra essa injustiça desprezível.
Como comprovado através do vídeo que circulou imediatamente nas redes sociais, Nahel foi morto friamente, à queima-roupa, simplesmente por recusar em obedecer. Este assassinato faz parte de uma longa lista de pessoas mortas e feridas pela polícia, na maioria das vezes com total impunidade.
A proliferação de abordagens a partir de características faciais, discriminações cínicas e o assédio sistemático de jovens cuja cor da pele é um pouco “escura” são legiões. Toda uma parcela da população, a maioria das vezes pobre, às vezes marginalizada, não suporta mais o racismo permanente de que é vítima, não suporta mais o comportamento arrogante e humilhante de muitos policiais, como o discurso de ódio de que é alvo da manhã a noite na televisão e na internet. O desprezível comunicado de imprensa do sindicato Alliance que se declara “em guerra” contra os “nocivos” e as “hordas selvagens” demonstra esta realidade insuportável.
Mas os repugnantes tons xenófobos de muitos policiais também permitem que todos os defensores da "democracia" e do "estado de direito" mascarem de forma barata o terror e a violência cada vez mais evidentes que o estado burguês e sua polícia exercem sobre a sociedade. Pois o assassinato de Nahel testemunha um aumento do poder da violência do Estado, uma vontade mal velada de aterrorizar e reprimir diante da crise inexorável do capitalismo, diante das inevitáveis reações da classe trabalhadora, como os riscos de explosão social (distúrbios, saques, etc.) que continuarão aumentando no futuro.
Se esta violência se encarna de forma corriqueira pelo controle dos explorados em seu local de trabalho, pelas constantes humilhações e violências sociais infligidas aos desempregados e a todas as vítimas do capitalismo, ela também se expressa no comportamento de cada vez mais violentos por parte significativa da polícia, da justiça e de todo o arsenal repressivo do Estado, seja no dia a dia nos "bairros" ou contra os movimentos sociais.
Desde a lei de 2017, que facilitou as condições em que a polícia pode atirar, o número de assassinatos simplesmente quintuplicou. Desde que essa lei foi aprovada por um governo de esquerda, o de Holande, a polícia está pronta para disparar! Ao mesmo tempo, a repressão aos movimentos sociais continuou a se fortalecer nos últimos anos, como evidenciado pelo movimento dos coletes amarelos que produziu uma multidão de cegos, incapacitados físicos ou feridos. Mais recentemente, a luta contra a reforma da Previdência testemunhou) um terrível desencadeamento da polícia simbolizado pelos inúmeros ataques do BRAV-M[1]. Opositores das megabacias de Sainte-Soline ou imigrantes ilegais expulsos de Mayotte também foram submetidos a uma repressão de extrema violência. A ONU até emitiu condenação pela "falta de contenção no uso da força", mas também a “retórica criminalizadora” do Estado francês. E por um bom motivo! O arsenal de aplicação da lei na França é um dos mais extensos e perigosos da Europa. O uso crescente de granadas de desencaixe, gás lacrimogêneo ou LBDs[2], o uso de carro tanque etc., tendem a transformar os movimentos sociais em verdadeiros cenários de guerra, confrontado com pessoas que as autoridades não hesitam mais em chamar descaradamente de "criminosos" ou "terroristas".
Os recentes distúrbios foram mais uma oportunidade para a burguesia exercer uma repressão feroz, com o envio de 45.000 policiais, unidades de elite do BRI [3]e do RAID[4], veículos blindados da gendarmaria, drones de vigilância, tanques anti-motim, canhões de água, helicópteros… Em 2005, os tumultos nos subúrbios duraram três semanas porque a burguesia tentou acalmar as coisas evitando mais uma morte. Hoje, a burguesia busca se impor imediatamente pela força e impedir que a situação saia do controle. Diante de tumultos muito mais violentos e generalizados do que em 2005, ela golpeia com força decuplicada.
Quanto mais a situação se deteriora, mais o Estado, na França como em todo o mundo, é de fato forçado a reagir pela força e pela abundância de meios repressivos. Mas o uso de violência física e legal[5] acentua paradoxalmente a desordem e a barbárie que a burguesia procura conter. Ao lançar seus cães contra as populações em precariedade por anos, ao multiplicar discursos odiosos e racistas no mais alto nível do estado e na mídia, a burguesia criou as próprias condições para uma imensa explosão de raiva e violência cega. No futuro, é certo que a repressão brutal dos motins que abalaram a França nos últimos dias também levará a mais violência e mais caos. O governo de Macron apenas colocou uma tampa em um incêndio que continuará a arder.
O assassinato de Nahel foi a gota d’água. Uma raiva imensa explodiu simultaneamente em toda a França, estendendo até a Bélgica e a Suíça. Confrontos muito violentos com a polícia ocorreram em todos os lugares, especialmente nos grandes centros urbanos de Paris, Lyon e Marselha. Por toda parte, prédios públicos, lojas, mobiliário urbano, ônibus, bondes, muitos veículos foram destruídos por manifestantes incontroláveis, às vezes muito jovens, com apenas 13 ou 14 anos. Os incêndios devastaram centros comerciais, câmaras municipais, postos policiais, mas também escolas, ginásios, bibliotecas, etc. Os saques aumentaram rapidamente em lojas e supermercados, às vezes por algumas roupas, outras vezes por comida.
Esses motins expressaram ódio real diante do comportamento dos policiais, diante de sua violência permanente, das humilhações, do sentimento de injustiça, da impunidade? Mas como podemos explicar a escala da violência e a extensão do caos, quando o governo inicialmente expressou a indignação após o assassinato de Nahel e prometeu sanções exemplares?
A morte trágica de um adolescente foi o estopim desses motins, uma faísca, mas é o contexto de aprofundamento da crise do capitalismo e todas as suas consequências sobre as populações mais precarizadas, mais marginalizadas que são a verdadeira causa e o combustível da revolta, que está na origem de um profundo mal-estar que acabou por explodir. Contrariando as conversas de botequim de Macron e sua camarilha rejeitando a responsabilidade sobre os "videogames que intoxicaram" os jovens, ou sobre os pais que deveriam dar "duas bofetadas nos seus filhos", os jovens da periferia, já vítimas de discriminação crônica, são duramente atingidos pela crise, pela marginalização crescente, pelo empobrecimento extremo, pelos fenômenos de recursos individuais que por vezes os levam a recorrer a todos os tipos de tráfico. Em suma, pelo abandono e pela ausência de perspectiva.
Mas longe de exercer uma violência organizada consciente de seus objetivos, os motins explodiram a raiva cega de jovens sem bússola, que agiram de forma desesperada e sem perspectiva. As primeiras revoltas nos subúrbios surgiram na França mais ou menos no início da fase de decomposição do capitalismo: desde as de 1979 em Vaux-en-velin, perto de Lyon, até as de hoje. Como já sublinhamos no passado, os motins têm em comum ser uma “expressão do desespero e da falta de futuro que ele engendra e que se manifesta pelo seu caráter totalmente absurdo. É o caso dos motins que incendiaram os subúrbios da França em novembro de 2005[...]. O fato de terem sido os próprios familiares, vizinhos ou parentes as principais vítimas das depredações revelam o caráter totalmente cego, desesperado e suicida desse tipo de motim. São, de fato, os veículos dos trabalhadores que vivem nestes bairros que foram incendiados, as escolas ou ginásios frequentados pelos seus irmãos, irmãs ou filhos dos seus vizinhos que foram destruídos. E é justamente pelo absurdo desses motins que a burguesia pôde aproveitá-los e voltá-los contra a classe trabalhadora”.[6]
Ao contrário de 2005, quando os distúrbios permaneceram relativamente confinados aos subúrbios, como o de Clichy-sous-bois, os distúrbios deste início do verão de 2023 na Europa, atingem agora os centros urbanos, o coração das cidades até então protegidas e até pequenos aglomerados de províncias outrora poupados, como Amboise, Pithivier ou Bourges, também foram vandalizadas. A exacerbação das tensões e o profundo desespero que anima seus atores só fizera aumentar e amplificar esse fenômeno.
Ao contrário de tudo o que podem afirmar os partidos da esquerda do Capital, os trotskistas do NPA e os anarquistas à frente, os motins não são um terreno favorável para a luta de classes, nem uma expressão desta, mas muito pelo contrário, um perigo real. De fato, a burguesia pode explorar tanto mais facilmente a imagem do caos exibida pelos motins quanto eles sempre fazem dos proletários as vítimas colaterais:
– pelos estragos e destruições causados que penalizam os próprios jovens e os seus vizinhos;
– pela estigmatização dos “suburbanos” apresentados como “selvagens” que estão na origem de todas as mazelas da sociedade;
– pela repressão que encontra aí um motivo de ouro para se fortalecer contra todos os movimentos sociais e, portanto, particularmente contra as lutas dos trabalhadores.
Esses motins, portanto, permitem à burguesia desencadear toda uma propaganda para isolar ainda mais a classe trabalhadora dos jovens dos subúrbios em revolta. Como em 2005, “a exagerada cobertura da mídia permitiu que a classe dominante pressionasse o maior número possível de trabalhadores nos bairros populares a considerar os jovens manifestantes não como vítimas do capitalismo em crise, mas como 'bandidos'. Só poderiam vir a minar qualquer reação de solidariedade da classe trabalhadora para com esses jovens”.[7]
A burguesia e os seus meios de comunicação instrumentalizaram assim muito facilmente os acontecimentos ao favorecer as amálgamas entre os motins e a luta dos trabalhadores, entre a violência cega e gratuita, os confrontos estéreis com a polícia e o que pertence à luta de classes consciente e organizada. Ao criminalizar um, pode desencadear cada vez mais violência contra o outro! Não por acaso, durante o movimento contra a reforma da previdência, as imagens que circulavam nas emissoras de televisão de todo o mundo eram cenas de confrontos com a polícia, violência e queima das lixeiras. Tratava-se de traçar uma linha de igualdade entre essas duas expressões de lutas sociais, de natureza radicalmente diferente, na tentativa de dar uma imagem de continuidade e perigosa desordem. O objetivo era ocultar e impedir que os trabalhadores aprendessem as lições de suas próprias lutas, sabotar a reflexão iniciada sobre a questão da identidade de classe. Os motins na França foram a oportunidade perfeita para reforçar esse amálgama.
A classe trabalhadora tem métodos próprios de luta que se opõem radicalmente aos motins e simples revoltas urbanas. A luta de classes não tem absolutamente nada a ver com a destruição cega e a sua correspondente violência, os incêndios, o sentimento de vingança e o saque que não oferecem perspectiva nem amanhã.
Embora possam se coordenar através das redes sociais, sua abordagem tumultuada é imediata e puramente individual, guiada pelo instinto dos movimentos da multidão, sem outro objetivo que a vingança e a destruição. A luta da classe trabalhadora situa-se diametralmente oposta a essas práticas. Uma classe cujas lutas imediatas fazem parte, ao contrário, de uma tradição, de um projeto consciente e organizado, com vistas à derrubada da sociedade capitalista em escala mundial. Nesse sentido, a classe trabalhadora deve cuidar para não se deixar arrastar para o terreno podre dos motins, pela ladeira da violência cega e gratuita e muito menos pelos confrontos estéreis com as forças da ordem, que só justificam a repressão.
Ao contrário dos motins que reforçam o braço armado do Estado, as lutas dos trabalhadores, quando unitárias e ascendentes, possibilitam o retrocesso da repressão. Em maio de 1968, por exemplo, diante da repressão estudantil, os movimentos de massa e a união dos trabalhadores permitiram limitar e reverter a violência dos policiais. Da mesma forma, quando os trabalhadores poloneses se mobilizaram em 1980 em todo o território em menos de 48 horas, eles se protegeram por sua unidade e auto-organização da extrema brutalidade do estado “socialista”. Foi somente quando eles entregaram sua luta ao sindicato Solidarnosc, quando este recuperou o controle da luta, quando os trabalhadores foram assim divididos e despojados da direção da luta, que a repressão foi selvagemente desencadeada.
A classe trabalhadora deve permanecer cautelosa e surda ao perigo representado pela violência cega, para se opor com a sua própria violência de classe, a única que tem futuro.
WH , 3 de julho de 2023
[1] Brigada de Repressão a Ação Violenta Motorizada
[2] Lançador de bolas de defesa
[3] BRI : Brigada de Pesquisa e Intervenção
[4] RAID : Busca, Assistência, intervenção, dissuasão
[5] Após a repressão policial, os milhares de jovens presos receberam sentenças muito pesadas em julgamentos sumários.
[6] Qual é a diferença entre os distúrbios alimentares e os distúrbios suburbanos? Révolution internationale no. 394 (outubro de 2008)
[7] Idem
"Temos de dizer basta! Não apenas nós, mas toda a classe trabalhadora deste país tem que dizer, em algum momento, que basta" (Littlejohn, gerente de manutenção nas profissões especializadas da fábrica de estamparia da Ford em Buffalo, nos Estados Unidos).
Este trabalhador americano resume em uma frase o que está amadurecendo na consciência de toda a classe trabalhadora, em todos os países. Há um ano, o "Summer of Rage" (Verão da Raiva) eclodiu no Reino Unido. Ao entoarem o grito de "Basta", os trabalhadores britânicos fizeram um chamado para retomar a luta depois de mais de trinta anos de estagnação e resignação.
Esse chamado foi ouvido além de nossas fronteiras. Da Grécia ao México, greves e manifestações contra a mesma deterioração intolerável, em nossas condições de vida e trabalho, continuaram durante o final de 2022 e o início de 2023.
Em meados do inverno, na França, foi dado mais um passo: os proletários adotaram a ideia de que "basta". Mas, em vez de multiplicar as lutas locais e corporativistas, isoladas umas das outras, eles conseguiram se reunir aos milhões nas ruas. À combatividade necessária juntou-se a força da massividade. E agora, é nos Estados Unidos que os trabalhadores tentam levar a tocha da luta um pouco mais longe.
Um verdadeiro apagão midiático cerca o movimento social que atualmente incendeia a principal potência econômica do mundo. E com razão: em um país devastado há décadas pela pobreza, violência, drogas, racismo, medo e individualismo, essas lutas mostram que um caminho completamente diferente é possível.
No centro de todas essas greves brilha uma onda genuína de solidariedade entre os trabalhadores: "Todos nós estamos fartos: os temporários estão fartos, funcionários antigos como eu estão fartos... porque esses temporários são nossos filhos, nossos vizinhos, nossos amigos" (o mesmo funcionário de Nova York). É assim que os trabalhadores se mantêm unidos, entre gerações: os "velhos" não estão em greve apenas por si, mas principalmente pelos "jovens" que estão sofrendo condições de trabalho ainda piores e salários ainda mais baixos.
Um senso de solidariedade cresce gradualmente na classe trabalhadora à medida que percebemos que estamos "todos juntos nisso": "Todos esses grupos não são apenas movimentos separados, mas um grito de guerra coletivo: somos uma cidade de trabalhadores - de colarinho azul e de colarinho branco, sindicalizados e não sindicalizados, imigrantes e nativos" (Los Angeles Times).
As greves em curso nos Estados Unidos estão reunindo muito mais do que apenas os setores envolvidos. "O complexo Stellantis em Toledo, Ohio, estava agitado com aplausos e buzinas no início da greve" (The Wall Street Journal). "Buzinas apoiam os grevistas do lado de fora da fábrica da montadora em Wayne, Michigan" (The Guardian).
A atual onda de greves é de importância histórica:
- Roteiristas e atores de Hollywood lutaram juntos pela primeira vez em 63 anos;
- Enfermeiros particulares em Minnesota e Wisconsin realizaram a maior greve de sua história;
- Os trabalhadores municipais de Los Angeles entraram em greve pela primeira vez em 40 anos;
- Trabalhadores das "Três Grandes" (General Motors, Ford, Chrysler) protagonizaram uma luta conjunta sem precedentes;
- Os trabalhadores da Kaiser Permanente, em greve em vários estados, lideraram a maior manifestação já organizada no setor de saúde.
Também poderíamos acrescentar as muitas greves ocorridas nas últimas semanas na Starbucks, Amazon e McDonald's, nas fábricas de aviação e ferrovias, ou a que se espalhou gradualmente para todos os hotéis da Califórnia... todos os trabalhadores lutam por um salário decente diante de uma inflação galopante que os está reduzindo à pobreza.
Com todas essas greves, o proletariado americano mostra que também é possível que os trabalhadores do setor privado lutem. Na Europa, até agora, foram principalmente os trabalhadores do setor público que se mobilizaram, já que o medo de perder o emprego é um freio decisivo para os funcionários de empresas privadas. Mas, diante de condições de exploração cada vez mais insuportáveis, todos nós seremos forçados a lutar. O futuro pertence à luta de classes em todos os setores, juntos e unidos!
A raiva está aumentando novamente na Europa, na Ásia e até mesmo na Oceania. A China, a Coreia e a Austrália também estão passando por uma sucessão de greves desde o verão. Na Grécia, no final de setembro, um movimento social reuniu os setores de transporte, educação e saúde para protestar contra uma proposta de reforma trabalhista destinada a flexibilizar os empregos. O dia 13 de outubro marca o retorno das manifestações na França, sobre a questão dos salários. Na Espanha, também começa a soprar um vento de raiva: em 17 e 19 de outubro, greves no setor de educação privada; em 24 de outubro, greve no setor de educação pública; em 25 de outubro, greve em todo o setor público basco; em 28 de outubro, manifestação dos aposentados, etc. Diante dessas previsões de lutas, a imprensa espanhola começa a antecipar "outro outono quente".
Essa lista não apenas indica o nível crescente de descontentamento e combatividade de nossa classe. Ela também revela a maior fraqueza atual de nosso movimento: apesar da crescente solidariedade, nossas lutas permanecem separadas umas das outras. Nossas greves podem ocorrer ao mesmo tempo, podemos até estar lado a lado, às vezes nas ruas, mas não estamos lutando realmente juntos. Não estamos unidos, não estamos organizados como uma única força social, em uma única luta.
A atual onda de greves nos Estados Unidos é outra demonstração flagrante disso. Quando o movimento foi lançado nas "Três Grandes", a greve foi limitada a três fábricas "designadas": Wentzville (Missouri) para a GM, Toledo (Ohio) para a Chrysler e Wayne (Michigan) para a Ford. Essas três fábricas estão separadas por milhares de quilômetros, o que impossibilitou que os trabalhadores se reunissem e lutassem juntos.Por que eles estavam tão dispersos? Quem organizou essa fragmentação? Quem supervisiona oficialmente esses trabalhadores? Quem organiza os movimentos sociais? Quem são os "especialistas da luta", os representantes legais dos trabalhadores? Os sindicatos! Em todo o mundo, eles dispersam a resposta dos trabalhadores.
Foi o UAW, um dos principais sindicatos dos Estados Unidos, que "designou" essas três fábricas! É o UAW que, embora falsamente chame o movimento de "forte, unido e maciço", está deliberadamente limitando a greve a apenas 10% da força de trabalho sindicalizada, enquanto todos os trabalhadores estão proclamando em alto e bom som seu desejo de entrar em greve em sua totalidade. Quando os trabalhadores da Mack Truck (caminhões Volvo) tentaram se unir às "Três Grandes" na luta, o que os sindicatos fizeram? Eles se apressaram em assinar um acordo para encerrar a greve! Em Hollywood, quando a greve dos atores e roteiristas já durava meses, um acordo entre a gerência e o sindicato foi assinado ao mesmo tempo em que os trabalhadores do setor automobilístico aderiram à greve.
Mesmo na França, durante as manifestações que reúnem milhões de pessoas nas ruas, os sindicatos dividem os manifestantes fazendo com que "seus" sindicalistas marchem agrupados por corporação, não juntos, mas um atrás do outro, impedindo qualquer reunião ou discussão.
Nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França, na Espanha, na Grécia, na Austrália e em todos os outros países, se quisermos acabar com essa divisão organizada, se quisermos nos unir de verdade, se quisermos nos aproximar uns dos outros, puxar uns aos outros, ampliar nosso movimento, precisamos arrancar o controle das lutas das mãos dos sindicatos. Essas são as nossas lutas, as lutas de toda a classe trabalhadora!
Sempre que possível, devemos nos reunir em assembleias gerais abertas, massivas e autônomas, que realmente decidam como o movimento será conduzido. Assembleias gerais nas quais se discutam, da forma mais ampla possível, as necessidades gerais da luta e as demandas mais unificadoras. Assembleias gerais das quais podemos sair em delegações maciças para encontrar nossos irmãos e irmãs de classe, os trabalhadores da fábrica, do hospital, da escola ou da administração mais próxima.
Diante do empobrecimento, diante do aquecimento global, diante da violência policial, diante do racismo, diante da violência contra as mulheres... nos últimos anos, houve outros tipos de reação: as manifestações dos "coletes amarelos" na França, manifestações ecológicas como "Youth for climate", protestos pela igualdade como "Black Lives Matter" ou "MeToo", ou gritos de raiva como durante os tumultos nos Estados Unidos, na França ou no Reino Unido.
Mas todas essas ações têm o objetivo de impor uma forma de capitalismo mais justa, equitativa, humana e ecológica. É por isso que todas essas reações são tão fáceis de serem exploradas pelos governos e pela burguesia, que não hesitam em apoiar todos esses "movimentos de cidadãos". Além disso, os sindicatos e todos os políticos estão fazendo tudo o que podem para limitar as demandas dos trabalhadores à estrutura estrita do capitalismo, enfatizando a necessidade de uma melhor distribuição da riqueza entre empregadores e empregados. "Agora que a indústria está se recuperando, [os trabalhadores] devem participar dos lucros", chegou a declarar Biden, o primeiro presidente americano a se encontrar em uma linha de piquete.
Mas, ao lutar contra os efeitos da crise econômica, contra os ataques orquestrados pelos Estados, contra os sacrifícios impostos pelo desenvolvimento da economia de guerra, o proletariado se levanta, não como cidadãos exigindo "direitos" e "justiça", mas como explorados contra seus exploradores e, em última análise, como uma classe contra o próprio sistema. É por isso que a dinâmica internacional da luta da classe trabalhadora traz o germe de um questionamento fundamental para todo o capitalismo.
Na Grécia, durante o dia de ação em 21 de setembro contra a reforma trabalhista, os manifestantes fizeram a ligação entre esse ataque e os desastres "naturais" que assolaram o país neste verão. Por um lado, o capitalismo está destruindo o planeta, poluindo, agravando o aquecimento global, desmatando, concretando, secando a terra e causando enchentes e incêndios. Por outro lado, está acabando com os empregos que costumavam cuidar da natureza e protegiam as pessoas, e prefere construir aviões de guerra ao invés de Canadairs[1].Além de lutar contra a deterioração de suas condições de vida e de trabalho, a classe trabalhadora está envolvida em uma reflexão muito mais ampla sobre esse sistema e seu futuro. Há alguns meses, em manifestações na França, começamos a ver sinais de recusa à guerra na Ucrânia, recusando-nos a apertar o cinto em nome dessa economia de guerra: " Nada de dinheiro para a guerra, nada de dinheiro para armas, dinheiro sim para salários, para pensões".
A crise econômica, a crise ecológica e a barbárie da guerra são todos sintomas da dinâmica mortífera do capitalismo global. O dilúvio de bombas e balas que chove sobre o povo de Israel e Gaza enquanto escrevemos estas linhas, enquanto os massacres na Ucrânia continuam, é mais uma ilustração da espiral descendente para a qual o capitalismo está levando a sociedade, ameaçando a vida de toda a humanidade!O número crescente de greves mostra que dois mundos estão se chocando: o mundo burguês da competição e da barbárie e o mundo da classe trabalhadora da solidariedade e da esperança. Esse é o significado profundo de nossas lutas atuais e futuras: a promessa de outro futuro, sem exploração ou classe social, sem guerra ou fronteiras, sem destruição do planeta ou busca de lucro.
Corrente Comunista Internacional, 8 de outubro de 2023
[1] Espécie de avião projetado para combate a incêndios florestais
"Horror", "massacres", "terrorismo", "terror", "crimes de guerra", "catástrofe humanitária", "genocídio"... as palavras que aprecem nas primeiras páginas da imprensa internacional dizem muito sobre a escala da barbárie em Gaza.
Em 7 de outubro, o Hamas matou 1.400 israelenses, caçando idosos, mulheres e crianças em suas casas. Desde então, o Estado de Israel tem se vingado e matado em massa. O dilúvio de bombas que chove dia e noite em Gaza já causou a morte de mais de 10.000 palestinos, incluindo 4.800 crianças. Em meio a prédios em ruínas, os sobreviventes estão privados de tudo: água, eletricidade, alimentos e remédios. Neste exato momento, dois milhões e meio de habitantes de Gaza estão ameaçados pela fome e por epidemias. 400.000 deles são prisioneiros na Cidade de Gaza, e todos os dias centenas caem, despedaçados por mísseis, esmagados por tanques e executados por balas.
A morte está por toda parte em Gaza, assim como na Ucrânia. Não vamos nos esquecer da destruição de Marioupol pelo exército russo, do êxodo de pessoas, da guerra de trincheiras que enterra pessoas. Até o momento, acredita-se que quase 500.000 pessoas tenham morrido. Metade de cada lado. Uma geração inteira de russos e ucranianos está sendo sacrificada no altar do interesse nacional, em nome da defesa da pátria. E há mais por vir: no final de setembro, em Nagorno-Karabakh, 100.000 pessoas foram forçadas a fugir diante do exército azerbaijano e da ameaça de genocídio. No Iêmen, o conflito do qual ninguém fala, já fez mais de 200.000 vítimas e reduziu 2,3 milhões de crianças à desnutrição. O mesmo horror de guerra está sendo travado na Etiópia, Mianmar, Haiti, Síria, Afeganistão, Mali, Níger, Burkina Faso, Somália, Congo, Moçambique... E o confronto está se formando entre a Sérvia e Kosovo.
Quem é o responsável por toda essa barbárie? Até onde a guerra pode se espalhar? E, acima de tudo, que força pode se opor a ela?
No momento em que escrevemos, todas as nações estão pedindo a Israel que "modere" ou "suspenda" sua ofensiva. A Rússia está exigindo um cessar-fogo, após atacar a Ucrânia com a mesma ferocidade há um ano e meio e de ter massacrado 300.000 civis na Chechênia em 1999, em nome da mesma "luta contra o terrorismo". A China afirmar querer a paz, mas está exterminando a população uigure e ameaçando os habitantes de Taiwan com um dilúvio de fogo ainda maior. A Arábia Saudita e seus aliados árabes querem o fim da ofensiva israelense enquanto dizimam a população do Iêmen. A Turquia se opõe ao ataque a Gaza enquanto sonha em exterminar os curdos. Quanto às principais democracias, após apoiarem "o direito de Israel de se defender", elas agora pedem "uma trégua humanitária" e o "respeito à lei internacional", demonstrando sua experiência em massacres em massa com notável regularidade desde 1914.
Esse é o principal argumento do Estado de Israel: "a aniquilação de Gaza é legítima", assim como foram as bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki e o bombardeio em massa de Dresden e Hamburgo. Os Estados Unidos travaram as guerras no Afeganistão e no Iraque com os mesmos argumentos e os mesmos métodos de Israel hoje! Todos os Estados são criminosos de guerra! Grandes ou pequenos, dominados ou poderosos, aparentemente belicistas ou moderados, todos eles estão, na realidade, participando da guerra imperialista na arena mundial, e todos eles consideram a classe trabalhadora como bucha de canhão.
São essas vozes hipócritas e enganosas que agora querem que acreditemos em seu esforço pela paz e em sua solução: o reconhecimento de Israel e da Palestina como dois Estados independentes e autônomos. A Autoridade Palestina, o Hamas e o Fatah estão prenunciando como seria esse Estado: como todos os outros, exploraria os trabalhadores; como todos os outros, reprimiria as massas; como todos os outros, entraria em guerra. Já existem 195 estados "independentes e autônomos" no planeta: juntos, gastam mais de 2.000 bilhões de dólares por ano em "defesa"! E até 2024, esses orçamentos devem explodir.
Então, por que a ONU acabou de declarar: "Precisamos de um cessar-fogo humanitário imediato. Já se passaram trinta dias. É o suficiente. Isso tem que parar agora"? Obviamente, os aliados da Palestina querem o fim da ofensiva israelense. Quanto aos aliados de Israel, essas "grandes democracias" que afirmam respeitar o "direito internacional", eles não podem deixar o exército israelense fazer o que quiser sem dizer nada visto que os massacres do Tsahal são mais que visíveis. Sobretudo porque eles fornecem apoio militar à Ucrânia contra a "agressão russa" e seus "crimes de guerra". Não se deve permitir que a barbárie das duas "agressões" pareça muito semelhante.
Mas há um motivo ainda mais profundo: todos estão tentando limitar a disseminação do caos, porque todos podem ser afetados, todos têm algo a perder se esse conflito se estender demais. O ataque do Hamas e a resposta de Israel têm uma coisa em comum: a política de terra arrasada. O massacre terrorista de ontem e o bombardeio de hoje não podem levar a uma vitória real e duradoura. Essa guerra está mergulhando o Oriente Médio em uma era de desestabilização e confronto.
Se Israel continuar a arrasar Gaza e enterrar seus habitantes sob os escombros, há o risco de que a Cisjordânia também pegue fogo, que o Hezbollah arraste o Líbano para a guerra e o Irã acabe se envolvendo ainda mais. A disseminação do caos por toda a região não seria apenas um golpe para a influência americana, mas também para as ambições globais da China, cuja preciosa Rota da Seda passa pela região.
A ameaça de uma terceira guerra mundial está na boca de todos. Os jornalistas estão debatendo abertamente esse assunto na TV. Na realidade, a situação atual é muito mais perniciosa. Não há dois blocos, ordenadamente organizados e disciplinados, confrontando-se, como ocorreu em 1914-18 e 1939-45, ou durante a Guerra Fria. Embora a competição econômica e bélica entre a China e os Estados Unidos seja cada vez mais brutal e opressiva, as outras nações não estão se curvando às ordens de um ou outro desses dois gigantes; elas estão desempenhando seu próprio papel, em desordem, imprevisibilidade e cacofonia. A Rússia atacou a Ucrânia contra a orientação chinesa. Israel está esmagando Gaza contra a orientação americana. Esses dois conflitos sintetizam o perigo que ameaça de morte toda a humanidade: a multiplicação de guerras cujo único objetivo é desestabilizar ou destruir o adversário; uma cadeia interminável de exações irracionais e niilistas; cada um por si, sinônimo de caos incontrolável.
Para uma terceira guerra mundial, os proletários da Europa Ocidental, da América do Norte e do Leste Asiático teriam de estar preparados para sacrificar suas vidas em nome da pátria, para pegar em armas e matar uns aos outros em nome da bandeira e dos interesses nacionais, o que não é absolutamente o caso hoje. Mas o que está em processo de desenvolvimento não precisa desse apoio, desse alistamento das massas. Desde o início dos anos 2000, faixas cada vez maiores do planeta foram mergulhadas na violência e no caos: Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia, Líbano, Ucrânia, Israel e Palestina... Essa gangrena está se espalhando pouco a pouco, país por país, região por região. Esse é o único futuro possível para o capitalismo, esse sistema de exploração decadente e apodrecido.
Então, o que podemos fazer? Os trabalhadores de todos os países não devem ter ilusões sobre uma paz supostamente possível, sobre qualquer solução da "comunidade internacional", da ONU ou de qualquer outro covil de bandidos. O capitalismo é guerra. Desde 1914, ela praticamente nunca deu trégua, afetando uma parte do mundo e depois outra. O período histórico que temos pela frente verá essa dinâmica mortal se espalhar e se ampliar, com uma barbaridade cada vez mais insondável.
Portanto, os trabalhadores de todos os países devem se recusar a tomar partido por um ou outro campo burguês, no Oriente, no Oriente Médio e em qualquer outro lugar. Eles devem se recusar a ser enganados pela retórica que lhes pede para mostrar "solidariedade" com "o povo ucraniano sob ataque", com "a Rússia sob ameaça", com "as massas palestinas martirizadas", com "os israelenses aterrorizados"... Em todas as guerras, em ambos os lados das fronteiras, os Estados sempre levam as pessoas a acreditarem que há uma luta entre o bem e o mal, entre a barbárie e a civilização. Na realidade, todas essas guerras são sempre um confronto entre nações concorrentes, entre burguesias rivais. São sempre conflitos em que os explorados morrem para o benefício de seus exploradores.
A solidariedade dos trabalhadores, portanto, não vai para os "palestinos", assim como não vai para os "israelenses", os "ucranianos" ou os "russos", porque em todas essas nacionalidades há exploradores e explorados. Ela vai para os trabalhadores e desempregados de Israel e da Palestina, da Rússia e da Ucrânia, assim como vai para os trabalhadores de todos os outros países. Não é manifestando-se "pela paz", não é escolhendo apoiar um lado contra o outro que podemos demonstrar solidariedade real com as vítimas da guerra, as populações civis e os soldados de ambos os lados, proletários de uniforme transformados em bucha de canhão, crianças doutrinadas e fanáticas. A única solidariedade consiste em denunciar TODOS os Estados capitalistas, TODOS os partidos que nos conclamam a nos unirmos em torno desta ou daquela bandeira nacional, desta ou daquela causa de guerra, TODOS aqueles que nos iludem com a ilusão da paz e das "boas relações" entre os povos.
Essa solidariedade significa, acima de tudo, desenvolver nossa luta contra o sistema capitalista responsável por todas as guerras, uma luta contra as burguesias nacionais e seu Estado.
A história tem demonstrado que a única força que pode pôr fim à guerra capitalista é a classe explorada, o proletariado, o inimigo direto da classe burguesa. Esse foi o caso quando os trabalhadores da Rússia derrubaram o Estado burguês em outubro de 1917 e os trabalhadores e soldados da Alemanha se revoltaram em novembro de 1918: esses grandes movimentos de luta do proletariado forçaram os governos a assinarem o armistício. Foi isso que pôs fim à Primeira Guerra Mundial: a força do proletariado revolucionário! A classe trabalhadora terá de conquistar a paz real e definitiva em todos os lugares, derrubando o capitalismo em escala mundial.
Esse longo caminho está à nossa frente. Hoje, isso significa desenvolver lutas em um terreno de classe, contra os ataques econômicos cada vez mais duros, que nos são dirigidos por um sistema mergulhado em uma crise insuperável. Porque, ao recusar a deterioração de nossas condições de vida e de trabalho, ao recusar os sacrifícios perpétuos feitos em nome do equilíbrio do orçamento, da competitividade da economia nacional ou dos esforços de guerra necessários, começamos a nos levantar contra o cerne do capitalismo: a exploração do homem pelo homem.
Nessas lutas, permanecemos juntos, desenvolvemos nossa solidariedade, debatemos e tomamos consciência de nossa força quando estamos unidos e organizados. Em suas lutas de classe, o proletariado carrega dentro de si um mundo que é exatamente o oposto do capitalismo: por um lado, a divisão em nações envolvidas em competição econômica e bélica até o ponto de destruição mútua; por outro, uma unidade potencial de todos os explorados do mundo. O proletariado começou a percorrer esse longo caminho, a dar alguns passos: durante o "verão da raiva" no Reino Unido em 2022, durante o movimento social contra a reforma previdenciária na França no início de 2023, durante as greves históricas nos setores de saúde e automotivo nos Estados Unidos nas últimas semanas. Essa dinâmica internacional marca o retorno histórico da combatividade dos trabalhadores, a crescente recusa em aceitar a deterioração permanente das condições de vida e de trabalho, e a tendência de demonstrar solidariedade entre setores e entre gerações como trabalhadores em luta. No futuro, os movimentos terão de fazer a ligação entre a crise econômica e a guerra, entre os sacrifícios exigidos e o desenvolvimento de orçamentos e políticas armamentistas, entre todos os flagelos que este obsoleto capitalismo global traz consigo, entre as crises econômicas, bélicas e climáticas que se alimentam umas das outras.
Contra o nacionalismo, contra as guerras para as quais nossos exploradores querem nos arrastar, as antigas palavras de ordem do movimento dos trabalhadores, que apareceram no Manifesto Comunista de 1848, são hoje mais relevantes do que nunca:
Corrente Comunista Internacional, 7 de novembro de 2023
Desde sábado, um dilúvio de fogo e aço está chovendo sobre as pessoas que vivem em Israel e Gaza. De um lado, o Hamas. Do outro, o exército israelense. No meio, civis sendo bombardeados, baleados, executados e feitos reféns. Milhares de pessoas já morreram.
Em todo o mundo, a burguesia está nos convocando a escolher um lado. A favor da resistência palestina à opressão israelense. Ou a favor da resposta israelense ao terrorismo palestino. Cada um denuncia a barbárie do outro para justificar a guerra. O Estado israelense vem oprimindo o povo palestino há décadas, com bloqueios, perseguições, postos de controle e humilhações, pelo que a vingança seria legítima. As organizações palestinas têm matado pessoas inocentes com ataques a faca e atentados a bomba. Cada lado pede que o sangue do outro seja derramado.
Essa lógica da morte é a lógica da guerra imperialista! São os nossos exploradores e seus Estados que travam sempre uma guerra impiedosa em defesa de seus próprios interesses. E somos nós, a classe trabalhadora, os explorados, que pagamos sempre o preço, com nossas vidas.
Para nós, proletários, não há lado a escolher, não temos pátria, não temos nação a defender! Em ambos os lados da fronteira, somos irmãos de classe! Nem Israel, Nem Palestina!
O século XX foi um século de guerras, as guerras mais atrozes da história da humanidade, e nenhuma delas serviu aos interesses dos trabalhadores. Estes últimos sempre chamados a morrer aos milhões pelos interesses de seus exploradores, em nome da defesa da "pátria", da "civilização", da "democracia" ou até mesmo da "pátria socialista" (como alguns apresentaram a URSS de Stalin e o gulag).
Hoje, há uma nova guerra no Oriente Médio. Em ambos os lados, as classes dominantes estão convocando os explorados a "defender a pátria", seja ela judia ou palestina. Esses trabalhadores judeus que, em Israel, são explorados por capitalistas judeus, esses trabalhadores palestinos explorados por capitalistas judeus ou por capitalistas árabes (e muitas vezes de forma muito mais feroz do que por capitalistas judeus, já que nas empresas palestinas, a legislação trabalhista remonta ao antigo Império Otomano).
Os trabalhadores judeus já pagaram um preço alto pela loucura bélica da burguesia nas cinco guerras que sofreram desde 1948. Mal saíram dos campos de concentração e guetos de uma Europa devastada pela guerra mundial, os avós daqueles que hoje vestem o uniforme do Tsahal foram arrastados para a guerra entre Israel e os países árabes. Depois, seus pais pagaram o preço em sangue nas guerras de 67, 73 e 82. Esses soldados não são brutos horrendos cujo único pensamento é matar crianças palestinas. São jovens recrutas, em sua maioria trabalhadores, morrendo de medo e nojo, forçados a agir como policiais e cujas cabeças estão cheias da "barbárie" dos árabes.
Os trabalhadores palestinos também já pagaram um preço terrível em sangue. Expulsos de suas casas em 1948 pela guerra empreendida por seus líderes, eles passaram a maior parte de suas vidas em campos de concentração, recrutados ou forçados, ainda adolescentes, a participar das milícias do Fatah, da PFLP ou do Hamas.
Os maiores massacres que sofreram não foram realizados pelos exércitos de Israel, mas pelos dos países onde estavam estacionados, como a Jordânia e o Líbano: em setembro de 1970 ("Setembro Negro"), o "Pequeno Rei" Hussein os exterminou em massa, a ponto de alguns deles se refugiarem em Israel para escapar da morte. Em setembro de 1982, milícias árabes (reconhecidamente cristãs e aliadas de Israel) os massacraram nos campos de Sabra e Shatila, em Beirute.
Hoje, em nome da "pátria palestina", os trabalhadores árabes estão mais uma vez sendo mobilizados contra os israelenses, a maioria dos quais são trabalhadores israelenses, tal como se pede a estes últimos a serem mortos em defesa da "terra prometida".
A propaganda nacionalista flui repugnantemente de ambos os lados, uma propaganda entorpecente destinada a transformar seres humanos em bestas ferozes. As burguesias israelenses e árabes vêm promovendo isso há mais de meio século. Os trabalhadores israelenses e árabes têm sido constantemente informados que precisam defender a terra de seus ancestrais. Para os primeiros, a militarização sistemática da sociedade desenvolveu uma psicose de cerco para transformá-los em "bons soldados". Para os segundos, se enraizou o desejo de lutar contra Israel para encontrar um lar. E, para isso, os líderes dos países árabes nos quais estavam refugiados os mantiveram por décadas em campos de concentração, sob condições de vida insuportáveis.
O nacionalismo é uma das piores ideologias inventadas pela burguesia. É a ideologia que lhe permite mascarar o antagonismo entre exploradores e explorados, unindo-os todos atrás da mesma bandeira, pela qual os explorados serão mortos a serviço dos exploradores, em defesa de seus interesses e privilégios de classe.
Para coroar tudo isso, a essa guerra acrescenta-se o veneno da propaganda religiosa, do tipo que cria o fanatismo mais demente. Os judeus são chamados a defender o Muro das Lamentações do Templo de Salomão com seu sangue. Os muçulmanos devem dar a vida pela Mesquita de Omar e pelos lugares sagrados do Islã. O que está acontecendo hoje em Israel e na Palestina confirma claramente que a religião é "o ópio do povo", como diziam os revolucionários do século XIX. O objetivo da religião é consolar os explorados e oprimidos. Aqueles para quem a vida na Terra é um inferno são informados de que serão felizes após a morte, desde que saibam como conquistar a salvação. E essa salvação é trocada por sacrifícios, submissão e até mesmo pela entrega de suas vidas a serviço da "guerra santa".
O fato de que, no início do século XXI, ideologias e superstições que remontam à antiguidade ou à Idade Média ainda são amplamente usadas para levar os seres humanos a sacrificarem suas vidas diz muito sobre o estado de barbárie em que o Oriente Médio, juntamente com muitas outras partes do mundo, está mergulhando.
Foram os líderes das grandes potências que criaram a situação infernal na qual as pessoas exploradas dessa região estão morrendo aos milhares hoje. Foi a burguesia europeia e, particularmente, a burguesia britânica, com sua "Declaração Balfour" de 1917, que, para dividir e conquistar, permitiu a criação de um "lar judeu" na Palestina, promovendo assim as utopias chauvinistas do sionismo. Foram esses mesmos burgueses que, após a Segunda Guerra Mundial, que eles haviam acabado de vencer, providenciaram o transporte de centenas de milhares de judeus da Europa Central para a Palestina, após deixarem os campos de concentração ou vagarem longe de sua região de origem. Isso significava que eles não tinham de acolhê-los em seu país.
Foram essas mesmas burguesias, primeiro a britânica e a francesa, depois a americana, que armaram o Estado de Israel até os dentes para lhe dar o papel de ponta de lança do bloco ocidental nessa região durante a Guerra Fria, enquanto a URSS, por sua vez, armou seus aliados árabes o máximo possível. Sem esses grandes "patrocinadores", as guerras de 1956, 67, 73 e 82 não poderiam ter ocorrido.
Hoje, as burguesias do Líbano, do Irã e, provavelmente, da Rússia estão armando e empurrando o Hamas. Os Estados Unidos acabaram de enviar seu maior porta-aviões para o Mediterrâneo e anunciaram novas entregas de armas a Israel. Na verdade, todas as grandes potências estão participando mais ou menos diretamente dessa guerra e desses massacres!
Essa nova guerra ameaça mergulhar todo o Oriente Médio no caos! Esse não é o enésimo confronto sangrento que deixa esse canto do mundo de luto. A escala dos assassinatos indica que a barbárie atingiu um novo patamar: jovens dançando, ceifados com metralhadoras, mulheres e crianças executadas na rua à queima-roupa, sem nenhum outro objetivo que não seja satisfazer o desejo de vingança cega, um tapete de bombas para aniquilar uma população inteira, dois milhões de pessoas privadas de tudo, água, eletricidade, gás, alimentos... Não há lógica militar para todas essas exações, para todos esses crimes! Os dois lados estão chafurdando na mais terrível e irracional fúria assassina!
Mas há algo ainda mais grave: essa caixa de Pandora nunca mais se fechará. Assim como no Iraque, no Afeganistão, na Síria e na Líbia, não haverá retorno, não haverá "retorno à paz". O capitalismo está arrastando seções crescentes da humanidade para a guerra, a morte e a decomposição da sociedade. A guerra na Ucrânia já dura quase dois anos e está atolada em uma carnificina sem fim. Massacres também estão em andamento em Nagorno-Karabakh. E já existe a ameaça de uma nova guerra entre as nações da antiga Iugoslávia. Capitalismo é guerra!
Os trabalhadores de todos os países devem se recusar a tomar partido por um ou outro campo burguês. Em particular, devem rejeitar a retórica dos partidos de esquerda e extrema-esquerda, que os convidam a mostrar "solidariedade com as massas palestinas" em sua busca pelo direito a uma "pátria". A pátria palestina nunca será nada além de um estado burguês a serviço da classe exploradora e que oprime essas mesmas massas, com policiais e prisões. A solidariedade dos trabalhadores dos países capitalistas mais avançados não vai para os "palestinos", assim como não vai para os "israelenses", entre os quais há exploradores e explorados. Ela vai para os trabalhadores e desempregados de Israel e da Palestina (que, aliás, já lideraram lutas contra seus exploradores, apesar de toda a lavagem cerebral a que foram submetidos), assim como vai para os trabalhadores de todos os outros países do mundo. A melhor solidariedade que eles podem oferecer é certamente não encorajar suas ilusões nacionalistas.
Essa solidariedade significa, acima de tudo, desenvolver sua luta contra o sistema capitalista responsável por todas as guerras, uma luta contra sua própria burguesia.
A classe trabalhadora terá de conquistar a paz derrubando o capitalismo em escala mundial, e isso significa desenvolver hoje as suas lutas em um terreno de classe, contra os ataques econômicos cada vez mais duros que lhes são desferidos por um sistema mergulhado em uma crise insuperável.
Contra os nacionalismos, contra as guerras para as quais seus exploradores querem arrastá-los:
CCI, 9 de outubro de 2023
"Basta!" - Reino Unido. "Nem um ano a mais, nem um euro a menos" - França. "A indignação vem de longe" - Espanha. "Por todos nós" - Alemanha. Todas essas palavras de ordem, entoadas durante as greves dos últimos meses em todo o mundo, revelam até que ponto as atuais lutas operárias expressam a recusa da deterioração geral das nossas condições de vida e de trabalho. Na Dinamarca, em Portugal, na Holanda, nos Estados Unidos, no Canadá, no México, na China... as mesmas greves contra a mesma exploração cada vez mais insustentável. "A verdadeira aflição: não poder aquecer, alimentar, cuidar de si mesmo, se locomover!"
Mas nossas lutas também são muito mais do que isso. Nas manifestações, começamos a ler em alguns cartazes o rechaço à guerra na Ucrânia, a recusa de produzir cada vez mais armas e bombas, de ter que apertar o cinto em nome do desenvolvimento dessa economia de guerra: "Não dinheiro para a guerra, não dinheiro para armas, dinheiro para salários, dinheiro para pensões", podemos ouvir durante as manifestações na França. Elas também expressam a recusa em ver o planeta destruído em nome do lucro.
Nossas lutas são o único baluarte contra essa dinâmica autodestrutiva, o único baluarte contra a morte que o capitalismo promete a toda a humanidade. Pois, deixado à sua própria lógica, esse sistema decadente arrastará partes cada vez maiores da humanidade para a guerra e a miséria, destruirá o planeta com gases de efeito estufa, florestas destruídas e bombas.
A classe que governa a sociedade mundial, a burguesia, está em parte consciente dessa realidade, do futuro bárbaro que seu sistema moribundo nos promete. Basta ler os estudos e trabalhos de seus próprios especialistas para perceber isso. De acordo com o "Relatório de Riscos Globais" apresentado no Fórum Econômico Mundial em Davos em janeiro de 2023: "Os primeiros anos desta década anunciaram um período particularmente conturbado na história da humanidade. O retorno a um 'novo normal' após a pandemia de Covid-19 foi rapidamente afetado pela eclosão da guerra na Ucrânia, dando início a uma nova série de crises de alimentos e energia [...]. Ao entrarmos em 2023, o mundo enfrenta uma série de riscos [...]: inflação, crises de custo de vida, guerras comerciais [...], confrontos geopolíticos e o espectro de uma guerra nuclear [...], níveis insustentáveis da dívida [...], declínio do desenvolvimento humano [...], a crescente pressão das mudanças climáticas e as ambições [...]. Todos esses elementos estão convergindo para moldar uma inédita década, incerta e conturbada."
Na realidade, a próxima década não é tão "incerta", como diz o mesmo Relatório: "A próxima década será caracterizada por crises ambientais e sociais [...], a 'crise do custo de vida' [...], perda da biodiversidade e colapso do ecossistema [...], confronto geoeconômico [...], migração involuntária em larga escala [...], fragmentação da economia global, tensões geopolíticas [...]. A guerra econômica está se tornando a norma, com o aumento do confronto entre as potências mundiais [...]. O recente aumento nos gastos militares [...] pode levar a uma corrida armamentista global [...], com a implantação direcionada de armas de nova tecnologia em uma escala potencialmente mais destrutiva do que a observada nas últimas décadas."
Diante dessa perspectiva avassaladora, a burguesia só pode ser impotente. Ela e seu sistema não são a solução, são a causa do problema. Se, na grande mídia, ela tenta nos fazer acreditar que está fazendo todo o possível para combater o aquecimento global, que um capitalismo "verde" e "sustentável" é possível, ela sabe a extensão de sua mentira. Pois, como aponta o "Relatório de Riscos Globais": "Os níveis atmosféricos de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso atingiram o pico. As trajetórias de emissões tornam altamente improvável que as ambições globais de limitar o aquecimento a 1,5°C sejam alcançadas. Eventos recentes destacaram uma divergência entre o que é cientificamente necessário e o que é politicamente conveniente."
Na realidade, essa "divergência" não se limita à questão climática. Ela expressa a contradição fundamental de um sistema econômico baseado não na satisfação das necessidades humanas, mas no lucro e na competição, na depredação dos recursos naturais e na exploração feroz da classe que produz a maior parte da riqueza social: o proletariado, os trabalhadores assalariados de todos os países.
Assim, o capitalismo e a burguesia formam um dos dois polos da sociedade, aquele que leva a humanidade à miséria e à guerra, à barbárie e à destruição. O outro polo é o proletariado e sua luta. Há um ano, nos movimentos sociais que vêm se desenvolvendo na França, no Reino Unido e na Espanha, trabalhadores, aposentados, desempregados e estudantes têm caminhado ombro a ombro. Essa solidariedade ativa, essa combatividade coletiva, são testemunhas da natureza profunda da luta operária: uma luta por um mundo radicalmente diferente, um mundo sem exploração ou classes sociais, sem competição, sem fronteiras ou nações. "Os trabalhadores permanecem unidos", gritam os grevistas no Reino Unido. "Ou lutamos juntos ou acabaremos dormindo na rua", confirmaram os manifestantes na França. A faixa "Por todos nós", sob a qual a greve contra o empobrecimento ocorreu na Alemanha em 27 de março, é particularmente significativa desse sentimento geral que está crescendo na classe trabalhadora: estamos todos no mesmo barco e estamos todos lutando uns pelos outros. As greves na Alemanha, no Reino Unido e na França são inspiradas umas nas outras. Na França, os trabalhadores entraram em greve explicitamente em solidariedade aos seus irmãos de classe que lutavam na Inglaterra: "Somos solidários aos trabalhadores ingleses, que estão em greve há semanas por aumento salarial ". Esse reflexo da solidariedade internacional é exatamente o oposto do mundo capitalista dividido em nações concorrentes, até a guerra, inclusive. Ele lembra o grito de guerra de nossa classe desde 1848: "Os proletários não têm pátria! Proletários de todos os países, uni-vos!"
Portanto, em todo o mundo, a atmosfera social está mudando. Depois de décadas de apatia e de baixar a cabeça, a classe trabalhadora está começando a encontrar o caminho de volta à luta e à dignidade. Isso foi demonstrado pelo verão da raiva e pelo retorno das greves no Reino Unido, quase quarenta anos após a derrota dos mineiros por Thatcher em 1985.
Mas todos nós sentimos as dificuldades e os limites atuais de nossas lutas. Diante do rolo compressor da crise econômica, da inflação e dos ataques dos governos que eles chamam de "reformas", ainda não conseguimos estabelecer um equilíbrio de poder a nosso favor. Muitas vezes isolados em greves separadas, ou frustrados por reduzir nossas manifestações a marchas-desfiles, sem encontros ou discussões, sem assembleias gerais ou organizações coletivas, todos nós aspiramos a um movimento mais amplo, mais forte, mais unido e solidário. Nas manifestações na França, a chamada para um novo maio de 68 está sempre voltando. Diante da "reforma" que aumenta a idade de aposentadoria para 64 anos, o slogan mais popular nos cartazes é: "Vocês nos colocaram 64 (anos de idade para poder se aposentar), nós os colocaremos de volta em maio de 68".
Em 1968, o proletariado na França se uniu e tomou suas lutas nas mãos. Após as grandes manifestações de 13 de maio para protestar contra a repressão policial sofrida pelos estudantes, as paralisações e assembleias gerais se espalharam como um incêndio nas fábricas e em todos os locais de trabalho, terminando, com seus 9 milhões de grevistas, na maior greve da história do movimento operário internacional. Diante dessa dinâmica de extensão e unidade da luta dos trabalhadores, o governo e os sindicatos se apressaram em assinar um acordo para um aumento geral de salários a fim de deter o movimento. Ao mesmo tempo em que esse despertar da luta dos trabalhadores estava ocorrendo, houve um forte retorno à ideia de revolução, que foi discutida por muitos trabalhadores em luta.
Um evento de tal magnitude foi o sinal de uma mudança fundamental na vida da sociedade: foi o fim da terrível contrarrevolução que se abateu sobre a classe trabalhadora a partir do final da década de 1920, com o fracasso da revolução mundial após sua primeira vitória em outubro de 1917 na Rússia. Uma contrarrevolução que assumiu a face hedionda do stalinismo e do fascismo, que abriu as portas para a Segunda Guerra Mundial com seus 60 milhões de mortos e que continuou por duas décadas depois dela. E isso foi rapidamente confirmado em todas as partes do mundo por uma série de lutas de uma magnitude desconhecida há décadas:
- O outono caliente italiano de 1969, também conhecido como o "maio (rastejante)", que viu lutas maciças nos principais centros industriais e um desafio explícito à liderança sindical.
- A revolta dos trabalhadores de Córdoba, na Argentina, no mesmo ano.
- As greves em massa dos trabalhadores do Báltico, na Polônia, no inverno de 1970-71.
- Inúmeras outras lutas nos anos seguintes em praticamente todos os países europeus, especialmente no Reino Unido.
- Em 1980, na Polônia, diante do aumento dos preços dos alimentos, os grevistas levaram essa onda internacional ainda mais longe, tomando suas lutas em suas próprias mãos, reunindo-se em enormes assembleias gerais, decidindo por si mesmos quais exigências fazer e quais ações tomar e, acima de tudo, esforçando-se constantemente para ampliar a luta. Diante dessa força, não foi apenas a burguesia polonesa que tremeu, mas a de todos os países.
Em duas décadas, de 1968 a 1989, toda uma geração de trabalhadores adquiriu experiência na luta. Suas muitas derrotas, e às vezes vitórias, permitiram que essa geração enfrentasse as muitas armadilhas preparadas pela burguesia para sabotar, dividir e desmoralizar. Suas lutas devem nos permitir tirar lições vitais para nossas lutas atuais e futuras: somente a reunião em assembleias gerais abertas e maciças, autônomas, que realmente decidem sobre a conduta do movimento, fora e até mesmo contra o controle sindical, pode constituir a base de uma luta unida e disseminada, sustentada pela solidariedade entre todos os setores, todas as gerações. AGs nas quais nos sentimos unidos e confiantes em nossa força coletiva. AGs nas quais podemos adotar juntos demandas cada vez mais unificadoras. AGs nas quais nos reunimos e das quais podemos sair em delegações maciças para encontrar nossos irmãos de classe, os trabalhadores da fábrica, do hospital, da escola, do shopping center, da administração... os mais próximos de nós.
A nova geração operária, que agora está assumindo a tocha, deve se reunir, debater e reapropriar-se das grandes lições das lutas passadas. A geração mais velha deve contar à geração mais nova sobre suas lutas, para que a experiência acumulada seja transmitida e se torne uma arma nas lutas que virão.
Mas também devemos ir além. A onda de luta internacional que começou em maio de 1968 foi uma reação à desaceleração do crescimento e ao reaparecimento do desemprego em massa. Hoje, a situação é muito mais grave. O estado catastrófico do capitalismo coloca em jogo a própria sobrevivência da humanidade. Se não conseguirmos derrubá-lo, a barbárie se espalhará gradualmente.
O ímpeto de maio de 68 foi abalado por uma dupla mentira da burguesia: quando os regimes stalinistas entraram em colapso em 1989-91, eles alegaram que o colapso do stalinismo significava a morte do comunismo e que uma nova era de paz e prosperidade estava se abrindo. Três décadas depois, sabemos por experiência própria que, em vez de paz e prosperidade, tivemos guerra e miséria. Ainda temos que entender que o stalinismo é a antítese do comunismo, que é uma forma particularmente brutal de capitalismo de estado que surgiu da contrarrevolução da década de 1920. Ao falsificar a história, ao fazer o stalinismo passar por comunismo (como a URSS de ontem e a China, Cuba, Venezuela ou Coreia do Norte de hoje!), a burguesia conseguiu fazer com que a classe trabalhadora acreditasse que seu projeto revolucionário de emancipação só poderia levar à ruína. Até que a própria palavra "revolução" se tornou suspeita e vergonhosa.
Mas, na luta, desenvolveremos gradualmente nossa força coletiva, nossa autoconfiança, nossa solidariedade, nossa unidade e nossa auto-organização. Na luta, perceberemos gradualmente que nós, a classe trabalhadora, somos capazes de oferecer outra perspectiva que não a morte prometida por um sistema capitalista decadente: a revolução comunista. A perspectiva da revolução proletária retornará em nossas cabeças e em nossas lutas.
Corrente Comunista Internacional, 22 de abril de 2023
Começando com uma terrível pandemia, a década de 2020 proporcionou um lembrete concreto da única alternativa que existe: a revolução proletária ou a destruição da humanidade. Com a Covid-19, o conflito na Ucrânia e o crescimento da economia de guerra em todos os países, com a crise econômica e sua inflação devastadora, com o aquecimento global e a devastação da natureza ameaçando cada vez mais a própria vida, com a ascensão do cada um por si, da irracionalidade e do obscurantismo e a decomposição de todo o tecido social, a década de 2020 não verá apenas um acúmulo de flagelos assassinos; todos esses flagelos convergirão, se combinarão e se alimentarão uns dos outros. A década de 2020 será uma concatenação de todos os piores males do capitalismo decadente e apodrecido. O capitalismo entrou em uma fase de convulsões extremas, das quais a mais ameaçadora e sangrenta é o risco de um aumento nos conflitos bélicos.
A decadência do capitalismo tem uma história e, desde 1914, passou por vários estágios. A que começou em 1989 é "uma fase específica - e última - da sua história, aquela em que a decomposição social se torna um fator, até mesmo o fator decisivo na evolução da sociedade"[1]. A principal característica dessa fase de decomposição, suas raízes mais profundas, aquilo que mina toda a sociedade e a faz apodrecer, é a ausência de perspectiva. Os anos 2020 provam mais uma vez que a burguesia só pode oferecer à humanidade mais miséria, guerra e caos, em uma desordem crescente e cada vez mais irracional. Mas e a classe trabalhadora? E quanto à sua perspectiva revolucionária, o comunismo? É claro que o proletariado está mergulhado há décadas em imensas dificuldades; suas lutas são poucas e espaçadas, sua capacidade de organização ainda é extremamente limitada e, acima de tudo, ele não sabe mais que existe como classe, como força social capaz de liderar um projeto revolucionário. O tempo não está do lado da classe trabalhadora.
No entanto, se esse perigo de uma erosão lenta e, em última análise, irreversível dos próprios fundamentos do comunismo existe, não há fatalidade para esse fim na barbárie total; pelo contrário, a perspectiva histórica permanece totalmente aberta. De fato, "Apesar do golpe à consciência do proletariado, resultando do colapso do Bloco do Leste, o proletariado não sofreu grandes derrotas no campo das suas lutas. A sua combatividade permanece intacta. Mas, além disso, e este é o elemento que determina em última instância a evolução da situação mundial, o mesmo fator que está na origem do desenvolvimento da decomposição, o agravamento inexorável da crise do capitalismo, constitui o estímulo essencial para a luta e a consciência da classe, a própria condição de sua capacidade de resistir ao veneno ideológico da decomposição da sociedade. De fato, assim como o proletariado não consegue encontrar um terreno de união de classes em lutas parciais contra os efeitos da decomposição, também sua luta contra os efeitos diretos da própria crise constitui a base para o desenvolvimento de sua força de classe e unidade."[2] .
Hoje, com o terrível agravamento da crise econômica mundial e o retorno da inflação, a classe trabalhadora está começando a reagir e a encontrar o caminho de volta para a luta. Todas as suas dificuldades históricas persistem, sua capacidade de organizar suas próprias lutas e, mais ainda, de se conscientizar de seu projeto revolucionário continua longe de ser alcançada, mas a crescente combatividade diante dos golpes brutais desferidos pela burguesia nas condições de vida e de trabalho é o terreno fértil, no qual o proletariado pode redescobrir sua identidade de classe, conscientizar-se novamente do que é, de sua força quando luta, se solidariza, e depois desenvolve sua unidade. Esse é um processo, uma luta que recomeça após anos de estagnação, um potencial que as greves atuais sugerem. O sinal mais forte dessa possível dinâmica é o retorno à ação grevista no Reino Unido. Esse é um evento de importância histórica.
O retorno da combatividade dos trabalhadores em resposta à crise econômica pode se tornar um foco de conscientização. Até agora, cada aceleração da decomposição interrompeu os esforços embrionários dos trabalhadores para lutar: o movimento na França em 2019 sofreu com o surto da pandemia; as lutas do inverno de 2021 foram interrompidas diante da guerra na Ucrânia, e assim por diante. Isso significa que o desenvolvimento das lutas e a autoconfiança do proletariado são ainda mais difíceis. No entanto, não há outro caminho além da luta: a luta é, em si, a primeira vitória. O proletariado mundial, em um processo bastante atormentado, com muitas derrotas amargas, pode gradualmente começar a recuperar sua identidade de classe e, por fim, lançar uma ofensiva internacional contra esse sistema moribundo. Em outras palavras, os próximos anos serão decisivos para o futuro da humanidade.
Durante a década de 1980, o mundo estava claramente caminhando para a guerra ou para grandes confrontos de classe. O resultado dessa década foi tão inesperado, quanto sem precedentes: por um lado, a impossibilidade da burguesia entrar em uma guerra mundial, impedida pela recusa da classe trabalhadora em aceitar sacrifícios e, por outro lado, essa mesma classe trabalhadora, incapaz de politizar suas lutas e oferecer uma perspectiva revolucionária, o que levou a uma espécie de impasse, mergulhando toda a sociedade em uma situação sem futuro e, portanto, levando a uma decadência generalizada. Os "anos da verdade" da década de 1980[3] levaram à decomposição. Hoje, a situação é ainda mais intensa e dramática:
Os dois polos da perspectiva surgirão e colidirão. Durante essa década haverá, ao mesmo tempo, um agravamento cada vez mais dramático dos efeitos da decomposição e os trabalhadores reagirão de forma a conduzir a um futuro diferente. A única alternativa, a destruição da humanidade ou a revolução proletária, voltará e se tornará cada vez mais palpável. Portanto, trata-se de um combate, uma luta, uma luta de classes. E para que o resultado seja favorável, o papel das organizações revolucionárias será vital. Seja para desenvolver a consciência e a organização da classe na luta, seja para garantir que as minorias tenham uma compreensão clara do que está em jogo e da perspectiva, nossa intervenção será decisiva. Logo, devemos ter a consciência mais clara e lúcida da dinâmica em curso, de seu potencial, dos pontos fortes e fracos de nossa classe, bem como dos ataques ideológicos e das armadilhas colocadas no caminho, pela situação histórica de decomposição e pela burguesia, a classe dominante mais inteligente e maquiavélica da história.
A guerra é sempre um momento decisivo para o proletariado mundial. Com a guerra, a classe trabalhadora mundial sofre o massacre de uma parte de si mesma, mas também um monumental tapa na cara pela classe dominante. De todos os pontos de vista, a guerra é exatamente o oposto do que é a classe trabalhadora, de sua natureza internacional simbolizada por seu grito de guerra: "Os trabalhadores não têm pátria. Trabalhadores de todos os países, uni-vos!
A eclosão do conflito na Ucrânia está colocando o proletariado mundial à prova. A reação a essa barbárie é um marcador essencial para entender a posição de nossa classe e o equilíbrio de poder com a burguesia. E não há homogeneidade aqui. Pelo contrário, há enormes diferenças entre os países, entre a periferia e as regiões centrais do capitalismo.
Na Ucrânia, a classe trabalhadora está sendo esmagada física e ideologicamente. Amplamente envolvidos na defesa da pátria, contra o "invasor russo", contra "o bruto e o bandido Putin", pela defesa da "cultura e das liberdades ucranianas", pela democracia, os trabalhadores se unem à mobilização nas fábricas como fazem nas trincheiras. Essa situação é obviamente o resultado da fraqueza do movimento internacional dos trabalhadores, mas também da história do proletariado na Ucrânia. Embora seja um proletariado concentrado e instruído, com uma longa experiência, esse proletariado também sofreu, e acima de tudo, toda a força das consequências da contrarrevolução e do stalinismo. A fome organizada na década de 1930 pelas autoridades soviéticas, o Holomodor, no qual 5 milhões de pessoas perderam suas vidas, formou a base do ódio ao vizinho russo e de um poderoso sentimento patriótico. Mais recentemente, no início da década de 2010, uma grande parte da burguesia ucraniana optou por se emancipar da tutela russa e se aliar ao Ocidente. Na realidade, esse desenvolvimento refletiu a crescente pressão dos Estados Unidos em toda a região. A "Revolução Laranja"[4] de 2004, seguida pela Maïdan (ou "Revolução da Dignidade") de 2014, mostrou até que ponto uma grande proporção da população estava comprometida em defender a "democracia" e a independência ucraniana da influência russa. Desde então, a propaganda nacionalista só se intensificou, culminando em fevereiro de 2022.
A incapacidade da classe trabalhadora deste país de se opor à guerra e ao seu recrutamento, incapacidade essa que abriu a possibilidade da carnificina imperialista, indica até que ponto a barbárie e a podridão capitalistas estão ganhando terreno em partes cada vez maiores do globo. Depois da África, do Oriente Médio e da Ásia Central, agora é a vez de parte da Europa Central ser ameaçada pelo risco de mergulhar no caos imperialista; a Ucrânia mostrou que em alguns países satélites da antiga URSS, na Bielorrússia, na Moldávia e na antiga Iugoslávia, há um proletariado enfraquecido por décadas de exploração implacável pelo stalinismo em nome do comunismo, pelo peso das ilusões democráticas e gangrenado pelo nacionalismo, de modo que a guerra pode se intensificar. Em Kosovo, Sérvia e Montenegro, as tensões estão de fato aumentando.
Na Rússia, por outro lado, o proletariado não está preparado para aceitar um sacrifício maciço de sua vida. É verdade que a classe trabalhadora russa não é capaz de se opor à aventura de guerra de sua própria burguesia; é verdade que ela aceita essa barbárie e seus 100.000 mortos sem reagir; é verdade que a reação dos recrutas para não ir para o front é a deserção ou a automutilação, todos os atos individuais desesperados que refletem a ausência de reação de classe, mas o fato é que a burguesia russa não pode declarar a mobilização geral. Isso ocorreu porque os trabalhadores russos não estavam suficientemente entusiasmados com a ideia de serem metralhados em massa em nome da pátria.
É muito provável que aconteça o mesmo na Ásia: portanto, seria um erro deduzir muito rapidamente da fraqueza do proletariado na Ucrânia que o caminho também está livre para desencadear o fogo militar entre a China e Taiwan ou entre as duas Coreias. Na China, na Coreia do Sul e em Taiwan, a classe trabalhadora é mais concentrada, instruída e consciente do que na Ucrânia, e mais ainda do que na Rússia. A recusa de ser transformado em bucha de canhão ainda é a situação mais plausível nesses países atualmente. Portanto, além do equilíbrio de poder entre as potências imperialistas envolvidas nessa região do mundo, principalmente a China e os Estados Unidos, a presença de uma concentração muito alta de trabalhadores instruídos representa o primeiro freio na dinâmica da guerra.
Quanto aos países centrais, diferentemente de 1990 ou 2003, as principais potências democráticas não estão diretamente envolvidas no conflito ucraniano, não estão enviando suas tropas de soldados profissionais. Por enquanto, elas só podem apoiar a Ucrânia política e militarmente contra a invasão russa e defender a liberdade democrática do povo ucraniano contra o ditador Putin, enviando armas, todas rotuladas como "armas defensivas".
Em 2003, e ainda mais em 1991, os efeitos da guerra se refletiram em uma relativa paralisia da combatividade, mas também em uma reflexão preocupada e profunda sobre os riscos históricos. Essa situação dentro da classe exigiu a organização, pelas forças da esquerda da burguesia, de manifestações pacifistas que floresceram em quase todos os lugares contra o "imperialismo dos EUA e seus aliados". Essas grandes mobilizações contra as intervenções dos países ocidentais não foram obra da classe trabalhadora; ao dizer "somos contra a política de nosso governo que está participando da guerra", elas tiveram um impacto sobre a classe trabalhadora que levou a um impasse e esterilizou qualquer esforço para aumentar a conscientização. Nada disso aconteceu hoje, não houve mobilizações pacifistas desse tipo. Aqueles que criticam as políticas dos países ocidentais e seu apoio à Ucrânia são principalmente as forças de extrema-direita ligadas a Putin. Nos Estados Unidos, são os trumpistas ou republicanos que "hesitam".
Essa ausência de mobilização pacifista hoje não significa indiferença, muito menos apoio proletário à guerra. Sim, a campanha para defender a democracia e a liberdade na Ucrânia contra o agressor russo demonstrou sua total eficácia nesse aspecto: a classe trabalhadora está presa pelo poder da propaganda pró-democrática. Mas, ao contrário de 1991, o outro lado da moeda é que isso não tem impacto sobre o espírito de luta dos trabalhadores. Estamos longe de uma simples não adesão passiva. A classe trabalhadora dos países centrais, não apenas, não estava preparada para aceitar as mortes (mesmo de soldados profissionais), como também se recusava a aceitar os sacrifícios envolvidos na guerra e a deterioração de suas condições de vida e de trabalho. Na Grã-Bretanha, por exemplo, o país europeu materialmente e politicamente mais envolvido na guerra e mais determinado a apoiar a Ucrânia, é ao mesmo tempo, aquele em que se encontra a expressão mais forte da combatividade dos trabalhadores no momento. As greves no Reino Unido são a parte mais avançada da reação internacional, da recusa da classe trabalhadora aos sacrifícios (da superexploração, da redução da força de trabalho, do aumento das taxas de produção, do aumento dos preços etc.) que a burguesia impõe ao proletariado e que o militarismo ordena que imponha cada vez mais.
Uma das limitações atuais de nossa classe é sua incapacidade de estabelecer a ligação entre a deterioração de suas condições de vida e a guerra. As lutas operárias que ocorrem e se desenvolvem são uma resposta dos trabalhadores às condições que enfrentam; elas são a única resposta possível e promissora às políticas da burguesia, mas, ao mesmo tempo, não se mostram, no momento, capazes de assumir e integrar a questão da guerra. No entanto, devemos permanecer muito atentos a possíveis desenvolvimentos. Por exemplo, na França, na quinta-feira, 19 de janeiro, houve uma manifestação extremamente maciça após o anúncio de uma reforma previdenciária em nome do equilíbrio orçamentário e da justiça social; no dia seguinte, na sexta-feira, 20 de janeiro, o presidente Macron oficializou com grande alarde um orçamento militar recorde de 400 bilhões de euros. A concomitância entre os sacrifícios exigidos e os gastos com a guerra está fadada, com o tempo, a ser assimilada pelos trabalhadores.
A intensificação da economia de guerra implica diretamente no agravamento da crise econômica; a classe trabalhadora ainda não está realmente fazendo a conexão, não está se mobilizando, de modo geral, contra a economia de guerra, mas está se levantando contra seus efeitos, contra a crise econômica, principalmente contra os salários muito baixos diante da inflação.
Isso não é uma surpresa. A história mostra que a classe trabalhadora não se mobiliza diretamente contra a guerra em primeiro lugar, mas contra seus efeitos na vida cotidiana na retaguarda. Já em 1982, em um artigo de nossa revista intitulado "Será que a guerra é uma condição favorável para a revolução comunista?", respondemos negativamente e afirmamos que é, acima de tudo, a crise econômica que constitui o terreno mais fértil para o desenvolvimento das lutas e da consciência, acrescentando, com razão, que "o aprofundamento da crise econômica está rompendo essas barreiras na consciência de um número crescente de proletários por meio de fatos que mostram que se trata da mesma luta de classes".
A reação da classe trabalhadora à guerra, embora muito heterogênea em todo o mundo, mostra onde está a chave para o futuro, onde há experiência histórica acumulada, nos países centrais, o proletariado não sofreu uma grande derrota e não está pronto para ser recrutado e sacrificar sua vida. Além disso, sua reação aos efeitos da crise econômica indica uma dinâmica de reavivamento da combatividade dos trabalhadores nesses países.
Ao voltar à greve, os trabalhadores britânicos enviaram um sinal claro aos trabalhadores de todo o mundo: "Precisamos lutar. Já chega". Alguns veículos da imprensa de esquerda chegaram a publicar a manchete: "No Reino Unido: o grande retorno da luta de classes". A entrada do proletariado britânico na luta é, portanto, um evento de importância histórica.
Essa onda de greves foi liderada pela fração do proletariado europeu que mais sofreu com o recuo geral da luta de classes desde o final da década de 1980. Se na década de 1970, embora com um certo atraso em relação a outros países como França, Itália ou Polônia, os trabalhadores britânicos desenvolveram lutas muito importantes que culminaram na onda de greves de 1979 ("o inverno do descontentamento"), durante a década de 1980, a classe trabalhadora britânica sofreu uma contraofensiva efetiva da burguesia que culminou na derrota da greve dos mineiros de 1985 por Margaret Thatcher. De certa forma, essa derrota e o recuo do proletariado britânico anunciaram o recuo histórico do proletariado mundial, revelando antes do tempo o resultado da incapacidade de politizar as lutas e o peso da fraqueza do corporativismo. Durante as décadas de 1990 e 2000, a Grã-Bretanha foi particularmente atingida pela desindustrialização e pela transferência de indústrias para a China, Índia e Europa Oriental. Nos últimos anos, os trabalhadores britânicos foram atingidos pela investida de movimentos populistas e, acima de tudo, pela ensurdecedora campanha do Brexit, que estimulou uma divisão entre os que permanecem e os que saem, e depois pela crise da Covid, que pesou muito sobre a classe trabalhadora. Por fim, ainda mais recentemente, ela foi confrontada com o apelo aos sacrifícios necessários para o esforço de guerra, sacrifícios que são "muito pequenos" em comparação com os do "heroico povo ucraniano" que está resistindo sob as bombas. No entanto, apesar de todas essas dificuldades e obstáculos, uma geração de proletários está surgindo no cenário social hoje, não mais afetada, como seus antepassados, pelo peso das derrotas da "geração Thatcher", uma nova geração que está levantando a cabeça ao mostrar que a classe trabalhadora é capaz de responder aos ataques por meio da luta. Em suma, estamos assistindo a um fenômeno que é bastante comparável (mas não idêntico) ao que viu a classe trabalhadora francesa emergir em 1968: a chegada de uma geração mais jovem menos afetada do que os mais velhos pelo peso da contrarrevolução. Portanto, assim como a derrota de 1985 no Reino Unido anunciou o recuo geral do final da década de 1980, o retorno da combatividade e das greves dos trabalhadores na Ilha Britânica aponta para uma dinâmica profunda nas entranhas do proletariado mundial. O "verão da raiva" (que continuou no outono, no inverno... e, em breve, na primavera) só pode ser um incentivo para todos os trabalhadores do mundo, por vários motivos: trata-se da classe trabalhadora da quinta maior economia do mundo e de um proletariado de língua inglesa cujas lutas certamente terão um grande impacto em países como os Estados Unidos, o Canadá e em outras regiões do mundo, como a Índia e a África do Sul. Como o inglês é o idioma da comunicação global, a influência desses movimentos necessariamente supera a das lutas na França ou na Alemanha, por exemplo. Nesse sentido, o proletariado britânico está mostrando o caminho não apenas para os trabalhadores europeus, que terão de estar na vanguarda da crescente luta de classes, mas também para o proletariado mundial e, em particular, para o proletariado americano. Na perspectiva de lutas futuras, a classe trabalhadora britânica poderá, portanto, servir como um elo entre o proletariado da Europa Ocidental e o proletariado americano. Nos Estados Unidos, como demonstraram as greves em muitas fábricas nos últimos anos, há uma combatividade crescente da classe e o movimento Occupy revelou toda a reflexão que funciona em suas entranhas; não devemos esquecer que o proletariado tem uma grande história e experiência nesse lado do Atlântico. Mas suas fraquezas também são muito grandes: o peso da irracionalidade, do populismo e do atraso; o peso do isolamento continental; o peso da ideologia pequeno-burguesa e burguesa sobre a questão das liberdades, das raças e assim por diante. Isso torna o vínculo com a Europa, o vínculo proporcionado pelo Reino Unido, ainda mais crucial.
Para entender como o retorno à greve no Reino Unido é um sinal da possibilidade de um desenvolvimento futuro da luta e da consciência proletárias, precisamos voltar ao que dissemos em nossa Resolução sobre a Situação Internacional adotada em nosso Congresso Internacional em 2021: "Em 2003, com base em novas lutas em França, Áustria e outros países, a CCI previu a reativação das lutas por uma nova geração de proletários que tinham sido menos influenciados pelas campanhas anticomunistas e que enfrentariam um futuro cada vez mais incerto. Em grande medida, estas previsões foram confirmadas pelos acontecimentos de 2006-07, nomeadamente a luta contra o CPE na França, e 2010-11, em particular o movimento dos Indignados na Espanha. Estes movimentos mostraram importantes avanços na solidariedade intergeracional, na auto-organização através de assembleias, na cultura do debate, nas preocupações reais com o futuro da classe trabalhadora e da humanidade como um todo. Neste sentido, eles mostraram o potencial para uma unificação das dimensões econômica e política da luta de classes. No entanto, demoramos muito tempo para compreender as imensas dificuldades enfrentadas por esta nova geração, "criada" nas condições de decomposição, dificuldades que impediriam o proletariado de inverter o recuo pós-1989 durante este período"[5] . O principal elemento dessas dificuldades tem sido a contínua erosão da identidade de classe. Essa é a principal razão pela qual o movimento CPE de 2006 não deixou nenhum rastro visível: não havia círculos de discussão, nem pequenos grupos, nem livros, nem coletâneas de depoimentos etc., a ponto de agora ser totalmente desconhecido entre os jovens. Os estudantes precários da época usaram os métodos de luta do proletariado (assembleias gerais) e a natureza de sua luta (solidariedade) sem nem mesmo saber, o que os impossibilitou de tomar consciência da natureza, da força e dos objetivos históricos de seu próprio movimento. Essa é a mesma fraqueza que dificultou o desenvolvimento do movimento dos Indignados em 2010-2011 e impediu que os frutos e as lições fossem extraídos. De fato, "apesar de avanços significativos na consciência e na organização, a maioria dos Indignados viu a si própria como "cidadãos" em vez de membros de uma classe, tornando-os vulneráveis às ilusões democráticas alimentadas por grupos como a Democracia real Já! (o futuro partido Podemos), e mais tarde ao veneno do nacionalismo catalão e espanhol."[6] . Por não ter um ponto de apoio, o movimento ficou à deriva. Por ser o reconhecimento de um interesse de classe comum, oposto ao da burguesia, por ser a "constituição do proletariado como classe", como diz o Manifesto Comunista, a identidade de classe é inseparável do desenvolvimento da consciência de classe. Por exemplo, sem a identidade de classe, é impossível relacionar-se conscientemente com a história da classe, com suas lutas e com suas lições.
Os dois maiores momentos do movimento proletário desde a década de 1980, o movimento contra o CPE e os Indignados, foram esterilizados ou recuperados principalmente por causa dessa falta de base para o desenvolvimento mais geral da consciência, por causa dessa perda de identidade de classe. É essa fraqueza considerável que o retorno da greve no Reino Unido tem o potencial de superar. Historicamente, o proletariado no Reino Unido é marcado por grandes fraquezas (controle sindical e corporativismo, reformismo)[7], mas a palavra "trabalhador" foi menos esquecida lá do que em qualquer outro lugar; no Reino Unido, a palavra não é vergonhosa; e essa greve pode começar a "atualizá-la" internacionalmente. Os trabalhadores do Reino Unido não estão mostrando o caminho em todos os aspectos, porque seus métodos de luta são muito marcados por suas fraquezas - esse será o papel do proletariado em outros lugares - mas eles estão enviando a mensagem essencial hoje: estamos lutando não como cidadãos ou estudantes, mas como trabalhadores. E esse passo adiante é possível graças ao início de uma reação da classe trabalhadora à crise econômica.
A realidade dessa dinâmica pode ser avaliada pela reação preocupada da burguesia, principalmente na Europa Ocidental, aos perigos representados pela disseminação da "deterioração da situação social". Esse é particularmente o caso da França, Bélgica, Espanha e Alemanha, onde a burguesia, ao contrário da atitude da burguesia britânica, tomou medidas para limitar os aumentos nos preços do petróleo, gás e eletricidade ou para compensar o impacto da inflação e dos aumentos de preços por meio de subsídios ou cortes de impostos, alegando em alto e bom som que deseja proteger o "poder de compra" dos trabalhadores. Na Alemanha, em outubro e novembro de 2022, "greves de advertência" levaram imediatamente ao anúncio de "bônus de inflação" (€3.000 na indústria metalúrgica, €7.000 na indústria automobilística) e promessas de aumentos salariais.
Mas com a realidade do agravamento da crise econômica global, as burguesias nacionais são obrigadas a atacar seu proletariado em nome da competitividade e do equilíbrio do orçamento; suas medidas de "proteção" e outros "escudos" estão sendo gradualmente reduzidos. Na Itália, a Lei de Finanças de 2023 reduz uma grande parte da "ajuda especial" e representa um novo ataque frontal às condições de vida e de trabalho. Na França, o governo Macron teve de anunciar sua grande reforma previdenciária no início de janeiro de 2023, após meses de atraso e preparação. O resultado: manifestações em massa, superando até mesmo as expectativas dos sindicatos. Além do um milhão de pessoas nas ruas, é a atmosfera e a natureza das discussões nessas passeatas na França que melhor revelam o que se passa no âmago de nossa classe:
Obviamente, essa dinâmica positiva ainda não se estende à auto-organização. Até o momento o confronto aberto com os sindicatos é inexistente. Nossa classe ainda não chegou lá. A questão simples ainda não surgiu. E quando os trabalhadores começarem a confrontar essa questão, será um processo muito longo, com a reconquista das assembleias gerais e dos comitês, com as armadilhas das diferentes formas de sindicalismo (as centrais, as coordenações, as bases etc.). Mas o fato de os sindicatos, para se aterem às preocupações da classe e manterem a liderança do movimento, terem de organizar grandes manifestações que pareciam unificadas, quando haviam feito de tudo para evitá-las durante meses, mostrou que os trabalhadores estavam propensos a demonstrar solidariedade para lutar.
Será interessante ver como a situação no Reino Unido se desenvolverá nesse sentido. Após 9 meses de repetidas greves, a raiva e o espírito de luta não mostram sinais de definhamento. No início de janeiro, foi a vez de motoristas de ambulância e professores se juntarem à jornada de greves. E aqui também estava germinando a ideia de lutar juntos. Como resultado, o discurso sindical teve que se adaptar, dando cada vez mais destaque às palavras "unidade", "solidariedade"... e as promessas de "manifestações" estão sendo cumpridas. Pela primeira vez, alguns setores entraram em greve no mesmo dia, por exemplo, enfermeiros e paramédicos.
Essa simultaneidade de lutas em vários países não era vista desde a década de 1980! A influência do espírito de luta do proletariado do Reino Unido sobre o proletariado da França é algo a ser observado de perto, assim como a influência da tradição das manifestações de rua na França sobre a situação no Reino Unido. Há quase 160 anos, em 28 de setembro de 1864, nasceu a Associação Internacional dos Trabalhadores, principalmente por iniciativa dos proletariados britânicos e franceses. Isso é mais do que só uma piscadela para a história. Ele revela a profundidade do que está acontecendo: as partes mais experientes do proletariado mundial estão se movendo novamente e abrindo suas vozes mais uma vez. O proletariado alemão continua ausente, ainda profundamente marcado por sua derrota na década de 1920 e por seu esmagamento físico e ideológico, mas a dureza da crise econômica que está começando a atingi-lo pode, por sua vez, forçá-lo a reagir.
Dessa forma, o agravamento da crise e as consequências da guerra vão chegar a uma crescente, gerando um aumento da raiva e da combatividade em todos os países. E é muito importante que o agravamento da crise econômica mundial assuma agora a forma de inflação, porque:
Ao longo da história, os períodos de inflação levam o proletariado às ruas com frequência. O final do século XlX foi marcado em nível internacional pelo aumento dos preços e, ao mesmo tempo, um processo de greves em massa se desenvolveu da Bélgica em 1892 à Rússia em 1905. A Polônia, em 1980, teve suas raízes no aumento dos preços da carne. O exemplo oposto é a Alemanha da década de 1930: se a inflação galopante também tem provocado imensa raiva naquela época, ela também contribuiu para o medo, o retraimento e a desorientação da classe; mas esse momento foi em um período histórico muito diferente, o da contrarrevolução, e foi precisamente na Alemanha que o proletariado tinha sido mais massacrado ideológica e fisicamente.
Atualmente, a Alemanha (Ocidental) está sendo afetada pela crise econômica mundial como não acontecia desde a década de 1930, mas essa deterioração das condições de vida e de trabalho, esse reaparecimento da inflação ocorre em um cenário de aumento internacional da combatividade dos trabalhadores. Portanto, a evolução da situação social neste país, após décadas de relativo marasmo, é algo para se acompanhar de perto.
Assim, apesar da tendência da decomposição em agir sobre a crise econômica, ela continua sendo a melhor aliada do proletariado". Essa é mais uma confirmação de nossas teses sobre decomposição: "o agravamento inexorável da crise do capitalismo, constitui o estímulo essencial para a luta e a consciência da classe, a própria condição de sua capacidade de resistir ao veneno ideológico da decomposição da sociedade. De fato, assim como o proletariado não consegue encontrar um terreno de união de classes em lutas parciais contra os efeitos da decomposição, também sua luta contra os efeitos diretos da própria crise constitui a base para o desenvolvimento de sua força e unidade de classe." Portanto, estávamos certos quando, em nossa última resolução sobre a situação internacional, dissemos: "devemos rejeitar qualquer tendência para minimizar a importância das lutas econômicas "defensivas" da classe, que é uma expressão típica da concepção modernista que vê a classe apenas como uma categoria explorada e não também como uma força histórica e revolucionária ". Já defendemos essa posição fundamental em um de nossos artigos históricos, "A Luta do Proletariado na Decadência do Capitalismo": "A luta proletária tende a ir além da esfera estritamente econômica para se tornar social, confrontando o Estado diretamente, politizando-se e exigindo a participação maciça da classe"[8] . A mesma ideia está contida na fórmula de Lênin: "Por trás de toda greve paira o espectro da revolução" (consulte o apêndice).
O movimento de 2006 contra o CPE (Contrat Premier Emploi - Contrato de Primeiro Emprego) foi uma reação a um ataque econômico que imediatamente levantou profundas questões políticas gerais, em especial a da organização em assembleias, mas também a da solidariedade entre gerações. Mas, como vimos acima, a perda da identidade de classe esterilizou todas essas questões subjacentes. Nas próximas greves, em nível internacional, à medida que a crise econômica se aprofunda, existe a possibilidade de que os trabalhadores, mesmo com todas as suas fraquezas e ilusões, comecem a se ver, a se reconhecer, a entender a força que representam coletivamente e, portanto, como classe, e, então, todas as questões que ficaram em segundo plano desde o início dos anos 2000 sobre o futuro ("Outro mundo é possível"), sobre os métodos de luta (assembleias e superação das divisões corporativistas), o sentimento de que "estamos todos no mesmo barco", os lampejos de solidariedade que se tornarão o terreno fértil para a unidade etc., assumirão uma nova luz. As pessoas que estão em um ambiente de trabalho mais saudável brilharão em uma nova luz. Eles podem finalmente começar a ser vistos e debatidos conscientemente. É assim que as dimensões econômicas e políticas se entrelaçarão.
A intensificação da economia de guerra e o agravamento da crise econômica estão gerando um aumento da raiva e da combatividade em nível global. E, como no caso da guerra, a heterogeneidade do proletariado em diferentes países cria uma heterogeneidade de respostas e do potencial de cada movimento. Há toda uma gama de lutas, dependendo da situação, da história do proletariado e de sua experiência.
Muitos países estão se aproximando da situação europeia, com uma alta concentração de trabalhadores e governos "democráticos" no poder. Esse também é o caso da América do Sul. A greve dos médicos e enfermeiros no final de novembro e a greve "geral" no final de dezembro na Argentina confirmam essa relativa semelhança, essa dinâmica parcialmente comum. Mas nesses países, o proletariado não acumulou a mesma experiência que na Europa e na América do Norte. O peso das camadas intermediárias e, portanto, o perigo da armadilha interclassista são muito maiores lá; o movimento Piqueteros da década de 1990 na Argentina ainda é o modelo dominante de luta. Acima de tudo, os estertores da decomposição estão apodrecendo todo o tecido social; a violência e o tráfico de drogas dominam a sociedade no norte do México, na Colômbia e na Venezuela, e estão começando a gangrenar no Peru e no Chile... Essas fragilidades explicam, por exemplo, por que na última década a Venezuela afundou em uma crise econômica devastadora sem que o proletariado conseguisse reagir, apesar de ser um proletariado industrial altamente educado com uma forte tradição de luta.
Essa realidade confirma mais uma vez a responsabilidade primária do proletariado na Europa. Sobre seus ombros pesa o dever de indicar o caminho, desenvolvendo lutas que colocam no centro os métodos do proletariado: assembleias gerais de trabalhadores, reivindicações unificadoras, solidariedade entre setores e gerações... e a defesa da autonomia dos trabalhadores, uma lição que remonta às lutas de classe na França em 1848!
Precisamos acompanhar, em especial, os desdobramentos da luta de classes na China. Este país abriga 770 milhões de trabalhadores assalariados e parece estar experimentando um aumento significativo no número de greves em face de uma crise econômica que está tomando a forma de grandes ondas de demissões. Alguns analistas apresentam a ideia de que a nova geração de trabalhadores não está preparada para aceitar as mesmas condições de exploração de seus pais, pois, com o desenvolvimento da crise econômica, a promessa de um futuro melhor em troca dos sacrifícios atuais já não se sustenta. O punho de ferro do Estado chinês, cuja autoridade se baseia principalmente na repressão, pode ajudar a atiçar as chamas da raiva e incentivar a luta em massa. Dito isso, a terrível história do proletariado na China significa que o veneno das ilusões democráticas será muito poderoso; é inevitável que a raiva e as reivindicações sejam desviadas para o terreno burguês: contra o jugo "comunista", por direitos e liberdades etc. Isso é o que provavelmente acontecerá na China nos próximos anos. De qualquer forma, foi o que aconteceu quando a raiva irrompeu contra as restrições insuportáveis da política anti-Covid da China no final de 2022.
Em uma grande parte do mundo, o proletariado é marcado por uma fraqueza histórica muito grande e suas lutas só podem ser reduzidas à impotência e/ou afundar em impasses burgueses (pedidos de mais democracia, liberdade, igualdade etc.) e/ou ser diluídas em movimentos entre classes. Essa é a principal lição da Primavera Árabe de 2010: mesmo que a mobilização dos trabalhadores tenha sido real, ela se diluiu no "povo" e, acima de tudo, as reivindicações foram direcionadas para o terreno burguês da mudança de líderes ("Mubarak fora" etc.) e da exigência de mais democracia. O enorme movimento de protesto no Irã é um exemplo perfeito disso. A raiva maciça da população está se voltando para as demandas pelos direitos das mulheres (o slogan central e agora mundialmente famoso é "mulher, vida, liberdade"); portanto, embora muitas lutas dos trabalhadores ainda estejam ocorrendo no país, elas só podem acabar sendo abafadas pelo movimento popular. Nos últimos anos, a linguagem muito radical desses movimentos sociais levou as pessoas a acreditarem em uma certa forma de auto-organização dos trabalhadores: críticas aos sindicatos, convocação de sovietes etc. Na verdade, essa terminologia marxista é um verniz espalhado pela esquerda radical que não corresponde à realidade das ações da classe trabalhadora no Irã[9] . Muitos militantes de esquerda no Irã foram treinados na Europa nas décadas de 1970 e 80 e usaram esse vocabulário para defender seus próprios interesses, ou seja, os da ala esquerda do capital no Irã.
Além disso, Estados democráticos usam esses movimentos na China e Irã:
Aqui vemos que a fraqueza política do proletariado em um país é explorada pela burguesia contra todo o proletariado mundial; e, por outro lado, a experiência acumulada pelo proletariado nos países centrais pode indicar o caminho para todos.
Essa confusão atual sobre os movimentos sociais que estão sacudindo os países da periferia nos obriga a relembrar aqui nossa crítica à teoria do elo mais fraco, uma crítica que pertence à nossa herança. Em nossa resolução de janeiro de 1983, escrevemos: "A outra grande lição dessas lutas (na Polônia 80-81) e de sua derrota é que essa generalização mundial das lutas só pode começar nos países que constituem o coração econômico do capitalismo: os países avançados do Ocidente e, entre eles, aqueles nos quais a classe trabalhadora adquiriu a experiência mais longa e completa: a 'Europa Ocidental'"[10]. E, para sermos ainda mais precisos, detalhamos em nossa resolução de julho de 1983: "Nem os países do Terceiro Mundo, nem os países da Europa Oriental, nem a América do Norte, nem o Japão, podem ser o ponto de partida do processo que leva à revolução:
- Os países do Terceiro Mundo devido à fraqueza numérica do proletariado e ao peso das ilusões nacionalistas;
- O Japão e os Estados Unidos, em particular, por não terem enfrentado a contrarrevolução de forma tão direta e por terem sofrido a guerra mundial de forma menos direta, e na ausência de uma profunda tradição revolucionária;
- Os países do Leste Europeu, devido ao seu atraso econômico relativo, à forma específica (escassez) que a crise mundial está assumindo lá, impedindo uma consciência global e direta de suas causas (superprodução), e à contrarrevolução stalinista que transformou o ideal do socialismo nas mentes dos trabalhadores em seu oposto e permitiu um novo impacto de mistificações democráticas, sindicalistas e nacionalistas".[11]
Se, fora dos países centrais, houver lutas massivas que demonstrem a raiva, a coragem e a combatividade dos trabalhadores nessas regiões do mundo, esses movimentos não poderão ter nenhuma perspectiva. Essa impossibilidade enfatiza a responsabilidade histórica do proletariado na Europa, que tem o dever de usar sua experiência para frustrar as armadilhas mais sofisticadas da burguesia, começando pela democracia e pelos "sindicatos livres", e assim indicar o caminho a seguir.
O que estamos vendo nas greves e manifestações atuais, o desenvolvimento da solidariedade, o sentimento de que devemos lutar juntos, de que estamos todos no mesmo barco, indica um certo amadurecimento subterrâneo da consciência. Como Mc[12] escreveu em seu artigo "Sobre a maturação subterrânea" (Boletim Interno 1983): "O trabalho de reflexão continua nas mentes dos trabalhadores e se manifestará no surgimento de novas lutas. Há uma memória coletiva da classe, e essa memória também contribui para o desenvolvimento da consciência e sua extensão para a classe". Mas precisamos ser mais precisos. O amadurecimento subterrâneo é expresso de forma diferente, depende se falamos da classe como um todo, de seus setores combativos ou das minorias em busca. Conforme detalhamos em nossa International Review 43:
Então, até que ponto o processo de amadurecimento progrediu nos diferentes níveis de nossa classe?
Examinar a política da burguesia é sempre algo absolutamente primordial, tanto para avaliar melhor a posição de nossa própria classe, quanto para identificar as armadilhas que estão sendo preparadas. Assim, a energia que a burguesia emprega nos países centrais, principalmente por meio de seus sindicatos, para dividir as lutas, isolar as greves umas das outras e evitar qualquer manifestação unitária em massa prova que ela não quer que os trabalhadores se reúnam para manifestar por aumentos salarias, porque sabe que esse é o terreno mais fértil para a reconquista da identidade de classe.
Até agora, essa estratégia funcionou, mas a burguesia sabe que a ideia de ter que lutar "todos juntos" continuará a germinar na mente dos trabalhadores, à medida que a crise se agrava em todos os lugares; aliás, já existe uma pequena parte da classe que se faz esse tipo de pergunta. É por isso que, tanto para se preparar para o futuro, quanto para capturar e esterilizar o pensamento das minorias atuais, alguns dos sindicatos estão cada vez mais se colocando em uma frente radical, enfatizando o sindicalismo de classe e de combate.
Também é impressionante ver nas manifestações até que ponto as organizações de extrema esquerda estão atraindo uma parcela cada vez maior de jovens. Alguns grupos trotskistas afirmam cada vez mais que estão lutando pelo comunismo em nome da classe trabalhadora revolucionária, enquanto na década de 1990 eles estavam se voltando para a defesa da democracia, frentes de esquerda e assim por diante. Essa clara diferença é o resultado da adaptação da burguesia ao que ela percebe na classe: não apenas o retorno da combatividade dos trabalhadores, mas também um certo amadurecimento da consciência.
Além disso, o crescente radicalismo de uma parte da esquerda e das forças sindicais também pode ser visto na questão da guerra. Muitos sindicatos e partidos de "combate" que se dizem anarquistas, trotskistas ou maoístas produziram declarações "internacionalistas", ou seja, aparentemente denunciando os dois campos opostos na Ucrânia, Rússia e os Estados Unidos, e aparentemente clamando por uma luta unida da classe trabalhadora. Aqui também, essa atividade à esquerda do capital tem um duplo significado: capturar as pequenas minorias em busca das posições de classe que se desenvolvem e, a longo prazo, responder às inquietações que atuam no âmago da classe.
Entretanto, não devemos subestimar o impacto da propaganda imperialista ou da própria guerra na consciência dos trabalhadores. Se a "defesa da democracia" pode não ser suficiente para mobilizar as pessoas hoje, o fato é que ela polui a mente das pessoas e sustenta as ilusões e mentiras do Estado protetor. O discurso constante sobre "o povo" ajuda a minar ainda mais a identidade de classe, a fazer com que as pessoas se esqueçam de que a sociedade está dividida em classes antagônicas irreconciliáveis, já que "o povo" seria uma comunidade de interesses reunidos pela nação. Por último, mas não menos importante, a guerra em si amplifica todos os medos, desistências e irracionalidades: o aspecto incompreensível dessa guerra, a crescente desordem e caos, a incapacidade de prever a evolução do conflito, a ameaça de extensão, o medo de uma terceira guerra mundial ou o uso de armas nucleares.
De modo mais geral, nos últimos dois anos, a irracionalidade aumentou entre a população ao mesmo tempo, em que a decomposição se aprofundou: pandemias, guerras e a destruição da natureza reforçaram consideravelmente o não futuro. De fato, tudo o que escrevemos em 2019 em nosso "Relatório sobre a luta de classes para o 23º Congresso Internacional da CCI" foi verificado e ampliado: "O mundo capitalista em decomposição gera necessariamente um clima de apocalipse. Ele não tem futuro para oferecer à humanidade e seu potencial inimaginável de destruição está se tornando cada vez mais óbvio para uma grande parte da população mundial. (...) O niilismo e o desespero decorrem de um sentimento de impotência, de uma perda de convicção de que existe uma alternativa para o cenário de pesadelo que o capitalismo está preparando para nós. Eles tendem a paralisar o pensamento e a vontade de agir. E se a única força social que pode apresentar essa alternativa praticamente não tem consciência de sua própria existência, isso significa que a sorte está lançada, que o ponto sem volta já foi ultrapassado? Reconhecemos plenamente que quanto mais tempo o capitalismo leva para se decompor, mais ele mina as bases de uma sociedade mais humana. Isso é mais uma vez ilustrado de forma mais clara pela destruição do meio ambiente, que está chegando a um ponto em que pode acelerar a tendência de um colapso completo da sociedade, uma condição que não contribui em nada para promover a auto-organização e a confiança no futuro necessárias para liderar uma revolução."[14]
A burguesia usa descaradamente essa gangrena contra a classe trabalhadora, promovendo ideologias pequeno-burguesas decompostas. Nos Estados Unidos, uma grande parte do proletariado está sendo afetada pelos piores efeitos da decomposição, como o aumento da xenofobia e do ódio racial. Na Europa, a classe trabalhadora está mostrando maior resistência a essas manifestações ultra-nauseantes, mas a teoria da conspiração e a rejeição de todo pensamento racional (a corrente "antivacina", por exemplo) também começaram a se espalhar nesse coração histórico. Acima de tudo, em todos os países centrais, o proletariado está cada vez mais poluído pelo ecologismo e pelo wokismo[15].
Podemos ver um processo geral aqui: cada aspecto revoltante desse capitalismo decadente e decomposto é isolado, separado da questão do sistema e de suas raízes, para transformá-lo em uma luta fragmentada na qual uma categoria da população (negros, mulheres etc.) ou todos como "povo" devem participar. Todos esses movimentos constituem um perigo para os trabalhadores, que correm o risco de serem arrastados para lutas interclassistas ou francamente burguesas, nas quais são afogados na massa de "cidadãos". Os trabalhadores dos setores clássicos e experientes da classe parecem menos influenciados por essas ideologias e por essas formas de "luta". Mas a geração mais jovem, ao mesmo tempo afastada da tradição da luta de classes e particularmente revoltada com as injustiças gritantes e preocupada com o futuro sombrio, está em grande parte perdida nesses movimentos "não mistos" (reuniões exclusivamente para negros, ou mulheres etc.), contra o "gênero" (a teoria da ausência de distinção biológica entre os sexos), etc. Ao invés da luta contra a exploração, que está na raiz do sistema capitalista, permitindo um movimento de emancipação cada vez mais amplo (a questão das mulheres, das minorias etc.), como foi o caso em 1917, as ideologias dos ecologistas, wokistas, racialistas, zadistas etc., deixam de lado a luta de classes, negam-na ou até mesmo a julgam responsável pelo estado atual da sociedade. De acordo com os racialistas, a luta de classes é uma coisa de brancos que mantém a opressão dos negros; de acordo com o wokismo, a luta de classes é uma coisa do passado marcada pelo paternalismo e pela dominação machista; ou, de acordo com a teoria da interseccionalidade, a luta dos trabalhadores é uma luta igual às outras: feminismo, antirracismo, "classismo" etc. são todas lutas particulares contra a opressão que às vezes podem ser encontradas lado a lado, "conversando". O resultado é catastrófico: rejeição da classe trabalhadora e de seus métodos de luta, divisão em categorias que nada mais é do que uma forma do cada um por si, crítica superficial ao capitalismo que termina em exigir reformas, um "despertar de consciência" dos poderosos, novas "leis" e assim por diante. A burguesia, portanto, não hesita, sempre que possível, em dar o máximo de publicidade a todos esses movimentos. Todos os estados democráticos abraçaram a causa do slogan "mulher, vida, liberdade", que se tornou o símbolo do protesto social no Irã.
E como esses movimentos são claramente impotentes, alguns desses jovens, os mais radicais e revoltados, estão sendo incentivados a tomar medidas mais "enérgicas", como brigas e sabotagem. Nos últimos meses, assistimos ao desenvolvimento da "ecologia radical". A mais "esquerdista" dessas ideologias é a "interseccionalidade": ela afirma ser a favor da revolução e a luta de classes, mas coloca a luta contra a exploração no mesmo nível das lutas contra o racismo, o machismo etc., para realmente diluir a luta dos trabalhadores e conduzi-la disfarçadamente para o interclassismo.
Em outras palavras, todas essas ideologias decompostas cobrem todo o espectro do pensamento que germina em nossa classe, especialmente em sua juventude, e são, portanto, muito eficazes em esterilizar os esforços do proletariado que busca como lutar, como enfrentar esse mundo que mergulha no horror da barbárie e da destruição.
Toda uma gama de partidos e organizações da esquerda e da extrema esquerda obviamente promove essas ideologias. É impressionante ver como toda uma corrente do trotskismo está cada vez mais colocando as "pessoas" em primeiro lugar; e os ramos do modernismo (comunizadores e outros)[16] têm aqui o papel de lidar especificamente com os jovens que buscam claramente destruir o capitalismo e atraí-los para si, a fim de fazer o trabalho sujo de distanciá-los da luta de classes e impedir qualquer reconquista da identidade de classe.
Nos próximos anos, haverá, portanto, um desenvolvimento da luta do proletariado diante do agravamento da crise econômica (greves, dias de ação, manifestações, movimentos sociais) e, ao mesmo tempo, um afundamento de toda a sociedade na decomposição, com todos os perigos que isso representa para nossa classe (lutas fragmentadas, movimentos interclassistas e até mesmo demandas burguesas). Ao mesmo tempo, haverá a possibilidade de uma progressiva reconquista da identidade de classe e a crescente influência de ideologias decompostas.
Portanto, a CCI terá um papel fundamental a desempenhar nessas batalhas futuras.
Com relação à classe como um todo, teremos que intervir por meio de nossa imprensa, em manifestações, em possíveis reuniões políticas e assembleias gerais para:
1) Explorar o sentimento crescente de "estarmos todos no mesmo barco" e o aumento da combatividade para defender todos os métodos de luta que, ao longo da história, mostraram-se portadores da solidariedade e da unidade, da identidade de classe.
2) Denunciar o trabalho de sabotagem e divisão que cumpre os sindicatos.
3) Qualificar a natureza de cada movimento, caso a caso (classe trabalhadora, interclassista, parciais, burguesa etc.). Quanto a esse último ponto, as dificuldades dos últimos anos devem nos alertar. A guerra na Ucrânia não desencadeou e não desencadeará uma reação maciça na classe, não haverá movimento contra a guerra. Se quisermos defender a tocha do internacionalismo, seria ilusório, ou oportunista, acreditar que os comitês de trabalhadores poderiam ser formados nesse terreno; a natureza totalmente artificial e vazia dos comitês No War But The Class War, mantidos vivos pela vontade exclusiva da TCI, é uma prova clara disso. É, de fato, na luta contra a deterioração das condições de vida, especialmente em face do aumento dos preços, que o terreno será mais fértil para o desenvolvimento futuro da luta e da consciência.
Para uma grande parte da classe que se pergunta sobre o estado da sociedade e as perspectivas, teremos que continuar a desenvolver o que começamos a fazer com nosso texto sobre a década de 2020, ou seja, expressar da melhor forma possível a coerência de nossa análise, a única capaz de vincular os diferentes aspectos da situação histórica e trazer à tona a realidade da dinâmica do momento histórico.
Mais especificamente, precisamos desenvolver nossa crítica ao wokismo, ao ecologismo etc. e relembrar a experiência do movimento operário em todas essas questões (a questão das mulheres, da natureza etc.). Assim como é absolutamente necessário responder a todas as questões que o trotskismo sabe captar (a distribuição da riqueza, o capitalismo de Estado, o comunismo etc.). Aqui, a questão da perspectiva e do comunismo, o ponto fraco da nossa intervenção, assume toda a sua importância.
Finalmente, no que diz respeito às minorias em busca, a denúncia concreta das várias forças de extrema esquerda que se desenvolvem para destruir esse potencial, bem como a luta contra todas as ramificações do modernismo, parecem absolutamente primordiais, pois é nossa responsabilidade pelo futuro e pela construção da organização. E é aqui que nosso apelo às organizações da esquerda comunista para que se unam em torno de uma declaração internacionalista em face da guerra na Ucrânia assume seu significado pleno, o de retomar o método de nossos predecessores, os de Zimmerwald, para que as minorias atuais se ancorarem na história do movimento dos trabalhadores e resistir aos ventos contrários soprados pela burguesia e suas ideologias de extrema esquerda.
Sobre a ligação entre economia e política no desenvolvimento da luta e da consciência
[2] Ibid.
[3] Anos 80: os anos da verdade [12]; Revue internationale 20
[4] A "Revolução Laranja" faz parte do movimento das "revoluções coloridas" ou "revoluções das flores", uma série de revoltas "populares", "pacíficas" e pró-ocidentais, algumas das quais levaram a mudanças de governo entre 2003 e 2006 na Eurásia [13] e no Oriente Médio: a "Revolução das Rosas" na Geórgia em 2003, a "Revolução das Tulipas" no Quirguistão, a "Revolução do Ganga" em Belarus e a "Revolução do Cedro" no Líbano em 2005.
[5] Resolução sobre a situação internacional [2] (2021) Ponto 2
[6] Ibid. Ponto 26.
[7] "Devemos reconhecer que o proletariado alemão é o teórico do proletariado europeu, assim como o proletariado inglês é seu economista e o proletariado francês é seu político" (Marx, em Vorwärts, 1844).
[8] A luta do proletariado na decadência do capitalismo [14]; Revue Internationale 23
[9] Pelo contrário, alguns camaradas acham que essa linguagem radical dos esquerdistas e dos comitês de base corresponde à necessidade de recuperar as formas embrionárias de auto-organização e solidariedade que temos visto na classe trabalhadora do Irã desde 2018. Portanto, precisamos debater isso.
[10] Resolução sobre a situação internacional em 1983 [15]; Revue internationale 35.
[11] Debate: críticas à teoria do "elo mais fraco" [16]; Revue internationale 37.
[12] Para saber mais sobre nosso camarada Marc, leia os artigos "MARC: Da revolução de outubro de 1917 à Segunda Guerra Mundial [17]" e "MARC: II - Da Segunda Guerra Mundial aos dias atuais [18]".
[13] Réponse à la CWO : sur la maturation souterraine de la conscience de classe [19]; Revue internationale 43.
[14] Relatório sobre a luta de classes para o 23º Congresso Internacional da CCI [20]; Revue internationale 164
[15] O "wokismo" consistiria em um movimento engajado na conscientização e combate das injustiças, particularmente relacionadas a raça e gênero. O movimento ganhou projeção com o movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos e no mundo. O "wokismo", dessa forma, está vinculado à cultura de cancelamento e tudo o que escapa a um certo manual do politicamente correto para a esquerda do capital, com uma ênfase nas questões de raça e do identitarismo (a adoção da linguagem "neutra", por exemplo). Recentemente, a direita adotou uma abordagem depreciativa em relação a esse termo, rotulando os adeptos do "wokismo" como defensores inflexíveis do politicamente correto e da diversidade, com uma atitude que denunciam como intolerante e de censura.
[16] Veja nossa série atual sobre comunicadores.
1. Preâmbulo
O texto da CCI sobre as perspectivas para a década de 2020[1] afirma que as múltiplas contradições e crises do sistema capitalista global - econômicas, sanitárias, militares, ecológicas, sociais - estão se unindo cada vez mais , interagindo para criar uma espécie de "efeito vórtice" que torna a destruição da humanidade um resultado cada vez mais provável. Essa conclusão se tornou tão óbvia que setores significativos da classe dominante estão pintando um quadro semelhante. O Relatório de Desenvolvimento Humano 2021-22 da ONU já havia soado o alarme, mas o Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial (WEF), publicado em janeiro de 2023, é ainda mais explícito, falando da "policrise" que a civilização humana enfrenta: "No início de 2023, o mundo está enfrentando um conjunto de riscos que parecem totalmente novos e estranhamente familiares. Testemunhamos um retorno dos "velhos" riscos - inflação, crises de custo de vida, guerras comerciais, saídas de capital dos mercados emergentes, agitação social generalizada, confrontos geopolíticos e o espectro da guerra nuclear - que poucos líderes empresariais e tomadores de decisões públicas desta geração vivenciaram. Esses fenômenos são amplificados por desenvolvimentos relativamente novos no cenário de risco global, incluindo níveis insustentáveis de dívida, uma nova era de baixo crescimento, baixo investimento global e desglobalização, um declínio no desenvolvimento humano após décadas de progresso, o desenvolvimento rápido e irrestrito de tecnologias de uso duplo (civil e militar) e a crescente pressão dos impactos e ambições das mudanças climáticas em uma janela de transição cada vez mais estreita para um mundo de 1,5°C. Todos esses elementos estão convergindo para moldar uma década única, incerta e turbulenta".
Essa é a burguesia falando honestamente consigo mesma sobre a atual situação mundial, mesmo que só consiga se iludir sobre a possibilidade de encontrar soluções no sistema existente. E continuará a vender essas ilusões para a população mundial, auxiliada e incentivada por inúmeros partidos políticos e campanhas de protesto que propõem programas "radicais" que nunca questionam as relações sociais capitalistas que deram origem à catástrofe iminente.
Para nós, comunistas, não pode haver solução sem a abolição das relações capitalistas e o estabelecimento de uma sociedade comunista em escala global. E aquilo a que o WEF se refere como outro "risco" no período que se aproxima - "agitação social generalizada" - constitui, se desvincularmos esse termo de todos os vários movimentos burgueses ou interclassistas que ele agrupa nessa categoria, a alternativa oposta com que a humanidade enfrenta: a luta de classes internacional, a única que pode levar à derrubada do capital e ao estabelecimento do comunismo.
A burguesia não é capaz de situar a "policrise" nas insolúveis contradições econômicas decorrentes das relações sociais antagônicas existentes, mas vê a causa na abstração da "atividade humana"; tampouco consegue situá-las em um quadro histórico coerente. Para os comunistas, ao contrário, a trajetória catastrófica do capitalismo mundial é o resultado de mais de um século de decadência desse modo de produção.
A guerra de 1914-18 e a onda revolucionária que ela provocou levaram o Primeiro Congresso da Internacional Comunista a proclamar que o capitalismo havia chegado à sua época de "desintegração interna", de "guerras e revoluções", oferecendo a opção entre o socialismo e a queda na barbárie e no caos. A derrota das primeiras tentativas revolucionárias do proletariado significou que os eventos do final da década de 1920, depois das décadas de 1930 e 1940 (a maior depressão econômica da história do capitalismo, uma guerra mundial ainda mais devastadora, genocídios sistemáticos etc.), inclinaram a balança para a barbárie e, após a Segunda Guerra Mundial, o conflito entre os blocos americano e russo confirmou que o capitalismo decadente agora podia destruir a humanidade. Mas a decadência do capitalismo continuou por meio de uma série de fases: o boom econômico do pós-guerra, o retorno da crise aberta no final da década de 1960 e o ressurgimento da classe trabalhadora internacional após 1968. Essa última fase pôs fim ao domínio da contrarrevolução, impedindo a marcha para uma nova guerra mundial e abrindo um novo caminho histórico para o confronto de classes, que continha o potencial para o renascimento da perspectiva comunista. Mas a incapacidade da classe trabalhadora como um todo em desenvolver essa perspectiva levou a um impasse de classe que se tornou cada vez mais evidente na década de 1980. O colapso da velha ordem mundial imperialista após 1989 confirmou e acelerou a abertura de uma fase qualitativamente nova e terminal da época de decadência, que chamamos de decomposição do capitalismo. O fato dessa fase ser caracterizada por uma tendência crescente ao caos nas relações internacionais acrescentou mais um obstáculo à trajetória rumo à guerra mundial, mas de forma alguma tornou o futuro da sociedade humana mais seguro. Em nossas Teses sobre Decomposição [21], publicadas em 1990, previmos que a decomposição da sociedade burguesa poderia levar à destruição da humanidade sem uma guerra mundial entre blocos imperialistas organizados, por meio de uma combinação de guerras regionais, destruição ecológica, pandemias e colapso social. Também previmos que o ciclo de lutas dos trabalhadores de 1968 a 1989 estava chegando ao fim e que as condições da nova fase levariam a grandes dificuldades para a classe trabalhadora.
O estado atual do capitalismo global é uma confirmação impressionante desse prognóstico. A década de 2020 começou com a pandemia de Covid, seguida em 2022 pela guerra na Ucrânia. Ao mesmo tempo, vimos inúmeras confirmações da crise ecológica global (ondas de calor, inundações, derretimento das calotas polares, poluição maciça do ar e dos oceanos etc.). Desde 2019, também estamos vivenciando um novo mergulho na crise econômica, com os "remédios" para a chamada crise financeira de 2008 revelando todos os seus limites. Mas enquanto nas décadas anteriores as classes dominantes dos principais países conseguiram, até certo ponto, preservar a economia do impacto da decomposição, agora estamos testemunhando esse "efeito turbilhão", em que todas as diferentes expressões de uma sociedade em decomposição interagem entre si e aceleram a descida à barbárie. Por exemplo, a crise econômica foi claramente agravada pela pandemia e pelos lock-downs, pela guerra na Ucrânia e pelo custo crescente dos desastres ecológicos; enquanto isso, a guerra na Ucrânia terá sérias implicações ecológicas e globais; a competição por recursos naturais cada vez menores exacerbará ainda mais as rivalidades militares e as revoltas sociais. Nessa concatenação de efeitos, a guerra imperialista, resultado de escolhas deliberadas da classe dominante, desempenhou um papel central, mas até mesmo o impacto de um desastre "natural", como o terrível terremoto na Turquia e na Síria, foi consideravelmente agravado pelo fato de ter ocorrido em uma região já paralisada pela guerra. Também podemos apontar a corrupção endêmica de políticos e empresários, outra característica da decadência social: na Turquia, a busca imprudente por lucro no setor de construção local levou ao desrespeito às normas de segurança que poderiam ter reduzido consideravelmente o número de vítimas do terremoto. Essa aceleração e interação dos fenômenos de decomposição marcam uma nova transformação da quantidade para a qualidade nessa fase terminal de decadência, deixando mais claro do que nunca que a continuidade do capitalismo se tornou uma ameaça tangível à sobrevivência da humanidade.
A guerra na Ucrânia também tem uma longa "pré-história". Ela é o ponto culminante dos desenvolvimentos mais importantes nas tensões imperialistas das últimas três décadas, em especial:
À sombra dessas rivalidades imperialistas globais, estamos testemunhando a disseminação e a intensificação de outros tipos de conflito que também estão ligados à luta entre as grandes potências, mas de uma forma ainda mais caótica. Muitas potências regionais estão cada vez mais jogando seu próprio jogo, tanto em relação à guerra na Ucrânia quanto aos conflitos em suas próprias regiões. Por exemplo, a Turquia, membro da OTAN, está agindo como "intermediária" em nome da Rússia de Putin na questão dos suprimentos de grãos, ao mesmo tempo em que fornece drones militares à Ucrânia e se opõe à Rússia na "guerra civil" da Líbia; a Arábia Saudita desafiou os EUA ao se recusar a aumentar suas entregas de petróleo e, assim, reduzir os preços mundiais do petróleo; a Índia se recusou a cumprir as sanções econômicas lideradas pelos EUA contra a Rússia. Enquanto isso, a guerra na Síria, que mal foi mencionada pela grande mídia desde a invasão da Ucrânia, continuou a causar estragos, com a Turquia, o Irã e Israel mais ou menos diretamente envolvidos no massacre. O Iêmen tem sido um campo de batalha sangrento entre o Irã e a Arábia Saudita; a adesão de um governo de extrema-direita em Israel está adicionando combustível ao fogo do conflito com a OLP, o Hamas e o Irã. Após uma nova cúpula EUA-África, Washington anunciou uma série de medidas econômicas destinadas explicitamente a combater o crescente envolvimento da Rússia e da China no continente, que continua a sofrer com o impacto da guerra na Ucrânia sobre os suprimentos de alimentos e com todo um mosaico de guerras e tensões regionais (Etiópia-Tigre, Sudão, Líbia, Ruanda-Congo, etc.) que oferecem aberturas para todos os abutres imperialistas regionais e globais. No Extremo Oriente, a Coreia do Norte, que é um dos poucos países a fornecer armas diretamente para a Rússia, está agitando seu sabre contra a Coreia do Sul (principalmente com novos lançamentos de mísseis, que também são uma provocação ao Japão). E atrás da Coreia do Norte está a China, reagindo ao crescente cerco dos Estados Unidos.
Outro objetivo de guerra dos EUA na Ucrânia, em nítido contraste com os esforços de Trump para minar a aliança da OTAN, tem sido restringir as ambições independentes de seus "aliados" europeus, forçando-os a cumprir as sanções dos EUA contra a Rússia e a continuar armando a Ucrânia. Essa política de aproximação com a aliança da OTAN teve algum sucesso, com a Grã-Bretanha sendo a apoiadora mais entusiasmada do esforço de guerra da Ucrânia. No entanto, a reconstituição de um verdadeiro bloco controlado pelos EUA continua muito distante. A França e a Alemanha - esta última é a que mais tem a perder com o abandono de sua tradicional "Ostpolitik", dada sua dependência do fornecimento de energia russo - continuam inconsistentes quanto à entrega das armas solicitadas por Kiev e persistiram em suas próprias "iniciativas" diplomáticas em relação à Rússia e à China. A China, por sua vez, adotou uma atitude muito cautelosa em relação à guerra na Ucrânia, revelando recentemente seu próprio "plano de paz" e abstendo-se de fornecer a Moscou a "ajuda letal" de que tanto necessita.
Todos os fatos - mesmo deixando de lado a questão da mobilização do proletariado nos países centrais que isso exigiria - confirmam, portanto, o ponto de vista segundo o qual não estamos caminhando para a formação de blocos imperialistas estáveis. Mas isso não diminui em nada o perigo de escaladas militares descontroladas, incluindo o uso de armas nucleares. Desde que George Bush Sênior anunciou o advento de uma "nova ordem mundial" após o fim da URSS, as tentativas dos Estados Unidos de impor essa "ordem" fizeram com que eles se tornassem a força mais poderosa para aumentar a desordem e a instabilidade no mundo. Essa dinâmica foi claramente ilustrada pelo caos de pesadelo que continua a reinar no Afeganistão e no Iraque após as invasões dos EUA nesses países, mas o mesmo processo também está em ação no conflito ucraniano. Encostar a Rússia na parede, portanto, acarreta o risco de uma resposta desesperada do regime de Moscou, incluindo o uso de armas nucleares; por outro lado, se o regime entrar em colapso, isso pode desencadear a desintegração da própria Rússia, criando uma nova zona de caos com as consequências mais imprevisíveis. A irracionalidade da guerra na decadência do capitalismo pode ser medida não apenas por seus custos econômicos gigantescos, que superam em muita qualquer possibilidade de lucro ou reconstrução a curto prazo, mas também pelo colapso brutal dos objetivos estratégicos militares que, no período de decadência capitalista, suplantaram cada vez mais a racionalidade econômica da guerra.
Após a primeira Guerra do Golfo, em nosso texto de orientação Militarismo e decomposição [22], previmos o seguinte cenário para as relações imperialistas na fase de decomposição:
Como demonstraram as consequências das invasões do Afeganistão e do Iraque no início dos anos 2000, o uso crescente do poderio militar dos Estados Unidos deixou claro que, longe de alcançar esse mínimo de ordem, "a política imperialista dos Estados Unidos se tornou um dos principais fatores de instabilidade no mundo" (Resolução sobre a Situação Internacional [23], 17º Congresso do CCI, e os resultados da ofensiva dos EUA contra a Rússia deixaram ainda mais claro que "a polícia mundial" se tornou o principal fator de intensificação do caos em escala global.
A guerra na Ucrânia foi mais um golpe para uma economia capitalista já enfraquecida e minada por suas contradições internas e pelas convulsões resultantes de sua decomposição. A economia capitalista já estava sofrendo uma desaceleração, marcada pelo aumento da inflação, pela crescente pressão sobre as moedas das principais potências e pela crescente instabilidade financeira (refletida no estouro das bolhas imobiliárias na China, bem como nas criptomoedas e na tecnologia). A guerra agora está agravando poderosamente a crise econômica em todos os níveis.
A guerra significa a aniquilação econômica da Ucrânia, o grave enfraquecimento da economia russa devido ao imenso custo da guerra e aos efeitos das sanções impostas pelas potências ocidentais. Suas ondas de choque estão sendo sentidas em todo o mundo, alimentando a crise alimentar e a fome por meio do aumento dos preços dos produtos de primeira necessidade e da escassez de grãos.
A consequência mais tangível da guerra em todo o mundo é a explosão dos gastos militares, que ultrapassaram 2.000 bilhões de dólares. Todos os países do mundo estão envolvidos na espiral do rearmamento. Mais do que nunca, as economias estão sujeitas às necessidades da guerra, aumentando a proporção da riqueza nacional dedicada à produção de instrumentos de destruição. O câncer do militarismo significa a esterilização do capital e é um fardo esmagador para o comércio e a economia nacional, exigindo sacrifícios cada vez maiores dos explorados.
Ao mesmo tempo, as convulsões financeiras mais graves desde a crise de 2008, desencadeadas por uma série de falências bancárias nos Estados Unidos (incluindo a do 16º maior banco dos EUA) e, em seguida, a do Credit Suisse (o 2º maior banco da Suiça), estão se espalhando internacionalmente, enquanto a intervenção maciça dos bancos centrais dos EUA e da Suiça não conseguiu evitar o risco de contágio para outros países europeus e outros setores de alto risco, ou impedir que essas falências se transformassem em uma crise de crédito "sistêmica".
Diferentemente de 2008, quando a falência dos grandes bancos foi causada por sua exposição a hipotecas subprime, desta vez os bancos estão sendo debilitados principalmente por seus investimentos de longo prazo em títulos públicos, que estão perdendo valor à medida que as taxas de juros sobem repentinamente para combater a inflação. A atual instabilidade financeira, embora não seja (ainda) tão dramática quanto em 2008, está se aproximando do coração do sistema financeiro, porque o recurso à dívida pública - e em particular ao Tesouro dos EUA, no centro desse sistema - sempre foi considerado o refúgio mais seguro.
De qualquer forma, as crises financeiras, independentemente de sua dinâmica interna e de suas causas imediatas, são sempre, em última análise, uma manifestação da crise de superprodução que ressurgiu em 1967 e se agravou ainda mais por fatores ligados à decomposição do capitalismo.
Acima de tudo, a guerra revela o triunfo da abordagem do "cada um por si" e o fracasso, se não o fim, de toda a "governança global" em termos de coordenação de economias, enfrentamento de problemas climáticos e assim por diante. Essa tendência de "cada um por si" nas relações entre os Estados tornou-se cada vez mais acentuada desde a crise de 2008, e a guerra na Ucrânia pôs fim a muitas das tendências econômicas, descritas sob o termo "globalização", que vinham ocorrendo desde a década de 1990.
Não só a capacidade das principais potências capitalistas de cooperar para conter o impacto da crise econômica mais ou menos desapareceu, como também, diante da deterioração de sua economia e do agravamento da crise global, e a fim de preservar sua posição como a principal potência mundial, os Estados Unidos estão agindo cada vez mais deliberadamente para enfraquecer seus concorrentes. Isso representa uma ruptura aberta com muitas das regras adotadas pelos governos desde a crise de 1929. Ele abre caminho para uma terra de incerteza cada vez mais dominada pelo caos e pela imprevisibilidade.
Os Estados Unidos, convencidos de que a preservação de sua liderança diante da ascensão da China ao poder depende, em grande parte, da força de sua economia, que a guerra colocou em uma posição de força política e militar, também estão na ofensiva contra seus rivais em termos econômicos. Essa ofensiva está ocorrendo em várias direções. Os Estados Unidos são os grandes vencedores da "guerra do gás" lançada contra a Rússia, em detrimento dos países europeus, forçados a parar a importação do gás russo. Tendo alcançado a autossuficiência em petróleo e gás graças a uma política energética de longo prazo iniciada por Obama, essa guerra confirmou a supremacia americana na esfera estratégica da energia. Ela colocou seus rivais na defensiva nessa área: a Europa teve que aceitar sua dependência do gás natural liquefeito americano; a China, que depende muito de hidrocarbonetos importados, foi debilitada pelo fato de os Estados Unidos estarem agora em posição de controlar as rotas de abastecimento da China. Os Estados Unidos agora têm uma capacidade sem precedentes de exercer pressão sobre o resto do mundo nessa área.
Aproveitando o papel central do dólar na economia global e sua posição como principal potência econômica do mundo, as várias iniciativas monetárias, financeiras e industriais (desde os planos de estímulo econômico de Trump até os subsídios maciços de Biden para produtos "made in USA", a Lei de Redução da Inflação etc.) aumentaram a "resiliência" da economia dos EUA, atraindo investimentos de capital e realocação industrial para o território americano. Os Estados Unidos estão limitando o impacto da atual desaceleração global em sua economia e adiando os piores efeitos da inflação e da recessão no resto do mundo.
Além disso, para garantir sua vantagem tecnológica decisiva, os Estados Unidos também pretendem assegurar a realocação para o país ou o controle internacional de tecnologias estratégicas (semicondutores), das quais pretendem excluir a China, ao mesmo tempo em que ameaçam impor sanções ao rival do seu monopólio.
A determinação dos Estados Unidos em preservar seu poder econômico tem como consequência o enfraquecimento do sistema capitalista como um todo. A exclusão da Rússia do comércio internacional, a ofensiva contra a China e a dissociação de suas duas economias, em suma, o desejo declarado dos Estados Unidos de reconfigurar as relações econômicas globais em seu benefício, marca um ponto de inflexão: os Estados Unidos revelam-se como um fator desestabilizador para o capitalismo global e uma extensão do caos econômico.
A Europa foi particularmente atingida pela guerra, que a privou de sua principal força: a estabilidade. As capitais europeias estão sofrendo com uma desestabilização sem precedentes de seu "modelo econômico" e correm um risco real de desindustrialização e realocação para zonas americanas ou asiáticas sob os golpes da "guerra do gás" e do protecionismo americano.
A Alemanha, em particular, é uma concentração explosiva de todas as contradições dessa situação inédita. O fim do fornecimento de gás russo coloca a Alemanha em uma posição econômica e estratégica frágil, ameaçando sua competitividade e toda sua indústria. O fim do multilateralismo, do qual o capital alemão se beneficiou mais do que qualquer outra nação (poupando-o do ônus das despesas militares), tem um impacto mais direto sobre seu poder econômico, que depende das exportações. Ela também corre o risco de se tornar dependente dos Estados Unidos em relação ao fornecimento de energia, já que esse país pressiona seus "aliados" a se juntarem à guerra econômica/estratégica contra a China e a abrirem mão de seus mercados chineses. Por se tratar de uma saída vital para o capital alemão, a Alemanha enfrenta um enorme dilema, compartilhado por outras potências europeias, em um momento em que a própria UE está ameaçada pela tendência de seus Estados-membros de colocarem seus interesses nacionais à frente dos interesses da União.
Quanto à China, embora há dois anos ela tenha sido apresentada como a grande vencedora da crise da Covid, ela é uma das expressões mais características do efeito "redemoinho". Atualmente é vitimada por uma desaceleração econômica, e agora enfrenta uma grave turbulência.
Desde o final de 2019, a pandemia, os repetidos lock-downs e o tsunami de infecções que se seguiram ao abandono da política "Zero Covid" continuaram a paralisar a economia chinesa.
A China está envolvida na dinâmica global da crise, com seu sistema financeiro ameaçado pelo estouro da bolha imobiliária. O declínio de seu parceiro russo e a interrupção das Rota da Seda direcionada à Europa por conflitos armados e ainda o caos ambiental, que estão causando danos consideráveis. A forte pressão dos Estados Unidos está aumentando suas dificuldades econômicas. E, diante de seus problemas econômicos, de saúde, ecológicos e sociais, a fraqueza congênita de sua estrutura estatal stalinista é uma grande desvantagem.
Longe de poder desempenhar o papel de locomotiva da economia mundial, a China é uma bomba-relógio cuja desestabilização teria consequências imprevisíveis para o capitalismo global.
As principais áreas da economia mundial já estão em recessão ou à beira dela. No entanto, a gravidade da "crise que vem se desenvolvendo há décadas e que está prestes a se tornar a mais grave de todo o período de decadência, cuja importância histórica superará até mesmo a maior crise desta era, a que começou em 1929"[2] não se limita à escala dessa recessão. A gravidade histórica da crise atual marca um ponto avançado no processo de "desintegração interna" do capitalismo mundial, anunciado pela Internacional Comunista em 1919, e que se origina do contexto geral da fase terminal da decadência, cujas principais tendências são:
Estamos testemunhando a coincidência das várias expressões da crise econômica e, acima de tudo, sua interação na dinâmica de seu desenvolvimento: a inflação elevada exige um aumento das taxas de juros, que, por sua vez, provocam a recessão, que é a fonte da crise financeira, que leva a novas injeções de liquidez e, portanto, a um endividamento ainda maior, que já é astronômico e que é um fator adicional de inflação..... Tudo isso demonstra a falência desse sistema e sua incapacidade de oferecer qualquer perspectiva à humanidade.
A economia mundial está caminhando para a estagflação, uma situação marcada pelo impacto da superprodução e pelo desencadeamento da inflação como resultado do crescimento dos gastos improdutivos (principalmente gastos com armamentos, mas também o custo exorbitante dos estragos da decadência) e do uso da impressão de dinheiro para alimentar ainda mais a dívida. Em um contexto de caos crescente e acelerações imprevistas, a burguesia não está apenas revelando sua impotência: tudo o que ela faz tende a piorar a situação.
Para o proletariado, o aumento da inflação e a recusa da burguesia em agravar a "espiral salários-preços" estão reduzindo drasticamente o poder de compra. Somam-se a isso as demissões em massa, os cortes drásticos nos orçamentos sociais e os ataques às aposentadorias, o que pressagia um futuro de pobreza, como já ocorre nos países periféricos. Para setores cada vez maiores do proletariado nos países centrais, será cada vez mais difícil encontrar moradia, aquecimento, alimentação ou assistência social.
A burguesia está enfrentando uma enorme escassez de mão de obra em vários setores. Esse fenômeno, cuja escala e impacto na produção não têm precedentes, parece ser a cristalização de um conjunto de fatores que combinam as contradições internas do capitalismo e os efeitos de sua decomposição. É o produto da anarquia do capitalismo, que gera tanto o excesso de capacidade - desemprego - quanto a escassez de mão de obra. Outros fatores desse fenômeno são a globalização e a crescente fragmentação do mercado mundial, que dificultam a disponibilidade internacional de mão de obra; fatores demográficos, como a queda das taxas de natalidade e o envelhecimento da população, que limitam o número de trabalhadores disponíveis para exploração; e a relativa falta de mão de obra suficientemente qualificada, apesar das políticas de imigração seletiva implementadas por muitos países. Além disso, há a fuga de trabalhadores de setores onde as condições de trabalho se tornaram insuportáveis.
A guerra na Ucrânia também é uma demonstração impressionante de como a guerra pode acelerar ainda mais a crise ecológica que vem se acumulando durante todo o período de decadência, mas que já havia atingido novos níveis nas primeiras décadas da fase terminal do capitalismo. A devastação de edifícios, infraestrutura, tecnologia e outros recursos representa um enorme desperdício de energia, e sua reconstrução gerará ainda mais emissões de carbono. O uso indiscriminado de armas altamente destrutivas resulta na poluição do solo, da água e do ar, com a ameaça sempre presente de que toda a região possa se tornar novamente uma fonte de radiação atômica, seja como resultado do bombardeio de usinas nucleares ou do uso deliberado de armas nucleares. Mas a guerra também está causando um impacto ecológico em nível global, ao tornar ainda mais difícil atingir as metas globais de limitação de emissões, com cada país mais preocupado com sua "segurança energética", o que geralmente significa maior dependência de combustíveis fósseis.
Assim como a crise ecológica é um fator do "efeito vórtice", ela também está gerando seus próprios "loops de feedback" que já estão acelerando o processo de aquecimento global. Por exemplo, o derretimento das calotas polares não apenas contém os perigos inerentes ao aumento do nível do mar, mas também está se tornando um fator de aumento da temperatura global, pois o derretimento do gelo significa uma redução da capacidade de refletir a energia solar de volta para a atmosfera. Da mesma forma, o derretimento do permafrost na Sibéria liberará uma enorme reserva de metano, um poderoso gás de efeito estufa. O agravamento e os efeitos combinados do aquecimento global (enchentes, incêndios, secas, erosão do solo, etc.) já estão tornando cada vez mais regiões do planeta inabitáveis, exacerbando ainda mais o problema global dos refugiados, já alimentado pela persistência e disseminação de conflitos imperialistas.
Como Marx e Rosa Luxemburgo explicaram, a busca incessante por mercados e matérias-primas levou o capitalismo a invadir e ocupar todo o planeta, destruindo as áreas "selvagens" remanescentes ou submetendo-as à lei do lucro. Esse processo é inseparável da geração de doenças zoonóticas, como a Covid, lançando as bases para futuras pandemias.
A classe dominante está cada vez mais ciente dos perigos apresentados pela crise ecológica, ainda mais porque tudo isso tem um astronômico custo econômico, mas as recentes conferências sobre o meio ambiente confirmaram a incapacidade fundamental da classe dominante de lidar com a situação, uma vez que o capitalismo não pode existir sem a concorrência entre os estados-nação e devido às demandas de "crescimento". Uma parte da burguesia, como uma ala significativa do Partido Republicano nos Estados Unidos, cuja ideologia é alimentada pela profunda irracionalidade típica da fase final do capitalismo, persiste em negar a ciência do clima, mas, como mostram os relatórios do WEF e da ONU, as facções mais inteligentes estão bem cientes da gravidade da situação. Mas as soluções que elas propõem nunca chegam à raiz da questão e, na verdade, dependem de soluções técnicas que são tão tóxicas quanto a tecnologia existente (como é o caso dos veículos elétricos "limpos" cujas baterias de lítio são baseadas em vastos projetos de mineração, altamente poluentes) ou envolvem novos ataques às condições de vida da classe trabalhadora. Assim, a ideia de uma economia "pós-crescimento" na qual um Estado "benevolente" e "verdadeiramente democrático" preside todas as relações fundamentais do capitalismo (trabalho assalariado, produção generalizada de mercadorias) não é apenas um absurdo lógico - já que são essas mesmas relações que sustentam a necessidade de acumulação infinita - mas também implicaria em medidas de austeridade ferozes, justificadas pelo slogan "consumir menos". E embora a ala mais radical dos movimentos "verdes" (Fridays for Future, Extinction Rebellion, etc.) critique cada vez mais o "blá-blá-blá" das conferências governamentais sobre o meio ambiente, seus apelos à ação direta por parte dos "cidadãos" preocupados só podem obscurecer a necessidade dos trabalhadores lutarem contra esse sistema em seu próprio terreno de classe e reconhecerem que a verdadeira "mudança do sistema" só pode ocorrer por meio da revolução proletária. Em uma época em que os desastres ecológicos se sucedem cada vez mais rapidamente, a burguesia não deixará de usar formas de protesto como falsas alternativas à luta de classes, a única que pode desenvolver a perspectiva de uma relação radicalmente nova entre a humanidade e seu ambiente natural.
Em 1990, as Teses sobre Decomposição [21] destacaram a tendência crescente da classe dominante de perder o controle de seu jogo político. A ascensão do populismo, alimentada pela total falta de perspectiva oferecida pelo capitalismo e pelo desenvolvimento do "cada um por si" internacionalmente, é provavelmente a expressão mais clara dessa perda de controle, e essa tendência continuou apesar dos movimentos contrários de outras facções mais "responsáveis" da burguesia (por exemplo, a substituição de Trump e a rápida destituição de Truss no Reino Unido). Nos EUA, Trump continua preparando uma nova candidatura presidencial que, se bem-sucedida, prejudicaria seriamente as atuais direções da política externa do governo dos EUA; na Grã-Bretanha, o país clássico de governo parlamentar estável, vimos uma sequência de quatro primeiros-ministros conservadores sucessivos, expressando divisões profundas no partido conservador como um todo e, mais uma vez, impulsionados principalmente pelas forças populistas que empurraram o país para o fiasco do Brexit. Longe dos centros históricos do sistema, demagogos nacionalistas como Erdogan e Modi continuam a agir como dissidentes, impedindo a formação de uma aliança sólida com os EUA em seu conflito com a Rússia. Em Israel, Netanyahu também se levantou do que parecia ser seu túmulo político, apoiado por forças ultra religiosas e abertamente anexionistas, e seus esforços para subordinar a Suprema Corte ao seu governo provocaram um vasto movimento de protesto, totalmente dominado por apelos à defesa da "democracia".
A invasão do Capitólio por apoiadores de Trump em 6 de janeiro destacou que as divisões na classe dominante, mesmo no país mais poderoso do planeta, estão se aprofundando e correm o risco de degenerar em confrontos violentos e até mesmo em guerra civil. A eleição de Lula no Brasil viu as forças bolsonaristas tentarem sua própria versão do 6 de janeiro e, na Rússia, a oposição a Putin dentro da classe dominante é cada vez mais evidente, principalmente por parte de grupos ultranacionalistas, insatisfeitos com a forma como a atual "operação militar especial" na Ucrânia se desenrolando. Há muitos rumores de golpes militares e, embora o próprio Putin esteja se adaptando à pressão da direita, ameaçando constantemente aumentar a "guerra com o Ocidente", a substituição de Putin por uma gangue rival seria um processo nada pacífico. Por fim, na China, as divisões da burguesia também estão se tornando mais aparentes, principalmente entre a facção em torno de Xi Jinping, a favor de um fortalecimento do controle central do Estado sobre toda a economia e os rivais mais ligados às oportunidades de desenvolvimento do capital privado e do investimento estrangeiro. Embora o reinado da fração de Xi parecesse inatacável no Congresso do Partido em outubro de 2022, sua gestão desastrosa da crise da Covid, o agravamento da crise econômica e os sérios dilemas criados pela guerra na Ucrânia expuseram as fraquezas da classe dominante chinesa, sobrecarregada por um rígido aparato stalinista que não tem os meios para se adaptar aos principais problemas sociais e econômicos.
Entretanto, essas divisões não põe fim à capacidade da classe dominante de voltar os efeitos da decomposição contra a classe trabalhadora ou, diante da crescente luta de classes, de colocar temporariamente de lado suas divisões para enfrentar seu inimigo mortal. E mesmo quando a burguesia é incapaz de controlar suas divisões internas, a classe trabalhadora é permanentemente ameaçada pelo perigo de ser mobilizada por facções rivais de seu inimigo de classe.
O renascimento do espírito de luta dos trabalhadores em vários países é um evento histórico importante que não é resultado apenas de circunstâncias locais e não pode ser explicado por condições puramente nacionais.
Na origem desse ressurgimento, as lutas que vêm ocorrendo na Grã-Bretanha desde o verão de 2022 têm um significado que vai além do contexto britânico apenas; a reação dos trabalhadores na Grã-Bretanha lança luz sobre as que estão ocorrendo em outros lugares e lhes dá um significado novo e particular na situação. O fato das lutas atuais terem sido iniciadas por uma fração do proletariado que mais sofreu com o recuo geral da luta de classes desde o final da década de 1980 é profundamente significativo: assim como a derrota na Grã-Bretanha em 1985 anunciou o recuo geral do final da década de 1980, o retorno das greves e da combatividade dos trabalhadores na Grã-Bretanha revela a existência de uma corrente profunda no proletariado de todo o mundo. Diante do agravamento da crise econômica global, a classe trabalhadora está começando a desenvolver sua resposta à inexorável deterioração das condições de vida e de trabalho em um único movimento internacional. Essa análise também se aplica à mobilização maciça de três meses da classe trabalhadora na França em face do ataque do governo às aposentadorias. Por várias décadas, os trabalhadores desse país estiveram entre os mais combativos do mundo, mas suas mobilizações no início de 2023 não são simplesmente uma continuidade das importantes lutas do período anterior; o alcance dessas mobilizações se explica também, e fundamentalmente, pelo fato de fazerem parte de uma combatividade que anima o proletariado de muitos países.
As atuais lutas dos trabalhadores na Europa confirmam que a classe trabalhadora não foi derrotada e mantém seu potencial. O fato de os sindicatos controlarem esses movimentos sem serem desafiados não deve minimizar ou relativizar sua importância. Pelo contrário, a atitude da classe dominante, que há muito tempo se prepara para a perspectiva de novas lutas dos trabalhadores, atesta seu potencial: os sindicatos estavam prontos para adotar uma postura "combativa" e se colocaram à frente do movimento para desempenhar plenamente seu papel de guardiões da ordem capitalista.
Impulsionados por uma nova geração de trabalhadores, a escala e a simultaneidade desses movimentos atestam uma verdadeira mudança de mentalidade na classe e rompem com a passividade e a desorientação que prevaleceram do final da década de 1980 até hoje.
Diante da provação da guerra, não era possível esperar uma resposta direta da classe trabalhadora. A história mostra que a classe trabalhadora não se mobiliza diretamente contra a guerra, mas contra seus efeitos na vida da retaguarda. A escassez de mobilizações pacifistas organizadas pela burguesia não significa que o proletariado apoie a guerra, mas mostra a eficácia da campanha pela "defesa da Ucrânia contra o agressor russo". No entanto, não se trata apenas de uma questão de não adesão passiva. Não só a classe trabalhadora dos países centrais ainda não está preparada para aceitar o sacrifício supremo da morte, como também rejeita o sacrifício das condições de vida e de trabalho exigidas pela guerra.
As lutas atuais são precisamente a resposta dos trabalhadores nesse nível; elas são a única resposta possível e contêm as premissas para o futuro, mas, ao mesmo tempo, mostram que a classe trabalhadora ainda não consegue estabelecer a relação entre a guerra e a deterioração de suas condições.
A CCI sempre insistiu que, apesar dos golpes desferidos contra a consciência de classe, apesar de seu declínio nas últimas décadas :
Até agora, as expressões de combatividade que surgiram parecem ter tido "pouco eco no restante da classe: o fenômeno das lutas em um país "respondendo" a movimentos em outros lugares parece ser quase inexistente. Para a classe em geral, a natureza fragmentada e desconectada das lutas faz pouco, pelo menos na superfície, para fortalecer, ou melhor, restaurar a autoconfiança do proletariado, sua consciência de ser uma força distinta na sociedade, uma classe internacional com o potencial de desafiar a ordem existente"[3] .
Hoje, a combinação de um retorno da combatividade dos trabalhadores e o agravamento da crise econômica mundial (em comparação com 1968 ou 2008), que não poupará nenhuma parte do proletariado e atingirá todos simultaneamente, está mudando objetivamente a base da luta de classes.
O aprofundamento da crise e a intensificação da economia de guerra só podem continuar em escala global, e em todos os lugares isso só pode gerar uma combatividade crescente. A inflação desempenhará um papel especial nesse desenvolvimento do espírito de luta e da consciência. Ao atingir todos os países, toda a classe trabalhadora, a inflação empurra o proletariado para a luta. Não sendo um ataque que a burguesia possa preparar e eventualmente retirar, mas um produto do capitalismo, ela implica uma luta e uma reflexão mais profunda.
A retomada das lutas confirma a posição da CCI de que a crise continua sendo a melhor aliada do proletariado:
"o agravamento inexorável da crise capitalista constitui o estímulo essencial para a luta de classes e o desenvolvimento da consciência, a condição prévia para sua capacidade de resistir ao veneno destilado pela podridão social. Pois se as lutas parciais contra os efeitos da decomposição não têm base para a unificação da classe, sua luta contra os efeitos diretos da crise, no entanto, constitui a base para o desenvolvimento de sua força e de sua unidade de classe". (Decomposição, a fase final da decadência do capitalismo [1]). Esse desenvolvimento de lutas não é um lampejo, mas tem um futuro. Ele indica um processo de renascimento da classe após anos de refluxo e contém o potencial para a recuperação da identidade da classe, para que a classe recupere a consciência do que é e do poder que tem quando entra em luta.
Tudo indica que esse movimento de classe, que começou na Europa, pode durar muito tempo e se repetirá em outras partes do mundo. Uma nova situação está se abrindo para a luta de classes.
Diante do perigo de destruição contido na decomposição do capitalismo, essas lutas mostram que a perspectiva histórica permanece totalmente aberta: "Estes primeiros passos serão muitas vezes hesitantes e cheios de fraquezas, mas são essenciais para que a classe trabalhadora possa reafirmar sua capacidade histórica de impor sua perspectiva comunista. Assim, os dois polos da perspectiva se opõem globalmente na alternativa: destruição da humanidade ou revolução comunista, mesmo que esta última alternativa ainda esteja muito distante e enfrente enormes obstáculos".[4]
Embora o próprio contexto de decomposição represente um obstáculo ao desenvolvimento das lutas e à recuperação da confiança do proletariado, embora a decomposição tenha progredido assustadoramente, embora o tempo não esteja mais a seu favor, a classe conseguiu retomar a luta. O período recente confirmou de forma impressionante nossa previsão na Resolução sobre a Situação Internacional do 24º Congresso Internacional:
A luta em si é a primeira vitória do proletariado, revelando em particular:
Foi a perda progressiva da identidade de classe que permitiu que a burguesia esterilizasse ou recuperasse os dois maiores momentos da luta proletária desde a década de 1980 (o movimento contra o Contrato do Primeiro Emprego (CPE) na França em 2006 e os Indignados na Espanha em 2011), porque os protagonistas foram privados dessa base crucial para o desenvolvimento mais geral da consciência. Hoje, a tendência de recuperar a identidade de classe e a evolução da maturação subterrânea expressam a mudança mais importante no nível subjetivo, revelando o potencial para o desenvolvimento futuro da luta proletária. Porque significa a consciência de formar uma classe unida por interesses comuns, opostos aos da burguesia, porque significa a "constituição do proletariado como classe" (Manifesto), a identidade de classe é uma parte inseparável da consciência de classe, para a afirmação do ser revolucionário consciente do proletariado. Sem ela, não há possibilidade da classe se relacionar com sua história a fim de aprender as lições das lutas passadas e, assim, engajar-se em suas lutas presentes e futuras. A identidade e a consciência de classe só podem ser fortalecidas pelo desenvolvimento da luta autônoma da classe em seu próprio terreno.
O despertar da combatividade de classe e o amadurecimento subterrâneo da consciência exigem que os sindicatos, os órgãos estatais especializados em enquadrar as lutas dos trabalhadores, e as organizações políticas de esquerda, os falsos amigos burgueses da classe trabalhadora, se coloquem na linha de frente contra a luta de classes.
A eficácia atual do controle sindical baseia-se nas fraquezas resultantes da decomposição, fraquezas exploradas politicamente pela burguesia e no recuo da consciência que durou várias décadas e que resultou no "retorno em força dos sindicatos" e no fortalecimento da "ideologia reformista sobre as lutas do próximo período, facilitando muito o trabalho dos sindicatos" (Teses sobre a crise econômica e política na URSS e nos países do Leste [24] Europeu).
Em particular, o peso da atomização, a falta de perspectiva, a fraqueza da identidade de classe, a perda de conquistas e as lições dos confrontos passados com os sindicatos estão na raiz da influência extremamente importante do corporativismo. Essa fraqueza permite que os sindicatos mantenham uma influência poderosa sobre a classe.
Embora ainda não estejam ameaçados por um questionamento desse controle da luta, os sindicatos têm sido forçados a se adaptar às lutas atuais, a fim de fazer seu trabalho habitual de divisão, usando uma linguagem mais "combativa", mais "classe trabalhadora", apresentando-se como artesãos da unidade de classe, para melhor sabotá-la.
Ao mesmo tempo, as várias organizações de esquerda (e a esquerda em geral) trabalham dentro e fora dos sindicatos e lhes dão um apoio poderoso. Como defensores das mais sofisticadas mistificações antitrabalhadores em um disfarce radical, sua função também é capturar minorias em busca de posições de classe.
A defesa constante da "democracia" e dos interesses do "povo" visa ocultar a existência de antagonismos de classe, alimentar a mentira do estado protetor e atacar a identidade da classe proletária, reduzindo a classe trabalhadora a uma massa de cidadãos ou a "setores" de atividade separados por interesses particulares.
Diante dos movimentos das classes não exploradoras ou da pequena burguesia pulverizada pela crise econômica, o proletariado deve desconfiar das revoltas "populares" ou das lutas entre classes que afogam seus próprios interesses na soma indiferenciada dos interesses do "povo". Ele deve se colocar resolutamente no terreno da defesa de suas próprias reivindicações e de sua autonomia de classe, uma condição para o desenvolvimento de sua força e de sua luta.
Ela também deve rejeitar as armadilhas criadas pela burguesia em torno de lutas fragmentadas (para salvar o meio ambiente, contra a opressão racial, feminismo, etc.) que a desviam de seu próprio terreno de classe. Uma das armas mais eficazes da classe dominante é sua capacidade de virar os efeitos da decomposição contra ela e de incentivar as ideologias decompostas da pequena burguesia. No terreno da decomposição, da irracionalidade, do niilismo e do "sem futuro", proliferam correntes ideológicas de todo o tipo. Seu papel central é transformar cada aspecto repugnante do sistema capitalista decadente em uma causa específica de luta, adotada por diferentes setores da população ou, às vezes, pelo "povo", mas sempre separada de um questionamento genuíno do sistema como um todo.
Todas essas ideologias (ecologistas, "wokismo", raciais etc.) que negam a luta de classes, ou que, como as que defendem a "interseccionalidade", colocam a luta de classes no mesmo nível da luta contra o racismo ou o machismo, representam um perigo para a classe, em particular para a jovem geração de trabalhadores inexperientes que estão profundamente revoltados com o estado da sociedade. Nesse nível, essas ideologias são complementadas pela panóplia de esquerdistas e modernistas ("comunizadores"), cujo papel é esterilizar os esforços do proletariado para desenvolver a consciência de classe e distanciar os trabalhadores da luta de classes.
Se a luta de classes é por natureza internacional, a classe trabalhadora é ao mesmo tempo, uma classe heterogênea que deve forjar sua unidade por meio de sua luta. Nesse processo, é o proletariado dos países centrais que tem a responsabilidade de abrir as portas da revolução para o proletariado mundial.
Nos países desenvolvidos mais recentemente, como China, Índia etc., embora a classe trabalhadora tenha se mostrado muito combativa e apesar de sua importância em termos quantitativos, essas frações do proletariado, devido à sua falta de experiência histórica, são particularmente vulneráveis às armadilhas ideológicas e mistificações da classe dominante. Suas lutas são facilmente reduzidas à impotência ou desviadas para becos sem saída burgueses (pedidos de mais democracia, liberdade, igualdade etc.) ou completamente diluídas em movimentos interclassistas dominados por outras camadas sociais. Como mostrou a Primavera Árabe de 2011: a luta muito real dos trabalhadores no Egito foi rapidamente diluída em "o povo" e depois arrastada atrás das frações da classe dominante no terreno burguês de "mais democracia". Ou ainda, o imenso movimento de protesto no Irã, onde, na ausência de uma perspectiva revolucionária clara defendida pelas frações mais experientes do proletariado mundial da Europa Ocidental, as muitas lutas dos trabalhadores no país só podem ser afogadas no movimento popular e desviadas de seu terreno de classe por trás do slogan dos direitos das mulheres.
Nos Estados Unidos, embora marcado por fraquezas ligadas ao fato de que a classe desse país não ter sido confrontada diretamente com a contrarrevolução e de não possuir uma tradição revolucionária profunda, o proletariado da primeira potência mundial, apesar dos inúmeros obstáculos gerados pela decomposição da qual os Estados Unidos se tornaram o epicentro (o peso das divisões raciais e do populismo, toda a atmosfera de quase guerra civil entre populistas e democratas, o impasse dos movimentos que trabalham em terreno burguês como o Black Lives Matter) mostra a capacidade de desenvolver suas lutas (durante a pandemia, durante o "Striketober" em 2021) em seu terreno de classe. O proletariado americano mostra, em uma situação política muito difícil, que começa a responder aos efeitos da crise econômica.
A chave para o futuro revolucionário do proletariado permanece nas mãos de sua fração nos países centrais do capitalismo. Somente o proletariado dos velhos centros industriais da Europa Ocidental constitui o ponto de partida da futura revolução mundial:
Diante do crescente confronto entre os dois polos da alternativa – a destruição da humanidade ou a revolução comunista – as organizações revolucionárias da esquerda comunista, e a CCI em particular, têm um papel insubstituível a desempenhar no desenvolvimento da consciência de classe, e devem dedicar suas energias ao trabalho permanente de aprofundamento teórico, a propor uma análise clara da situação mundial, e a intervir nas lutas de nossa classe para defender a necessidade de autonomia, auto-organização e unificação da classe e do desenvolvimento da perspectiva revolucionária.
Esse trabalho só pode ser feito com base em uma paciente construção organizacional, lançando as bases para o partido mundial do amanhã. Todas essas tarefas exigem uma luta militante contra todas as influências da ideologia burguesa e pequeno-burguesa no meio da esquerda comunista e da própria CCI. Na atual conjuntura, os grupos da esquerda comunista estão enfrentando o perigo de uma crise real: com poucas exceções, não conseguiram se unir em defesa do internacionalismo diante da guerra imperialista na Ucrânia e estão cada vez mais abertos à penetração do oportunismo e do parasitismo. A adesão rigorosa ao método marxista e aos princípios proletários é a única resposta a esses perigos.
Maio de 2023
[1] A aceleração da decomposição capitalista coloca abertamente a questão da destruição da humanidade [5]
[2] Relatório sobre a crise econômica
[3] O conceito de curso histórico no movimento revolucionário [25]? Revista Internacional nº 107 - 4º trimestre de 2001
[4] A aceleração da decomposição capitalista coloca abertamente a questão da destruição da humanidade [5]
[5] Resolução sobre a situação internacional [2] (2021)
[6] Resposta à CWO: sobre o amadurecimento subterrâneo da consciência de classe [19]; International Review 43
O novo surto de barbárie em Israel e na Palestina nos forçou a mudar o tema desta reunião pública, que inicialmente pretendia se concentrar na crise ambiental.
Após a guerra na Ucrânia, esse novo conflito confirma mais uma vez que a guerra desempenha um papel central no que chamamos de "efeito turbilhão", ou seja, a interação acelerada de todas as expressões da decomposição capitalista, ameaçando cada vez mais a própria sobrevivência da humanidade. É fundamental que os revolucionários apresentem uma posição internacionalista clara contra todos os confrontos imperialistas que se espalham pelo mundo.
No entanto, não devemos subestimar o fato de que a destruição capitalista da natureza é parte integrante dessa ameaça. De fato, a intensificação da guerra e do militarismo só pode agravar a crise ambiental, assim como seu aprofundamento só pode alimentar rivalidades militares cada vez mais caóticas.
Isso também não significa que toda esperança para o futuro esteja perdida. O retorno da luta de classes que começou na Grã-Bretanha há mais de um ano e que agora está tomando força nos Estados Unidos mostra que a classe trabalhadora não está derrotada e que sua resistência à exploração contém as sementes da derrubada revolucionária da atual ordem mundial.
Todas essas questões serão discutidas em nossas próximas reuniões públicas.
Para participação disponibilizaremos link aos contatos que já participaram em reuniões anteriores. Para os que ainda não tiveram oportunidade de participar das nossas reuniões o link será enviado em resposta aos que nos enviarem e-mail em: brasil@internationalism.org [26]
Após dois anos de conflito na Ucrânia em um cenário de rivalidade, entre a China e Estados Unidos, e com o risco da guerra se espalhar para o Oriente Médio, os temores de um novo conflito mundial estão crescendo. As condições são propícias para esse conflito? Estamos testemunhando a formação de novos blocos imperialistas? O proletariado está pronto para aceitar ser arrastado para um conflito mundial em grande escala?
Para discutir essas questões, a CCI organiza reuniões públicas em várias partes do mundo. Essas reuniões são abertas a todos aqueles que desejam se encontrar e discutir com a CCI. Convidamos calorosamente todos os nossos leitores, contatos e apoiadores a virem debater as questões em jogo e comparar pontos de vista.
Para participação disponibilizaremos um link aos contatos que já participaram em reuniões anteriores. Para os que ainda não tiveram oportunidade de participar das nossas reuniões o link será enviado em resposta aos que nos enviarem e-mail em: brasil@internationalism.org [26]
Em todo o mundo, vemos trabalhadores entrando em luta... e hoje, mais uma vez, referências a maio de 68 estão aparecendo nas manifestações.
Mas, desta vez, temos que IR MAIS ALÉM DO QUE EM 1968!
Todos os companheiros certamente viram nas manifestações na França este slogan que apareceu em várias cidades: "Vocês nos colocaram "64" [Nova idade de aposentadoria], "nós os colocaremos de volta em 68!" [em referência a Maio de 68]. Essa referência a Maio de 68 é um sinal de que há uma reflexão subterrânea na classe sobre as lições das lutas passadas, que mais cedo ou mais tarde resultará em novos avanços para o movimento.
Queremos contribuir para essa reflexão e é o momento oportuno por conta do aniversário desses eventos. De fato, hoje é 13 de maio de 2023, e há apenas 55 anos, em 13 de maio de 1968, manifestações em uma escala sem precedentes ocorreram em toda a França por convocação das principais centrais sindicais. Elas seguiram as manifestações espontâneas que, no sábado, 11 de maio, protestaram energicamente contra a repressão extremamente violenta sofrida pelos estudantes no dia anterior. Essa mobilização forçou a burguesia a recuar. O Primeiro Ministro anunciou que as forças de ordem seriam retiradas do Quartier Latin, que a Sorbonne seria reaberta e que os estudantes presos seriam libertados. As discussões se multiplicaram por toda parte, não apenas sobre a repressão, mas também sobre as condições de trabalho dos operários, a exploração e o futuro da sociedade. As manifestações de 13 de maio em solidariedade aos estudantes foram convocadas por sindicatos que, inicialmente, estavam ultrapassados e que buscavam recuperar o controle do movimento.
Essas manifestações representaram um ponto de virada, não apenas por sua escala, mas, acima de tudo, porque anunciaram a entrada da classe trabalhadora em cena. No dia seguinte, os trabalhadores da Sud-Aviation em Nantes lançaram uma greve espontânea. Eles foram seguidos por um movimento de massa que atingiu 9 milhões de grevistas em 27 de maio. Foi a maior greve da história do movimento internacional de trabalhadores. Em todos os lugares, as pessoas estavam exigindo, indignadas, politizando-se, discutindo nas manifestações, assembleias gerais e comitês de ação que surgiram como cogumelos.
Mesmo que o movimento tenha ido mais longe na França, ele fez parte de uma série de lutas internacionais que afetaram muitos países do mundo. Essas lutas internacionais foram o sinal de uma mudança fundamental na vida da sociedade, marcaram uma ruptura com o período anterior: foi o fim da terrível contrarrevolução que se abateu sobre a classe trabalhadora após o fracasso da onda revolucionária mundial iniciada pelo sucesso da revolução de 1917 na Rússia.
Mesmo que não na mesma medida, essa ruptura com o período anterior está acontecendo novamente hoje. Em todo o mundo, os trabalhadores estão lutando contra condições de vida e de trabalho insuportáveis, especialmente contra a inflação, que está reduzindo os salários a um nível insignificante. Placas e faixas dizem: "Basta", no Reino Unido; "Nem um ano a mais, nem um euro a menos", na França; "A indignação vem de longe", na Espanha; "Por todos nós", na Alemanha.
Na Dinamarca, em Portugal, na Holanda, nos Estados Unidos, no Canadá, no México, na China e, agora, na Suécia, onde uma greve selvagem está ocorrendo entre os motoristas de trens urbanos em Estocolmo; em muitos países, as mesmas greves estão ocorrendo contra a mesma exploração, como os trabalhadores ingleses resumem muito bem: "A verdadeira dificuldade: [é] não poder aquecer, comer, cuidar de si, se locomover!". A ruptura que estamos testemunhando hoje é a retomada de uma dinâmica de lutas internacionais após décadas de declínio na combatividade e na consciência da classe trabalhadora. De fato, o colapso do stalinismo em 1989-91 foi a ocasião para vastas campanhas ideológicas sobre a impossibilidade de uma alternativa ao capitalismo, sobre a eternidade da democracia burguesa como o único regime político viável. Essas campanhas tiveram um impacto muito forte em uma classe trabalhadora que não havia conseguido levar adiante a politização de suas lutas.
Nas manifestações na França, começamos a ler em alguns cartazes a recusa da guerra na Ucrânia, a recusa de apertar os cintos em nome dessa economia de guerra: "Nenhum dinheiro para a guerra, nenhum dinheiro para armas, dinheiro para salários, dinheiro para pensões".
Mesmo que isso nem sempre esteja claro na cabeça dos manifestantes, somente a luta do proletariado em seu terreno de classe pode ser uma fortaleza contra a guerra, contra essa dinâmica autodestrutiva, uma defesa diante da morte que o capitalismo promete a toda a humanidade. Pois, deixado à sua própria lógica, esse sistema decadente arrastará partes cada vez maiores da humanidade para a guerra e a miséria, destruirá o planeta com gases de efeito estufa, florestas destruídas e bombas.
Como diz a primeira parte do título de nosso 3º manifesto: "O capitalismo leva à destruição da humanidade..." A classe que governa a sociedade mundial, a burguesia, está parcialmente ciente dessa realidade, desse futuro bárbaro que seu sistema moribundo nos promete. Basta ler os estudos e trabalhos de seus próprios especialistas para constatar isso. Em particular, o "Relatório de Risco Global" apresentado no Fórum Econômico Mundial em Davos em janeiro de 2023, que citamos extensivamente em nosso último folheto.
Diante dessa perspectiva avassaladora, a burguesia só pode ser impotente. Ela e seu sistema não são a solução, são a causa do problema. Se na grande mídia, a burguesia tenta nos fazer acreditar que está fazendo todo o possível para lutar contra o aquecimento global, que um capitalismo "verde" e "sustentável" é possível, ela sabe muito bem que isso é mentira.
Na realidade, o problema não se limita à questão climática. Ele expressa a contradição fundamental de um sistema econômico baseado NÃO na satisfação das necessidades humanas, mas no lucro e na competição, na predação dos recursos naturais e na exploração feroz da classe que produz a maior parte da riqueza social: o proletariado, os trabalhadores assalariados de todos os países. Assim, o capitalismo e a burguesia constituem um dos dois polos da sociedade, aquele que leva a humanidade à miséria e à guerra, à barbárie e à destruição. O outro polo é o proletariado e sua luta para resistir ao capitalismo e derrubá-lo.
Esses reflexos de solidariedade ativa, essa combatividade coletiva que vemos hoje, são as testemunhas da natureza profunda da luta dos trabalhadores destinada a assumir uma luta por um mundo radicalmente diferente, um mundo sem exploração ou classes sociais, sem competição, sem fronteiras ou nações. "Ou lutamos juntos, ou acabaremos dormindo na rua", confirmaram os manifestantes na França. A faixa "Por todos nós", sob a qual foi realizada a greve contra a pauperização na Alemanha em 27 de março, é particularmente significativa desse sentimento geral que está crescendo na classe trabalhadora: "estamos todos no mesmo barco" e estamos todos lutando uns pelos outros. As greves na Alemanha, no Reino Unido e na França são inspiradas umas nas outras. Por exemplo, na França, os trabalhadores do Mobilier National, antes do cancelamento da visita de Carlos III, entraram em greve explicitamente em solidariedade a seus irmãos de classe na Inglaterra: "Somos solidários aos trabalhadores ingleses, que estão em greve há semanas por salários mais altos". Esse reflexo da solidariedade internacional, mesmo que ainda esteja em sua infância, é exatamente o oposto do mundo capitalista dividido em nações concorrentes, até a guerra. Ele lembra o grito de guerra de nossa classe desde 1848: "Os proletários não têm pátria! Proletários de todos os países, uni-vos!"
Mas todos nós sentimos as dificuldades e os limites atuais dessas lutas. Diante do rolo compressor da crise econômica, da inflação e dos ataques do governo que eles chamam de "reformas", os trabalhadores ainda não conseguiram estabelecer um equilíbrio de poder a seu favor. Muitas vezes isolados pelos sindicatos em greves separadas, eles se sentem frustrados por reduzirem as manifestações a marchas, sem reuniões, discussões ou organização coletiva, muitas vezes todos eles aspiram a um movimento mais amplo, mais forte, mais unido e solidário. Nos cortejos na França, o apelo por um novo maio de 68 é ouvido regularmente.
De fato, precisamos retomar os métodos de luta que vimos sendo defendidos durante todo o período que começou em 1968. Um dos melhores exemplos é a Polônia em 1980. Diante do aumento dos preços dos alimentos, os grevistas levaram essa onda internacional ainda mais longe, tomando suas lutas nas mãos, reunindo-se em grandes assembleias gerais, centralizando os diferentes comitês de greve graças ao MKS, o comitê interempresarial. Assim, em todas essas assembleias, os próprios trabalhadores decidiram sobre as demandas e as ações a serem realizadas e, acima de tudo, tiveram a preocupação constante de ampliar a luta. Diante dessa força, sabemos que não foi apenas a burguesia polonesa que tremeu, mas a burguesia de todos os países.
Em duas décadas, de 1968 a 1989, toda uma geração de trabalhadores adquiriu experiência na luta. Suas muitas derrotas, e às vezes vitórias, permitiram que essa geração enfrentasse as muitas armadilhas preparadas pela burguesia para sabotar, dividir e desmoralizar. Suas lutas devem nos permitir extrair lições vitais para nossas lutas atuais e futuras: somente a reunião em assembleias gerais abertas e maciças, autônomas, que realmente decidam sobre a condução do movimento, contestando e neutralizando o controle sindical o mais rápido possível, pode constituir a base de uma luta unida e disseminada, sustentada pela solidariedade entre todos os setores.
Quando o último folheto foi distribuído, um manifestante concordou conosco sobre os métodos de luta que precisavam ser adotados, mas estava cético em relação ao título. "Ir mais longe do que em 68? Se fizéssemos o que fizemos em 68, não seria ruim", disse ele. Temos que ir mais longe do que em 68 porque os riscos não são mais os mesmos. A onda de luta internacional que começou em maio de 68 foi uma reação aos primeiros sinais da crise e ao reaparecimento do desemprego em massa. Hoje, a situação é muito mais grave. O estado catastrófico do capitalismo coloca em jogo a própria sobrevivência da humanidade. Se a classe trabalhadora não conseguir derrubá-lo, a barbárie se generalizará gradualmente.
O ímpeto de maio de 68 foi abalado por uma dupla mentira da burguesia: quando os regimes stalinistas entraram em colapso em 1989-91, eles alegaram que o colapso do stalinismo significava a morte do comunismo e que uma nova era de paz e prosperidade estava se abrindo. Três décadas depois, sabemos por experiência própria que, em vez de paz e prosperidade, tivemos guerra e miséria, que o stalinismo é a antítese do comunismo (como a URSS de ontem e a China, Cuba, Venezuela ou Coreia do Norte de hoje!). Ao falsificar a história, a burguesia conseguiu fazer com que a classe trabalhadora acreditasse que seu projeto revolucionário de emancipação só poderia levar à ruína. Até que a própria palavra "revolução" se tornou suspeita e vergonhosa. Mas na luta, os trabalhadores podem desenvolver gradualmente sua própria força coletiva, autoconfiança, solidariedade, unidade e auto-organização. A luta gradualmente permite que a classe trabalhadora perceba que é capaz de oferecer outra perspectiva que não a morte prometida por um sistema capitalista decadente: a revolução comunista. A perspectiva da revolução proletária voltará à tona na mente e nas lutas que virão. Desta vez, a ideia de revolução de maio de 68 está sendo transformada em uma aposta para a humanidade. Diante do espetáculo do capitalismo decadente onde reina a "falta de futuro", proclamamos: "O futuro pertence à luta de classes!
Para concluir, parece-nos que a situação atual levanta um certo número de questões que tentamos ilustrar nesta apresentação:
- Será que as atuais lutas dos trabalhadores em escala internacional representam uma ruptura com o período anterior, uma retomada da luta de classes que agora vai se desenvolver?
- O mundo capitalista de hoje é marcado por fenômenos de decomposição social que podem levar à destruição da humanidade?
- Quais são os principais pontos fracos do movimento atual?
Corrente Comunista Internacional (13 de Maio 2023)
Na primavera passada, a CCI realizou seu 25º Congresso internacional. Uma verdadeira reunião geral, o Congresso é um momento privilegiado na vida de nossa organização; é a expressão máxima da natureza centralizada e internacional da CCI. O Congresso permite que toda a nossa organização, como um todo, debata, esclareça e tome decisões. É o nosso órgão soberano. Como tal, suas tarefas são:
a) Elaborar análises e diretrizes gerais para a organização, especialmente com relação à situação internacional;
b) Examinar e revisar as atividades da organização desde o congresso anterior;
c) Definir suas perspectivas de trabalho para o futuro.
As organizações revolucionárias não existem por si mesmas. Elas são, ao mesmo tempo, a expressão da luta histórica do proletariado e a parte mais determinada dessa mesma luta. É a classe trabalhadora que confia suas organizações aos revolucionários, para que eles possam desempenhar seu papel: ser um fator ativo no desenvolvimento da consciência proletária e na luta pela revolução.
Cabe aos revolucionários prestarem contas de seu trabalho à classe. Ao publicar uma grande parte dos documentos adotados em nosso último Congresso, essa é a missão que esta edição da International Review se propôs a cumprir.
A primeira tarefa desse congresso foi realizar um balanço da gravidade da situação histórica.
Como indica o relatório sobre a Luta de Classes, com a Covid-19, o conflito na Ucrânia e o crescimento da economia de guerra em todos os lugares, a crise econômica e sua inflação devastadora, com o aquecimento global e a devastação da natureza, com a ascensão do cada um por si, da irracionalidade e do obscurantismo, e a decomposição de todo o tecido social, a década de 2020 não se trata apenas de somar os flagelos mortais; Todos esses flagelos convergem, combinam e se alimentam uns dos outros em uma espécie de "efeito redemoinho". A dinâmica catastrófica do capitalismo global significa muito mais do que uma piora da situação internacional. A própria sobrevivência da humanidade está em jogo.
O congresso internacional 25e adotou como seu primeiro relatório uma "Atualização das teses sobre decomposição".
Em maio de 1990, a CCI adotou as teses intituladas "Decomposição, a fase final da decadência capitalista", que apresentavam nossa análise geral da situação mundial na época e após o colapso do bloco imperialista oriental no final de 1989. A ideia central dessas teses era que a decadência do modo de produção capitalista, iniciada durante a Primeira Guerra Mundial, havia entrado em uma nova fase de sua evolução, dominada pela decomposição geral da sociedade. 27 anos depois, durante seu 22º Congresso em 2017, nossa organização achou necessário atualizar essas teses pela primeira vez, adotando um texto intitulado "Relatório sobre a decomposição hoje (maio de 2017)". Esse texto destacava o fato de que não apenas a análise adotada em 1990 foi amplamente verificada pela evolução da situação, mas também que certos aspectos ganharam nova importância: a explosão do fluxo de refugiados fugindo de guerras, fome e perseguição, o aumento do populismo xenófobo, com um impacto crescente na vida política da classe dominante...
Hoje, apenas 6 anos depois, a CCI decidiu que é necessário atualizar os textos de 1990 e 2017. Por que tão rapidamente? Porque estamos testemunhando um aumento espetacular nas manifestações do colapso geral da sociedade capitalista.
Diante da evidência dos fatos, a própria burguesia é obrigada a reconhecer esse mergulho vertiginoso do capitalismo no caos e na decadência. Nosso relatório cita extensivamente textos destinados aos líderes políticos e econômicos do mundo, como o Relatório de Riscos Globais (GRR), que se baseia nas análises de uma infinidade de "especialistas" e apresentado todos os anos no Fórum Econômico Mundial (WEF) em Davos. A CCI retoma aqui um método usado pelo movimento dos trabalhadores, que consiste em confiar no trabalho de especialistas burgueses para destacar as estatísticas e os fatos que revelam a realidade do mundo capitalista. O mesmo método pode ser encontrado nos clássicos marxistas, como A Classe Trabalhadora na Inglaterra, de Engels, e O Capital, de Marx. No GRR, lemos: "Os primeiros anos desta década anunciaram um período particularmente conturbado na história da humanidade....COVID-19... guerra na Ucrânia... crises de alimentos e energia... inflação... confrontos geopolíticos e o espectro da guerra nuclear... níveis insustentáveis de dívida... declínio do desenvolvimento humano... tudo converge para moldar uma década única, incerta e conturbada."
Os especialistas burgueses estão identificando aqui uma dinâmica que eles fundamentalmente não conseguem entender. Sim, de fato, "todos esses elementos estão convergindo para moldar uma década única, incerta e conturbada". Mas eles só podem parar por aí. De fato, eles descrevem essa dinâmica como uma "policrise", como se fosse uma questão de somar diferentes crises. Na realidade, e somente nossa teoria da decomposição nos permite entender isso, por trás dessa explosão dos piores flagelos do capitalismo há uma única e mesma dinâmica: a decadência desse sistema decadente. O modo de produção capitalista não tem mais perspectivas a oferecer e, dada a incapacidade do proletariado até o momento de desenvolver seu projeto revolucionário, é toda a humanidade que está mergulhando no não futuro e em suas consequências: irracionalidade, retraimento, atomização... É nessa ausência de perspectivas que reside a raiz mais profunda da putrefação da sociedade, em todos os níveis.
Mesmo no campo proletário, há uma tendência de apresentar uma causa específica e isolada diante de cada uma das manifestações catastróficas da história atual; de não ver a coerência de todo o processo em andamento. Há, então, um grande perigo de:
Precisamos nos deter um pouco sobre esse risco de subestimar o perigo da situação histórica de decomposição. À primeira vista, quando se grita sobre a eclosão da Terceira Guerra Mundial, dizemos a nós mesmos que estamos planejando o pior. Na realidade, e a guerra na Ucrânia confirma isso mais uma vez, o processo real que poderia levar à barbárie generalizada, ou mesmo à destruição da humanidade, é uma combinação de fatores: a guerra que está se espalhando por meio de uma multiplicação de conflitos (no Oriente Médio, nos Bálcãs, na Europa Oriental etc.) cada vez mais imprevisíveis. Esse processo de decadência é ainda mais perigoso pelo fato de ser tão elusivo e insidioso, infiltrando-se gradualmente em todos os poros da sociedade.
E entre os vários fatores que alimentam o mergulho na decomposição, a guerra (e o desenvolvimento generalizado do militarismo) é o principal deles, como um ato deliberado da classe dominante.
É por isso que a situação imperialista foi o segundo relatório debatido em nosso congresso: "A fase de decomposição acentua em particular um dos aspectos mais perniciosos da guerra em decadência: sua irracionalidade. Os efeitos do militarismo estão se tornando cada vez mais imprevisíveis e desastrosos. Nossos materialistas vulgares não compreendem esse aspecto e argumentam que as guerras são sempre motivadas economicamente e, portanto, racionais. Eles não conseguem ver que as guerras de hoje não são fundamentalmente motivadas por razões econômicas, mas geoestratégicas, e que essas guerras não atingem mais seus objetivos originais, mas levam ao resultado oposto. (...) A guerra na Ucrânia é uma confirmação exemplar disso: quaisquer que sejam os objetivos geoestratégicos do imperialismo russo ou americano, o resultado será um país em ruínas (Ucrânia), um país arruinado econômica e militarmente (Rússia), uma situação imperialista ainda mais tensa e caótica da Europa à Ásia Central e, finalmente, milhões de refugiados na Europa".
Dentro da organização, alguns companheiros discordam veementemente dessa análise da atual dinâmica imperialista. Para eles, a guerra na Ucrânia não é apenas o resultado de uma tendência à bipolarização do mundo. Ao redor da China, de um lado, e dos Estados Unidos, de outro, dois campos cada vez mais definidos estão tomando forma, dois campos que, com o tempo, poderiam formar blocos e se enfrentar em uma terceira guerra mundial.
O congresso foi outra oportunidade para responder: "As consequências do conflito na Ucrânia não estão, de forma alguma, levando a uma 'racionalização' das tensões por meio de um alinhamento 'bipolar' dos imperialismos por trás de dois 'padrinhos' dominantes, mas, ao contrário, à explosão de uma multiplicidade de ambições imperialistas, que não se limitam às dos principais imperialismos, nem à Europa Oriental e à Ásia Central, o que acentua o caráter caótico e irracional dos confrontos".
Para estar à altura de suas responsabilidades e identificar todos os perigos que pairam sobre a humanidade, e especialmente sobre a classe trabalhadora, os revolucionários devem compreender a coerência de toda a situação e sua real gravidade. Nosso relatório mostra que somente o método marxista e seu materialismo permitem essa compreensão, um materialismo que não é vulgar, um materialismo dialético e histórico capaz de abarcar todos os fatores em sua relação e em seu movimento, um materialismo que integra a força do pensamento em sua relação e sua influência em todo o mundo material, porque o pensamento é uma das forças motrizes da história. Nosso relatório destaca quatro pontos centrais que pertencem a esse método:
Aplicado à situação histórica aberta em 1989/90, ele se traduz da seguinte forma: as manifestações de decomposição podem ter existido na decadência do capitalismo, mas hoje o acúmulo dessas manifestações é prova de uma ruptura transformadora na vida da sociedade, assinalando a entrada em uma nova época de decadência capitalista em que a decomposição se torna o elemento decisivo.
Esse é um dos principais fenômenos da situação atual. As diversas manifestações de decomposição, que a princípio pareceriam independentes, mas cuja acumulação já indicava que havíamos entrado em uma nova época de decadência capitalista, agora estão reverberando cada vez mais umas sobre as outras em uma espécie de "reação em cadeia cada vez mais forte", um "turbilhão" que está dando à história a aceleração que testemunhamos. Esses efeitos cumulativos agora vão muito além de sua simples adição.
Nessa abordagem histórica, o objetivo é levar em conta que as realidades que estamos examinando não são estáticas, coisas intangíveis que existem desde tempos imemoriais, mas correspondem a processos em constante evolução com elementos de continuidade, mas também, e acima de tudo, de transformação e até mesmo de ruptura.
4. A importância do futuro na vida das sociedades humanas
A dialética marxista atribui ao futuro um lugar fundamental na evolução e no movimento da sociedade. Dos três momentos de um processo histórico - passado, presente e futuro - é o futuro que constitui o fator fundamental de sua dinâmica. E é precisamente porque a sociedade atual está privada desse elemento fundamental, o futuro, a perspectiva (sentida por um número cada vez maior de pessoas, especialmente os jovens), uma perspectiva que somente o proletariado pode oferecer, que ela está se afundando no desespero e apodrecendo sobre seus pés.
É esse método que permite que nossa resolução sobre a situação internacional eleve nossa análise do abstrato para o concreto: "...estamos testemunhando hoje esse "efeito turbilhão" em que todas as diferentes expressões de uma sociedade em decomposição interagem entre si e aceleram a descida à barbárie. Assim, a crise econômica foi manifestamente agravada pela pandemia e pelos lock-downs, pela guerra na Ucrânia e pelo custo crescente dos desastres ecológicos; enquanto isso, a guerra na Ucrânia terá sérias implicações no nível ecológico e em todo o mundo; a competição por recursos naturais cada vez menores exacerbará ainda mais as rivalidades militares e as revoltas sociais."
Do outro lado desse polo de destruição está o polo da perspectiva revolucionária do proletariado.
Os últimos meses mostraram que o proletariado não só não está derrotado, como também está começando a colocar a cabeça no lugar, para encontrar o caminho de volta à luta. Já no verão de 2022, a CCI reconheceu nas greves do Reino Unido uma mudança na situação da classe trabalhadora. Em nosso panfleto internacional publicado em 31 de agosto, "A burguesia impõe novos sacrifícios, a classe trabalhadora responde com luta", escrevemos: "Basta". Esse é o grito que se espalhou de eco em eco, de greve em greve, nas últimas semanas no Reino Unido. Esse movimento maciço, apelidado de "Summer of Rage" (...), envolve trabalhadores de mais e mais setores todos os dias (...). É preciso voltar às grandes greves de 1979 para encontrar um movimento maior e mais massivo. Um movimento dessa escala em um país tão importante como o Reino Unido não é um evento "local". É um evento internacional, uma mensagem para os explorados de todos os países. (...) o retorno das greves em massa no Reino Unido marca o retorno da combatividade do proletariado mundial".
Teoricamente armada para entender as greves e manifestações que surgiram em muitos países, a CCI pôde intervir, na medida de suas forças, distribuindo oito folhetos diferentes, a fim de acompanhar a evolução do movimento e o pensamento da classe trabalhadora. O que todos esses folhetos têm em comum é o fato de enfatizarem:
- O retorno do espírito de luta dos trabalhadores;
- A dimensão histórica e internacional da dinâmica;
- O sentimento crescente entre os trabalhadores de que estão todos "no mesmo barco", um terreno fértil para uma reconquista da identidade de classe;
- A necessidade de tomar a luta em nossas próprias mãos e, para isso, reapropriar-se das lições de lutas passadas.
Aqui também, assim como na guerra na Ucrânia, há discordância e debate na organização. Os mesmos camaradas que acreditam ver na guerra na Ucrânia um passo em direção à constituição de blocos e à terceira guerra mundial, apresentam a ideia de que as atuais lutas e a combatividade dos trabalhadores não constituem uma ruptura de uma dinâmica negativa desde a década de 1980, com uma longa série de derrotas que não são definitivas, mas que levaram a uma fraqueza particularmente grave, especialmente no nível de consciência. Nessa visão, "em um mundo capitalista que, mais do que nunca desde 1989, está se movendo caótica e 'naturalmente' em direção à guerra, a resposta do proletariado em nível político permanece muito abaixo do que a situação exige dele" (uma das emendas dos camaradas, rejeitada pelo Congresso, à resolução sobre a situação internacional). Para eles, a situação atual, embora não seja idêntica (veja o curso de história), lembrava a década de 1930, com um proletariado combativo em muitos países centrais, mas ainda incapaz de evitar a guerra. "No momento, o desenvolvimento necessário de assembleias de massa e de uma cultura genuína de debate ainda não ocorreu. Tampouco houve o surgimento de uma nova geração de militantes proletários politizados". (ibid.) Outro argumento foi apresentado para explicar a escala dos movimentos sociais e a proliferação de greves em muitos países: a escassez de mão de obra em muitos setores e a necessidade de manter a economia de guerra funcionando em plena capacidade tornaram a situação favorável para a classe trabalhadora exigir salários mais altos. Para o Congresso, a realidade que se descortina diante de nossos olhos, ou seja, a atual onda de empobrecimento, com os preços disparando enquanto os salários estagnam e os ataques do governo chovem, desmente essa teoria.
Para os companheiros, os 150.000 folhetos distribuídos pela CCI nos vários movimentos sociais nos últimos meses não correspondem às necessidades da situação. De acordo com sua análise de um proletariado quase derrotado e de uma dinâmica em direção à constituição de dois blocos e à guerra mundial, a primeira tarefa dos revolucionários não é a intervenção, mas o envolvimento no aprofundamento teórico.
Pelo contrário, o Congresso fez um balanço muito positivo da intervenção internacional da organização nas lutas. A CCI sabia que não influenciaria a classe e o movimento como um todo; as organizações revolucionárias não podem ter esse impacto no atual período histórico; esse papel de orientar as massas só é possível quando a classe tiver desenvolvido sua consciência e sua luta histórica em um nível muito mais elevado. Essa intervenção foi dirigida a uma parte da classe trabalhadora, a minoria que hoje está em busca de posições de classe. O número significativo de discussões que a distribuição desses folhetos nas manifestações provocou, as cartas recebidas, os recém-chegados às nossas várias reuniões públicas demonstram que nossa intervenção cumpriu seu papel: estimular a reflexão de algumas minorias, provocar o debate e incentivar o reagrupamento das forças revolucionárias.
Por trás do reconhecimento imediato do significado histórico do retorno da luta de classes no Reino Unido e de suas implicações para a nossa intervenção na luta, está o mesmo método que nos permitiu compreender a novidade na atual aceleração da decomposição, com seu "efeito turbilhão": a transformação da quantidade em qualidade, a abordagem histórica..., mas uma das facetas desse método é de particular importância aqui: a abordagem do evento por meio de sua dimensão internacional.
Foi essa consciência da dimensão necessariamente internacional da luta de classes que, em 1968, permitiu que aqueles que fundariam a CCI compreendessem imediatamente o significado real e profundo dos eventos de maio. Enquanto todo o meio político proletário da época via isso como nada mais do que uma revolta estudantil e afirmava que não havia "nada de novo sob o sol", nosso camarada Marc Chirik e os militantes que estavam começando a se unir viram que esse movimento anunciava o fim da contrarrevolução e a abertura de um novo período de luta de classes em escala internacional.
É por isso que o ponto 8 da resolução internacional que adotamos, expressamente intitulada "|A ruptura com 30 anos de recuo e desorientação ", declara : "O renascimento da combatividade dos trabalhadores em vários países é um evento histórico importante que não é resultado apenas de circunstâncias locais e não pode ser explicado por condições puramente nacionais.(...) O fato de as lutas atuais terem sido iniciadas por uma fração do proletariado que mais sofreu com o recuo geral da luta de classes desde o final da década de 1980 é profundamente significativo: assim como a derrota na Grã-Bretanha em 1985 anunciou o recuo geral do final da década de 1980, o retorno das greves e da combatividade dos trabalhadores na Grã-Bretanha revela a existência de uma corrente profunda no proletariado de todo o mundo."
Na verdade, estávamos nos preparando para essa possibilidade desde o início de 2022! Em janeiro, publicamos um folheto internacional que anunciava "Rumo a uma deterioração brutal das condições de vida e de trabalho". A partir dos sinais de que a luta estava começando a se desenvolver, anunciamos a possibilidade de uma resposta da nossa classe. O retorno da inflação foi um terreno fértil para a combatividade dos trabalhadores.
Um mês depois, a eclosão da guerra na Ucrânia exacerbou consideravelmente os efeitos da crise econômica, fazendo com que os preços da energia e dos alimentos disparassem.
Consciente das profundas dificuldades de nossa classe, mas também conhecendo a história das lutas, a CCI sabia que não haveria uma reação direta na escala de nossa classe diante da barbárie da guerra, mas que havia, por outro lado, a possibilidade de uma reação aos efeitos da guerra "na retaguarda", na Europa e nos Estados Unidos[1] : greves diante dos sacrifícios exigidos em nome da economia de guerra. E foi exatamente isso que aconteceu.
Com base nesses fundamentos teóricos e históricos, a CCI não se iludiu com a possibilidade de uma reação de classe à guerra, não acreditou que comitês internacionalistas floresceriam em todos os lugares e muito menos procurou criá-los artificialmente. Nossa resposta foi, acima de tudo, tentar defender com a maior firmeza possível a tradição internacionalista da esquerda comunista, convocando todas as forças do meio político proletário a se unirem em torno de uma declaração comum. Embora grande parte do meio tenha ignorado ou até mesmo rejeitado[2] nosso apelo, três grupos (Internationalist Voice, Istituo Onorato Damen e Internationalist Communist Perspective) responderam para manter vivo o método de luta e reagrupamento de forças internacionais iniciado pelas conferências de Zimmerwald e Kienthal em setembro de 1915 e abril de 1916 em face da Primeira Guerra Mundial[3] .
Os vilarejos de Zimmerwald e Kienthal, na Suíça, ficaram famosos como os locais onde os socialistas de ambos os lados se reuniram durante a Primeira Guerra Mundial para iniciar uma luta internacional para pôr fim a carnificina e denunciar os líderes patrióticos dos partidos socialdemocratas. Foi nessas reuniões que os bolcheviques, apoiados pela Esquerda de Bremen e pela Esquerda Holandesa, apresentaram os princípios essenciais do internacionalismo contra a guerra imperialista, válidos até hoje: nenhum apoio a qualquer dos campos imperialistas, rejeição de todas as ilusões pacifistas e o reconhecimento de que somente a classe trabalhadora e sua luta revolucionária podem pôr fim ao sistema que se baseia na exploração da força de trabalho e que produz permanentemente a guerra imperialista. Hoje, diante da aceleração do conflito imperialista na Europa, é dever das organizações políticas baseadas na herança da Esquerda Comunista continuar a erguer a bandeira do internacionalismo proletário coerente e servir de ponto de referência para aqueles que defendem os princípios da classe trabalhadora. Essa, pelo menos, é a escolha das organizações e grupos da Esquerda Comunista que decidiram publicar esta declaração conjunta para divulgar o mais amplamente possível os princípios internacionalistas forjados contra a barbárie da guerra mundial.
Essa forma de unir forças revolucionárias em torno dos princípios fundamentais da esquerda comunista é uma lição histórica para o futuro. Zimmerwald ontem, a declaração conjunta hoje são pequenas pedras brancas que apontarão o caminho para o amanhã.
Os debates preparatórios e o próprio Congresso enfocaram a questão essencial da construção da organização. Embora essa seja claramente a dimensão central das atividades da CCI, essa preocupação com o futuro vai muito além de somente nossa organização.
"Diante do crescente confronto entre os dois polos da alternativa - a destruição da humanidade ou a revolução comunista - as organizações revolucionárias da esquerda comunista, e a CCI em particular, têm um papel insubstituível a desempenhar no desenvolvimento da consciência de classe, e devem dedicar suas energias ao trabalho permanente de aprofundamento teórico, a propor uma análise clara da situação mundial, e a intervir nas lutas de nossa classe para defender a necessidade de autonomia, auto-organização e unificação da classe e do desenvolvimento da perspectiva revolucionária. Esse trabalho só pode ser feito com base em uma paciente construção organizacional, lançando as bases para o partido mundial do amanhã. Todas essas tarefas exigem uma luta militante contra todas as influências da ideologia burguesa e pequeno-burguesa no meio da esquerda comunista e na própria CCI. Na atual conjuntura, os grupos da esquerda comunista estão enfrentando o perigo de uma crise real: com poucas exceções, eles não conseguiram se unir em defesa do internacionalismo diante da guerra imperialista na Ucrânia e estão cada vez mais abertos à penetração do oportunismo e do parasitismo. A adesão rigorosa ao método marxista e aos princípios proletários é a única resposta a esses perigos." (ponto 9 da resolução sobre a situação internacional).
Para que a revolução seja possível a longo prazo, o proletariado deve ter em suas mãos a arma do Partido. É essa construção futura do Partido que se deve preparar hoje. Em outras palavras, uma minoria de revolucionários organizados carrega sobre seus ombros a responsabilidade de manter vivas as organizações atuais, de manter vivos os princípios históricos do movimento dos trabalhadores e, particularmente, da Esquerda Comunista, e de transmitir esses princípios e posições à nova geração que gradualmente se juntará ao campo revolucionário.
Qualquer espírito de competição, qualquer oportunismo, qualquer concessão à ideologia burguesa e ao parasitismo no meio político proletário são todas punhaladas nas costas da revolução. No contexto muito difícil da aceleração da decomposição, que desorienta, que incentiva o "cada um por si", que mina a confiança na capacidade da classe e de suas minorias de se organizarem e se unirem, é responsabilidade dos revolucionários não cederem e continuarem a erguer bem alto a bandeira dos princípios da Esquerda Comunista.
As organizações revolucionárias enfrentam um imenso desafio: conseguir transmitir a experiência acumulada pela geração que emergiu da onda de maio de 68.
Desde o final da década de 1960, por quase sessenta anos, o capitalismo mundial decadente vem afundando lentamente em uma crise econômica sem fim e em uma barbárie crescente. De 1968 a meados da década de 1980, o proletariado travou uma série de lutas e acumulou muita experiência, principalmente em seu confronto com os sindicatos, mas a luta de classes entrou em declínio acentuado a partir de 1985/1986 e quase se extinguiu até os dias atuais. Nesse contexto muito difícil, pouquíssimas forças militantes se juntaram às organizações revolucionárias. Uma geração inteira foi perdida para a falsa propaganda da "morte do comunismo" em 1989/1990. Desde então, com o desenvolvimento da decomposição, que ataca sorrateiramente a convicção militante ao favorecer a ausência de futuro, o individualismo, a perda de confiança no coletivo organizado e na luta histórica da classe trabalhadora, muitas forças militantes aos poucos abandonaram a luta e desapareceram.
Então sim, hoje o futuro da humanidade repousa sobre um número muito pequeno de ombros, espalhados pelo mundo. Sim, o estado desastroso do meio político proletário, gangrenado pelo espírito de competição e oportunismo, torna as chances de sucesso da revolução ainda menores. E sim, o papel das organizações revolucionárias em geral, e da CCI em particular, é ainda mais vital. Transmitir às novas gerações de militantes revolucionários que estão apenas começando a chegar as lições de nossa história e das organizações repletas do espírito revolucionário das gerações militantes do passado é a chave para o futuro.
CCI, 11 de junho de 2023
[1]Nosso relatório sobre a luta de classes e o debate no congresso mais uma vez nos recordaram do papel crucial do proletariado dos países ocidentais que, por meio de sua história e experiência, terá a responsabilidade de mostrar ao proletariado mundial o caminho para a revolução. Nosso relatório também relembra amplamente nossa posição sobre "a crítica do elo fraco". Foi também essa abordagem que nos permitiu estar cientes da heterogeneidade do proletariado em diferentes partes do planeta, da imensa fraqueza do proletariado nos países do Leste Europeu e antecipar a possibilidade de conflito nos Bálcãs. Assim, já nesta primavera, nosso relatório tirou lições da guerra na Ucrânia e previu que: "A incapacidade da classe trabalhadora desse país de se opor à guerra e ao seu recrutamento, uma incapacidade que abriu a possibilidade dessa carnificina imperialista, indica até que ponto a barbárie capitalista e a podridão estão ganhando terreno em partes cada vez maiores do globo. Depois da África, do Oriente Médio e da Ásia Central, parte da Europa Central está agora ameaçada pelo risco de mergulhar no caos imperialista; A Ucrânia mostrou que em alguns países satélites da antiga URSS, na Bielorrússia, na Moldávia e na antiga Iugoslávia, o proletariado foi enfraquecido por décadas de exploração implacável pelo stalinismo em nome do comunismo, pelo peso das ilusões democráticas e pelo nacionalismo, de modo que a guerra pode se intensificar. Em Kosovo, Sérvia e Montenegro, as tensões estão de fato aumentando.
[2] Como resultado, a TCI optou por se comprometer com a aventura "Não há guerra, mas sim a guerra de classes". Leia nosso artigo "Um comitê que arrasta os participantes para o impasse [27]".
[3] O texto pode ser encontrado aqui: "Declaração conjunta de grupos da Esquerda Comunista Internacional sobre a guerra na Ucrânia [28]".
O dia 11 de setembro marcou o 50º aniversário do golpe de Estado comandado por Pinochet para derrubar o governo de Salvador Allende. A burguesia aproveitou esse fato para reforçar sua campanha contínua de promoção da democracia, buscando, com seus discursos e eventos comemorativos, apertar o laço com o qual pretende amarrar os trabalhadores (do Chile e do mundo) à ideia de que o único caminho político que eles possuem como povo explorado é defender um Estado democrático contra as ditaduras. Precisamente no ato principal do governo chileno, no discurso do atual presidente, Gabriel Boric, há uma frase que resume a lição que a burguesia tira da existência da ditadura militar e que lhe permite moldar sua campanha: "nunca mais a violência deve substituir o debate democrático em nossa convivência". Portanto, em continuidade a esse argumento, proclama "Chile e o mundo: Democracia, hoje e sempre".
Não é de se estranhar que os discursos de outras figuras representativas de instituições da burguesia, proferidos em outros espaços, repitam o mesmo argumento, procurando fazer com que os explorados do mundo aumentem sua esperança na democracia, que apresentam como a face oposta das ações sanguinárias dos regimes ditatoriais e, portanto, como uma alternativa, já que permite a expressão de uma "face humana do capitalismo". É nesse sentido que Luis Almagro, Secretário-Geral da OEA, define Salvador Allende como um "mártir em defesa da democracia", enquanto o chefe da ONU, Antonio Guterres, convoca uma celebração do "compromisso do Chile com a democracia". Mas com esses discursos, ao mesmo tempo em que buscam ampliar a mistificação da democracia, buscam ampliar o golpe na consciência do proletariado ao difamar o marxismo.
Sem dúvida, a derrubada do governo de Allende pelos militares deu início a uma escalada repressiva, na qual a tortura, a prisão, o assassinato e um grande ataque às condições de vida dos trabalhadores foram levados ao extremo. É verdade que eles foram excessivamente brutais, mas isso não deve impedir uma análise dos mitos que surgiram em torno do governo de Allende e que a burguesia continua a usar até hoje para espalhar confusão e impedir o avanço da consciência dos trabalhadores. Meio século depois, ainda se fala do "caminho chileno para o socialismo", ocultando o caráter burguês do governo da Unidade Popular (UP) e dando à esquerda e à direita a oportunidade de difamar o marxismo, equiparando-o às práticas desse governo[i].
Antes e depois do golpe militar, os grupos de direita, os relatórios da imprensa, os relatórios da CIA e as declarações dos militares insistiam em descrever Salvador Allende e seu governo como marxistas. O próprio Allende foi o primeiro a alimentar o mito do "socialismo ao estilo chileno", que se baseava na possibilidade de usar estruturas eleitorais para abrir um processo de "transição social". Mas quais eram as bases da política que abriu esse processo: a nacionalização de empresas, o investimento do governo, a dívida, o racionamento do consumo e a intensificação das cadências produtivas... mas, ao contrário do que afirmavam o governo da UP, Fidel Castro e todo o aparato da esquerda burguesa de 50 anos atrás e de hoje, essas medidas não representavam uma transição para o socialismo, pelo contrário, o que representavam era um reforço do capitalismo.
Em 1973, enquanto os stalinistas, maoístas e até mesmo trotskistas intervinham para defender o "apoio" ao governo derrotado de Allende, o World Revolution, um grupo que formaria a seção britânica da CCI, apresentou argumentos reflexivos sobre a natureza burguesa das facções em guerra que levaram ao golpe de Estado no Chile. Eles explicaram que a política da UP, "apoiada por um forte setor estatal, era pura e simplesmente capitalista". Enquanto "Pintar as relações de produção capitalistas com um verniz de nacionalizações sob o 'controle' dos trabalhadores não muda nada; as relações de produção capitalistas permaneceram intactas sob Allende, e foram até mesmo reforçadas ao máximo. Nos locais de produção dos setores público e privado, os trabalhadores tiveram de continuar suando para um patrão, para continuar vendendo sua força de trabalho. O apetite insaciável pela acumulação de capital tinha de ser satisfeito, agravado pelo subdesenvolvimento crônico da economia chilena e por uma imensa dívida externa, especialmente no setor de mineração (cobre), do qual o Estado chileno obtém 83% de sua receita de importação...".[ii]
Mas não é apenas a essência capitalista do regime da Unidad Popular revelada por sua ordem econômica, na qual a propriedade estatal se torna a base para a continuidade da produção de mercadorias e a continuação da exploração do trabalho assalariado... a resposta repressiva também expõe claramente os interesses de quem ela defende. Isso é evidenciado pela resposta violenta do governo à greve dos trabalhadores da mina El Teniente (abril-junho de 1973), que, ignorando o controle sindical, exigiram um aumento salarial[iii].
Isso implica que os porretes e fuzis, quando controlados pelo governo de Allende, estavam ocupados em garantir a defesa do capital, da mesma forma que faziam quando as ordens eram ditadas por Pinochet. O governo da burguesia, nas mãos de seu aparato de esquerda ou de direita, coincide em colocar os trabalhadores como o alvo a ser subjugado. As comemorações do ataque a La Moneda há 50 anos, com seus elogios à democracia, tentam mostrar que a democracia e a ditadura militar são opostos radicais. Contudo, embora possam se distinguir na forma como operam, são semelhantes em sua essência, pois ambas são formas de governo da burguesia contra os trabalhadores.
Há 50 anos, quando se espalhou a notícia do bombardeio de La Moneda, além dos pronunciamentos da diplomacia burguesa que confundiam o que estava acontecendo no Chile, o aparato de esquerda organizou caminhadas de rua para "denunciar" o "imperialismo ianque", também confundindo, mas sobretudo impedindo a reflexão dos explorados. Hoje em dia, usando a mídia convencional e "alternativa", eles continuam esse trabalho de confusão e ataque direto contra os trabalhadores, concentrando seu ataque no marxismo. Enquanto a esquerda mostra a brutalidade do governo de Pinochet e repete os discursos de Allende, destacando seu "heroísmo" e o de personagens como Víctor Jara ou Miguel Enríquez, colaborando assim com a confusão, ao equiparar as práticas burguesas ao marxismo; a direita destaca o "desastre econômico" do governo de Allende, marcado pela inflação crescente, queda na produção, escassez e fome sofrida pela população, com o qual tentam justificar os militares, mas, acima de tudo, destacam-no como resultado do que chamam de "políticas marxistas". Dessa forma, na campanha de confusão e ataque ao marxismo, que está sendo relançada por ocasião do 50º aniversário do golpe militar no Chile, a esquerda e a direita estão se aliviando mutuamente de seus ataques.
"Que a violência nunca mais substitua a democracia" foi o slogan citado por Boric e repetido por milhares de pessoas nos portões de La Moneda na noite de 11 de setembro. A dor das pessoas que viveram e sofreram as ações das hordas militares é compreensível, mas essas medidas não devem ser reconhecidas como algo especial e estranho à burguesia. A tortura e a repressão, assim como a exploração, são práticas comuns no capitalismo. Portanto, a esperança apresentada na frase "nunca mais" é vã, se não entendermos o caráter bárbaro do capitalismo, se não entendermos que, enquanto o capitalismo existir, criminosos como Pinochet podem se repetir. Da mesma forma, a classe trabalhadora, se novamente se colocar atrás de um projeto burguês, verá a repetição da manipulação e seu uso como bucha de canhão nas lutas interburguesas, como aconteceu com Allende.
Tatlin, 28 de setembro de 2023
[i] O governo da UP era liderado por partidos burgueses, a maioria deles stalinista: o Partido Socialista, o Partido Comunista, o Movimento de Ação Popular Unitário, o MAPU dos Trabalhadores e Camponeses e a União Central dos Trabalhadores
[ii] Folheto da WR, distribuído em novembro de 1973, reimpresso na International Review nº 115, quarto trimestre de 2003.
[iii] Os grupos de direita hipocritamente alegaram solidariedade com os mineiros, embora na realidade pretendessem usá-los. O "El Mercurio", que era um jornal usado pela CIA e pelos grupos de direita em conflito com o governo, em sua edição de 18 de junho de 1973, anunciou em sua primeira página: "Brigadas de marxistas atacaram mineiros"
Ligações
[1] https://pt.internationalism.org/content/401/decomposicao-fase-final-do-declinio-do-capitalismo
[2] https://pt.internationalism.org/content/416/resolucao-sobre-situacao-internacional
[3] https://fr.internationalism.org/content/9937/rapport-decomposition-aujourdhui-mai-2017
[4] https://pt.internationalism.org/content/445/burguesia-impoe-novos-sacrificios-classe-trabalhadora-responde-com-luta
[5] https://pt.internationalism.org/content/454/aceleracao-da-decomposicao-capitalista-coloca-abertamente-questao-da-destruicao-da
[6] https://pt.internationalism.org/content/461/decomposicao-do-capitalismo-esta-se-acelerando
[7] https://pt.internationalism.org/tag/7/47/icconline
[8] https://pt.internationalism.org/tag/recente-e-atual/guerra-israel
[9] https://pt.internationalism.org/tag/recente-e-atual/palestina
[10] https://pt.internationalism.org/tag/recente-e-atual/motim-na-franca
[11] https://pt.internationalism.org/tag/recente-e-atual/guerra-israelpalestina
[12] https://fr.internationalism.org/rinte20/edito.htm
[13] https://fr.wikipedia.org/wiki/Eurasie
[14] https://fr.internationalism.org/rinte23/proletariat.htm
[15] https://fr.internationalism.org/rinte35/reso.htm
[16] https://fr.internationalism.org/rinte37/debat.htm
[17] https://fr.internationalism.org/rinte65/marc.htm
[18] https://fr.internationalism.org/rinte66/marc.htm
[19] https://fr.internationalism.org/rinte43/polemique.htm
[20] https://fr.internationalism.org/content/9932/rapport-lutte-classe-23e-congres-international-du-cci-2019-formation-perte-et
[21] https://fr.internationalism.org/french/rint/107_decomposition.htm
[22] https://pt.internationalism.org/content/440/militarismo-e-decomposicao-1990
[23] https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2008/Resolucao_situacao_internacional_adotada_17_congresso_CCI.html
[24] https://fr.internationalism.org/en/brochure/effondt_stal_annexe1
[25] https://fr.internationalism.org/french/rint/107_cours_historique.html
[26] mailto:brasil@internationalism.org
[27] https://es.internationalism.org/content/4911/un-comite-que-lleva-los-participantes-un-callejon-sin-salida
[28] https://pt.internationalism.org/content/430/declaracao-conjunta-de-grupos-da-esquerda-comunista-internacional-sobre-guerra-na