Em 2 de março de 1919, na sessão inaugural do Primeiro Congresso da Internacional Comunista, Lênin assinalava que o "sistema de sovietes" (Conselhos Operários em russo) havia deixado de ser algo completamente desconhecido para as grandes massas e tornou-se um termo enormemente popular e, sobretudo, havia se convertido em uma prática cada vez mais generalizada; assim, por exemplo, citava um telegrama recém chegado da Inglaterra que dizia "o governo inglês recebeu o soviete de delegados operários de Birmingham e prometeu-lhe reconhecer os Sovietes como organizações econômicas." [1]
Hoje, 90 anos depois, companheiros de diferentes países nos escrevem perguntando o que são os conselhos operários, reconhecendo que é um tema que apenas conhecem e sobre o qual gostariam de possuir elementos de juízo. O peso da mais forte contrarrevolução da história, as dificuldades de politização da sua luta que vem arrastando a classe operária desde 1968, a falsificação ou, mais, o silêncio sepulcral que os meios de comunicação e de cultura impõem sobre as experiências históricas do proletariado, fazem que termos como soviete ou conselho operário que tão familiares eram para as gerações operárias de 1917-23, sejam considerados pelas gerações atuais como algo estranho ou mencionado com um significado radicalmente diferente do que tiveram em sua origem [2].
Nesse sentido, o objetivo dessa série de artigos é contribuir em responder a perguntas muito simples: O que são os conselhos operários? Por que surgiram? Responderam a quais necessidades históricas? Continuam sendo válidos em nossa época atual? Que lições podemos tirar deles? Para responder essas perguntas, nos apoiaremos na experiência histórica de nossa classe, considerando-a tanto nas revoluções de 1905 e 1917 como em debates e contribuições teóricas de militantes
[1] Os 4 primeiros congressos da Internacioal Comunista, tomo I. Fonte: https://www.moreira.pro.br/docsocintercent.htm [1]
[2] A palavra "soviete" se vincula hoje ao feroz regime de capitalismo de Estado que imperou na antiga URSS e "soviético" aparece como sinônimo do imperialismo russo durante o grande período da Guerra Fria (1945-1949).
[3] Ler o artigo em espanhol: https://es.internationalism.org/rint141-consejos [2]
Por que os Conselhos Operários surgem em 1905 e não em 1871 com a Comuna revolucionária de Paris? [1]
O surgimento dos Conselhos Operários na Revolução Russa de 1905 só pode ser compreendido se se analisar conjuntamente 3 fatores: as condições históricas do período, as experiências de luta que o proletariado estava desenvolvendo e a intervenção das organizações revolucionárias.
Quanto ao primeiro fator, o capitalismo estava no auge de sua evolução, mas, ao mesmo tempo, mostrava sinais cada vez mais evidentes do início do seu declínio, especialmente no campo imperialista. Trotsky, em seu livro 1905 Balance e Perspectivas [2], em cujo estudo vamos nos apoiar, assinala que: "O capitalismo, ao impor a todos os países seu modo de economia e de comércio, havia convertido o mundo inteiro em um único organismo econômico e político" [3], porém isso precisamente: "desde o início dos acontecimentos, dá um caráter internacional e abre uma grande perspectiva: a tarefa de emancipação política que dirige a classe operária russa elevará a si mesma a um patamar até hoje desconhecido na história, colocará em suas mãos forças e meios colossais e lhe possibilitará, pela primeira vez, a começar com a destruição internacional do capitalismo, para o qual a história criou todas as condições objetivas prévias" [4]. Produtos desse novo período, já se tinha produzido movimentos massivos e greves gerais nos diferentes lugares do mundo antes de 1905: greve geral na Espanha em 1902, na Bélgica em1903 e na própria Rússia em diferentes momentos.
O segundo fator: Os conselhos operários não surgem do nada, não são o produto de uma tempestade repentina em um céu imaculadamente azul. Nos anos anteriores, acontecem numerosas greves na Rússia a partir de 1896: greve geral dos operários têxteis de São Petersburgo em 1896 e 1897; as grandes greves que, em 1903 e 1904, sacudiram todo o sul da Rússia etc. Todas elas são outras tantas experiências nas quais apontavam novas tendências de mobilizações espontâneas, de criação de organizações de luta completamente novas que já não correspondiam às formas tradicionais de luta sindical, preparando assim o terreno para as lutas de 1905:
"Mas se conhecermos um pouco da evolução política interna do proletariado russo, até ao estágio atual da sua consciência de classe e da sua energia revolucionária, não deixaremos de relacionar a história do presente período de luta de massas com as greves gerais [de 1896 e 1897] de São Petersburgo. Estas são importantes no problema da greve de massas, visto que já contêm em germe todos os princípios elementares das greves posteriores". [5]
Quanto ao terceiro fator, os partidos proletários (os bolcheviques e outras tendências) não haviam feito, evidentemente, nenhuma propaganda prévia sobre o tema dos sovietes, pois, de fato, seu aparecimento os surpreendeu; muito menos haviam criado estruturas organizadas "intermediárias" que os fossem preparando. Entretanto, seu trabalho incansável de propaganda contribuiu em grande medida para o surgimento dos sovietes. É o que Rosa Luxemburgo põe em relevo quando escreve sobre movimentos espontâneos como o da greve dos têxteis de São Petersburgo em 1896 e 1897: "Vemos já se delinearem todas as características de uma futura greve de massas: em primeiro lugar, o fato que desencadeou o movimento foi fortuito, e mesmo acessório, a explosão foi espontânea. Mas no modo como o movimento foi desencadeado manifestaram-se os frutos da propaganda conduzida em vários anos pela social-democracia." [6] E, com relação a isso, Rosa esclarece de maneira rigorosa qual é o papel dos revolucionários: "A social-democracia não tem poder para determinar a priori a ocasião e momento em que poderão desencadear-se as greves de massas na Alemanha porque está fora do seu poder fazer gerar situações históricas por meio de simples resolução de Congresso. Mas está no seu poder, e é seu dever precisar a orientação política dessas lutas, quando se produzem, e traduzi-las numa tática resoluta e conseqüente." [7]
Esta análise global permite compreender a natureza do grande movimento que sacudiu a Rússia durante 1905 e que entra em sua etapa decisiva nos últimos 3 meses do referido ano, de outubro a dezembro, durante os quais se generaliza o desenvolvimento dos conselhos operários.
O movimento revolucionário de 1905 tem sua origem imediata no memorável "Domingo Sangrento" de 22 de janeiro de 1905 [8]. O movimento tem um primeiro refluxo em março de 1905 para ressurgir por distintas vias em maio e julho [9]. No entanto, durante este período, toma forma de uma sucessão de explosões espontâneas com um nível muito débil de organização. Porém, a partir de setembro, a questão da organização geral da classe operária passa para o primeiro plano: entramos em um estágio de crescente politização das massas em cujo seio se percebem os limites da luta imediata reivindicativa, mas também a exasperação da situação política causada tanto pela atitude brutal do czarismo como pelas vacilações da burguesia liberal [10].
Vimos o solo histórico no qual nascem os primeiros sovietes. Porém, qual é sua origem concreta? É o resultado da ação deliberada de uma minoria audaz? Ou, pelo contrário, surgiram mecanicamente das condições objetivas?
Como havíamos dito, a propaganda revolucionária realizada desde alguns anos contribuiu no surgimento dos sovietes e Trotsky desempenhou um papel de primeira importância no soviete de São Petersburgo, porém o nascimento dos sovietes não foi, entretanto, o resultado direto nem da agitação nem das propostas organizativas dos partidos marxistas (divididos, naquela ocasião, em bolcheviques e mencheviques), menos ainda nasceram da iniciativa de grupos anarquistas como é apresentado por Volin [11] no seu livro A Revolução Desconhecida[12]. Volin situa a origem deste primeiro soviete entre meados ou final de fevereiro de 1905. Sem duvidar da verossimilhança dos fatos é importante assinalar que esta reunião -que ele próprio qualifica de "privada" - pode ser um elemento a mais que contribuiu com o processo que levaria ao surgimento dos sovietes porém não constituiu seu ato fundacional.
Costuma-se considerar o soviete de Ivanovo-Vosnesenk o primeiro ou um dos primeiros [13]. No total foram identificados entre 40 e 50 sovietes e também outros tantos de soldados e camponeses. Anweiler insiste nas suas origens heterogêneas: "Seu nascimento se fez através de outros organismos anteriores (comitês de greve ou assembléias de deputados, por exemplo), e sem mediação alguma de organizações locais do Partido Social-Democrata. As fronteiras entre o puro e simples comitê de greve e o conselho de deputados operários, verdadeiramente digno desse nome, eram frequentemente imprecisas; só foi nos centros principais da revolução e da classe trabalhadora (exceto São Petersburgo) como Moscou, Odessa, Novorossisk e na bacia do Donets, onde os conselhos possuíam uma forma de organização claramente definida" [14].
Assim, a paternidade dos sovietes não pertence a um personagem ou minoria específicos, porém isso não significa que nasceram do nada, por geração espontânea. Foram, fundamentalmente, a obra coletiva da classe operária: múltiplas iniciativas, inumeráveis discussões, propostas que surgiam aqui e acolá, tudo nas linhas da evolução dos acontecimentos e com a intervenção ativa dos revolucionários, acabou dando lugar aos sovietes. Afinando mais nesse processo podemos identificar dois fatores determinantes: o debate de massas e a radicalização crescente das lutas.
O amadurecimento da consciência das massas que se observa desde setembro de 1905 cristaliza-se no desenvolvimento de uma gigantesca vontade de debater. A propagação de discussões palpitantes nas fábricas, universidades, bairros, acaba por ser um fenômeno "novo" que aparece significamente durante o mês de setembro. Trotsky recolhe alguns testemunhos: "Um dos paradoxos políticos mais espantosos dos meses de outono de 1905 era o fato de que dentro dos muros das universidades ocorriam reuniões populares perfeitamente livres enquanto o ilimitado terror de Trepov [15] reinava nas ruas" [16]. Estas reuniões são freqüentadas cada vez mais massivamente por operários, "‘o povo' enchia os corredores, as salas de aula e os salões. Os operários iam diretamente das fábricas para a universidade", assinala Trotsky, que em seguida, acrescenta: "A agência telegráfica oficial, horrorizada com o aspecto do público concentrado no salão de reuniões da Universidade Vladimir, informou que, além dos estudantes, a multidão consistia em ‘uma profusão de pessoas estranhas de ambos os sexos, estudante de escolas secundárias, adolescentes das escolas privadas da cidade, operários e um populacho diverso'" [17].
Porém não se trata de um "populacho diverso" como afirma com desprezo a agência de notícias, mas de um coletivo que discute e reflete de maneira metódica, ordenada, observando uma grande disciplina e uma maturidade reconhecidas inclusive pelo cronista do jornal burguês Russ (Rússia), como é citado por Trotsky: "Sabem o que mais me espantou numa das reuniões da universidade? Uma ordem extraordinária exemplar. Imediatamente depois de eu ter chegado, anunciou-se uma pausa no salão de reuniões e fui passear pelos corredores. Um corredor universitário é parecido a uma rua. Todas as salas de aula que davam para o corredor estavam cheias de gente e em seu interior estavam ocorrendo reuniões independentes. O próprio corredor estava lotado: inúmeras pessoas caminhavam de um lado para o outro. (...) Poderia pensar-se que se tratava de uma recepção, só que um pouco mais séria do que costumam ser. No entanto, este era o povo: o povo real, autêntico, com as mãos enrijecidas pelo árduo trabalho manual, com essa cor terrosa que se obtém quando se passam os dias em lugares insalubres e mal arejados. [18].
Esse mesmo espírito é observado desde maio na cidade industrial citada anteriormente de Ivanovo-Vosnesensk: "as assembleias plenárias se celebravam todas as manhãs às nove horas. Uma vez terminada a sessão (do Soviete) começava a assembleia geral dos operários, que examinava todas as questões relacionadas com a greve. Prestava-se conta da marcha dessa última, das negociações com os patrões e as autoridades. Depois da discussão, eram submetidas à assembleia geral as proposições preparadas pelo Soviete. Imediatamente, os militantes dos partidos pronunciavam discursos de agitação sobre a situação da classe operária e o comício continuava até que o público se cansasse. Então, a multidão entoava hinos revolucionários e a assembleia se dissolvia. Assim se repetia todos os dias" [19].
Uma pequena greve na gráfica Sitin de Moscou que havia se iniciado em 19 de setembro ia acender a mecha da greve geral massiva de outubro em cujo seio se generalizaria os Sovietes. A solidariedade com os impressores de Sitin levou a greve a mais de 50 gráficas moscovitas e a celebração em 26 de setembro de uma reunião geral de tipógrafos que adotou o nome de Conselho. A greve se estende a outros setores: padarias, metalúrgicas e têxteis. A agitação ganhou as estradas de ferro, por um lado, e os impressores de Petersburgo, de outro, que se solidarizaram com os companheiros de Moscou.
Inesperadamente, outra frente de organização aparece: uma Conferência de representantes ferroviários sobre as Caixas de Assistência se inicia em Petersburgo em 20 de setembro. A Conferência lança um chamamento a todos os setores operários e não se limita a essa questão, mas coloca a necessidade de se reunirem operários dos distintos ramos e de propor reivindicações econômicas e políticas. Animada pelos telegramas de apoio recebidos de todo o país, a Conferência convoca uma nova reunião para o dia 9 de outubro.
Pouco depois, em 3 de outubro, "uma reunião dos deputados operários dos setores das gráficas, mecânica, marcenaria, fumo e outros, adotou a decisão de formar um conselho geral (soviete) de todos os trabalhadores de Moscou" [20].
A greve dos ferroviários que se iniciou espontaneamente em algumas linhas se generaliza a partir do dia 7 de outubro. Nesse marco, a reunião convocada para o dia 9 se transforma em "congresso de delegados de São Petersburgo do pessoal ferroviário, formularam-se as palavras de ordem da greve ferroviária e imediatamente foram despachados por telégrafo a todas as linhas. Essas palavras de ordem eram: jornada de oito horas, liberdades civis, anistia, assembléia constituinte". [21]
As reuniões massivas na universidade tinham produzido um intenso debate sobre a situação, as experiências vividas, as alternativas para o futuro, mas em outubro a situação se modifica: esses debates, sem desaparecer, amadurecem na luta aberta e esta, por sua vez, começa a dotar-se de uma organização geral que não somente dirige a luta como também integra e multiplica o debate massivo. A necessidade de se agrupar e se reunir, de unificar os diferentes focos grevistas tinha sido colocado de maneira especialmente aguda pelos operários de Moscou. Adotar um programa de reivindicações econômicas e políticas, de acordo com a situação histórica e com as possibilidades reais da classe operária, tinha sido o aporte do congresso ferroviário. Debate, organização unificada, programa de luta, esses foram os três pilares sobre os quais vão se levantar os sovietes. É, portanto, a convergência das iniciativas e propostas dos diferentes setores da classe operária o que lhe dá origem e de maneira alguma o "plano" de uma minoria. Nos sovietes se personifica o que 60 anos antes, no Manifesto Comunista, parecia uma elaboração utópica: "Todos os movimentos tem sido até agora realizado por minorias ou em proveito de minorias. O movimento proletário é um movimento independente da imensa maioria em proveito da imensa maioria".
Este Soviete fazia o seguinte chamamento: "A classe trabalhadora teve de recorrer à última e poderosa arma do movimento operário mundial: a greve geral. [...] Dentro dos próximos dias ocorrerão na Rússia acontecimentos decisivos. Esses acontecimentos determinarão por muitos anos o destino da classe operária; diante desses acontecimentos devemos encontrar-nos em plena disponibilidade, unidos por nosso soviete comum [...]" [24].
Essa passagem manifesta a visão global, a ampla perspectiva, que tem o órgão recém nascido da luta. De forma simples expressa uma visão claramente política e, em coerência com o ser profundo da classe operária, se vincula com o movimento operário mundial. Esta consciência é por sua vez expressão e fator ativo da extensão da greve para todos setores e para todo o país, praticamente generalizada desde 12 de outubro. A greve paralisa a economia e a vida social, porém o Soviete cuida para que isso não conduza a uma paralisia da própria luta operária como assinala Trotsky: "quando eram necessários boletins da revolução abria-se uma gráfica; utilizava-se o telégrafo para enviar instruções sobre a greve. Era permitida a passagem de trens que transportavam delegados grevistas." [25]. A greve "demonstrou, onde foi possível fazê-lo, que não se tratava simplesmente de interrupção temporária de trabalho, de um protesto passivo de braços cruzados. A greve se defendeu e, na sua defesa, passou à ofensiva. Em algumas cidades do Sul ergueram-se barricadas, tomaram-se lojas de armas e se ofereceu uma resistência, senão vitoriosa, ao menos heróica." [26]
O Soviete é o teatro ativo de um debate em torno de 3 eixos:
Nas condições de 1905 estão questões que podiam ser somente colocadas mas não podiam ser resolvidas. Será a revolução de 1917 a que vai dar a resposta. Porém a capacidade desenvolvida em 1917 é impensável sem os grandes combates de 1905.
Geralmente, imagina-se que perguntas como aquelas colocadas acima só podem ser o monopólio de pequenas mesas de "estrategistas da revolução". No entanto, no marco dos Sovietes são objeto de um debate massivo com a participação e contribuições de milhares de operários. Estes pedantes que consideram os operários incapazes de se ocupar de tais assuntos encontrariam provas de como eles falam desses temas com a maior naturalidade, transformam-se em especialistas apaixonados e comprometidos que derramam, no cadinho de organização coletiva, suas intuições, sentimentos, conhecimentos, construídos durante longos anos. Como o evocava Rosa Luxemburgo em sentido figurado: "Nas condições da greve de massas, o honrado pai de família se transforma em revolucionário romântico".
Se no dia 13 havia apenas 40 delegados na reunião do Soviete, nos dias seguintes o número de assistentes se multiplicou. O primeiro ato de toda fábrica que se declara em greve é eleger um delegado ao qual se dota de uma credencial conscientemente adotada pela assembléia. Há setores que vacilam, os trabalhadores têxteis de São Petersburgo, ao contrário dos seus colegas moscovitas, somente se unem a luta no dia 16. no dia 15, o Soviete... "O soviete tinha elaborado todos os tipos de métodos, desde as reivindicações verbais até a coerção violenta, para introduzir na greve os não-grevistas. Mas não foi necessário recorrer a métodos extremos. Quando uma solicitação verbal não tinha efeito, era suficiente que aparecesse em cena um grupo de grevistas - às vezes só uns poucos homens - e o trabalho era interrompido imediatamente" [27].
As reuniões do soviete eram uma antítese do que é um parlamento burguês ou uma reunião acadêmica universitária. "Não houve gestos de grandiloquência, essa úlcera das instituições representativas. As questões a debater - a expansão da greve e as exigências que se apresentariam à Duma - eram de natureza puramente prática e se discutiram brevemente, com energia e como se fossem questões comerciais. A gente sentia que cada átomo de tempo tinha razão de ser. A mínima tendência para a retórica era firmemente refreada pelo presidente, com a severa aprovação dos assistentes." [28].
Este debate vivo e prático, profundo e concreto, de uma só vez, expresava uma transformação da consciência e psicologia social dos operários porém, ao mesmo tempo, constituía um poderoso fator no desenvolvimento daquelas. Consciência como compreensão coletiva da situação social e de suas perspectivas, da força concreta das massas em ação e dos objetivos que deviam adotar, como percepção de quem são os amigos e quem são os inimigos, como esboço de uma visão do mundo e de seu futuro. Mas, ao mesmo tempo, psicologia social como fator distinto, embora concomitante com o anterior, que se expressa na atitude moral e vital dos operários que manifestam uma solidariedade contagiosa, uma empatia para com os demais, uma capacidade de abertura e aprendizagem, uma entrega desinteressada à causa comum.
Esta transformação espiritual parece utópica e impossível aos que unicamente vêem os operários sob a ótica da normalidade cotidiana onde aparecem como robôs atomizados, sem iniciativa nem sentimento coletivo, deslocados pelo peso da concorrência e da rivalidade, porém a experiência da luta massiva e no seio da formação dos conselhos operários mostra como isso constitui o motor de tal transformação, como disse Trotsky: "o socialismo não se propõe a tarefa de desenvolver uma psicologia socialista como condição prévia do socialismo, mas criar condições de vida socialistas como condição prévia de uma psicologia socialista" [29].
As Assembleias Gerais e os Conselhos eleitos por elas e responsáveis diante delas se transformaram no cérebro e no coração da luta por sua vez. Cérebro porque milhares e milhares de seres humanos pensam em voz alta e decidem após um silêncio de reflexão. Coração porque esses seres deixam de se ver como gotas perdidas em um oceano de pessoas desconhecidas e potencialmente hostis para se converter em parte ativa de uma vasta comunidade que integra a todos e a todos faz sentir fortes e respaldados.
Partindo desse sólido cimento, o Soviete situa o proletariado como um poder alternativo frente ao Estado burguês. Converte-se em uma autoridade socialmente cada vez mais reconhecida. "Na mesma medida em que se estendia a greve de outubro, o soviete se colocava cada vez mais na frente política. Sua importância crescia, literalmente, de hora em hora. O proletariado industrial foi o primeiro a unir-se à sua volta. [...] A União dos Sindicatos, que aderiu à greve desde 14 de outubro, viu-se obrigada a colocar-se sob a autoridade do soviete quase desde o início. Numerosos comitês de greves [...] adaptaram suas ações às decisões do soviete". [30]
Muitos autores anarquistas e conselhistas tem apresentado os Sovietes como os portadores de uma ideologia federalista consistente na autonomia local e corporativa que se oporia ao centralismo supostamente "autoritário e castrador" próprio do marxismo. Uma reflexão de Trotsky responde a estas objeções: "O papel de São Petersburgo na revolução russa não pode ser comparado de forma nenhuma ao de Paris na Revolução Francesa. A natureza econômica primitiva da França (e, em particular, dos meios de comunicação) e a centralização administrativa permitiram que Revolução Francesa se localizasse - na realidade - dentro dos limites de Paris. A situação era totalmente diferente na Rússia. O desenvolvimento capitalista criou na Rússia tantos centro independentes de revolução quantos centros industriais haviam; estes, sem perder a independência e a espontaneidade de seus movimentos, estavam estreitamente ligados entre si". [31]
Aqui vemos de maneira prática o significado da centralização proletária que está situada na antítese do centralismo burocrático e castrador próprio do Estado e, em geral, das classes exploradoras que existiram na história. A centralização proletária não parte da negação da iniciativa e da espontaneidade criadora de seus diferentes componentes mas, ao contrário, contribui com todas as suas forças para o seu desenvolvimento. Como acrescenta Trotsky: "As estradas de ferro e o telégrafo descentralizavam a revolução apesar do caráter centralizado do Estado, mas, ao mesmo tempo, levaram a unidade a todas as suas manifestações dispersas. Se como resultado de tudo isso reconhecemos que São Petersburgo deu as palavras de ordem na revolução, isto não significa que a revolução estivesse concentrada na Perspectiva Nevsky ou em frente do Palácio de Inverno, mas só que as palavras de ordem e métodos de luta de São Petersburgo encontraram um poderoso eco revolucionário em todo o país." [32].
O Soviete era a coluna vertebral dessa centralização massiva: "devemos reconhecer o Conselho (Soviete) dos Deputados Operários como a pedra angular de todos esse acontecimentos. - prossegue Trotsky - Não só porque foi a maior organização de trabalhadores que se viu na Rússia até esse momento; não só porque o Soviete de São Petersburgo serviu como modelo para Moscou, Odessa e outras cidades; mas, acima de tudo, porque essa organização proletária de base exclusivamente classista foi a organização da revolução como tal. O soviete foi o eixo de todos os acontecimentos, todas as linhas se dirigiam na sua direção, todo apelo para a ação emanava dele." [33]
Até o fim de outubro de 1905, via-se claramente que o movimento tinha chegado a uma encruzilhada: ou a insurreição ou o esmagamento.
Não é o objetivo desse artigo analisar os fatores que conduziram ao segundo dilema [34], é certo que o movimento acabou em uma derrota e que o regime czarista - dono novamente da situação - empreendeu uma repressão sem misericórdia. Porém a maneira como o proletariado travou a batalha de forma feroz e heróica mas plenamente consciente, foi exitosa em preparar o futuro. A dolorosa derrota de dezembro de 1905 preparou o futuro revolucionário de 1917.
Nesse desenlace, teve um papel decisivo o Soviete de São Petersburgo que fez todo o possível para preparar em melhores condições o enfrentamento inevitável. Formou patrulhas operárias de caráter inicialmente defensivo - contra as expedições punitivas das Centúrias Negras organizadas pelo Czar mobilizando o lixo da sociedade -, constituiu depósito de armas e organizou milícias, às quais deu treinamento.
Mas, ao mesmo tempo, e tirando lições das insurreições operárias do século XIX [35], o Soviete de São Petersburgo colocou que a questão chave estava na atitude da tropa, pela qual o grosso dos seus esforços se concentrou em ganhar os soldados para sua causa
Assim, os chamamentos e panfletos dirigidos ao exército, os convites à tropa para que assistissem às sessões do Soviete, não caiam no vazio. Respondiam a certo grau de amadurecimento do descontentamento dos soldados que desembocou no motim do encouraçado Potemkin - imortalizado pelo famoso filme - ou na sublevação da guarnição de Kronstadt em outubro.
Em novembro de 1905, o Soviete convocou uma greve massivamente acompanhada cujos objetivos eram diretamente políticos: a retirada da lei marcial na Polônia e a abolição do Tribunal Militar especial encarregado de julgar os marinheiros e soldados de Kronstadt. Esta greve que incorporou setores operários que até então nunca haviam lutado provocou uma induvidável simpatia entre os soldados. No entanto, simultaneamente, mostrou o esgotamento das forças operárias e a atitude majoritariamente passiva de soldados e camponeses, especialmente nas províncias, o que acarretou no fracasso da greve.
Outra contribuição do Soviete à preparação do enfrentamento foram duas medidas aparentemente paradoxais que tomou em outubro e novembro.
Quando perceberam que a greve de outubro entrara em descenso, o Soviete propôs às assembleias operárias que todos os operários retornassem ao trabalho na mesma hora. Esse fato constituiu uma impressionante demonstração de força que colocava em evidência a determinação e a disciplina consciente dos operários. A operação voltou a se repetir diante do declínio da greve de novembro. Era uma maneira de preservar as energias para o enfrentamento geral demonstrando ao inimigo a firmeza e unidade inquebrantável dos combatentes.
A burguesia liberal russa ao perceber a ameaça proletária cerrou fileiras com o regime czarista com o que este se sentiu fortalecido e empreendeu uma perseguição sistemática aos sovietes. Logo se pode comprovar que o movimento operário nas províncias estava em refluxo. Ainda assim o proletariado de Moscou lançou a insurreição que durou 14 dias de violentos combates.
O esmagamento da insurreição de Moscou constituiu o último ato de 300 dias de liberdade, fraternidade, organização, comunidade, protagonizados pelos "simples operários" como gostavam de lhes chamar os intelectuais liberais. Durante os dois meses esses "simples operários" levantaram um edifício simples, de funcionamento ágil e rápido, que alcançou em pouco tempo um poder imenso, os Sovietes. Mas com o final da revolução, pareciam ter desaparecido sem deixar rastro, pareciam sepultados para sempre... À exceção das minorias revolucionárias e grupos de operários avançados ninguém falava qualquer coisa sobre isto. No entanto, em 1917 reapareceram na cena social de maneira universal e com força irressistível. Veremos tudo isso no próximo artigo.
C. Mir 05/11/09
[1] Apesar de Marx reconhecer na Comuna "a forma enfim encontrada da ditadura do proletariado" e que apresenta notáveis elementos anunciadores do que logo serão os Sovietes, a comuna parisiense se vincula mais com as formas organizativas de democracia radical próprias de massas urbanas durante a revolução francesa: "A iniciativa para a proclamação da Comuna partiu do Comitê Central da Guarda Nacional, que ocupava o primeiro posto no sistema de conselhos de delegados militares e que havia se formado nas distintas unidades. O órgão de base, clube dos batalhões, elegia um conselho da legião, que enviava 3 representantes ao comitê central de 60 membros. Além do mais estava prevista uma assembleia geral dos representantes das companhias, que se reuniam uma vez ao mês" (do livro Los Soviets en Rusia, Oskar Anweiler, p. 19 ed. espanhola Editorial Zero. 1975)
[2] A edição em português da Global Editora difere da edição espanhola, pois esta última inclui dois livros: o livro 1905 e o livro Balance y Perspectivas. Enquanto a edição em português tem apenas o livro 1905, que foi lançado aqui com o título de A Revolução de 1905. Desta edição foram retiradas as citações deste artigo e traduzimos diretamente do espanhol as que se referem ao livro Balance y Perspectivas. Em algumas citações da edição em português, que consideramos alterar o sentido do texto, fizemos adaptações para melhor passar o que o autor queria passar com base nas edições espanhola e francesa.
[3] Trotsky, 1905 Balance e Perspectivas, p. 211, t. II Ed.espanhola Editorial Ruedo Ibérico - tradução nossa
[4] Idem.
[5] Rosa Luxemburgo: Greve de massas, partido e sindicatos. Ed. Kairós; p. 23
[6] Rosa Luxemburgo: Greve de massas, partido e sindicatos. Ed. Kairós; p. 24.
[7] Rosa Luxemburgo: Greve de massas, partido e sindicatos. Ed. Kairós; p. 65.
[8] Não podemos desenvolver uma crônica do que se passou. Ver "I - Hace 100 años, la revolución de 1905 en Rusia [3]".
[9] O livro Greve de massas, partido e sindicatos, de Rosa Luxemburgo, descreve e analisa de forma muito clara a dinâmica do movimento, com seus altos e baixos, momentos de pico e bruscos refluxos.
[10] Dentro da situação mundial de apogeu e começo do declínio capitalista, a situação russa se encontrava aprisionada pela contradição entre o freio que o czarismo feudal representava ao desenvolvimento capitalista e a necessidade da burguesia liberal de se apoiar nele, não só como aparato burocrático de seu desenvolvimento, mas como baluarte repressivo contra a emergência impetuosa do proletariado. Ver o livro de Trotsky anteriormente citado.
[11] Volin, militante anarquista que sempre foi fiel ao proletariado e denunciou a Segunda Guerra Mundial através de uma postura internacionalista.
[12] "uma tarde, em minha casa, onde Nossar falava [Nossar foi o primeiro presidente do Soviete de São Petersburgo em outubro de 1905] e, como sempre, muitos operários, apareceu entre nós a idéia de criar um organismo operário permanente, espécie de comitê, ou melhor, de conselho que acompanhasse o desenvolvimento dos acontecimentos, serviria de vínculo entre todos os operários, lhes informaria a situação e, se fosse o caso, poderia reunir em torno dele as forças operárias revolucionárias" (La Revolución desconocida - Libro primero, p. 63. Ed. Espanhola).
[13] Surgiu em 13 de maio de 1905 nessa cidade industrial de Ivanovo-Vosnesensk, no centro da Rússia. Para maiores detalhes ler o artigo da Revista Internacional nº 122 sobre 1905 (2ª parte).
[14] Oskar Anweiler, Los soviets en Rusia.
[15] General czarista famoso pela sua brutal repressão das lutas operárias.
[16] Trotsky, A Revolução de 1905. Ed. Global; p. 97.
[17] Idem, p. 98.
[18] Idem, p. 98.
[19] Andrés Nin, Los Soviets en Rusia, p. 17. Tradução nossa
[20] Trotsky, op. cit., p. 101.
[21] Idem, p. 102.
[22] O sentido da palavra deputados aqui não é o mesmo dos deputados que o parlamento burguês elege a cada 2, 4, 6 ou 8 anos, período que depende de país para país. O sentido da palavra deputado no presente texto refere-se ao deputado ou delegado operário eleito por uma base de operários. Estes deputados ou delegados operários eram responsáveis perante a base que o elegeu e podiam ser destituídos a qualquer momento por ela.
[23] Idem, p. 118.
[24] Citado por Trotsky, p. 118.
[25] Idem, p. 103.
[26] Idem, p. 108
[27] Idem, p. 120.
[28] Idem, p. 121.
[29] Trotsky, 1905 Balance e Perspectivas,, p. 207, t. II. Edição espanhola - tradução nossa
[30] Idem, p. 123.
[31] Idem, p. 116. Há uma modificação feita por nós para ficar mais fiel aotexto original. A última frase da citação da edição em português era: "estes, embora independentes, estavam intimamente ligados entre si". Comparando com as traduções espanhola e francesa, adaptamos para: "estes, sem perder a independência e a espontaneidade de seus movimentos, estavam estreitamente ligados entre si".
[32] Idem, p. 116. Há uma modificação feita por nós. Na edição em português usa-se "fora do Palácio de Inverno". Comparando com as traduções espanhola e francesa, adaptamos para: "em frente do Palácio de Inverno".
[33] Idem, p. 117.
[34] Consultar especificamente o artigo da Revista Internacional nº123 sobre "1905 e o papel dos Sovietes (3ª parte) [4]".
[35] Sobretudo os combates de barricadas cujo esgotamento soube ver Engels na famosa "Introdução" a A Luta de classes na França de Marx. Esta "Introdução", escrita em 1895, se tornou famosa porque a crítica que Engels fazia aos combates de barricada foi utilizada pelos oportunistas na Social-Democracia para aprovar o rechaço da violência e o emprego exclusivo de métodos parlamentaristas e sindicalistas.
O propósito desta série é responder a uma pergunta que é feita por muitos companheiros (leitores e simpatizantes), sobretudo entre os jovens: O que são os conselhos operários? No artigo anterior desta Série [1] vimos como nasceram pela primeira vez na história ao calor da Revolução de 1905 na Rússia e como a derrota desta levou ao seu desaparecimento. Neste segundo artigo, veremos como reapareceram com a Revolução de fevereiro de 1917, e de que maneira, cederam o poder à burguesia graças à traição de antigos partidos revolucionários -mencheviques e socialistas revolucionários (SR) - que os estavam sabotando a partir de dentro, como se foram distanciando da vontade e da consciência crescente das massas operárias até o extremo de converter-se em julho de 1917 em ponto de apoio da contrarevolução [2].
Oskar Anweiler na sua obra Os sovietes na Rússia [3] destaca como entre dezembro de 1905, momento da derrota da revolução, até 1907, houve numerosas tentativas de fazer reviver os sovietes. Em Petrogrado, na primavera de 1906, se constituiu um Conselho de desempregados que enviou delegados às fábricas agitando pela reconstituição do Soviete de tal maneira que, no verão de 1906, houve uma reunião que aglutinou 300 delegados, mas que não chegou a nenhuma conclusão dada a dificuldade para retomar a luta. O Conselho foi se descompondo ao enfraquecer cada vez mais a mobilização até seu desaparecimento total no verão (2º trimestre) de 1907. Em Moscou, Jarkov, Kiev, Poltava, Ekaterinoslav, Baku, Batum, Rostov e Kronstadt surgiram igualmente conselhos de desempregados que tiveram uma existência mais ou menos efêmera ao longo de 1906.
Em 1906-07 apareceram esporadicamente sovietes em cidades industriais do Ural. Mas foi em Moscou onde, no verão de 1906, se realizou uma tentativa mais séria de constituir sovietes. Uma greve iniciada em julho se estendeu rapidamente a numerosos centros de trabalho e imediatamente os operários elegeram delegados que em número de 150 lograram reunir-se constituindo um Comitê executivo que fez chamamento a extensão da greve e à formação de sovietes de bairros. No entanto, as condições não eram as de 1905, o governo, ao constatar que a mobilização em Moscou não encontrava eco, desatou uma forte repressão que acabou com a greve e com o recém reconstituído soviete.
Os sovietes desapareceram do cenário social até 1917. Este desaparecimento surpreende muitos companheiros que se perguntam: como é possível que os mesmos operários, que em 1905 haviam participado de forma tão entusiasta dos sovietes, os abandonaram no esquecimento? Como entender que a "forma" Conselho que havia demonstrado tanta eficácia e força em 1905 desaparecesse como um passo de mágica durante 12 anos?
Para responder a essa pergunta temos de evitar fazê-la a partir do ponto de vista da democracia burguesa que considera a sociedade como uma soma de indivíduos "livres e soberanos", tão "livres" para formar conselhos como para participar das eleições. Então. Como é possível que milhões de cidadãos que em 1905 "escolheram" constituir-se em sovietes, "escolham" renunciar a eles durante longos anos?
Semelhante ponto de vista, não pode entender que a classe operária não é uma soma de indivíduos "livres e autodeterminados", mas uma classe que somente consegue se expressar, atuar e se organizar quando, mediante a luta, impõe sua ação coletiva. Esta não é o resultado de uma soma de "decisões individuais", mas da concatenação de fatores objetivos (a degradação das condições de vida e a evolução geral da sociedade, a preocupação diante do futuro que esta depara) e subjetivos (a indignação provocada pela inquietude pelo futuro, as experiências de luta e o desenvolvimento da consciência de classe animada pela intervenção dos revolucionários). A ação e a organização da classe operária constituem um processo social, coletivo e histórico que traduz uma evolução das relações de força entre as classes.
Além do mais, esta dinâmica da luta de classes deve, por sua vez, situar-se no contexto histórico que permitiu o surgimento dos sovietes. Enquanto que no período histórico de apogeu do sistema -especialmente, durante essa "idade do ouro" que se estende entre 1873 e 1914- o proletariado pode constituir grandes organizações de massas (os sindicatos, em particular) que tinham uma existência permanente e que constituíam o requisito para levar lutas à vitória, no período histórico que se abre com a Primeira Guerra Mundial, a decadência do capitalismo, a organização geral da classe operária se constitui na luta e para a luta e desaparece com ela se não for capaz de ir até o final: até o combate revolucionário pela destruição do Estado burguês.
Em tais condições, o "ganho" que podem obter as lutas não pode refletir-se como em um livro de contabilidade, através de resultados ativos e passivos que se pode consolidar ano após ano, nem pode se refletir em uma organização de massas permanente. Pelo contrário, os "ganhos" se plasmam em fatores abstratos (consciência adquirida, enriquecimento do programa histórico proletário com as lições da luta, perspectiva para o futuro...), que se conquistam em grandes momentos de agitação para acabar desaparecendo do conhecimento imediato das amplas massas até se recuar no pequeno universo de minúsculas minorias, de maneira que pode se criara ilusão de ótica de que nunca tenha existido.
Assim ocorreu com os sovietes: entre 1905 e 1917 terminaram reduzidos a uma "idéia" que orientava a reflexão e os combates políticos de um punhado de militantes. Mas, ao contrário do que pensam os pragmáticos que só valorizam aquilo que se pode tocar e ver, essa "idéia" tinha uma poderosa força material. Em 1907, Trotsky escrevia: "Está fora de dúvida que a nova próxima investida da revolução trará consigo em todos os lados a criação de conselhos operários" [4]. De fato, os grandes protagonistas da Revolução de fevereiro foram os sovietes.
As minorias revolucionárias, especialmente os bolcheviques depois de 1905, defenderam e propagaram a ideia de constituir sovietes. Estas minorias mantiveram a chama da memória coletiva da classe operária. Por esta razão, quando eclodiram as greves de fevereiro que rapidamente tomaram uma grande amplitude, houve numerosas iniciativas e chamamentos para constituir sovietes. Anweiler sublinha que: "este pensamento nasceu tanto nas fábricas em greve como também nos círculos intelectuais revolucionários. Testemunhos presenciais informam que em algumas fábricas desde 24 de fevereiro eram eleitos homens de confiança para um soviete que estava se organizando" [5].
Quer dizer, a ideia que durante longo tempo esteve reduzida a pequenas minorias foi amplamente assumida na prática pelas massas em luta.
Por outro lado, o Partido bolchevique contribuiu significativamente para o surgimento dos sovietes. Esta contribuição não se baseou em um esquema organizativo prévio ou em impor uma cadeia de organizações intermediárias que ao fim desembocaria na formação de sovietes, mas em algo muito diferente, como veremos, vinculado a um ferrenho embate político.
No inverno de 1915, quando começaram a surgir algumas greves, sobretudo em Petrogrado, a burguesia liberal havia concebido um meio de atrelar os operários à produção de guerra mediante a proposta de eleições nas empresas para formar um "Grupo Operário" dentro dos Comitês industriais de guerra. Os mencheviques propuseram a participação e obtiveram uma ampla maioria, trataram de utilizar o "Grupo Operário" como um canal para apresentar reivindicações. Ou seja: reivindicavam uma "organização operária" totalmente vendida ao esforço de guerra, como já estavam os sindicatos em outros países europeus.
Os bolcheviques se opuseram a essas propostas. Lênin, em outubro de 1915, disse: "estamos contra a participação nos comitês industriais de guerra que ajudam a levar a guerra imperialista reacionária" [6]. Os bolcheviques chamavam à eleição de comitês de greve e o comitê do partido de Petrogrado propôs que: "os representantes das fábricas, eleitos baseados no sistema representativo proporcional em todas cidades, devem formar o Soviete de Deputados de toda Rússia" [7].
Em um primeiro momento, os mencheviques com sua política de eleições ao Grupo Operário controlaram ferrenhamente a situação. As greves que aconteceram no inverno de 1915 e as muito mais numerosas que eclodiram na segunda metade de 1916 permaneceram sob a égide do Grupo Operário menchevique, embora aqui ou acolá se formassem efêmeros comitês de greve. Todavia, a semente acabou frutificando em fevereiro de 1917.
A primeira tentativa de constituir um Soviete se realizou em Petrogrado em uma reunião improvisada celebrada no palácio Táuride em 27 de fevereiro. Os participantes não eram representativos; havia membros do partido menchevique e do Grupo Operário junto com alguns representantes bolcheviques e elementos independentes. Ali surgiu um debate muito significativo que colocava em jogo duas opções totalmente opostas: os mencheviques pretendiam que a reunião se autoproclamasse "Comitê provisório do Soviete", o bolchevique Chliapnikov... "(...) se opôs fazendo notar que isso não podia ser feito na ausência de representantes eleitos pelos operários. Pediu que os convocassem urgentemente e a assembléia lhe deu razão. Decidiu-se acabar a sessão e lançar convocatórias aos principais centros operários e os regimentos que se levantaram" [8].
A proposta teve efeitos fulminantes. Na mesma noite de 27, começou a circular por numerosos bairros, fábricas e quartéis. Operários e soldados estavam em alerta acompanhando muito de perto o desenrolar dos acontecimentos. No dia seguinte ocorreram numerosas assembléias nas fábricas e nos quartéis, uma após outra a decisão era a mesma: constituir um soviete e eleger um delegado. Pela tarde, o palácio Táuride estava lotado de delegados de operários e soldados. Sukhanov, nas suas Memórias [9], descreve a reunião que ia tomar a decisão histórica de constituir o Soviete: "no momento de iniciar a sessão havia uns 250 deputados, porém novos grupos entravam sem cessar no salão" [10], fala da eleição da presidência da reunião e de como ao eleger a ordem do dia, a sessão foi interrompida por diferentes delegados dos soldados que queriam transmitir as mensagens das suas respectivas assembléias de regimento. Resume uma delas: "Os oficiais desapareceram. Não queremos servir mais contra o povo, nos associaremos a nossos irmãos os operários, todos unidos para defender a causa do povo. Daremos nossas vidas por isso. Nossa assembléia geral pediu-nos que os saudemos". Ao que acrescenta Sukhanov: "e com uma voz sufocada pela emoção, entre as ovações da assembléia estremecida, o delegado acrescentou: Viva a Revolução!" [11]. A reunião constantemente interrompida pela chegada de novos delegados que queriam transmitir a posição dos seus representados, foi abordando sucessivamente as questões: a constituição de milícias nas fábricas, a proteção contra saques e contra ações das forças czaristas. Um delegado propôs a criação de uma "Comissão literária" que redigisse um chamamento dirigido a todo o país, a qual foi aprovada por unanimidade [12]. A chegada de um delegado do regimento de Semionofsky - famoso por sua fidelidade ao Czar e seu papel repressivo em 1905 - provocou uma nova interrupção. O delegado proclamou: "Camaradas e irmãos, vos trago a saudação de todos os homens do regimento Semionofsky. Todos até o último decidimos unirmos ao povo". Isso criou.. "... uma corrente de entusiasmo romântico que envolveu toda a assembléia" [13]. A assembléia organizou um "estado maior da insurreição" ocupando todos os pontos estratégicos de Petrogrado.
A assembléia do soviete não aconteceu no vazio. As massas estavam mobilizadas. Sukhanov assinala o ambiente que rodeava a sessão: "A multidão era muito compacta, dezenas de milhares de homens vieram saudar a revolução. Os salões do palácio não tinha sido capaz de conter mais pessoas e, nas portas, os cordões da Comissão Militar conseguiam conter a uma multidão mais numerosa ainda" [14].
Em 24 horas o Soviete era dono da situação. O triunfo da insurreição em Petrogrado provocou a extensão da revolução a todo país. "A rede de Conselhos operários e de soldados em toda Rússia formava a coluna vertebral da revolução. Com sua ajuda a revolução havia se estendido como uma trepadeira por todo o país" [15].
Como ganhou forma essa enorme "trepadeira" que imediatamente ocupou todo o território russo? Existem diferenças entre a formação dos Sovietes em 1905 e em 1917. Em 1905, a greve eclodiu em janeiro e as sucessivas ondas de greve não deram lugar a nenhuma organização massiva salvo algumas exceções. Os sovietes começaram a constituir-se tardiamente, em outubro. Em contrapartida, em 1917, a luta mesma criou os sovietes desde o próprio início. Os chamamentos de 28 de fevereiro do Soviete de Petrogrado caíram em solo fértil. A espantosa rapidez com que se formou em menos de 24 horas já revela de per si que a vontade de amplas camadas de operários e soldados era a constituição do Soviete.
As assembléias eram cotidianas. E não se limitavam a eleger o delegado para o Soviete. Frequentemente o acompanhavam ao local da reunião geral em comitiva massiva. Por outro lado, formavam-se paralelamente sovietes de bairro. O próprio soviete havia lançado um chamamento a constituí-los, porém nesse mesmo dia os operários do combativo bairro de Vyborg, uma concentração proletária nos arredores de Petersburgo, haviam se adiantado formando um soviete de distrito e lançando um combativo chamamento a constituí-los por todo o país. Seu exemplo foi imitado nos dias seguintes por outros bairros populares.
Do mesmo modo, as assembléias nas fábricas formaram imediatamente conselhos de fábrica. Estes, embora surgidos para necessidades reivindicativas e de organização interna do trabalho, não se restringiam a isso e estavam fortemente politizados. Anweiler reconhece que: "Os conselhos de fábrica adquiriram no transcurso do tempo uma sólida organização em São Petersburgo o que em certa medida representava uma concorrência a respeito ao Conselho de deputados operários. Associaram-se aos conselhos de rayon (bairros), cujos representantes elegiam um Conselho central com um comitê executivo à frente. Dado que abarcavam aos trabalhadores diretamente no seu local de trabalho, cresceu seu papel revolucionário na mesma medida em que o Soviete [de São Petersburgo] se convertia em uma instituição duradoura e começava a perder seu estreito contato com as massas"[16].
A formação de Sovietes se extendeu como um rastro de pólvora por toda Rússia. Em Moscou, "em 10 de março tiveram lugar as votações para a eleição de delegados nas fábricas e o Soviete celebrou sua primeira sessão elegendo um Comitê Executivo de 30 membros. No dia seguinte, formou-se o Conselho definitivamente; foram fixadas normas de representatividade, votaram-se em delegados para o Soviete de Petrogrado e se aprovou a formação do novo governo provisório (...) A marcha triunfal da revolução que se propagou de São Petersburgo a toda Rússia estava acompanhada de uma onda revolucionária de atividade organizativa em todas as camadas sociais que encontrou sua mais forte expressão na formação de Sovietes em todas as cidades do Império, desde a Finlândia até o oceano Pacífico" [17].
Embora se ocupassem de assuntos locais, sua principal preocupação eram problemas gerais: a guerra mundial, o caos econômico, a extensão da revolução a outros países e tomaram medidas para concretizá-la. Há de se destacar que o esforço de centralizar os sovietes veio fundamentalmente "de baixo" e não a partir de cima. Citamos anteriormente como o Soviete de Moscou decidiu enviar delegados ao Soviete de São Petersburgo, considerado de maneira natural como o centro de todo o movimento. Anweiler assinala que: "os conselhos de operários e soldados de outras cidades mandavam os seus delegados a São Petersburgo ou mantinham observadores constantes no soviete"[18]. Desde meados de março surgiram iniciativas de congressos regionais de sovietes. Em Moscou aconteceu uma conferência dessa índole entre 25-27 de março com participação de 70 conselhos operários e 38 de soldados. Na bacia do Donets em uma conferência similar se juntaram 48 sovietes. Tudo isso culminou com a celebração de uma primeira tentativa de Congresso de sovietes de toda Rússia que ocorreu de 29 de março a 3 de abril e que reuniu delegados de 480 sovietes.
O "vírus organizativo" contagiou os soldados que, fartos da guerra, desertavam dos campos de batalha, se amotinavam, expulsavam os oficiais e decidiam voltar para casa. Diferente de 1905 onde apenas houve sovietes de soldados, agora esses proliferavam em regimentos, encouraçados, bases navais, arsenais... Os soldados constituíam um conglomerado de classes sociais sendo principalmente camponeses e em menor medida operários. No entanto, apesar da heterogeneidade reinante, uniram-se majoritariamente ao proletariado. Como assinala um historiador e economista burguês Tugan-Baranovski: "Não foi o exército quem desencadeou a insurreição, foram os operários. Não foram os generais, mas soldados que se dirigiram à Duma [19] do Império. E os soldados apoiaram os operários não por obtemperar docilmente às ordens dos seus oficiais, mas... porque eles sentiam-se aparentados pelo sangue aos operários, como classe trabalhadora, como eles próprios." [20] .
A organização soviética ganhou lentamente o campo até se fazer mais ampla a partir de maio de 1917, onde a formação de Sovietes Camponeses começou a agitar as massas habituadas a serem tratadas como bestas durante séculos. Era também uma diferença fundamental a respeito de 1905 onde se havia dado alguns levantes camponeses totalmente desorganizados;
Que toda Rússia se visse coberta por uma gigantesca rede de Conselhos é um fato histórico de enorme transcendência. Como assinala Trotsky: "Se olharmos para os séculos passados, a passagem do poder para as mãos da burguesia parece seguir uma regra definida: em todas as revoluções precedentes, nas barricadas lutavam operários, pequenos camponeses, pequenos artesãos, certo número de estudantes; os soldados tomavam partido; a seguir, a burguesia bem abastecida, que tinha prudentemente observado os combates de barricadas pela janela, recolhia o poder." [21] ,porém desta vez não foi assim, as massas deixaram de "trabalhar para os outros" e se dispuseram trabalhar para si mesma através dos conselhos. Seu trabalho ocupava todos os assuntos da vida econômica, política, social e cultural.
As massas operárias estavam mobilizadas. A expressão dessa mobilização era os sovietes e, ao redor deles, uma imensa rede de organizações do tipo soviético (conselhos de bairros e conselhos de fábrica), rede que se nutria, ao mesmo tempo que impulsionava, de uma impressionante multiplicação de assembléias, reuniões, debates, atividades culturais... Operários, soldados, mulheres, jovens, se entregavam a uma atividade fervorosa. Viviam em uma espécie de assembléia permanente. Interrompia-se o trabalho para assistir a assembléia da fábrica, ao soviete da cidade ou de bairro, a concentrações, comícios, manifestações. É significativo que após a greve de fevereiro apenas houve greves em momentos muito determinados ou em situações pontuais ou locais. Contrariamente a uma visão restritiva, a ausência de greves não significava desmobilização. Os operários estavam em luta permanente, mas a luta de classes, como dizia Engels, constitui a unidade que forma a luta econômica, a luta política e a luta ideológica. E as massas operárias estavam entregues simultaneamente a essas três dimensões do seu combate. Ações massivas, manifestações, concentrações, debates, circulação de livros e jornais, as massas operárias russas, haviam tomado em suas mãos seu próprio destino e encontravam no seu interior reservas inesgotáveis de pensamento, iniciativas, investigação, tudo era abordado sem descanso em amplos fóruns profundamente coletivos.
O Governo provisório, camuflado por trás dos sovietes, continuava sua política de guerra e não se preocupava em resolver os graves problemas que afligiam os operários e camponeses. Isto conduzia os sovietes à inoperância e ao desaparecimento, como pode se constatar através das declarações de dirigentes social-revolucionários: "Os sovietes não representam nenhum governo frente à Assembléia constituinte nem muito menos estão ao mesmo nível que o Governo provisório. São conselheiros do povo na sua luta e são conscientes que representam somente uma parte do país e só gozam da confiança daquelas massas populares por cujos interesses lutam. Por isso os sovietes têm evitado sempre tomar o poder nas suas próprias mãos e constituir um governo" [25].
Um setor da classe operária começou a tomar consciência desta armadilha já desde os primeiros dias de março. Houve acalorados debates em alguns sovietes, conselhos de bairro e comitês de fábrica sobre a "questão do poder". Porém nesse momento a vanguarda bolchevique recuava, pois seu Comitê Central [26] havia adotado uma resolução de apoio crítico ao Governo provisório apesar da forte oposição que provocou em diferentes secções do partido [27].
O debate se intensificou em março. "O comité de Vyborg juntou numa reunião política milhares de operários e de soldados que, quase unanimemente, adoptaram uma resolução sobre a necessidade da tomada do poder pelo Soviete. O comité de Vyborg celebrava comícios com milhares de operários e soldados, nos quais se votava, quase por unanimidade, resoluções que faziam ressaltar a necessidade de que o Soviete tomasse o poder. [...] A resolução de Vyborg, por causa do seu sucesso, foi imprimida e colada em cartazes. Mas o comitê de Petrogrado proibiu essa resolução " [28].
A chegada de Lênin em abril transformou radicalmente a situação. Lênin, que desde seu exílio suíço via com inquietude as notícias que chegavam fragmentadas da vergonhosa conduta do Comitê Central do Partido bolchevique, havia chegado às mesmas conclusões que o Comitê de Vyborg. Nas suas Teses de Abril formulou claramente que: "A peculiaridade do momento atual na Rússia consiste na transição da primeira etapa da revolução, que deu o poder à burguesia por faltar ao proletariado o grau necessário de consciência e organização, para a sua segunda etapa, que deve colocar o poder nas mãos do proletariado e das camadas pobres do campesinato." [29] . [Fonte: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/04/04_teses.htm] [5]
Muitos autores não enxergam esta intervenção decisiva de Lênin como uma manifestação clara do papel de vanguarda do partido revolucionário e de seus militantes mais destacados, mas que, pelo contrário, a consideram um ato de oportunismo político. Segundo eles, Lênin aproveitou a ocasião de utilizar os sovietes como plataforma para conquistar "o poder absoluto" e trocou a jaqueta de "ferrenho jacobino" pela roupagem anarquista do "poder direto das massas". De fato, um antigo membro do partido lhe alfinetou: "Durante muitos anos, o lugar de Bakunine na revolução russa ficou livre: agora, ele foi tomado por Lênin." [30].
Esta lenda é radicalmente falsa. A confiança de Lênin no papel dos Sovietes vinha de longe, extraía das lições que havia tirado da Revolução de 1905, em um projeto de resolução que propôs ao IVº Congresso do Partido (abril 1906) escreveu que: "À medida que os conselhos operários representam núcleos do poder revolucionário, sua força e significado dependem totalmente da força e da vitória do levante", para acrescentar em seguida que: "este tipo de organizações está condenada ao fracasso, se não se apóiam no exército revolucionário e derrotem os poderes estatais (quer dizer, se convertem em um governo provisório revolucionário)" [31].
Em 1915 voltava a insistir na mesma idéia: "Conselhos de delegados operários e instituições parecidas devem ser considerados como órgãos de insurreição, como órgãos de poder revolucionário. Estas instituições somente podem ser de interesse seguro em relação ao surgimento da greve massiva política" [32].
Lênin, no entanto, era consciente de que o combate não tinha feito mais do que começar: "Somente lutando contra esta inconsciência confiante (e pode-se e deve-se lutar contra ela apenas ideologicamente, pela persuasão fraternal, apontando para a experiência da vida) podemos libertar-nos do desencadeamento de frases revolucionárias reinantes e impulsionar verdadeiramente tanto a consciência do proletariado como a consciência das massas, como a sua iniciativa audaz e resoluta à escala local" [33]. Isso se comprovou amargamente no primeiro Congresso dos sovietes de toda Rússia. Convocado para unificar e centralizar a rede dos diferentes tipos de sovietes espalhados por todo o território, adotou resoluções que não só iam contra a revolução, mas presumia-se um golpe moral nos próprios sovietes. Nos meses de junho e julho salta à plena luz um grave problema político: a crise dos sovietes, seu afastamento da revolução e das massas.
A situação geral era de completo desajuste: fechamento de indústrias e aumento considerável do desemprego, paralisia dos transportes, perda de colheitas no campo, racionamento geral. E no exército se multiplicavam as deserções e as tentativas de confraternização com os soldados da frente inimiga. O bando imperialista da Entente (França, Inglaterra e agora Estados Unidos) pressionava o Governo provisório para que empreendesse uma ofensiva geral contra as frentes alemãs. Complacentes com essas pressões, os delegados mencheviques e social-revolucionários fizeram o Congresso dos sovietes adotar uma resolução em apoio à ofensiva militar embora uma importante minoria -não só bolcheviques- estivesse contra. O Congresso rechaçou uma proposta de aprovação da jornada de trabalho de 8 horas e jogou abaixo propostas favoráveis aos camponeses. Em lugar de ser expressão da luta revolucionária se convertia em porta voz do combate da burguesia contra o ascenso da revolução.
O conhecimento das sucessivas resoluções do Congresso -especialmente a que aprovava a ofensiva guerreira- provocou uma profunda decepção nas massas. Percebiam que seu órgão escapava-lhes das mãos, porém começaram a reagir. Sovietes de bairro de São Peterburgo, o Soviet da vizinha cidade marítima de Kronstadt e diversos conselhos de fábrica e comitês de vários regimentos propuseram uma grande manifestação em 10 de junho cujo objetivo era pressionar o Congresso para que mudasse sua política e se orientasse para a tomada completa do poder expulsando os ministros capitalistas.
A resposta do Congresso foi proibir temporariamente as manifestações argüindo o "perigo" de um "complô monárquico". Os delegados do Congresso foram mobilizados para se dirigirem às fábricas e regimentos para "convencer" os operários e soldados. O depoimento de um delegado menchevique publicado em Izvestia, órgão do Soviete de Moscou, é eloqüente: "Durante toda a noite, a maioria do Congresso, mais de quinhentos dos seus membros, sem pregar olho, por equipas de dez, percorreram as fábricas, as oficinas e os quartéis de Petrogrado, exortando os homens a absterem-se de manifestar. O Congresso, num bom número de fábricas e de oficinas e também numa certa parte da guarnição, não gozou de qualquer autoridade ... Os membros do Congresso foram acolhidos muitas vezes de maneira pouco amistosa, por vezes mesmo com hostilidade, e frequentemente foram repelidos colericamente." [34].
A frente burguesa compreendeu a necessidade de salvar seu trunfo principal -o sequestro dos sovietes- contra a primeira tentativa séria das massas por recuperá-los. Mas o fez - com seu maquiavelismo congênito - utilizando como bode expiatório os bolcheviques, contra os quais lançou uma furiosa campanha. No congresso de cossacos que se celebrava ao mesmo tempo que o Congresso dos sovietes, Miliukov designava: "os bolcheviques como os piores inimigos da revolução russa." (...) "É tempo de acabar com esses senhores.". [35] O Congresso cossaco decidiu: "apoiar os sovietes ameaçados. Nós cossacos jamais nos separaremos dos sovietes". A principal força repressiva do czarismo cerrava fileiras com os sovietes! Como disse Trotsky: "Contra os bolcheviques, os reaccionários estavam prontos a marchar mesmo com o Soviete para melhor o abafar a seguir" [36]. O menchevique Liber traçou claramente o objetivo quando disse no Congresso: "se queres que a massa que está com os bolcheviques os siga, rompam com o bolchevismo".
A violenta contraofensiva burguesa aconteceu numa situação em que as massas, no seu conjunto, eram ainda politicamente débeis. Os bolcheviques compreenderam e propuseram o cancelamento da manifestação de 10 de junho, o qual foi aceito com relutância em alguns regimentos e nas fábricas mais combativas.
Ao chegar a notícia ao Congresso dos sovietes, um delegado propôs que se realizasse a manifestação "verdadeiramente soviética" para o 18 de junho. Miliukov analisa assim essa convocatória: "Depois de pronunciar no Congresso dos sovietes discursos de tom liberal, depois de ter impedido a manifestação armada de 10 de junho, os ministros socialistas tiveram a sensação de que tinham, ido demasiado longe na sua aproximação ao nosso campo. Se assustaram e deram uma viragem para os bolcheviques". Trotsky o corrige justamente: "Não era precisamente uma viragem para os bolcheviques, mas algo muito distinto: uma tentativa de viragem para as massas contra o bolchevismo" [37].
Porém o tiro saiu pela culatra. Os operários participaram massivamente na manifestação de 18 de junho, com cartazes que exigiam todo poder aos sovietes, reclamando a saída de todos os ministros capitalistas, o fim da guerra, chamamento à solidariedade internacional... Os manifestantes seguiam massivamente as orientações bolcheviques e reivindicavam tudo ao contrário do que foi pedido pelo Congresso
A situação continuou se agravando. A burguesia russa, assessorado por seus aliados da Entente, encontrava-se metida em um beco sem saída. A famosa ofensiva militar estava se tornando um fiasco. Os operários e os soldados queriam uma mudança radical da política dos sovietes. Mas nas províncias a situação não estava tão clara e no campo, apesar da progressiva radicalização, a grande maioria estava com os socialistas revolucionários e com o Governo provisório.
Era o momento para a burguesia de perpetrar uma emboscada para as massas de São Petersburgo para levá-las a um enfrentamento prematuro que permitisse assentar um duro golpe na vanguarda do movimento e desta forma abrir as portas a contrarrevolução.
As forças burguesas estavam se reorganizando. Tinha se formado um "soviete de oficiais" cuja missão era organizar forças de elite para abater militarmente a revolução. Alentada pelas democracias ocidentais, as centúrias negras czaristas voltavam a levantar a cabeça. A velha Duma funcionava - segundo palavras de Lênin - como uma fábrica contrarrevolucionária sem que os líderes social-traidores dos sovietes lhe pusessem nenhum obstáculo.
Uma série de hábeis provocações foi tecida para jogar os operários de São Petersburgo na armadilha de uma insurreição prematura. Por um lado, o partido cadete retirou seus ministros do Governo provisório de tal forma que este ficou unicamente composto por "socialistas". Era uma forma de convidar aos operários que reivindicassem a tomada imediata do poder e se lançassem, portanto, à insurreição. A Entente colocou um claro ultimato ao Governo provisório no sentido de "eleger": os sovietes ou um governo constitucional. No entanto, a mais violenta provocação foi a ameaça de deslocar os regimentos mais combativos da capital para as regiões fronteiriças.
Quantidades numerosas de trabalhadores e soldados de Petersburgo morderam o anzol. A partir de vários sovietes de bairro, de fábrica e de regimento convocaram uma manifestação armada para o dia 4 de julho. O eixo da manifestação era a tomada do poder pelos sovietes. Isso mostrava como os operários compreendiam que não havia mais saída a não ser a revolução. Porém, ao mesmo tempo, pretendiam que os encarregados de exercer o poder fossem os sovietes tal e como estavam constituídos na ocasião: com a maioria de mencheviques e socialistas revolucionários cuja única preocupação era mantê-los submetido à burguesia. Produziu-se um cenário muito conhecido: um velho operário desafiando a um membro menchevique do Soviete: "por que não tomais o poder de uma vez?", uma cena significativa das ilusões persistentes no seio da classe operária. Era como pedir à raposa que cuidasse do galinheiro, tudo isso mostrava a insuficiência na consciência das massas e as ilusões que ainda as debilitava. Os bolcheviques não morderam a isca e alertaram da armadilha em curso. Entretanto, não o fizeram desde uma posição de suficiência, colocados em um pedestal a partir do qual dizer às massas o quanto estavam equivocadas. O que fizeram foi colocarem-se à frente da manifestação, estar com os operários e soldados, contribuir com todas suas forças para que a resposta massiva fosse firme, mas não se dirigisse para um confronto decisivo onde a derrota estava mais que garantida [38].
A manifestação se recolheu ordenadamente e não se lançou ao assalto revolucionário. O massacre foi evitado resultando em um triunfo das massas frente ao futuro. Porém a nível imediato, a burguesia não podia retroceder, tinha que apostar fortemente na via da contraofensiva. O Governo provisório, inteiramente constituído por ministros "operários", desencadeou uma brutal repressão ocupando-se especialmente dos bolcheviques. O partido foi declarado fora da lei, numerosos militantes aprisionados, toda sua imprensa fechada, Lênin teve de passar para a clandestinidade.
Graças a um esforço difícil e heróico, o Partido bolchevique contribuiu decisivamente para evitar a derrota das massas, da sua dispersão e da ameaça de debandada por causa da sua desorganização. O Soviete de São Petersburgo, em contrapartida, apoiado pelo Comitê executivo eleito no recente congresso soviético, se colocou claramente ao lado do Governo provisório. Avalizou a repressão e a perseguição de operários combativos. Adotou, uma após outra, resoluções repressivas. O Soviete havia chegado ao máximo da sua ignomínia.
A organização das massas em conselhos operários desde fevereiro de 1917 significou, para elas, a possibilidade de desenvolver sua força, sua organização e sua consciência para o assalto final contra o poder da burguesia. O período seguinte, chamado o período de dualidade de poder entre o proletariado e burguesia, foi uma fase crítica para as duas classes antagônicas que podia ter desembocado, tanto para uma como para outra, em uma vitória política e militar sobre a classe inimiga.
Durante todo esse período, o nível de consciência das massas, débil ainda em comparação com as necessidades de uma revolução proletária, era uma brecha que a burguesia tentaria utilizar para fazer abortar o processo revolucionário em gestação. Para isso dispunha de uma arma tão perigosa quanto prejudicial. A da sabotagem a partir de dentro, realizado por forças burguesas com cara "operária" e "radical". Esse cavalo de Tróia da contrarrevolução era formado naquele tempo, na Rússia, pelos partidos "socialistas" Menchevique e o SR.
No início, muitos operários alimentavam ilusões com relação ao Governo provisório, vendo-o como uma emanação dos sovietes, quando era, na realidade, seu pior inimigo. Quanto aos mencheviques e socialistas revolucionários, dispuseram de uma grande confiança entre as grandes massas, as quais conseguiram enganar com seus discursos radicais, sua fraseologia revolucionária. Isso lhes permitiu dominar politicamente a grande maioria dos sovietes. Graças a essa posição de força se dedicaram a esvaziá-los da sua substância revolucionária para colocá-los a serviço da burguesia. E se não lograram êxito foi porque as massas mobilizadas permanentemente, faziam sua própria experiência, o que as levou, com o apoio do Partido bolchevique, a derrubarem a máscara dos mencheviques e socialistas revolucionários na medida em que esses iam assumindo cada dia mais as orientações do Governo provisório sobre questões tão fundamentais como a guerra e as condições de vida.
No próximo artigo veremos como desde o fim de agosto de 1917, os sovietes conseguiram renovar-se e converter-se realmente em plataforma para a tomada do poder, o que culminou no triunfo da Revolução de outubro.
C.Mir 08-03-10
[1] Ver: https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/O_que_sao_os-Conselhos_Oper [6]ários
[2] Tanto para conhecer em detalhes de como se desenvolveu a revolução russa como para ver o papel decisivo desempenhado pelo partido bolchevique existe muito material. Destacamos: A História da Revolução Russa de Trotsky (2 volumes), Dez dias que abalaram o mundo de John Reed, nosso folheto sobre a Revolução Russa (Outubro de 1917) e diferentes artigos da nossa Revista Internacional, nºs 71, 72, 89, 90 e 91
[3] Este autor é altamente anti-bolchevique, mas narra de maneira fidedigna os fatos e reconhece com equanimidade os aportes bolcheviques, o que contrasta com os juízos sectários e dogmáticos que, de vez em quando, ele aplica.
[4] Citado por Oskar Anweiler, Los sovietes en Rusia, p. 96. Tradução nossa.
[5] Ibidem, p. 110.
[6] Ibid., p. 105.
[7] Ibid., p. 106.
[8] Gerald Walter, Vision d'ensemble de la Révolution russe (Visão do conjunto da Revolução Russa), p. 83, edição francesa, tradução nossa.
[9] Publicadas em 1922 em 7 volumes, dão o ponto de vista de um socialista independente, colaborador de Gorki e dos mencheviques internacionalistas de Martov. Embora esteve em discordância com os bolcheviques apoiou a Revolução de Outubro. Esta citação e as seguintes correspondem ao compêndio das Memórias publicadas em espanhol. Tradução nossa.
[10] Segundo Anweiler, op. cit., havia uns mil delegados no final de sessão e, nas sessões seguintes, chegou a ter 3000.
[11] Ibid., p. 54.
[12] Esta comissão proporia a edição permanente de um periódico do Soviete, Izvestia (Notícias) que apareceria regularmente a partir de então.
[13] Citado por Anweiler, op. cit.
[14] Ibid., p. 56.
[15] Ibid., p. 124
[16] Ibid., p. 133.
[17] Ibid., p. 121.
[18] Ibid., p. 129
[19] Duma: Câmara de Deputados na Rússia.
[20] Citado por Trotsky na História da Revolução Russa. Fonte:: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap08.htm [7]
[21] Trotsky, op. cit..Fonte: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap09.htm [8].
[22] Partido Constitucional Democrata (KD), ou Cadete, era o partido da grande burguesia constituído apressadamente em 1905. Seu chefe foi Miliukov, eminência parda da burguesia russa à época.
[23] Trotsky relata como a burguesia estava atada à paralisia e como os chefes mencheviques utilizaram seu controle sobre os sovietes para lhe entregar o poder incondicionalmente de tal maneira que Miliukov "não se preocupava em dissimular sua satisfação e sua agradável surpresa"(Memórias de Sukhanov),).
[24] Este advogado, muito popular nos círculos operários de antes da Revolução, terminou sendo nomeado chefe do Governo Provisório, dirigindo as diferentes tentativas para acabar com os operários. Suas intenções são reveladas pelas memórias do embaixador inglês da época: "Kerenski me pediu paciência assegurando-me que os sovietes acabariam morrendo de morte natural. Pouco a pouco iriam cedendo suas funções aos órgãos democráticos de administração autônoma".
[25] Citado por Anweiler, op. cit., p. 151.
[26] Era constituído por Stálin, Kamenev e Molotov. Lênin continuava exilado na Suíça e só tinha meios de contatar com o partido.
[27] Em uma reunião do Comitê do Partido de São Petersburgo, celebrada em 5 de março, o seguinte projeto de Resolução apresentado por Chliapnikov foi derrotado: "A tarefa do momento é formar um Governo provisório revolucionário que nasça da união dos conselhos de operários, soldados e camponeses. Como preparação para a completa conquista do poder central é imprescindível consolidar o poder dos conselhos de operários e soldados;" (Citado por Anweiler, op Cit., P. 156)
[28] Trotsky, op. cit., Fonte: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap15.htm [9]
[29] Nesse artigo não podemos abordar o conteúdo dessas Teses que são muito interessantes. Para tanto veja: "As teses de abril, farol da revolução proletária" (Fonte: https://pt.internationalism.org/ICCOline/2007/revolucao_mundial_teses_ab... [10])
[30] Trotsky, op. cit. Fonte: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap15.htm [9]
[31] Citado por Anweiler, op. cit., p. 88.
[32] Ibid., p. 92.
[33] Lênin, As Tarefas do Proletariado na Nossa Revolução (Projecto de Plataforma do Partido Proletário. Fonte: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/04/23.htm [11]
[34] Citado por Trotsky em História da Revolução Russa.Fonte: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap22.htm [12]
[35] É prova do cinismo típico da burguesia que seu chefe de então na Rússia fale em nome da "Revolução Russa"!
[36] Trotsky, op. cit. Fonte: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap22.htm [12]
[37] Ambas citações estão na página 412 do volumem I da História da Revolução Russa.
[38] Para uma análise mais detalhada deste episódio, remetemos ao leitor ao capítulo "As jornadas de Julho - O partido faz abortar uma provocação da burguesia" da nossa brochura Outubro de 1917: https://pt.internationalism.org/ICCOline/2007/revolucao_russe_partitdo.htm [13] .
A série O que são os conselhos operários? se propõe a responder a pergunta analisando a experiência histórica do proletariado. Não se trata de elevar os sovietes a um modelo infalível que simplesmente deveria ser copiado, mas que buscamos compreendê-los tanto nos seus erros como nos seus acertos para armar com a luz dessas lições as gerações atuais e futuras.
No primeiro artigo, vimos como nasceram com a Revolução de 1905 na Rússia [1], e no segundo como constituíram a peça vital da Revolução de fevereiro de 1917 e como entraram em uma profunda crise em junho-julho de 1917 até tornar-se reféns da contrarrevolução burguesa. [2]
Nesse terceiro artigo, veremos como foram recuperados pela massa de trabalhadores e soldados, que conseguiram, assim, tomar o poder em outubro de 1917.
Tanto nos processos naturais como nos processos sociais, a evolução nunca se faz em linha reta, mas através de contradições, convulsões, contratempos dramáticos, passos atrás e saltos adiante. Tudo isso se acentua muito mais com o proletariado, classe que por definição está privada da propriedade dos meios de produção e que não dispõe de nenhum poder econômico. Sua luta segue uma marcha convulsiva e contraditória, com passos atrás, com aparentes perdas do que parecia adquirido para sempre, com grandes momentos de apatia e desmoralizações.
Após a revolução de fevereiro, os operários e soldados pareciam ir de êxito em êxito, a influência do bolchevismo crescia sem cessar, as massas – sobretudo as da região de Petrogrado – se orientavam para a revolução. Esta parecia amadurecer como uma fruta.
Contudo, o mês de julho colocou em destaque esses momentos de crises e encruzilhada tão típicos da luta proletária. "Os operários e os soldados de Petrogrado, que no próprio impulso para a frente,esbarraram de um lado, com a falta de clareza e com as contradições dos próprios objetivos e, de outro lado, com o atraso das províncias e do front, sofreram uma derrota direta". [3]
A burguesia se aproveitou para empreender uma furiosa ofensiva: os bolcheviques foram caluniados como "agentes da Alemanha" [4], foram aprisionados em massa, organizou bandos paramilitares que os agrediam nas ruas, boicotavam seus comícios, assaltavam seus locais e imprensas. Fizeram-se presentes as terríveis Centúrias Negras czaristas, os círculos monárquicos, as associações de oficiais. A burguesia – com aval da diplomacia inglesa e francesa – aspirava à destruição dos sovietes e à implantação de uma ditadura feroz. [5]
A revolução iniciada em fevereiro estava em um ponto onde o espectro da derrota aproximava perigosamente: "Muita gente acreditou que, naquele momento, a Revolução houvesse chegado a um ponto morto, em verdade, porém, era a própria Revolução de Fevereiro que dera tudo se si, até o fundo. Semelhante crise interior da consciência das massas, combinada com a repressão e com a calúnia, conduziu às perturbações e aos recuos e, em alguns casos, mesmo, ao pânico. Os adversários tornaram-se atrevidos. Na massa a crise fez subir à superfície tudo o que existia de atrasado, de inerte e de descontente, em conseqüência das comoções e das privações". [6]
Contudo, nesse momento difícil, os bolcheviques constituíram uma fortaleza essencial das forças proletárias. Perseguidos, caluniados, não cederam nem empreenderam uma debandada, embora tenha havido duros debates nas suas fileiras e um bom número de militantes se tenha afastado do partido. Seus esforços se centraram em tirar lições da derrota e, sobretudo, a principal delas: porque os Sovietes estavam seqüestrados pela burguesia e corriam perigo de desaparecer?
De fevereiro a julho, tinha se mantido uma situação de dualidade de poder: por um lado, os Sovietes, porém diante dele, o poder do Estado burguês não tinha sido derrubado e tinha ativos suficientes para restabelecer-se plenamente. Os acontecimentos de julho tinham feito saltar pelos ares o equilíbrio impossível entre ambos, os sovietes e o poder do Estado: "O Estado-Maior General e os altos comandos do exército, com a ajuda consciente ou semiconsciente de Kérenski, que até os socialistas-revolucionários mais destacados chamaram agora Cavaignac [7], tomaram de facto o poder estatal nas mãos, passando a metralhar as unidades revolucionárias das tropas na frente, a desarmar as tropas e os operários revolucionários em Petrogrado e em Moscovo, a sufocar e esmagar Níjni-Nóvgorod, a prender os bolcheviques e a fechar os seus jornais não só sem julgamento mas mesmo sem decreto do governo. (...) a verdadeira essência da política da ditadura militar, que hoje domina na Rússia e é apoiada pelos democratas-constitucionalistas e os monárquicos, consiste em preparar a dispersão dos Sovietes". [8]
Lênin demonstrava igualmente como os mencheviques e os socialistas-revolucionários, "traíram definitivamente a causa da revolução ao pô-la nas mãos dos contra-revolucionários e ao converterem-se a si próprios e aos seus partidos e aos Sovietes em folha de parreira da contra-revolução". [9]
Em tais condições, "todas as esperanças de um desenvolvimento pacífico da revolução russa se desvaneceram definitivamente. A situação objetiva é esta: ou a vitória da ditadura militar até ao fim ou a vitória da insurreição armada dos operários, (...) A palavra de ordem da passagem de todo o poder aos Sovietes foi a palavra de ordem do desenvolvimento pacífico da revolução possível em Abril, em Maio, em Junho e até 5-9 de Julho". [10]
No seu livro Os sovietes na Rússia, Oskar Anweiler, utiliza essas análises para demonstrar que: "com isso se proclamou pela primeira vez, em uma formulação apenas camuflada, o objetivo da conquista do poder único pelos bolcheviques, o qual, até agora, sempre tinha aparecido oculto atrás do lema de "Todo poder aos sovietes"". [11]
Aparece aí a famosa e reiterada acusação da "utilização tática dos bolcheviques para conquistar o poder absoluto". No entanto, uma análise do artigo que Lênin escreveu em seguida demonstra que suas preocupações eram radicalmente diferentes das que Anweiler lhe atribui: buscava como tirar os sovietes da crise na qual se debatiam, como poderiam sair do poço que os levava ao seu desaparecimento.
No artigo A Propósito das Palavras de Ordem, Lênin se pronunciava de forma inequívoca: "É precisamente o proletariado revolucionário que, depois da experiência de Julho de 1917, tem de tomar ele próprio nas suas mãos o poder de Estado — sem isso é impossível a vitória da revolução. (...) Nesta nova revolução poderão e deverão surgir os Sovietes, mas não os Sovietes atuais, não os órgãos de um espírito de conciliação com a burguesia, mas os órgãos de uma luta revolucionária contra ela. É certo que também então seremos pela construção de todo o Estado segundo o tipo dos Sovietes. Não se trata da questão dos Sovietes em geral, mas da questão da luta contra a contra-revolução atual e contra a traição dos Sovietes atuais". [12] De maneira ainda mais precisa afirma que "começa um novo ciclo, no qual entram não as velhas classes, não os velhos partidos, não os velhos Sovietes, mas classes, partidos e Sovietes renovados pelo fogo da luta, temperados, instruídos, reconstituídos pelo curso da luta". [13]
Esses escritos de Lênin participavam de um tempestuoso debate nas fileiras do Partido bolchevique que se cristalizou no VI Congresso do Partido celebrado entre 26 de julho a 3 de agosto na mais rigorosa clandestinidade e com Lênin e Trotsky ausentes pois eram particularmente procurados pela polícia. No mencionado Congresso se expressaram três posições: uma, desorientada pela derrota de julho e pela deriva dos sovietes, que preconizava abertamente "deixá-los de lado" (Stálin, Molotov, Sokolnikov); outra que advogava por manter sem mais nada o velho lema "Todo poder aos sovietes"; uma terceira que propugnava apoiar-se em organizações "de base" (conselhos de fábricas, sovietes locais, sovietes de bairros) para reconstituir o poder coletivo dos operários.
Esta última provou ser a posição correta. Desde meados de julho as organizações soviéticas "de base" iniciaram um combate pela renovação dos sovietes.
No segundo artigo da série vimos que ao redor dos sovietes, as massas se organizaram em uma gigantesca rede de organizações soviéticas de todo tipo que expressavam sua unidade e sua força. [14] A cúpula da rede soviética – os sovietes de cidade – não flutuava sobre um oceano de passividade das massas, pelo contrário, estas tinham uma intensa vida coletiva concretizada em milhares de assembleias, conselhos de fábricas, sovietes de bairro, assembleias interdistritais, conferências, encontros, comícios... Sukhanov [15] nos dá uma ideia do ambiente reinante na Conferência de Conselhos de Fábrica de Petrogrado: "Em 30 de maio se iniciou no Salão Branco uma Conferência dos comitês de fábrica e de outros estabelecimentos da capital e arredores. Aquela conferência foi preparada "na base"; seu plano tinha sido aperfeiçoado em locais de trabalho sem nenhuma participação dos organismos governamentais encarregados das questões do trabalho, nem sequer dos órgãos do soviete (...) A Conferência era realmente representativa: operários vindos dos locais de trabalho participaram em grande número e ativamente das suas tarefas. Durante dois dias, aquele parlamento operário discutiu sobre a crise econômica e o desastre do país". [16]
Inclusive nos piores momentos após as jornadas de Julho, as massas lograram conservar essas organizações, as quais não se viram tão afetadas pela crise como "os grandes órgãos soviéticos": O Soviete de Petrogrado, o Congresso dos sovietes e seu Comitê Executivo Central, o CEC.
Duas razões concomitantes explicam essa diferença: em primeiro lugar, as organizações soviéticas de "baixo" eram convocadas sob o impulso das massas que, intuindo problemas ou perigos, propunham uma assembleia e em poucas horas conseguiam realizar. Muito diferente era a situação dos órgãos soviéticos de "cima": "Na mesma medida que o trabalho do Soviete começou a funcionar bem, perdeu em grande parte o contato com as massas. As sessões plenárias que eram celebradas quase que diariamente nas primeiras semanas, foram poucas e a assistência dos deputados era cada vez menos assídua. O comitê executivo do Soviete visivelmente ia ficando fora do controle dos deputados". [17]
Em segundo lugar, mencheviques e socialistas-revolucionários se concentraram no corpo burocrático dos grandes órgãos soviéticos. Sukhanov descreve o ambiente de intrigas e manobras que dominava o Soviete de Petrogrado: "O Presidium do Soviete que tinha sido na sua origem um órgão de procedimento interno, passou a substituir o Comitê Executivo nas suas funções, a suplantá-lo. Além disso, se reforçou como um organismo permanente e bastante oculto que recebeu o nome de "Câmara das Estrelas". Ali se encontravam os membros do Presidium e uma espécie de camarilha composta de amigos de Tchkheidzé e Tsereteli. [18] Esse último se converteu em um dos responsáveis do ditatorialismo no seio do Soviete". [19]
Em contrapartida, os bolcheviques faziam uma intervenção ativa e cotidiana nos órgãos soviéticos de base. Sua presença era muito dinâmica, e com frequência eram os primeiros a propor assembleias e debates, para a adoção de resoluções capazes de dar expressão à vontade e ao avanço das massas.
Em 15 de julho, uma manifestação de operários das grandes fábricas de Petrogrado se concentrava diante do edifício do Soviete de Petrogrado denunciando as calúnias contra os bolcheviques e exigindo a libertação dos presos. Em 20 de julho, a assembleia da fábrica de armas de Sestroretsk pedia o pagamento dos salários que não foram pagos em decorrência da sua participação nas jornadas de julho e, atendida a reivindicação, dedicava esse dinheiro para financiar a imprensa contra a guerra. Trostky afirma como, em 24 de julho, "uma assembleia dos operários de 27 empresas do bairro de Peterhoff votaria uma resolução de protesto contra o Governo irresponsável e contra a política dele,contra-revolucionária". [20]
Trotsky destaca outro fato: em 21 de julho chegaram a Petrogrado delegações de soldados do front. Estavam fartos dos sofrimentos que ali viviam e da repressão que os oficiais haviam colocado em prática contra os mais destacados. Dirigiram-se ao Comitê Executivo do Soviete, que não lhes deram a menor atenção. Vários militantes bolcheviques os aconselharem a entrar em contato com fábricas e regimentos de soldados e marinheiros. A acolhida foi radicalmente distinta: lhes receberam como algo próprios, os escutaram, lhes proporcionaram comida e local para dormir.
Trotsky assinala que "em uma conferência que não fora convocada pelos dirigentes, mas organizada pela base, participaram delegados de 29 regimentos do front, de 90 fábricas de Petrogrado, marinheiros de Kronstadt e guarnições dos arredores. No centro da conferencia encontravam-se delegados vindos das trincheiras; entre eles estavam também alguns jovens oficiais. Os operários ouviam os homens do front avidamente, procurando não perder uma palavra sequer daquilo que diziam. Aqueles narrava de que modo a ofensiva e as conseqüências dela devoravam a Revolução. Obscuros soldados, que não eram absolutamente agitadores, descreviam em conversas simples, o ramerrão cotidiano da vida do front. Esses detalhes era perturbadores, porquanto demonstravam claramente, a subida à tona de tudo o que havia de mais detestável no antigo regime", e acrescenta em seguida: "Se bem que, dentre os delegados do front, os socialistas-revolucionários estivessem, inegavelmente, em maioria, foi adotada, quase unanimemente, uma violenta resolução bolchevique: houve apenas 4 abstenções. A resolução adotada não permaneceria letra morta: uma vez separados, os delegados contariam a verdade, diriam de que modo foram afastados pelos líderes conciliadores e de que maneira foram recebidos pelos operários". [21]
O Soviete de Kronstadt – uma dos locais de vanguarda da revolução – também se fez ouvir: "A 20 de julho, um meeting realizado na praça da Ancora, exigiu a entrega do poder aos sovietes, o envio dos Cossacos, dos guardas-civis e dos policiais para o front, a abolição da pena de morte, a admissão em Tsarskoe Selo, de delegados de Kronstadt para verificarem se Nicolau II, na prisão, estava sendo suficientemente e rigorosamente fiscalizado, o deslocamento dos “batalhões da morte”, a confiscação dos jornais burgueses, etc...". [22] Em Moscou, os conselhos de fábrica tinham decidido celebrar sessões comuns com os comitês de regimentos e no final de julho uma Conferência de conselhos de fábricas com assistência de delegados dos soldados adotou uma resolução de denúncia do Governo e de petição de "novos sovietes para substituir o Governo". Na Eleição em primeiro de agosto, 6 dos 10 conselhos de bairro de Moscou passaram a ter maioria bolchevique.
Diante dos aumentos dos preços praticados pelo Governo e os contínuos fechamentos de fábricas pelos patrões, as greves e manifestações massivas começaram a proliferar. Delas participavam setores operários até então considerados como "atrasados" (papeleiros, coureiros, borracheiros e porteiros).
Na secção operária do Soviete de Petrogrado, Sukhanov relata um fato significativo "decidiu criar um Presidium que antes não tinha e aquele Presidium terminou composto por bolcheviques". [23]
Em agosto se celebrou em Moscou uma Conferência Nacional cuja pretensão era, como denuncia Sukhanov: "obrigar os Sovietes a desaparecer diante da vontade de todo o resto da população, reivindicando uma política de união nacional (...) liberar o governo da tutela de toda uma série de organizações operárias, camponesas, zimmerwalianas, semi-alemãs, semi-judias e outros grupos de bandidos". [24]
Os operários perceberam o perigo e numerosas assembleias votaram moções propondo a greve geral. O Soviete de Moscou, rejeitou, no entanto, por 364 votos contra 304, mas os sovietes de bairro protestaram conta essa decisão, "as fábricas reclamaram, imediatamente, a realização de novas eleições ao Soviete de Moscou que, não somente se deixava distanciar das massas, como também caira em grave antagonismo com elas. No Soviete de bairro de Zamoskvoretsky, subúrbio de Moscou, de acordo com os Comitês de fábrica, exigiu-se que os deputados que marchariam "contra a vontade da classe operária", fossem substituídos, e isto se decidiu por 175 votos contra 4 e com 19!". [25] Mais de 400.000 operários foram à greve, a qual se estendeu para outras cidades como Kiev, Kostrava e Tsatarin.
O que relatamos não são só alguns fatos significativos, pontas do iceberg de um processo muito amplo que mostra uma viragem a respeito das atitudes predominantes de fevereiro a junho, ainda marcadas por muitas ilusões e uma mobilização mais limitada aos centros de trabalho, bairros ou cidades:
A burguesia sente que os dividendos obtidos em julho correm perigo de virar fumaça. O fracasso da Conferência Nacional de Moscou foi um duro revés. As embaixadas inglesa e francesa apressam em tomar medidas "decisivas". Nesse contexto surge o "plano" do golpe militar do general Kornilov [26]. Sukhanov destaca que: "Miliukov, Rodzianko [27] e Kornilov,todos eles, compreenderam! Cheios de estupor colocaram-se a preparar com toda urgência, mas em segredo, sua ação. No entanto, para enganar, arregimentaram a opinião contra uma próxima empresa dos bolcheviques". [28]
Não podemos fazer, aqui, uma análise de todos os pormenores da operação .[29] O importante é que a mobilização gigantesca das massas de operários e soldados consegue paralisar a máquina militar desencadeada. E o que se tem que destacar é que esta resposta se faz desenvolvendo um esforço de organização que dará um impulso definitivo à regeneração dos sovietes e seu encaminhamento para a tomada do poder.
Na noite de 27 de agosto, o Soviete de Petrogrado propôs a formação de um comitê militar revolucionário para organizar a defesa da capital. A minoria bolchevique aceitou a proposição, porém acrescentaram que tal órgão "devia se apoiar nas massas de operários e soldados". [30] Na sessão seguinte, os bolcheviques fizeram uma nova proposição que foi aceita relutantemente pela maioria menchevique, "a distribuição de armas nas fábricas e bairros operários" [31], coisa que mal fora anunciada aconteceu que "nos bairros, segundo a imprensa operária, formaram-se imediatamente "filas impressionantes de homens desejosos de participarem do contingente da Guarda Vermelha". Abriram-se cursos de instrução para o manejo do fuzil e para o tiro. Soldados treinados foram chamados para desempenharem o papel de monitores. A partir do dia 29, formaram-se companhias em quase todos os bairros. A Guarda Vermelha declarou-se pronta a lançar em ação, imediatamente, um efetivo de 40.000 fuzis (...) A gigantesca empresa de Putilov tornou-se centro da resistência no bairro de Peterhof. Foram criados, apressadamente, companhias de combate. O trabalho na fábrica prosseguia, ininterrupto noite e dia: ocupavam-se na montagem de novos canhões destinados a formarem divisões proletárias de artilharia". [32]
Em Petrogrado, "os sovietes do bairro uniram-se estreitamente e decidiram declarar a conferência intercantonal aberta em sessão permanente; tomaram a iniciativa de introduzir os respectivos representantes no estado-maior formado pelo Comitê-Executivo; resolveram criar uma milícia operária; decidiram estabelecer o controle do soviete de bairro sobre os comissários do Governo, e organizar equipes volantes destinadas à detenção dos agitadores contra-revolucionários". [33]
Essas medidas "significavam que aqueles sovietes atribuíam a eles próprios, não somente consideráveis funções do Soviete de Petrogrado. (...) A entrada dos bairros de Petrogrado na arena da luta modificou, instantaneamente, a direção e a amplitude desta última. A experiência permitiu que se descobrisse de novo a inesgotável vitalidade da organização soviética: paralisada de cima pela direção dos conciliadores, reanimava-se ela, no momento crítico, na base, sob impulso das massas". [34]
Essa generalização da auto-organização das massas se estendeu por todo o país. Trotsky recolhe o caso de Helsingfors, onde "a assembleia geral de todas as organizações soviéticas, criou um comitê revolucionário que enviou comissários à casa do general-governador, à kommandantur [comando], à contra-espionagem e a outras instituições muito importantes. E desde então ordem alguma era digna de crédito sem que estivesse assinada pelos comissários.Os telégrafos e os telefones foram colocados sob controle" [35], mas ali aconteceu algo muito significativo: "no dia seguinte, cossacos da tropa apresentaram-se ao Comitê e declararam que todo o regimento era contrário a Kornilov. E pela primeira vez, representantes dos cossacos foram introduzidos no Soviet". [36]
O esmagamento do golpe de Kornilov produziu um salto espetacular na correlação de forças entre as classes: O Governo Provisório de Kerensky tinha sido um zero à esquerda. Os únicos protagonistas foram as massas e, sobretudo, o reforçamento e revitalização geral dos seus órgãos coletivos. A resposta a Kornilov "era o ponto de partida de uma transformação radical de toda a conjuntura, a revanche sobre as jornadas de julho. O Soviete poderia renascer!". [37]
O jornal do Partido Cadete [38], Retch, não se equivocava quando assinalava: "Nas ruas já apareceram multidões de operários armados que aterrorizam os pacíficos habitantes. Nos Sovietes, os bolcheviques exigem energicamente a liberdade dos seus camaradas prisioneiros. Todo o mundo está convencido de que uma vez terminado o movimento do general Kornilov, os bolcheviques, rechaçados pela maioria do Soviete, empregarão toda sua energia para obrigar o Soviete a seguir o caminho, embora seja parcialmente, de seu programa". Retch, contudo, equivocava-se em uma coisa: não foram os bolcheviques os que obrigaram o Soviete a seguir seu programa mas que foram as massas que obrigaram os sovietes a adotar o programa bolchevique.
Os operários tinham ganho uma enorme confiança em si mesmos e queriam aplicar na renovação total dos sovietes. Cidade após cidade, soviete após soviete, em um processo vertiginoso, as velhas maiorias social-traidoras foram excluídas e novos sovietes com maioria de bolcheviques e de outros agrupamentos revolucionários (socialistas revolucionários de esquerda, mencheviques internacionalistas, anarquistas) emergiam após debates e votações massivas.
Sukhanov descreve assim o estado de ânimo de operários e soldados: "impulsionados pelo instinto de classe e, em certa medida, pela consciência de classe, pela influência ideológica organizada dos bolcheviques; cansados da guerra e do peso que dela originava; desapontados pela esterilidade da revolução que não lhes havia dado em nada ainda; irritados contra os proprietários e os governantes que gozavam, eles sim, de todos os lucros; desejosos, enfim, de fazer uso do poder conquistado, ansiavam engajar na batalha decisiva". [39]
Os episódios dessa reconquista e renovação dos sovietes são intermináveis. "Na noite de 31 de agosto para 1 de setembro, ainda sob a presidência do próprio Cheidze, o Soviete [de Petrogrado] votou a favor da concessão do poder aos operários e aos camponeses. Os membros da base das frações conciliadoras apoiaram, quase que unanimemente, a resolução dos bolcheviques. A moção de Tseretelli, que concorria com a dos bolchevique, obteve apenas uns 15 votos. O presidium conciliador não podia acreditar no que via. A direita exigiu votação nominal que se prolongou até 3 horas da madrugada. Afim de não votar, abertamente, contra os próprios partidos, muitos delegados retiraram-se. E, entretanto, apesar de todos os meios de pressão, a resolução dos bolcheviques obteve, na contagem final 279 votos contra 115. Era de fato de grande importância. Era o começo do fim. Atordoado, o presidium declarou que renunciava ao cargo". [40]
Em 2 de setembro, uma conferência de todos os sovietes da Finlândia adotou uma resolução a favor da entrega do poder aos sovietes por 700 votos contra 13 que se opuseram e 36 abstenções. A Conferência Regional de Sovietes de toda Sibéria aprovou uma resolução no mesmo sentido. O Soviete de Moscou também o fez em uma dramática sessão em 5 de setembro, onde se aprovou uma moção que mostrava sua desconfiança para com o Governo Provisório e para com o Comitê Executivo Central. "A 8 de setembro,a resolução dos bolcheviques foi adotada pelo soviete dos deputados operários de Kiev, pela maioria de 130 votos contra 66, se bem que a fração bolchevique oficial não contasse com mais de 95 membros" .[41] Pela primeira vez, o Soviete de deputados camponeses da província de Petrogrado elegia como delegado um bolchevique.
O momento culminante desse processo foi a histórica sessão do Soviete de Petrogrado de 9 de setembro. Inumeráveis reuniões em fábricas, bairros e regimentos tinham preparado esta. Cerca de 1000 delegados participaram de uma reunião onde a mesa propôs revogar a votação de 31 de agosto. Finalmente a votação alcançou um resultado que supunha o rechaço definitivo da política dos social-traidores: 519 votos contra a revogação e pela tomada do poder pelos sovietes, 414 a favor da mesa e 67 abstenções.
Poderia se pensar, enfocando as coisas de maneira superficial, que a renovação dos Sovietes consistiu em uma simples mudança de maiorias de social-traidores para bolcheviques.
É certo – e trataremos detidamente no próximo artigo dessa série – que na classe operária e, portanto, nos seus partidos, pesava ainda fortemente uma visão contaminada pelo parlamentarismo, segundo a qual a classe operária elegia "representantes que trabalhavam em seu nome", porém é importante compreender que o dominante na renovação dos sovietes não foi isso, mas:
1) A renovação surgiu da enorme rede de reuniões dos sovietes de base (conselhos de fábrica, conselhos de bairro, comitês de regimento, reuniões conjuntas). Após o golpe de Kornilov, essas reuniões se multiplicaram infinitamente. Cada sessão do soviete unificava e dava expressão resolutiva a um sem fim de reuniões preparatórias.
2) Esta auto-organização das massas foi impulsionada de maneira consciente e ativa pelos sovietes renovados. Enquanto os sovietes anteriores se autonomizavam e só realizavam raras sessões massivas, os novos realizavam sessões abertas diariamente. Enquanto os anteriores temiam e inclusive desautorizavam as assembleias em fábricas e bairros, os novos as convocavam continuamente. Ao redor de cada debate significativo, cada decisão importante, o soviete chamava a realizar reuniões "na base" para adotar uma posição. Diante da 4ª coalizão do Governo Provisório (25 de setembro), "além da resolução do Soviete de Petrogrado negando-se a sustentar a nova coalizão, uma onda de concentrações se estendeu através das duas capitais e no interior. Centenas de milhares de operários e de soldados, protestando contra a formação do novo Governo burguês, se comprometeram a desatar contra ele uma luta decidida exigindo o poder para os sovietes". [42]
3) Foi espetacular a multiplicação de congressos regionais de sovietes, que desde meados de setembro percorre como um rastro de pólvora todos os territórios russos. "Durante essas semanas se realizaram numerosos congressos de sovietes locais e regionais, cuja composição e transcurso refletiam o ambiente político das massas. Característica da rápida bolchevização foi o desenvolvimento do Congresso de Conselhos de deputados operários, soldados e camponeses de Moscou nos primeiros dias de outubro. No início das deliberações, a resolução apresentada pelos social-revolucionários contra a passagem do poder aos sovietes levou 159 votos contra 132. Mas, em outra votação, três dias depois, a fração bolchevique ganhou 116 votos, com 97 contra. Em outros congressos de conselhos foram aceitas, também, as resoluções bolcheviques, que exigiam a tomada do poder pelos sovietes e a destituição do Governo provisório. Em Ekaterinburgo reuniram-se em 13 de outubro 120 delegados de 56 conselhos do Ural, dentre eles 86 bolcheviques. Em Saratov, O Congresso Territorial da zona do Volga rechaçou uma resolução dos mencheviques e social revolucionários e adotou no seu lugar uma bolchevique". [43]
Porém é importante precisar dois elementos que nos parecem fundamentais.
O primeiro é que a maioria bolchevique respondia a algo mais que uma mera delegação de voto em um partido. O partido bolchevique era o único partido claramente partidário não só da tomada do poder como também da forma concreta de fazê-lo: uma insurreição conscientemente preparada que derrubaria o Governo Provisório e desmontaria o poder do Estado. Enquanto os partidos sociais-traidores anunciavam que queriam obrigar que os sovietes cometessem o harakiri [suicídio], enquanto outros partidos revolucionários faziam propostas irrealistas ou vagas, somente os bolcheviques tinham claro que "Os sovietes são reais unicamente "como órgãos de insurreição, como órgãos do poder revolucionário". Fora disso, os sovietes não são mais que um mero joguete que só pode produzir apatia, indiferença e decepção entre as massas, que estão legitimamente fartas da interminável repetição de resoluções e protestos". [44]
Portanto, era natural que as massas operárias depositassem sua confiança nos bolcheviques não tanto para lhes dar um cheque em branco, mas como instrumento do seu próprio combate que estava chegando no momento culminante; a insurreição e a tomada do poder.
"O campo da burguesia se alarmou no final com razão. O movimento das massas transbordava visivelmente; a efervescência nos bairros operários de Petrogrado era evidente. Não se escutava mais que os bolcheviques. Diante do famoso Circo Moderno, onde iam falar Trotsky, Volodarsky, Lunatcharsky, eram vistas filas intermináveis e multidões sem fim que o amplo edifício não podia conter. Os agitadores convidavam a passar dos discursos para os atos e prometiam o poder ao soviete no mais breve futuro". [45] Assim refletia Sukhanov, embora adversário dos bolcheviques, o ambiente reinante em meados de outubro.
Em segundo lugar, os fatos que se acumulam em setembro e outubro revelam uma mudança importante na mentalidade das massas. Como vimos no artigo anterior da série, a palavra de ordem "Todo poder aos Sovietes" enunciada timidamente em março, argumentada teoricamente por Lênin em abril, massivamente proclamada nas manifestações de junho e julho, tinha sido, até então, mais uma aspiração do que um programa de ação conscientemente assumido.
Uma das razões do fracasso do movimento de julho era que a maioria reivindicava que os sovietes "obrigassem" o Governo Provisório a ter "ministros socialistas".
Esta divisão entre soviete e Governo revelava ainda uma evidente incompreensão da tarefa da revolução proletária que não é a de "eleger um governo próprio" e, portanto, conservar a estrutura do velho Estado, mas a de derrubar o Estado e exercer o poder diretamente. E na consciência das massas – embora, como veremos em um próximo artigo, as confusões e a quantidade de problemas novos ainda eram consideráveis – se vislumbrava uma compreensão muito mais concreta e precisa da palavra de ordem de "Todo poder aos Sovietes".
Trotsky destaca como ao ter perdido o controle do Soviete de Petrogrado, os sociais-traidores empreenderam todos os meios que estavam a sua disposição, concentrando-se no seu último reduto: o CEC. "O Comitê-Executivo-Central suprimira, em tempo desejado, os dois jornais que o Soviete de Petrogrado tinha criado, todos os serviços de direção, todos os recursos financeiros e técnicos compreendendo as máquinas de escrever e os tinteiros. Grande número de automóveis que, desde as jornadas de Fevereiro, tinham sido colocadas à disposição do Soviete foram sem exceção, entregues ao Olimpo conciliador. Os novos dirigentes não tinham mais nem caixa, nem jornal, nem objetos de secretaria, nem meios de transporte, nem canetas , nem lápis. Nada além das paredes nuas e a ardente confiança dos soldados e dos operários. E isso era perfeitamente suficiente." [46]
Desde os primeiros dias de outubro uma avalanche de resoluções de sovietes de todo o país reivindica a realização do Congresso dos Sovietes, adiada constantemente pelos social-traidores, com objetivo de materializar a tomada do poder.
Esta orientação é uma resposta tanto à situação na Rússia como à situação internacional. Na Rússia as revoltas camponesas se estendem a quase todas as regiões, a tomada de terras é generalizada; nos quartéis os soldados desertam e retornam às suas aldeias mostrando um crescente cansaço diante de uma situação de guerra que não oferece nenhuma solução; nas fábricas os operários têm de fazer frente à sabotagem da produção por parte de empresários e quadros superiores; em toda sociedade se impõe a ameaça da fome pelo total desabastecimento e um custo de vida que aumenta sem parar. E na frente de guerra internacional crescem as deserções, a insubordinação das tropas, as confraternizações entre soldados de ambos os lados; na Alemanha uma onda de greves varre o país, na Espanha em agosto de 1917 eclode uma greve geral. O proletariado russo necessita tomar o poder não só diante dos problemas insolúveis do país, mas para abrir uma fenda por onde possa se desenvolver a revolução mundial contra os sofrimentos terríveis causados por três anos de guerra.
A burguesia vira suas armas contra a ascensão revolucionária das massas. Em setembro, tentou-se a realização de uma Conferência Democrática que fracassa novamente como a de Moscou. Por sua vez, os social-traidores retardam tudo quanto for possível o Congresso dos Sovietes com objetivo de manter dispersos e desorganizados os sovietes de todo país e evitar que se unifiquem na tomada do poder.
Mas a arma mais terrível, e que se torna explicita cada vez mais, é a tentativa de sabotar a defesa de Petrogrado, para que o exército alemão esmague o ponto mais avançado da revolução. Era algo que já tinha ensaiado o "patriota" Kornilov em agosto quando deixou Riga [47] revolucionária abandonada para a invasão das tropas alemãs que "restauraram a ordem" sangrentamente. A burguesia que faz da defesa nacional seu santo e seu pior veneno contra o proletariado, quando vê seu poder ameaçado pelo inimigo de classe não hesita nenhum segundo em se aliar com seus piores rivais imperialistas.
Ao redor dessa questão da defesa de Petrogrado as discussões do Soviete conduziram para a formação de um Comitê Militar Revolucionário com delegados eleitos do Soviete de Petrogrado, da Secção de soldados do referido soviete, do Soviete de Delegados da Esquadra Báltica, da Guarda Vermelha, do Comitê Regional de Sovietes da Finlândia, da Conferência de Conselhos de Fábrica, do Sindicato ferroviário e da organização militar do Partido bolchevique. À frente desse Comitê foi eleito Lasimir, um jovem e combativo membro dos socialistas-revolucionários de esquerda. Os objetivos desse comitê uniam a defesa de Petrogrado com a preparação do levante armado, dois objetivos que: "até então se excluíam reciprocamente, agora se aproximavam na realidade; ao tomar o poder nas suas mãos, o Soviete tomava para si a defesa de Petrogrado". [48]
A isso, se somou, no dia seguinte, a convocatória de uma Conferência Permanente de toda guarnição de Petrogrado e da região. Com esses dois organismos, o proletariado criava os meios para a insurreição, passo necessário e imprescindível para a tomada do poder.
Em um capítulo da nossa brochura Outubro de 1917, colocamos em evidência como – ao contrário das lendas negras tecidas pela burguesia que apresenta Outubro como um "golpe de estado bolchevique" – a insurreição foi obra dos sovietes e mais concretamente do de Petrogrado [49]. Foram o Comitê Militar Revolucionário (CMR) e a Conferência Permanente de guarnições, os órgãos que prepararam passo a passo e minuciosamente a derrubada armada do Governo Provisório, última cabeça do Estado Burguês. O CMR obrigou o Quartel General do Exército a submeter à sua assinatura qualquer ordem ou decisão por menor que fosse, com o que o paralisou totalmente. Em 22 de outubro, em uma dramática assembleia, o último regimento recalcitrante – o da Fortaleza Pedro e Paulo – aceitou se submeter ao CMR. Em 23 de outubro, em uma emocionante jornada, milhares de assembleias de operários e soldados se comprometiam definitivamente com a tomada do poder. O xeque-mate foi executado pela insurreição de 25 de outubro, a qual ocupou os centros de comunicação, e dessa maneira, colocou as condições para que no dia seguinte o Congresso dos Sovietes de toda Rússia assumisse a tomada do poder. [50]
No próximo artigo dessa série, veremos os enormes problemas que os sovietes tiveram que enfrentar após a tomada do poder.
[1]Ver Por que os conselhos operários nascem em 1905?. Em: < https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/Por_que_os_conselhos_operarios_nascem_em_1905 [14]>
[2]Ver A revolução de outubro (de fevereiro a julho de 1917): renascimento e crise dos sovietes. Em:< https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/A_revolucao_de_outubro_fevereiro_julho_1917 [15]>
[3]Trotsky, Leon. História da Revolução Russa. Ed. Paz e Terra; 3ª ed. 3v. Cap. XI – As massas expostas aos golpes. Vol 2. p. 620.
[4]Ver uma refutação muito documentada em Trotsky, op. cit., no Capítulo IV – O mês da grande calúnia. Vol 2. p. 489.
[5] O General Knox, chefe da missão inglesa, dizia: "Não sinto interesse algum pelo governo de Kerenski, é demasiado débil; o que faz falta é uma ditadura militar, se necessita dos cossacos, esse povo tem necessidade do chicote". Assim se expressava o representante do governo da "mais antiga democracia" (Trotsky, op.cit., Cap.IX – A sublevação de Kornilov. Vol 2. p. 592).
[6]Trotsky, op.cit., Cap XI – As massas expostas aos golpes. Vol 2. p 627.
[7]Cavaignac: general francês (1802-1857) que foi o verdugo da insurreição dos operários parisienses em junho de 1848.
[8] Lênin, A Situação Política (Quatro Teses) [16], 23 de julho de 1917. Fonte:www.marxist.org [17].
[9] Ibidem.
[10] Ibid.
[11] Anweiler, Os Soviets na Rússia, p. 180. Tradução nossa. Ver referência a este autor e livro na nota 3 do artigo anterior da série.
[12] Lênin, A Propósito das Palavras de Ordem. Tradução nossa.
[13] Ibid.
[14] Ver no artigo anterior desta série: Março 1917: toda Rússia ocupada por uma enorme rede de sovietes <https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/A_revolucao_de_outubro_fevereiro_julho_1917 [15]>.
[15] Nicolas Sukhanov, menchevique internacionalista, cisão de esquerda do menchevismo onde militava Martov. Ele publicou suas Memorias em 7 volumes. Há uma versão condensada que foi publicada em francês, inglês e espanhol. As citações que utilizamos provém da edição francesa: La Révolution russe, Editions Stock, 1965.
[16]Sukhanov, op. cit.. p. 210. Tradução nossa.
[17] Anweiler, op. cit., p. 115. Tradução nossa.
[18] Proeminentes membros do Partido menchevique.
[19] Sukhanov, op. cit., p. 210. Tradução nossa.
[20] Trotsky, op.cit., Cap. XI – As massas expostas aos golpes. p. Vol 2. 629.
[21] Ibid., p. 630.
[22] Ibid., p. 631.
[23] Sukhanov, op. cit.., p. 306. Tradução nossa.
[24] Ibid., p. 310.
[25]Trotsky, op.cit., Cap. VI – Kerensky e Kornilov. Vol 2. p. 538-539.
[26] Kornilov: militar muito incompetente que tinha se destacado pelas suas constantes derrotas na frente de guerra, foi elevado a "herói patriótico" após as Jornadas de Julho e exaltado por todos os partidos burgueses.
[27] Rodzianko e Miliukov foram os principias dirigentes dos partidos burgueses.
[28] Sukhanov, op. cit.., p. 312. Tradução nossa.
[29] Trotsky, op.cit.. Pode ser consultado, no volume 2 desta obra, os capítulos 5, "A contra-revolução levanta a cabeça", cap. 6 "Kerensky e Kornilov", cap. 8, "O complô de Kerensky" e cap. 9, "A sublevação de Kornilov".
[30] Sukhanov, op. cit.., p. 317. Tradução nossa.
[31] Ibid..
[32]Trotsky, op. cit., Cap. X – A burguesia mede-se com a democracia. Vol 2. p. 602-603.
[33] Ibid.. p. 601.
[34] Ibid., p. 601. Sublinhado nosso.
[35] Ibid., p. 604.
[36] Ibid., p. 604.
[37] Sukhanov, op. cit., p. 314. Tradução nossa.
[38] Cadete: Partido Constitucional-Democrata, principal partido burguês da época.
[39] Sukhanov, op. cit., p. 330. Tradução nossa.
[40] Trotsky, op.cit. Cap. XII – Maré montante. Vol 2. p. 659-660.
[41] Ibid., p. 660.
[42] Sukhanov, op. cit., p. 351. Tradução nossa.
[43] Oskar Anweiler, op. cit., página 192. Tradução nossa. Nas páginas seguintes faz uma recordação dos numerosos congresos regionais que cobriam praticamente todo o império e decidiram na sua maioria a tomada do poder.
[44] Lênin, Teses para o Relatório para a Conferência de 8 de outubro da Organização de Petrogrado. 8 de outubro de 1917. Fonte: < https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1917/oct/04.htm [18] > Tradução nossa.
[45] Sukhanov, op. cit., p. 364. Tradução nossa.
[46] Trotsky, op.cit. Cap. XII – Maré montante. Vol 2. p. 662.
[47] Capital da Estônia, na época parte do império russo.
[48] Trotsky, op.cit. Cap. IV - O Comitê Militar Revolucionário. Vol 3. p. 784.
[49] Veja o capítulo “A conquista dos sovietes pelo proletariado” da nossa brochura Outubro de 17, o começo da revolução mundial. Link: <https://pt.internationalism.org/ICCOline/2007/revolucao_russe_outubro_17_soviete [19]>.
[50] No capítulo “A insurreição de Outubro, uma vitória das massas operárias” desenvolvemos uma análise detalhada de como é a insurreição do proletariado que não tem nada a ver com uma revolta ou uma conspiração, quais são suas regras e o papel indispensável que o Partido do proletariado tem nela. Veja: <https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/revolucao_russa_outubro_1917.htm [20]>.
Ligações
[1] https://www.moreira.pro.br/docsocintercent.htm
[2] https://es.internationalism.org/rint141-consejos
[3] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200501/204/i-hace-100-anos-la-revolucion-de-1905-en-rusia
[4] https://es.internationalism.org/revista-internacional/200510/358/iii-el-surgimiento-de-los-soviets-abre-un-periodo-historico-nuevo-p
[5] https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/04/04_teses.htm]
[6] https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/O_que_sao_os-Conselhos_Oper
[7] https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap08.htm
[8] https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap09.htm
[9] https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap15.htm
[10] https://pt.internationalism.org/ICCOline/2007/revolucao_mundial_teses_abril.htm
[11] https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/04/23.htm
[12] https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap22.htm
[13] https://pt.internationalism.org/ICCOline/2007/revolucao_russe_partitdo.htm
[14] https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/Por_que_os_conselhos_operarios_nascem_em_1905
[15] https://pt.internationalism.org/ICConline/2010/A_revolucao_de_outubro_fevereiro_julho_1917
[16] https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/07/23.htm
[17] http://www.marxist.org
[18] https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1917/oct/04.htm
[19] https://pt.internationalism.org/ICCOline/2007/revolucao_russe_outubro_17_soviete
[20] https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/revolucao_russa_outubro_1917.htm