Publicamos uma declaração divulgada por trabalhadores atualmente em luta na Grécia e que se proclamam "insurrectos". Ocupam, desde a quarta feira 17 de dezembro, a sede da Confederação Geral dos Trabalhadores em Atena, principal central sindical do país. Fizeram deste prédio um lugar de Assembléia Geral (AG), de reunião e de discussão ABERTA A TODOS.
A bandeira na frente do prédio ocupado proclama:
Temos de assinalar que um cenário idêntico, com ocupação e AG abertas a todos, tem lugar também na Universidade de Economia de Atena.
Voltaremos a falar posteriormente mais detidamente sobre os eventos que estão acontecendo em toda Grécia desde o dia 6 de dezembro. Agora, através da publicação desta declaração, queremos essencialmente participar da ruptura com o cordão sanitário das mídias feito de mentiras acerca desta luta e que as apresenta como simples motins de jovens vândalos anarquistas que aterrorizariam a população. Ao contrario disso, este texto mostra claramente a força do sentimento de solidariedade operária que anima este movimento e estabelece o laço entre as diferentes gerações de proletários.
Ou decidimos nossa história ou deixamos que decidam por nós!
Nós, trabalhadores manuais, empregados, desempregados, trabalhadores temporários, locais ou imigrantes, não somos telespectadores passivos. Desde o assassinato de Alexandros Grigorpolos na noite de sábado, temos participado nas manifestações, e nos enfrentamentos com a polícia, as ocupações do centro e dos bairros. Freqüentemente temos deixado o trabalho e nossas obrigações diárias para ocupar as ruas com os estudantes, os universitários e os demais proletários em luta.
Todos esses anos, temos suportado a miséria, a complacência, a violência no trabalho. Chegamos a acostumar contar os lesionados e nossos mortos - nos maus explicados "acidentes de trabalho". Nós acabamos acostumados a ver por outro lado frente à morte dos imigrantes - nossos companheiros de classe. Estamos cansados de viver com a ansiedade de ter quer assegurar um salário, pagar os impostos, e conseguir uma aposentadoria que agora parece um sonho distante.
Da mesma forma que lutamos para não abandonar nossas vidas em mãos dos chefes e dos representantes sindicais, da mesma maneira não abandonaremos os rebeldes presos nas mãos do estado e o sistema jurídico.
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Nem os políticos nem os economistas sabem mais qual adjetivo empregar para descrever a gravidade da situação "A beira do precipício", "Um Pearl Habour econômico", "Sobre nossa frente um tsunami", "Um 11 de setembro nas finanças" 1 ... só falta alusão ao Titanic!
O que está realmente acontecendo?. Dado o peso econômico com que a tempestade foi desencadeada se levantam várias questões: vivemos um novo crack de 29? Como foi possível chegar a isso? Como podemos nos defender? Em que mundo vivemos?
Não cabe ilusão alguma. Nos próximos meses a humanidade vai viver uma bestial degradação das suas condições de vida em todo o planeta. O Fundo Monetário Internacional (FMI) disse bem claro no seu último informe: "cinqüenta países de agora a início de 2009" vão se somar a macabra lista de países que sofrem fome.
Dentre eles numerosos países da África, América Latina, Caribe e inclusive Ásia. Na Etiópia já existe 12 milhões de pessoas que morrem de fome segundo cifras oficiais. Na índia e China, que nos são vendidos como o novo Eldorado capitalista, centenas de milhões de operários se verão jogados na mais horrível miséria. Na Europa e Estados Unidos também uma grande parte da população sofrerá uma miséria insuportável.
Não existe nenhum setor a salvo do incêndio. O desemprego acontecerá aos milhões em escritórios administrativos, bancos, fábricas, hospitais, nos serviços de alta tecnologia como o eletrônico, o automotivo, a construção e nas empresas de serviços. O desemprego vai crescer de forma exponencial! Já desde o início de 2008 só nos Estados Unidos quase um milhão de trabalhadores foram despedidos. Isso é só o início. Esta onda de desemprego faz com que cada vez seja mais difícil para as famílias operárias custearem, a alimentação básica, a moradia e a saúde. Para os jovens isto significa que o capitalismo não pode oferecer-lhes nenhum futuro!
Nem os dirigentes do mundo capitalista, nem os políticos, nem os jornalistas a soldo da classe dominante se atrevem a ocultar. Como fazê-lo? Os maiores bancos do mundo estão em falência, e só conseguem manter abertos graças a centenas de milhões de dólares e euros injetados pelos Bancos centrais, quer dizer, pelos Estados. As Bolsas na América, Ásia e Europa se afundam sem retorno e tem perdido desde janeiro de 2008, 25 trilhões de dólares o que significa o equivalente a dois anos da produção total dos Estados Unidos! Tudo isso ilustra o verdadeiro pânico que sacode a classe dominante em todo planeta. Se hoje afundam as Bolsas não é só pela catastrófica situação dos Bancos, mas também porque os capitalistas estão na expectativa de uma queda vertiginosa dos seus lucros como resultado do retrocesso massivo da atividade econômica, da multiplicação de falências de empresas e de uma recessão muito pior que a dos últimos quarenta anos.
Os principais dirigentes do mundo, os Bush, Merkel, Brown, Sarkozy, Hu Jiantao, realizam encontros e "Cúpulas" (G4, G7, G16, G27, G40) para tratar de salvar o que se pode e impedir o pior. Planejam uma nova "Cúpula" para meados de Novembro, para segundo alguns, "refundar o capitalismo". A hiperatividade dos dirigentes mundiais só pode comparar-se a dos "experts": televisão, rádio, jornais... a crise está em primeiro plano em todas as mídias.
A burguesia sabe que não pode ocultar o catastrófico estado da sua economia, porém trata fazer nos acreditar que em que pese tudo isso não há de colocar em questão o sistema capitalista, do que se trata é simplesmente de lutar contra seus "excessos" e seus "deslizes". A culpa é dos especuladores! É culpa da cobiça dos patrões sem vergonha! É culpa dos paraísos fiscais! É culpa do "liberalismo"!
Todos os charlatões profissionais nos apresentam suas ladainhas para que comunguemos com semelhantes rodas de moinho. Esses mesmos "especialistas" que afirmavam ontem que a economia gozava de boa saúde, que os bancos eram sólidos como carvalhos... Apresentam-se hoje na televisão para dizer novas mentiras Aqueles que nos diziam que o "liberalismo" era a solução, que o Estado devia evitar intervir na economia, hoje reclamam que os Estados intervenham mais ainda...
Mais Estado! Mais "moral" e o capitalismo poderá se sair melhor do que antes! Tal é a mentira que querem que acreditemos!
A crise que sacode hoje o capitalismo mundial não data do verão de 2007 com a crise imobiliária dos Estados Unidos. Faz mais de 40 anos que as recessões se sucedem umas as outras: 1967, 1974, 1981, 1991, 2001. Faz décadas que o desemprego se converteu em uma chaga permanente na sociedade e que os explorados sofrem os ataques cada vez mais duros nas suas condições de vida. Por quê?
Porque o capitalismo é um sistema que produz para o mercado e o lucro e não para satisfazer as necessidades humanas. As necessidades humanas por satisfazer são imensas, porém os seres humanos que as sofrem não são solventes, quer dizer a imensa maioria da população mundial não tem com que comprar as mercadorias que se produzem. Se o capitalismo está em crise, se centenas de milhões de seres humanos, e logo bilhões estarão atolados em uma miséria insuportável, sofrendo a piore fome não é porque este sistema não produza o suficiente, sim porque produz muito mais mercadorias do que as que pode vender. Cada vez a burguesia tem saído temporariamente dessas recessões recorrendo maciçamente ao crédito e com ele criando um mercado artificial. Por isso essas retomadas econômicas têm conduzido sempre a preparar retornos dolorosos já que, ao final das contas, terá que devolver todos esses créditos, terá de fazer frente a todas essas dívidas. E isso é exatamente o que se passa hoje em dia. Todo o "fabuloso crescimento" dos últimos anos se baseava única e exclusivamente na dívida. A economia mundial tem vivido a crédito e quando chega o momento de devolver, tudo se desaba como um vulgar castelo de cartas! As atuais convulsões da economia capitalista não são produto de uma "má gestão" dos dirigentes políticos, nem da especulação dos "magos das finanças"! Nem do comportamento irresponsável dos banqueiros. O único que fazem todos esses personagens é aplicar as leis do capitalismo e são justamente essas leis as que conduzem o sistema ao seu colapso. Por isso, os milhares de bilhões injetados por todos os Estados e Bancos Centrais nos mercados não vão mudar nada. Pior ainda, vão acrescentar mais e mais o endividamento. É querer apagar o fogo com gasolina! A burguesia com tais medidas estéreis e desesperadas, demonstra sua impotência. Todos os seus sucessivos planos de salvamento estão condenados, tarde ou cedo, ao fracasso. Não tem como acontecer uma verdadeira retomada da economia capitalista. Nenhuma política, nem de esquerdas nem de direitas, poderá salvar o capitalismo porque este sistema está corroído por uma enfermidade mortal e incurável.
De todas as partes aparecem comparações com o crack de 29 e a Grande Depressão dos anos 30. Ainda ressoam em nossa memória as imagens daquela época: Filas intermináveis de desempregados esperando um trabalho, filas de pobres para obter um prato de sopa de caridade, os edifícios das fábricas inapelavelmente fechadas. Porém, a situação atual é igual a daquela época? A resposta é claramente, NÃO. Hoje é muito mais grave, embora o capitalismo com sua experiência tenham conseguido evitar uma queda brutal graças a intervenção do estado e uma melhor coordenação internacional.
Porém essa não é a única diferença. A terrível depressão dos anos 30 desembocou na Segunda Guerra Mundial. A crise atual pode desembocar em uma Terceira Guerra Mundial? A marcha em direção a guerra imperialista mundial é a única resposta que a burguesia é capaz de dar a crise mortal do capitalismo. E a única força que pode se opor a ela é seu inimigo irredutível: a classe operária mundial. O proletariado nos anos 30 havia sofrido uma derrota terrível como conseqüência do isolamento da revolução de 1917 na Rússia e tinha se deixado alistar no massacre imperialista. Porém o proletariado atual tem demonstrado, desde os grandes combates que começaram em 1968, que não está disposto a derramar de novo o seu sangue pelos seus exploradores. Nos últimos 40 anos tem experimentado sofrer revezes doloroso, porém ainda está de pé em todo o mundo, especialmente desde 2003, e combate cada vez mais. O recrudescimento da crise do capitalismo provocará terríveis sofrimentos, em centenas, de milhões de trabalhadores, desemprego, miséria, fome não só nos países subdesenvolvidos como também nos mais desenvolvidos, , porém também vai provocar necessariamente lutas de resistência dos explorados.
Estas lutas são indispensáveis para limitar os ataques econômicos da burguesia. Para impedir que nos empurrem na miséria absoluta. Porém está claro que não poderão impedir que o capitalismo continue afundando cada vez mais profundamente na sua crise. É porque as lutas de resistência da classe operária respondam a uma necessidade ainda mais importante. Permitem aos explorados desenvolver sua força coletiva, sua unidade, sua solidariedade, sua consciência, para colocar a única alternativa que pode oferecer um futuro a humanidade: varrer da face da terra o sistema capitalista e criar uma nova sociedade que não se baseie no lucro e na exploração, nem na produção em função do mercado, sim na qual se produza para satisfazer as necessidades humanas: uma sociedade dirigida pelos próprios trabalhadores e não por uma minoria privilegiada: a sociedade comunista.
Durante oito décadas, todos os setores da burguesia, tanto de direita como de esquerda, concordaram em dizer que os regimes que dominavam a Europa do Leste ou China eram "comunistas", quando na realidade não eram mais que uma forma especialmente bárbara de capitalismo de Estado. E isso o dizia para convencer aos explorados que era em vão sonhar com um mundo diferente, que não havia nada, salvo o capitalismo. Hoje o capitalismo mostra sua falência histórica e a perspectiva da sociedade comunista devem animar cada vez mais as lutas do proletariado.
Frente aos ataques de um capitalismo encurralado; para acabar com a exploração, a miséria e a barbárie guerreira do capitalismo:
Viva a luta da classe operária mundial!
Proletários de todos os países uní-vos!
Corrente Comunista Internacional (25/10/2008)
1 Respectivamente: Paul Krugman (último Nobel de economia), Warren Buffet (investidor americano, apelidado "o oráculo de Ohama" multimilionário da pequena cidade de Nebraska cuja opinião é respeitada pelo mundo financeiro), Jacques Attali (economista e conselheiro do presidente francês Nicolas Sarkozy) e Laurence Parisot (presidente da associação dos patrões franceses).
Em 1915, enquanto a horrenda realidade da guerra na Europa se tornava mais aparente, Rosa Luxemburgo escreveu A Crise da Social Democracia, um texto mais conhecido com o Panfleto Junius, pelo pseudônimo sob o qual foi publicado por Luxemburgo. O panfleto foi escrito na prisão e distribuído ilegalmente pelo grupo Die Internationale formado imediatamente após o início da guerra. Era uma denúncia inflamada das posições adotadas pela liderança do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD). No dia em que os conflitos começaram, 4 de agosto de 1914, o SPD abandonou seus princípios internacionalistas e se manifestou pela "pátria em perigo", clamando pela suspensão da luta de classes e pela participação na guerra. Isso foi um golpe arrebatador contra o movimento socialista internacional, pois o SPD havia sido o orgulho da Segunda Internacional; ao invés de agir como um baluarte da solidariedade internacional da classe trabalhadora, sua capitulação ao esforço de guerra foi usada como justificativa para atos similares de traição em outros países. O resultado foi o infame colapso da Internacional.
O SPD foi formado como um partido marxista na década de 1870, simbolizando a influência crescente da corrente do "socialismo científico" dentro do movimento operário. Na aparência, o SPD de 1914 mantinha seu comprometimento ao marxismo mesmo, enquanto espezinhava seu espírito. Marx não havia, em sua época, alertado constantemente contra a ameaça representada pelo absolutismo czarista, o maior bastião de reação em toda a Europa? A Primeira Internacional não havia sido formada num encontro de apoio à luta pela independência polonesa do jugo czarista? Engels não havia expressado, mesmo diante do perigo da guerra na Europa, sua visão de que os socialistas alemães teriam de adotar uma posição "revolucionária defensista" na eventualidade de uma agressão franco-russa contra a Alemanha? E agora o SPD estava clamando pela unidade nacional a qualquer custo diante do maior perigo que ameaçava a Alemanha: o poder do despotismo czarista, cuja vitória, diziam, iria desfazer todos os ganhos políticos e econômicos conquistados pela classe trabalhadora através dos anos de luta paciente e persistente. Ele (o SPD) se apresentava, portanto, como o herdeiro legítimo de Marx e Engels e de sua defesa resoluta de tudo o que havia de progressista na civilização européia.
Mas nas palavras de Lênin, outro revolucionário que não hesitou em denunciar a vergonhosa traição dos "Social-Chauvinistas": "Quem se refere à atitude de Marx diante das guerras da época da burguesia progressista e se esquece da declaração de Marx de que 'os trabalhadores não têm pátria', uma frase que se aplica precisamente à época da burguesia reacionária, obsoleta, à época da revolução socialista, distorce Marx desavergonhadamente e substitui o ponto de vista socialista pelo burguês". [1] Os argumentos de Luxemburgo consideravam exatamente as mesmas questões. A guerra não era do mesmo tipo visto na Europa na metade do século anterior. Tais guerras haviam sido curtas, limitadas no espaço e espacialmente em seus objetivos, combatidas principalmente por exércitos profissionais; mais do que isso, durante a maior parte do século desde 1815 com o fim das guerras napoleônicas, o continente europeu havia passado por uma era sem precedentes de paz, expansão econômica e aumento constante do padrão de vida. Alem disso, tais guerras, longe de arruinar seus antagonistas, haviam servido mais para acelerar o processo geral de expansão capitalista erradicando obstáculos feudais à unificação nacional e permitindo que novos estados-nação se estabelecessem num modelo adequado ao desenvolvimento do capitalismo (as guerras em torno da questão da unificação italiana e a guerra de 1870 entre a França e a Prússia sendo exemplos claros).
Porém de agora em diante, essas guerras (guerras nacionais que podiam ter um papel progressista para o capital) pertenciam ao passado. Por sua capacidade de destruição e de morte - dez milhões de homens morreram nos campos de batalha europeus, a maioria agonizando em um cenário sangrento e em vão, enquanto milhões de civis também morressem devido à miséria e a fome impostas pela guerra; pela amplitude das suas conseqüências como guerra que implicou as potências de dimensão mundial que, de fato se davam objetivos de conquista literalmente ilimitados e de derrota total do inimigo; pelo seu caráter de guerra "total " que não alistou só milhões de operários mandando-os ao front, como também os que trabalhavam nas industrias na retaguarda, exigindo-os suor e sacrifício infinitos; por todas essas razões foi uma guerra de um novo tipo que desmentiu rapidamente todas as previsões da classe dominante de que esta estaria terminada "para o natal". A monstruosa matança da guerra foi evidentemente intensificada pelos meios tecnológicos muito desenvolvidos de que dispunham os protagonistas e que haviam ultrapassado amplamente as táticas e as estratégias ensinadas nas escolas de guerra tradicionais; e incrementaram ainda mais os números de mortes. Porém a barbárie alcançada pela guerra expressou algo muito mais profundo que o nível de desenvolvimento tecnológico do sistema burguês. Também foi a expressão de um modo de produção que entrava em uma crise fundamental e histórica, que revelava o caráter caduco das relações sociais capitalistas e colocava a humanidade diante da alternativa histórica: revolução socialista ou queda na barbárie. Daí essa famosa passagem do Folheto de Junius: "Frederico Engels disse uma vez: "A sociedade burguesa enfrenta um dilema: ou passagem ao socialismo ou retorno à barbárie". Mas então que significa um "retorno à barbárie" do grau de civilização que conhecemos hoje na Europa? Até agora lemos estas palavras sem reflectirmos, e repetimo-las sem nelas pressentirmos a terrível gravidade. Lancemos um olhar à nossa volta neste preciso momento, e compreenderemos o que significa um retorno da sociedade burguesa à barbárie. O triunfo do imperialismo remata a destruição da civilização - esporadicamente durante uma guerra moderna, e definitivamente se o período das guerras mundiais, que agora se inicia, seguir sem entraves até às suas últimas consequências. É exactamente o que Friedrich Engels tinha previsto, uma geração antes de nós, há já quarenta anos. Hoje estamos perante esta escolha: ou o triunfo do imperialismo e a decadência de toda a civilização, com as consequências, como na antiga Roma, do despovoamento, da desolação, da degenerescência, um grande cemitério; ou então, a vitória do socialismo, isto é, da luta consciente do proletariado internacional contra o imperialismo e contra o seu método de acção: a guerra. Ai está um dilema da história do mundo, uma alternativa ainda indecisa, cujos pratos oscilam diante da decisão do proletariado consciente. O proletariado deve pegar resolutamente no gládio do seu combate revolucionário: o futuro da civilização e da humanidade disso dependem. Durante esta guerra, o imperialismo alcançou a vitória. Ao pegar no seu gládio ensanguentado pelo assassinato dos povos, fez pender a balança para o lado do abismo, da desolação e da ignomínia. Todo este peso de desonra e desolação só será contrabalançado se, em plena guerra, soubermos tirar a lição que ela contém, se o proletariado conseguir assenhorear-se de novo e acabar de jogar o papel de escravo manipulado pelas classes dirigentes para se vir a tornar o dono do seu próprio destino". (Rosa Luxemburg - A Crise da Social-Democracia; Biblioteca de Ciências Humanas Vol.6; Editorial Presença- Portugal / Livraria Martins Fontes - Brasil)
Essa mudança de época fez caducos os argumentos do Marx em favor do apoio à independência nacional (de todos os modos, o mesmo Marx já o rechaçou depois da Comuna de Paris de 1871 no que concernia aos países europeus). Já não se tratava de procurar causas nacionais progressistas no conflito, posto que as lutas nacionais tinham perdido seu papel progressista ao tornar-se simples instrumentos da conquista imperialista e da marcha do capitalismo para a catástrofe: "O programa nacional não teve importância histórica, enquanto expressão ideológica da burguesia ascendente aspirando ao poder no Estado, senão no momento em que a sociedade burguesa se instalou mais ou menos nos grandes Estados do centro da Europa e aí criou os instrumentos e as condições indispensáveis da sua política. Desde então, o imperialismo esqueceu completamente o velho programa burguês democrático: a expansão para além das fronteiras nacionais (quaisquer que sejam as condições nacionais dos países anexados) tornou-se a plataforma da burguesia de todos os países. É certo que o espírito nacional permaneceu, mas o seu conteúdo real e a sua função transformaram-se no seu contrário. Serve somente para mascarar, bem ou mal, as aspirações imperialistas, a não ser que seja utilizado como grito de guerra nos conflitos imperialistas, único e último meio ideológico de captar a adesão das massas populares e de as fazer servir de carne de canhão nas guerras imperialistas" (A Crise da Social-Democracia. Cap. IV; Biblioteca de Ciências Humanas).
Não só trocou então a "tática nacional", mas sim toda a situação ficou profundamente transformada pela guerra. Já não era possível a volta atrás, à época anterior em que a Social-democracia tinha lutado paciente e sistematicamente por estabelecer-se como força organizada na sociedade burguesa, do mesmo modo que o proletariado como todo: "Uma coisa é certa, a guerra mundial representa uma viragem para o mundo. É loucura insensata imaginar que nada mais temos a fazer do que deixar passar a guerra, tal como a lebre espera o fim da tempestade sob um silvado, para em seguida retomar alegremente o seu passo normal. A guerra mundial modificou as condições da nossa luta e transformou-nos a nós próprios radicalmente. Não que as leis fundamentais da evolução capitalista, o combate entre o capital e o trabalho, devam conhecer um desvio ou uma moderação. Já agora, em plena guerra, caem as máscaras e as antigas feições, que conhecemos tão bem, olham-nos com escárnio. Mas, depois da erupção do vulcão imperialista, o ritmo da evolução recebeu tão violento impulso, que comparado aos conflitos que surgirão no meio da sociedade e à imensidade de tarefas que esperam o proletariado socialista num futuro imediato, toda história do movimento operário parece não ter sido até agora mais do que um período paradisíaco." (A Crise da Social-Democracia. Cap.I; Biblioteca de Ciências Humanas)
Se forem imensas as tarefas, é que exigem muito mais que a luta defensiva tenaz contra a exploração; exigem uma luta revolucionária ofensiva para acabar de uma vez com a exploração, para dar "à acção social dos homens um sentido consciente de nela introduzir um pensamento metódico e, por isso, uma vontade livre" (A Crise da Social-Democracia. Cap.I; Biblioteca de Ciências Humanas). A insistência de Rosa Luxemburgo sobre a abertura de uma época radicalmente nova da luta da classe operária ia ser rapidamente uma posição comum do movimento revolucionário internacional que se reconstituía sobre as ruínas da Social-democracia e que, em 1919, fundou o partido mundial da revolução proletária: a Internacional comunista (IC). Em seu Primeiro congresso de Moscou, a IC adotou em sua Plataforma a celebre ordem: "Nasceu uma nova época. Época de desmoronamento do capitalismo, de seu afundamento interior. Época da revolução comunista do proletariado". A IC compartia com Rosa Luxemburgo a idéia de que se a revolução proletária - que estava naquele momento em seu auge após a insurreição de Outubro na Rússia e a onda revolucionária que varria a Alemanha, Hungria e outros países - não lograsse derrubar o capitalismo, a humanidade se veria imersa em outra guerra, na realidade em uma época de guerras incessantes que colocaria em perigo o futuro da humanidade.
Quase cem anos se passaram, permanece o capitalismo e segundo a propaganda oficial seria a única forma possível de organização social. O que adveio com o dilema enunciado por Luxemburgo, "socialismo ou barbárie"? Se escutarmos os discursos da ideologia dominante, se tentou o socialismo no século XX e não funcionou. As deslumbrantes esperanças que fez nascer a Revolução russa de 1917, se chocaram contra os recifes do stalinismo e jazem juntas com seu cadáver desde que se desmoronou o bloco do Leste no final dos anos 1980. O socialismo não só haveria se revelado, no melhor dos casos, uma utopia e no pior um pesadelo, e que a mesma noção de luta de classes, considerada pelos marxistas como sua base essencial, havia desaparecido na névoa átona de uma "nova" forma de capitalismo que pretensamente viveria não da exploração de uma classe produtora, mas graças a uma massa infinita de "consumidores" e de uma economia mais virtual que material.
Este é o conto que nos querem fazer engolir. Seguramente que se Rosa Luxemburgo pudesse voltar de entre os mortos, ficaria surpreendida de ver a civilização capitalista continuar dominando o planeta; em outra ocasião examinaremos como tem feito o sistema para sobreviver apesar de todas as dificuldades atravessadas durante o século passado. Mas se nós tiramos as lentes deformantes da ideologia dominante e examinamos seriamente o curso do século XX, poderemos constatar que se verificaram as previsões de Luxemburgo e da maioria dos socialistas revolucionários da época. Devido à derrota da revolução proletária, esse século já foi o mais bárbaro de toda a história da humanidade e contém a ameaça de uma descida até o mais profundo na barbárie, cujo ponto culminante seria não apenas a "aniquilação" da civilização, mas sim o desaparecimento da vida humana no planeta.
Em 1915 não se levantaram claramente contra a guerra mais que um punhado de socialistas. Trotski brincava dizendo que os internacionalistas que se reuniram aquele ano em Zimmerwald poderiam caber em um só táxi. Mas a Conferência do Zimmerwald, que só agrupou um punhado de socialistas opostos à guerra, foi o sinal de que algo estava mudando nas filas da classe operária internacional. Em 1916, o desencantamento em relação à guerra, tanto no front como na retaguarda, foi tornando cada vez mais profundo, como o demonstraram as greves que estalaram na Alemanha e na Grã-Bretanha assim como as manifestações que saudaram a libertação de Karl Liebknecht, camarada de Rosa Luxemburgo, cujo nome se tornou sinônimo da ordem: "nosso principal inimigo está em nosso próprio país". A revolução explodiu na Rússia em fevereiro de 1917, acabando com o reino dos tzares; mas não foi em nada um 1789 russo, uma nova revolução burguesa atrasada, mas Fevereiro abriu o caminho para Outubro, a tomada do poder pela classe operária organizada em soviets, que proclamou que essa insurreição só era o primeiro golpe da revolução mundial que acabaria não só com a guerra mas também com o próprio capitalismo.
Como o repetiam Lenin e os bolcheviques, a Revolução russa triunfaria ou cairia com a revolução mundial. Seu chamamento à sublevação teve um eco rápido: motins no exército francês em 1917; revolução na Alemanha em 1918 que obrigou os governos burgueses do mundo concluir a toda pressa uma paz precipitada por medo de que a epidemia bolchevique se estendesse; República dos soviets na Baviera e na Hungria em 1919; greve geral em Seattle, Estados Unidos, e em Winnipeg, no Canadá; necessidade para a burguesia de mandar tanques para opor-se à agitação operária no vale do Clyde em Escócia no mesmo ano; ocupações de fábricas na Itália em 1920. Foi uma deslumbrante confirmação da análise da IC: abria-se um novo período de guerras e de revoluções. Ao mesmo tempo que esmagava à humanidade com seu rolo compressor de militarismo e guerra, o capitalismo também fazia necessária a revolução proletária.
Mas desgraçadamente, a consciência que tinham os elementos mais dinâmicos e clarividentes da classe operária, os comunistas, não coincidia nem muito menos com o nível alcançado pelo conjunto da classe. A maior parte desta não entendia ainda que era impossível voltar para antigo período de paz e de reformas graduais. Queria que se acabasse a guerra, e apesar de ter imposto a paz à burguesia, esta soube jogar sobre a idéia de que se podia voltar ao status quo ante bellum, status quo de antes da guerra, com umas reformas apresentadas como "vantagens operárias": na Grã-Bretanha, foram os "homes fit for heroes", lares para heróis que voltavam da guerra, foi o direito de voto para as mulheres e a cláusula 4 no programa do Partido Trabalhista que prometia as nacionalizações das fábricas mas importantes da economia; na Alemanha, aonde a revolução já tinha começado a concretizar-se, as promessas foram mais radicais, usando-se palavras como socialização e conselhos operários; comprometiam-se a que abdicasse o Káiser e a instaurar uma República apoiada no sufrágio universal.
Foram essencialmente os sociais-democratas, esses especialistas experimentados da luta por reformas, quem venderam essas ilusões aos operários, ilusões que lhes permitiram por um lado declarar-se a favor da revolução e por outro utilizar os grupos pro - fascistas para assassinar os operários revolucionários no Berlim e Munich, entre eles os próprios Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht; também apoiaram a asfixia econômica e a ofensiva militar contra o poder soviético na Rússia, com o pretexto falacioso de que os bolcheviques teriam forçado a história ao levar a cabo uma revolução em um país atrasado no que a classe operária era minoritária, "ofendendo" assim os sagrados princípios da democracia.
Pela mentira e a repressão brutal, a onda revolucionária foi sufocada em uma série de derrotas sucessivas. Atalho do oxigênio da revolução mundial, a revolução na Rússia começou a afogar e a devorar-se a si mesma; esse processo o simboliza muito bem o desastre do Cronstadt, aonde operários e marinheiros descontentes que exigiam novas eleições dos soviets foram esmagados pelo governo bolchevique. Foi Stalin o "vencedor" desse processo de degeneração interna, e sua primeira vítima foi o próprio Partido bolchevique que se transformou final e irrevogavelmente em instrumento de uma nova burguesia de Estado, depois de ter substituído toda aparência de internacionalismo pela noção fraudulenta de "socialismo em um só país".
O capitalismo sobreviveu então ao terror que lhe infundiu a quebra de onda revolucionária, apesar de algumas "réplicas" como a greve geral na Grã-Bretanha em 1926 e a insurreição operária do Shangai em 1927. Proclamou sua firme intenção de voltar para a normalidade. Durante a guerra, o princípio de "lucros e perdas" tinha ficado temporariamente (e parcialmente) suspenso ao orientar quase toda a produção para o esforço de guerra, deixando o aparelho estatal controlar diretamente o conjunto dos setores da economia. Em um Relatório ao Terceiro Congresso da Internacional comunista, Trotski assinalou de que forma a guerra tinha favorecido uma nova forma de funcionar do capitalismo, essencialmente apoiada na manipulação da economia pelo Estado e a criação de imensidões de dívidas, de capital fictício: "Como sabem, o capitalismo como sistema econômico está cheio de contradições. Durante os anos de guerra, estas alcançaram proporções monstruosas. Para proporcionar os recursos necessários à guerra, o Estado aplicou principalmente duas medidas: a primeira é emitir papel moeda, a segunda emitir obrigações. Assim é como uma quantidade crescente de pretendidos "valores papel" (as obrigações) entrou em circulação, como meio pelo qual o Estado surrupiou valores materiais reais do país para destruí-los na guerra. Quanto maiores foram as somas gastas pelo Estado, ou seja os valores reais destruídos, maior foi a quantidade de pseudoriqueza, de valores fictícios acumulados no país. Os títulos de Estado se acumularam como montanhas. Pode a primeira vista parecer que um país se tornou muito rico mas, na realidade, corroeu seu fundamento econômico, fazendo-o vacilar, conduzindo-o ao limite do afundamento. As dívidas de Estado subiram até quase um trilhão de Marcos ouro, que se acrescentam aos 62 % de recursos nacionais atuais dos países em guerra. Antes da guerra, a quantidade total mundial de papel moeda e de crédito se aproximava dos 28 000 milhões de Marcos. Hoje está entre 220 e 280 mil e milhões, ou seja que se multiplicou por dez. E além essas cifras não têm em conta a Rússia e sim unicamente o mundo capitalista. Tudo isto se aplica em particular, embora não exclusivamente, aos países europeus principalmente a Europa continental e, em particular, a Europa central. À medida que a Europa se empobrece - o que está acontecendo até hoje- cobre-se cada dia mais de capas cada vez mais espessas de "valores papel", pelo que se chama capital fictício. Essa moeda fictícia de capital papel, essas notas do tesouro, bônus de guerra, bilhetes, representam uma lembrança de um capital morto ou a espera de um capital por vir. Já não têm nenhuma relação com um capital verdadeiramente existente. Entretanto seguem funcionando como capital e como moeda e isso dá uma imagem incrivelmente deformada da sociedade e da economia mundial no seu conjunto. Quanto mais se empobrece essa economia, mais rica parece ser essa imagem refletida por esse espelho do capital fictício. Ao mesmo tempo, a criação desse capital fictício significa, como o veremos, que as classes se repartem de maneira diferente a distribuição de uma renda nacional e de uma riqueza que se contraem gradualmente. A renda nacional também se contraiu, mas não tanto como a riqueza nacional. A explicação é singela: a vela da economia capitalista se gastou muito pelas duas pontas" (2 de junho de 1921; traduzido do inglês por nós).
O que esses métodos significavam claramente é que o sistema não podia existir sem trapacear com suas próprias leis. Os novos métodos se descreviam como "socialismo de guerra", mas não eram nada mais que um meio de preservar o sistema capitalista em um período no qual se fazia obsoleto e formava um baluarte desesperado contra o socialismo, contra a ascensão de um modo de produção social superior. Como o "socialismo de guerra" não era essencialmente necessário a não ser para ganhar a guerra, pensava a burguesia, foi efetivamente desmantelado quando se acabou. Em princípios dos anos 20, em uma Europa devastada pela guerra, começou um difícil período de reconstrução, mas as economias do Velho Mundo seguiam estancadas: as taxas de crescimento espetaculares que tinham caracterizado os principais países capitalistas da pré-guerra não voltavam a produzir-se. A paralisação se instalou em continuidade em países como a Grã-Bretanha, enquanto a economia alemã, anêmica pelos custos das indenizações de guerra, batia todos os recordes de inflação conhecidos e estava alimentada quase totalmente pelo endividamento.
A exceção principal foram os Estados Unidos que se desenvolveram durante a guerra desempenhando o papel de "intendente da Europa", como diz Trotski nesse mesmo relatório. Os EUA se alçaram então definitivamente como a economia mais potente do mundo e floresceu precisamente porque seus rivais foram vitimados pelos enormes custos da guerra, as alterações sociais do pós-guerra e o desaparecimento completo do mercado russo. Foi para a América do Norte a época do jazz, os "anos loucos"; as imagens do Ford "T", produzido massivamente nas fábricas de Henry Ford, refletia a realidade de taxas de crescimento vertiginosas. Depois de ter alcançado até o final de sua expansão interna e aproveitando do estancamento das velhas potências européias, o capital norte-americano começou a invadir o globo com suas mercadorias, da Europa até os países subdesenvolvidos, alcançando inclusive regiões ainda pré-capitalistas. Depois de ter sido devedor durante o século XIX, os Estados Unidos se converteram em principal credor mundial. Apesar do boom não ter influído muito na agricultura americana, houve um aumento perceptível de poder aquisitivo da população urbana e proletária. Tudo isso parecia ser a prova de que se podia voltar para mundo do capitalismo liberal, o "deixar fazer" que tinha permitido a extraordinária expansão do século XIX. Era o triunfo da filosofia tranqüilizadora de um Calvin Coolidge, presidente dos Estados Unidos naquele tempo. Assim falou ao Congresso americano em dezembro de 1928: "Nenhum dos Congressos dos Estados Unidos até agora reunido para examinar o estado da União tinha experimentado diante de si uma perspectiva tão favorável como a que nos oferece nos atuais momentos. No que respeita aos assuntos internos, há tranqüilidade e satisfação, relações harmoniosas entre patrões e assalariados, liberadas dos conflitos sociais, e o nível mais alto de prosperidade. A paz triunfa no plano exterior, a boa vontade devida a compreensão mútua, e o reconhecimento de que os problemas que pareciam tão ameaçadores em tempos recentes, estão desaparecendo sob a influência de um comportamento claramente amistoso. A importante riqueza criada por nossa mentalidade empresarial e nosso trabalho, salva por nosso sentido da economia, conheceu a distribuição mais ampla em nossa população e seu fluxo contínuo serviu para as obras caridosas e a indústria do mundo inteiro. O que é preciso para viver já não se limita ao estritamente necessário e agora já se estende ao luxo. O incremento da produção é consumido pela crescente demanda interior e um comércio exterior em expansão. O país pode olhar o presente com satisfação e antecipar com otimismo o futuro."
Palavras pertinentes se as houver! Em outubro de 29, menos de um ano depois, foi o "crash". O crescimento convulsivo da economia norte-americana se chocou contra os limites inerentes ao mercado. Muitos dos que tinham acreditado que o crescimento era ilimitado, que o capitalismo era capaz de criar seus próprios mercados para sempre e tinham investido suas economias apoiando-se nesse mito caíram de muito alto. Além do mais não foi uma crise como as que tinham marcado o século XIX, crise tão regulares durante a primeira metade desse século que inclusive foi possível falar de "ciclo decenal". Naquele tempo, depois de um breve período de queda, encontravam-se novos mercados no mundo e iniciava uma nova fase de crescimento, ainda mais vigorosa; além disso, no período entre 1870 A 1914, caracterizado por um impulso imperialista acelerado pela conquista das regiões não capitalistas restantes, as crises que golpearam os centros do sistema foram muito menos violentas que durante a juventude do capitalismo, apesar de que o que se chamou a "larga depressão", entre 1870 e 1890, que refletiu, de certo modo, o início do declínio da supremacia econômica mundial de Grã-Bretanha. E, de todas as maneiras, não há comparação possível entre os problemas comerciais do século XIX e o naufrágio ocorrido nos anos 1930. Era uma situação qualitativamente diferente: algo fundamental tinha mudado nas condições da acumulação capitalista. A depressão era mundial: desde seu centro, Estados Unidos, passou a golpear a Alemanha, que até então era quase que totalmente dependente do EUA, e em seguida o resto da Europa. A crise foi igualmente devastadora para as regiões coloniais ou semi-dependentes, obrigadas em grande parte por seus grandes "proprietários" imperialistas, produzir em primeiro lugar para as metrópoles. A queda repentina dos preços mundiais traduziu-se na ruína da maioria desses países.
Pode-se medir a profundidade da crise em que a produção mundial, que tinha declinado em torno de 10% com a Primeira Guerra mundial, após o crack, se caiu 32% (esta cifra inclui a URSS; passagens extraídas do livro de Sternberg, o, el Conflicto del siglo, 1951). Nos Estados Unidos, grande beneficiário da guerra, a queda da produção industrial alcançou 53,8 %. As estimativas das cifras do desemprego são variáveis; Sternberg as estima em 40 milhões de desempregados nos principais países desenvolvidos. A queda do comércio mundial foi também catastrófica, reduzindo-se a um terço do nível anterior a 1929. Porém a diferença principal entre a queda dos anos 30 e as crises do século XIX é que já não existia, a partir de então nenhum mecanismo "automático" de retomada de um novo ciclo de crescimento e de expansão para as regiões do planeta que ainda não eram capitalistas. A burguesia se deu conta em seguida de que já não continuaria existindo uma "mão invisível" do mercado para que a economia continuasse funcionando em um futuro imediato. Devia pois abandonar o liberalismo ingênuo de Coolidge y do seu sucesor, Hoover, e reconhecer que, a partir de então, o Estado deveria intervir autoritariamente na economia para assim preservar o sistema capitalista. Foi sobretudo Keynes quem teorizou essa política; compreendeu que o Estado devia sustentar as indústrias em declínio e gerar um mercado artificial para compensar a incapacidade do sistema para desenvolver outras novas. Esse é o sentido das "obras públicas" em grande escala empreendidas por Roosevelt com o nome de New Deal, do apoio que lhe outorgou a nova central sindical, a CIO , para estimular a demanda dos consumidores, etc. Na França, a nova política tomou a forma da Frente popular. Na Alemanha e Itália, a forma do fascismo e na Rússia, a do stalinismo. Todas essas políticas tinham a mesma causa subjacente. O capitalismo tinha entrado em uma nova época, a época do capitalismo de Estado.
Mas o capitalismo de Estado não existe em cada país de um ou outro modo isolado. Ao contrário, está em grande parte determinado pela necessidade de centralizar e defender a economia nacional contra a concorrência das demais nações. Nos anos 30, isso compreendia um aspecto econômico: considerava-se que o protecionismo era um meio de defender suas próprias indústrias e seus mercados contra a intrusão de indústrias de outros países; mas o capitalismo de Estado continha um aspecto militar, muito mais significativo, pois a concorrência econômica acelerava a marcha para uma nova guerra mundial. O capitalismo de Estado é, por essência, uma economia de guerra. O fascismo, que celebrava ruidosamente as vantagens da guerra, era a expressão mais patente dessa tendência. Sob o regime de Hitler, o capital alemão respondeu a sua situação econômica catastrófica lançando-se em uma corrida desenfreada de rearmamento. Isso produziu o efeito "benéfico" de absorver rapidamente o desemprego, mas não era esse o objetivo verdadeiro da economia de guerra. Seu objetivo era preparar-se para uma nova e violenta partilha dos mercados. De igual modo, o regime stalinista na Rússia e a subordinação desumana do nível de vida dos proletários ao desenvolvimento da indústria pesada, respondia à necessidade de fazer da Rússia uma potência militar mundial com o que havia de contar e, como na Alemanha nazista e o Japão militarista (que já tinha arrojado uma campanha de conquista militar invadindo Manchúria em 1931 e o resto da China em 1937), esses regimes resistiram ao desmoronamento com "êxito", pois tinham subordinado toda a produção às necessidades da guerra. Mas o desenvolvimento da economia de guerra foi também o segredo dos programas maciços de obras públicas nos países do "New Deal" e da Frente Popular, por muito que estes demorassem mais tempo em adaptar as fábricas à produção maciça de armas e material militar.
Victor Serge qualificou o período dos anos 1930 de "meia-noite no século". De maneira idêntica à guerra de 1914-18, a crise econômica de 1929 confirmou a senilidade do modo de produção capitalista. A uma escala muito maior que o que se conheceu no século XIX, assistia-se a uma "epidemia social que teria parecido um contra-senso a todas as épocas anteriores - a epidemia da sobreprodução" (Manifesto comunista). Milhões de pessoas sofriam fome, suportando um desemprego obrigatório, nas nações mais industrializadas do globo, não porque as fábricas e os campos não pudessem produzir o suficiente, mas sim porque produziam "demais" para a capacidade de absorção do mercado. Era uma nova confirmação da necessidade da revolução socialista.
Mas o primeiro intento do proletariado de realizar o veredicto da história tinha sido definitivamente vencido no final dos anos 1920 e por toda parte imperava a contra-revolução. E esta alcançou o abismo mais profundo e mais aterrorizantes precisamente ali onde a revolução tinha chegado mais alto. Na Rússia, a contra-revolução tomou a forma dos campos de trabalho e das execuções massivas; populações inteiras deportadas, milhões de camponeses deliberadamente esfomeados; os operários, nas fábricas, submetidos à super-exploração stajanovista. No cultural, todas as experiências sociais e artísticas dos primeiros anos da revolução foram suprimidas em nome do "realismo socialista", impondo o retorno às normas burguesas mais vulgares.
Na Alemanha e Itália o proletariado tinha permanecido mais próximo da revolução do que em qualquer outro país da Europa ocidental. A conseqüência de sua derrota foi a instauração de um regime policial brutal. O fascismo se caracterizou por uma ampla burocracia de informantes, a perseguição feroz dos dissidentes e das minorias sociais e étnicas, entre elas, o caso mais conhecido é a eliminação dos judeus na Alemanha. O regime nazista espezinhou centenas de anos de cultura, enlameando-se em teorias ocultistas pseudo-científicas sobre a missão civilizadora da "raça ariana", queimando livros com idéias "não alemãs", exaltando as virtudes do sangue, da terra e da conquista. Trotski considerou a destruição da cultura na Alemanha nazista como uma prova muito eloqüente da decadência da cultura burguesa: "O fascismo tornou acessível a política aos baixos recursos da sociedade. Na atualidade, não só nos lares camponeses, mas também nos arranha-céu urbanos, vivem conjuntamente os séculos dez, treze ou vinte. Cem milhões de pessoas utilizam a eletricidade e ainda acreditam no poder mágico de gestos e exorcismos. O papa de Roma semeia pela rádio a milagrosa transformação da água em vinho. Os astros do cinema visitam os médiuns. Os aviadores que pilotam espetaculares mecanismos criados pelo gênio do homem têm amuletos em suas roupas. Que reservas inesgotáveis de obscurantismo, ignorância e barbárie! O desespero os pôs de pé, o fascismo lhes deu uma bandeira. Tudo o que devia ter-se eliminado do organismo nacional em forma de excremento cultural no curso do desenvolvimento normal da sociedade é vomitado agora: a sociedade capitalista vomita a barbárie não digerida. Tal é a fisiologia do nacional-socialismo" (O que é o nacional-socialismo?, 1933; Tradução nossa)
Mas, precisamente porque o fascismo era uma expressão encarnada do declínio do capitalismo como sistema, pensar que podia combater-se sem lutar contra o capitalismo no seu conjunto, como o afirmavam os diferentes tipos de "antifascistas", era uma pura mistificação. Isto ficou patente na Espanha de 1936: os operários de Barcelona replicaram ao primeiro golpe de estado do general Franco, com seus próprios métodos de luta de classes - a greve geral, a confraternização com as tropas, o armamento dos operários - paralisando em uns quantos dias a ofensiva fascista. Foi quando deixaram sua luta em mãos da burguesia democrática personificada na Frente Popular, que foram vencidos e arrastados para uma luta inter-imperialista que se revelou ser um ensaio geral da matança muito mais mortífera que aconteceria posteriormente. A Esquerda italiana tirou, essencialmente, a conclusão: a guerra da Espanha foi a confirmação terrível de que o proletariado mundial tinha sido derrotado; e como o proletariado era o único obstáculo no caminho do capitalismo para a guerra, a marcha para uma nova guerra mundial estava aberta.
O quadro do Picasso, Guernica, é célebre, com razão, por ser uma representação sem comparação dos horrores da guerra moderna. O bombardeio indistinto da população civil da cidade da Guernica pela aviação alemã que apoiava o exército de Franco, provocou uma enorme comoção pois era um fenômeno relativamente novo. O bombardeio aéreo de objetivos civis foi muito limitado durante a Iª Guerra mundial e muito ineficaz. A grande maioria dos mortos dessa guerra eram soldados nos campos de batalhas. A IIª Guerra mundial mostrou até que ponto a barbárie do capitalismo em decadência se incrementou, pois esta vez a maioria dos mortos eram civis: "O cálculo total de vidas humanas perdidas por conta da Segunda guerra mundial, deixando de lado o campo ao que pertenciam, é em torno de 72 milhões. A quantidade de civis alcança os 47 milhões, incluídos os mortos por fome e enfermidade causadas pela guerra. As perdas militares alcançam 25 milhões, incluídos 5 milhões de prisioneiros de guerra" (https://en.wikipedia.org/wiki/World_War_II_casualties [6]; Tradução nossa). A expressão mais aterradora e em que se concentra o horror foi a matança industrial de milhões de judeus e de outras minorias pelo regime nazista, fuzilados em série nos guetos e nos bosques da Europa do Leste, esfomeados e explorados até a morte no trabalho como escravos, , asfixiados nas câmaras de gás contados por centenas de milhares nos campos de Auschwitz, Bergen-Belsen ou Treblinka. Mas a quantidade de mortos civis, vítimas dos bombardeios de cidades pelas ações bélicas de ambos os bandos é a prova de que o holocausto, o assassinato sistemático de inocentes, foi uma característica geral desse tipo de guerra. E neste aspecto, as democracias inclusive ultrapassaram sem dúvida às potências fascistas, pois os mantos de bombas, especialmente as incendiárias, que cobriram as cidades alemãs e japonesas dão, por comparação, um aspecto um pouco "aficionado" a Blitz alemã sobre o Reino Unido. O ponto gélido e simbólico desse novo método de matança de massas foi o bombardeio atômico das cidades japonesas da Hiroshima e Nagasaki; mas no que se refere a mortos civis, o bombardeio "convencional" de cidades como Tóquio, Hamburgo e Dresde foi ainda mais mortífero.
O uso da bomba atômica pelos Estados Unidos abriu, de duas maneiras, um novo período. Primeiro confirmou que o capitalismo se tornou um sistema de guerra permanente. Pois embora a bomba atômica tenha marcado o fim das potências do Eixo, também abriu um novo front de guerra. O objetivo verdadeiro por trás Hiroshima não era o Japão, que já tinha caído, e pedia condições para render-se, mas sim a URSS. Era um aviso para que este país moderasse suas ambições imperialistas no Extremo Oriente e na Europa. Na realidade "os chefes do Estado maior americano elaboraram um plano de bombardeio atômico das vinte principais cidades soviéticas nas dez semanas que se seguiram ao fim da guerra" (Walker, The Cold War and the making of the Modern World, denominado por Eric Hobsbawm em A idade dos extremos, p. 518 da ed. francesa). Em outras palavras, a bomba atômica só pôs fim a Segunda guerra mundial para erigir os fronts da terceira. Deu um significado novo e aterrador às palavras de Rosa Luxemburgo sobre as "últimas conseqüências" de um período de guerras sem tréguas. A bomba atômica demonstrava que a partir de então, o sistema capitalista possuía desde já a capacidade de extinguir a vida humana na Terra.
Os anos 1914-1945 que Hobsbawm chama "a era das catástrofes " - confirma claramente o diagnóstico segundo o qual o capitalismo se tornou um sistema social decadente - Igual o que ocorreu na Roma antiga ou o feudalismo antes daquele. Os revolucionários que sobreviveram as perseguições e a desmoralização dos anos 1930 e 1940 e que mantiveram os princípios internacionalistas contra os dois campos imperialistas antes e durante a guerra, eram pouco numerosos, porém para a maioria deles, era algo definitivo: duas guerras mundiais, a ameaça imediata de uma terceira e a crise econômica mundial em uma escala sem precedentes, pareciam ter confirmado isso claramente uma vez por todas.
Nas décadas seguintes, entretanto, começaram a surgir dúvidas. Seguramente a humanidade vivia desde então sob a ameaça permanente de ser aniquilada. Durante os 40 anos seguintes, embora os dois novos blocos imperialistas não tenham arrastado a humanidade para uma nova guerra mundial, permaneceram em situação de conflito e de hostilidade permanente, levando a cabo uma série de guerras, mediante terceiros, no Extremo e Oriente médio, na África; e, em várias ocasiões, especialmente durante a crise dos mísseis em Cuba no outubro de 1962, levaram a humanidade à beira do abismo. Um cálculo oficial aproximado dá conta de 20 milhões de mortos, mortos durante essas guerras; outros cálculos apresentam cifras muito mais altas.
Essas guerras assolaram as regiões subdesenvolvidas do mundo e, durante o período do pós-guerra, essas zonas conheceram problemas assombrosos de pobreza e desnutrição. Entretanto, nos principais países capitalistas, produziu-se um boom espetacular durante alguns anos que os peritos da burguesia chamaram retrospectivamente os "Trinta Gloriosos". As taxas de crescimento igualaram ou superaram inclusive as do século XIX, aumentaram os salários com regularidade, instituíram-se serviços sociais e de saúde sob a direção "protetora" dos Estados... Em 1960, na Grã-Bretanha, o deputado britânico Harold Macmillan disse a classe operária "a vida nunca foi tão formosa". Entre os sociólogos floresceram novas teorias sobre a transformação do capitalismo em "sociedade de consumo" na qual a classe operária "havia se aburguesado" graças a incessante acumulação de televisores, máquinas de lavar roupa, carros e colônias de férias. Para muitos, incluídos alguns no movimento revolucionário, esse período contradizia a idéia de que o capitalismo tinha entrado em decadência, demonstrando sua capacidade para desenvolver-se de forma quase ilimitada. Os teóricos "radicais", como Marcuse, começaram a procurar fora da classe operária o sujeito da mudança revolucionária: os camponeses do Terceiro mundo ou os estudantes rebeldes dos centros capitalistas.
Examinaremos em outro espaço as bases reais desse boom do pós-guerra e, especialmente, que meios adotou o capitalismo em declínio para conjurar as conseqüências imediatas de suas contradições. Digamos desde já que aqueles que declararam que o capitalismo tinha conseguido superar suas contradições revelaram-se empiristas superficiais, quando, nos finais dos anos 1960, apareceram os primeiros sintomas de uma nova crise econômica nos principais países ocidentais. A partir dos 70, a enfermidade já estava declarada: a inflação começou fazer estragos nas economias principais, incitando o abandono dos métodos keynesianos de apoio direto à economia por parte do Estado, métodos que tão bem tinham funcionado durante as décadas anteriores. E assim, os 80 foram os anos do "thatcherismo" e dos "reaganomics", ou seja, das políticas propugnadas pela primeira ministra britânica, Margaret Thatcher, e o presidente do EUA, Ronald Reagan, que consistiam em deixar que a economia atingisse seu nível real, abandonando as indústrias mais débeis. A inflação foi curada pela recessão. Após, atravessamos uma série de mini-booms e de recessões, e o projeto do thatcherismo continua existindo no plano ideológico com as perspectivas do neoliberalismo e das privatizações. Entretanto, além da retórica sobre o retorno dos valores econômicos da época da rainha Vitória sobre a livre empresa, o papel do Estado capitalista continua sendo tão decisivo ou mais: o Estado continua manipulando o crescimento econômico mediante toda classe de manobras financeiras, todas elas apoiadas em uma avalanche crescente de dívidas, cujo melhor exemplo e símbolo são os Estados Unidos. O desenvolvimento desta potência se plasmou em que de devedora se transformou em credora e, em troca, agora se afoga sob uma dívida de mais de 36 trilhões de dólares[1] "Este crescimento constante de dívidas, não só no Japão mas também em todos os países desenvolvidos, é uma autêntica bomba relógio com um potencial de destruição insuspeito. Uma estimativa aproximada do endividamento mundial para todos os agentes econômicos (Estados, empresas, famílias e bancos) oscila entre 200 e 300 % do produto mundial. Em concreto isso significa duas coisas: por um lado, o sistema adiantou o equivalente monetário do valor de entre duas e três vezes o produto mundial para paliar a crise de sobreprodução permanente e, por outro lado, teria que trabalhar dois a três anos por nada, se essa dívida tivesse que ser devolvida no dia de amanhã. Se um endividamento maciço pode ser hoje suportado pelas economias desenvolvidas, está, em troca, afogando um por um os países chamados "emergentes". Essa dívida fenomenal a nível mundial é algo historicamente sem precedentes e é expressão a uma só vez da profundidade do labirinto em que está imerso o sistema capitalista, mas, também, de sua capacidade para manipular a lei do valor para que perdure", (Revista internacional nº 114, 3er trimestre de 2003).
Enquanto a burguesia nos pede que confiemos em todos esses remédios falsos como a "economia da informação" ou outras bagatelas como as "revoluções tecnológicas", a dependência de toda a economia mundial no que diz respeito ao endividamento implica uma acumulação de forças subterrâneas cuja pressão acabará fazendo entrar em erupção o vulcão. As observemos de vez em quando: o motor do crescimento dos "tigres" e dos "dragões" asiáticos se impregnou em 1997; foi possivelmente o exemplo mais significativo. Hoje, em 2007, nos repete que as taxas de crescimento espetaculares da Índia e China nos mostram o futuro. Mas, imediatamente, as palavras não conseguem ocultar o medo de que tudo isto acabe mal. O crescimento da China, ao fim e ao cabo, apóia-se em exportações vantajosas para "Ocidente", cuja capacidade de consumo se apóia em enormes volumes de dívidas... E o que ocorrerá quando tiver que reembolsar? Depois do crescimento sustentado pela dívida dos últimos vinte anos, aparece sua fragilidade em muitos de seus aspectos mais claramente negativos: a desindustrialização de segmentos inteiros da economia ocidental, a criação de uma massa de empregos improdutivos e freqüentemente precários, cada vez mais vinculados a espaços parasitários da economia; a crescente distancia entre ricos e pobres, não só entre os países capitalistas centrais e as regiões mais pobres do mundo, mas também nas economias mais desenvolvidas; a incapacidade evidente para absorver verdadeiramente a massa de desempregados que se tornou permanente e cuja amplitude se esconde com uma série de artimanhas (estágios de formação que não vão a lugar nenhum, mudanças constantes nos cálculos do desemprego, etc.).
No plano econômico, pois, o capitalismo não inverteu, muito menos, seu curso à catástrofe. E o mesmo ocorre no plano imperialista. Quando se afundou o bloco do Leste nos finais dos anos 1980, pondo um fim espetacular em quatro décadas de "Guerra fria", o presidente do EUA, George Bush pai, pronunciou sua célebre frase em que anunciava a abertura de uma nova ordem mundial de paz e prosperidade. Mas o capitalismo decadente é guerra permanente; a forma dos conflitos imperialistas poderá mudar, mas não desaparecer. Vimos em 1945, tornamos a verificar desde 1991. Em lugar do conflito relativamente "disciplinado" entre os dois blocos, estamos assistindo uma guerra muito mais caótica, de todos contra todos, com uma única superpotência restante, Estados Unidos, que recorre cada vez mais à força militar para tentar impor sua autoridade. E ocorreu o contrário: cada desdobramento dessa superioridade militar incontestável o que unicamente conseguiu foi incrementar ainda mais oposição à sua hegemonia. Vimos quando a primeira Guerra do Golfo em 1991: por muito que até então os Estados Unidos conseguissem momentaneamente obrigar os seus antigos aliados, Alemanha e França, a unir-se à sua cruzada contra Sadam Husein no Iraque, os dois anos seguintes demonstraram claramente que a antiga disciplina do bloco ocidental tinha desaparecido para sempre: durante as guerras que devastaram os Bálcãs durante a década dos 90, primeiro Alemanha, (com seu apoio a Croácia e Eslovênia) França depois (com seu apoio a Sérvia, enquanto que os EUA decidiram apoiar a Bósnia), dedicaram-se a fazer a guerra contra esta potencia, mediante terceiros. Inclusive o "lugar-tenente" dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, situou-se por uma vez no campo adverso apoiando a Sérvia até o momento em que este país já não pôde impedir a ofensiva americana e seus bombardeios. A recente "guerra contra o terrorismo", preparada graças a destruição das Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, por um comando suicida muito provavelmente manipulado pelo Estado norte-americano (outra expressão da barbárie do mundo atual) tem acirrado as divergências: França, Alemanha e Rússia formaram uma coalizão de opositores à invasão do Iraque pelos Estados Unidos. As conseqüências da invasão do Iraque em 2003 foram ainda mais desastrosas. Longe de consolidar o controle do Oriente Médio pelos Estados Unidos e favorecer a Full spectrum dominance, o domínio tecnológico do EUA com o que sonham os neo-conservadores da administração Bush e seus sequazes, a invasão consumiu toda a região no caos com uma instabilidade crescente em Israel/Palestina, Líbano, Irã, Turquia, Afeganistão e Paquistão. Durante esse tempo, o equilíbrio imperialista já estava mais minado ainda pela emergência de novas potências nucleares, Índia e Paquistão; é possível que o Irã imediatamente seja a seguinte e, de todas maneiras, este país ampliou suas ambições imperialistas depois da queda do seu grande rival, Iraque. O equilíbrio imperialista também está minado pela posição hostil que foi tomando cada vez mais pela Rússia de Putin para o Ocidente, pelo peso crescente do imperialismo chinês nos assuntos mundiais, pela proliferação de Estados que se desintegram e de "Estados vândalos" no Oriente Médio, Extremo Oriente e África, pela extensão do terrorismo islamita em escala mundial, que atua às vezes por conta de tal ou qual potência, mas, freqüentemente, como potência imprevisível por conta própria... Desde o final da "guerra fria", o mundo não é, certamente, menos perigoso e sim muito mais.
E se já ao longo de todo o século XX, não têm feito mais que aumentar os perigos que ameaçam a espécie humana, sobre tudo a crise e a guerra imperialista, agora, nas últimas décadas, surgiu uma terceira dimensão do desastre que o capitalismo reserva a humanidade: a crise ecológica. Este modo de produção, aguilhoado por uma concorrência cada vez mais agitada em busca da última oportunidade de encontrar um mercado, deve continuar estendendo-se por todos os rincões do planeta, saquear seus recursos a todo custo. E este "crescimento" frenético aparece cada dia mais como um câncer para a o mundo inteiro. Durante as duas últimas décadas, a população foi tomando consciência pouco a pouco da amplitude dessa ameaça porque, embora hoje sejamos testemunhas de algo que não é mais que o ponto nevrálgico de um processo antigo, o problema já começou a apresentar-se em níveis muito mais elevados. A contaminação do ar, dos rios e os mares por causa das emissões da indústria e dos transportes, a destruição das selvas tropicais e da quantidade de outros habitats silvestres ou a ameaça de extinção de inumeráveis espécies animais alcançaram cotas alarmantes, combinando-se agora com o problema da mudança climática que ameaça devastando a civilização humana com uma sucessão de inundações, secas, fome e pragas de todo tipo. A própria mudança climática pode acabar provocando uma espiral de desastres como é reconhecido, dentre outros, pelo célebre físico Stephen Hawking. Em uma entrevista a ABC News, em agosto de 2006, explicava que: "o perigo é que o aquecimento global pode autoalimentar-se se é que não já está fazendo. O degelo dos pólos do Ártico e do Antártico reduz parte de energia solar que se reflete no espaço, aumentando a temperatura mais ainda. A mudança climática pode destruir a Amazônia e outras selvas tropicais, eliminando assim um dos meios principais com os que se absorve o dióxido de carbono da atmosfera. A elevação da temperatura dos oceanos pode liberar grandes quantidades de metano aprisionados em forma de hidratos no fundo dos mares. Esses dois fenômenos aumentariam o efeito estufa, acentuando o aquecimento global. É urgente barrar o aquecimento climático se ainda for possível".
As ameaças econômica, militar e ecológica não caminham separadas, mas estão intimamente ligadas. É evidente, sobre tudo, que as nações capitalistas diante da ruína de sua economia, frente às catástrofes ecológicas não vão sofrer tranqüilamente sua própria desintegração mas se verão obrigadas a adotar soluções militares contra as demais nações.
Como nunca antes nos está colocada a alternativa socialismo ou barbárie. E, como o dizia Rosa Luxemburgo, a Iª Guerra mundial já era a barbárie, o perigo que ameaça a humanidade, e, para começar, a única força que pode salvá-la, o proletariado, é que este se veja arrastado pela barbárie crescente que se expande pelo planeta antes de que possa atuar e contribuir sua própria solução.
A crise ecológica mostra claramente o perigo: a luta de classe proletária imediatamente não pode atuar nela antes de que o proletariado tenha tomado o poder e esteja em situação de reorganizar a produção e o consumo em escala mundial. E quanto mais se atrase a revolução maior será o perigo de que a destruição do meio ambiente escave as bases materiais da transformação comunista. Mas o mesmo ocorre com os efeitos sociais que engendra a fase atual da decadência. Em muitas cidades existe uma tendência que a classe operária perca sua identidade de classe e que uma geração de jovens proletários seja vítima da mentalidade de malta, de ideologias irracionais e da desesperança niilista. Isto também carrega o perigo de que seja demasiado tarde para que o proletariado se reconstitua como força social revolucionária.
Entretanto, o proletariado não deve jamais esquecer seu verdadeiro potencial. Por sua parte, a burguesia sempre foi consciente desse potencial. No período que desembocou na Iª Guerra mundial, a classe dominante esperava com ansiedade a resposta que daria a Social-democracia, pois sabia muito bem que não poderia obrigar os operários a ir À guerra sem o apoio ativo dessa. A derrota ideológica denunciada por Rosa Luxemburgo era a condição sine quo non para desencadear a guerra; e foi o reatamento dos combates do proletariado, a partir de 1916, o que ia pôr lhe fim. Ao contrário, a derrota e desmoralização depois da quebra da onda revolucionária abriram o curso a IIª Guerra mundial, embora necessitasse a burguesia um longo período de repressão e de intoxicação ideológica antes de poder mobilizar a classe operária para esse novo matadouro. E a burguesia, era muito consciente da necessidade de levar a cabo ações preventivas para dissipar o menor perigo de que se repetisse o ocorrido em 1917 ao final da guerra. Essa "consciência de classe" da burguesia esteve acima de tudo personificada pelo Greatest Ever Briton ("o britânico maior da história"), Winston Churchill, que tinha aprendido muito com papel que desempenhou para sufocar a ameaça bolchevique em 1917-20. Depois das greves maciças do Norte da Itália em 1943, foi Churchill quem formulou a política de "deixar (os italianos) cozinhar em seu próprio molho", ou seja atrasar a chegada dos aliados que vinham do Sul do país para, assim, permitir que nazistas esmagassem os operários italianos; foi Churchill também quem melhor compreendeu a sinistra mensagem do terror dos bombardeios sobre a Alemanha na última fase da guerra; seu objetivo era cortar pela raiz qualquer possibilidade de revolução ali onde a burguesia tinha mais medo dela.
A derrota mundial e a contra-revolução duraram quatro décadas. Mas não foi o final da luta de classes como alguns começaram a acreditar. Com o retorno da crise nos finais dos anos 60, voltou a aparecer uma nova geração de proletários que lutavam por suas próprias reivindicações: os "acontecimentos" de Maio de 1968 na França que, oficialmente, mencionam-se como uma "revolta estudantil", se levaram quase o Estado francês a beira do abismo foi porque a revolta das universidades veio acompanhada pela maior greve geral da história. Nos anos seguintes, Itália, Argentina, Polônia, Espanha, Grã-Bretanha e muitos outros países conheceram por sua vez movimentos maciços da classe operária, deixando para trás muito freqüentemente, os representantes oficiais do "Trabalho", sindicatos e partidos de esquerda. As greves "selvagens" foram a norma, em oposição a mobilização sindical "disciplinada", e os operários começaram a desenvolver novas formas de luta para escapar do controle paralisante dos sindicatos: assembléias gerais, comitês de greve eleitos, delegações maciças para outros lugares de trabalho. Nas grandes greves da Polônia, em 1980, os operários utilizaram esses meios para coordenar sua luta a nível de todo o país.
As lutas do período 1968-89 terminaram freqüentemente em derrotas se referirmos às reivindicações exigidas. Mas seguramente se não tivessem acontecido, a burguesia teria ficado com as mãos livres para impor ataques muito maiores contra as condições de vida da classe operária, em particular nos países avançados do sistema. E, sobre tudo, a negativa do proletariado em pagar os efeitos da crise capitalista significava também que não ia deixar se alistar sem resistência em uma nova guerra, e isso quando o reaparecimento da crise havia acirrado as tensões entre os dois grandes blocos imperialistas a partir dos anos 70 e, sobre tudo, nos anos 80. A guerra imperialista é um elemento implícito da crise econômica do capitalismo, embora também não seja uma "solução" a dita crise, nada mais é que um naufrágio do sistema ainda mais profundo. Para a guerra, a burguesia deve dispor de um proletariado submisso e ideologicamente leal, e isso a burguesia não o possuía. E possivelmente era no bloco do Leste onde se isso se observava mais claramente: a burguesia russa, era a que estava sentindo-se mais obrigada buscar a solução militar por causa de seu desmoronamento econômico e o assédio militar crescente, acabou dando-se conta de que lhe era impossível usar o proletariado como bucha de canhão em uma guerra contra ocidente, especialmente depois da greve de massas da Polônia em 1980. Foi esse atoleiro que, em grande parte, levou a implosão ao bloco do Leste em 1989-91.
O proletariado, entretanto, foi incapaz de propor sua própria e autêntica solução às contradições do sistema: a perspectiva de uma nova sociedade. Maio de 1968 colocou essa questão em um alto nível, fazendo surgir uma nova geração de revolucionários, mas estes continuaram sendo uma minoria ínfima. Ante o agravamento da crise econômica, a maior parte da lutas operárias dos anos 70 e 80 se limitaram a um nível econômico defensivo e as décadas de desilusão para com os partidos "tradicionais" de esquerda difundiram no seio da classe operária uma profunda desconfiança para "a política" fosse qual fosse.
Houve assim uma espécie de bloqueio na luta entre as classes: a burguesia não tinha nenhum futuro a oferecer para a humanidade, e o proletariado não havia voltado a descobrir seu próprio futuro. Mas a crise do sistema não fica imóvel e essa situação de bloqueio conduziu uma decomposição crescente da sociedade em todos os níveis. No plano imperialista, essa situação levou a desintegração dos dois blocos e, por isso, a perspectiva de uma guerra mundial desapareceu por um tempo indeterminado. Mas, como já vimos, o proletariado, e com ele a toda humanidade, estão expostos a um novo perigo, uma espécie de barbárie que se apresenta de forma sorrateira e, em muitos aspectos, é ainda mais nefasta que a guerra.
A humanidade está pois na encruzilhada. Os anos, as décadas que vêm podem ser cruciais para toda sua história, pois determinarão se a sociedade humana vai se afundar em uma regressão sem precedentes e inclusive extinguir-se ou se será capaz de dar o salto para uma nova forma de organização na qual a humanidade será por fim capaz de controlar sua própria força social e criar um mundo em harmonia com suas necessidades.
Como comunistas que somos, estamos convencidos de que não está muito tarde para esta alternativa, que a classe operária, apesar de todos os ataques econômicos, políticos e ideológicos que sofreu nos últimos anos, continua sendo capaz de resistir, continua sendo ainda a única força que pode impedir a queda no abismo. De fato, desde 2003, há um desenvolvimento perceptível de lutas operárias por todo o mundo; e, simultaneamente , estamos assistindo o surgimento de uma nova geração de grupos e pessoas que questionam as próprias bases do sistema social atual, que procuram seriamente quais são as possibilidades de uma mudança fundamental. Em outras palavras, estamos assistindo uma verdadeira maturação da consciência de classe.
Frente a um mundo submerso no caos, não faltam explicações falsas à crise atual. Florescem hoje o fundamentalismo religioso, em suas variantes cristas ou mulçumanas, assim como todo um leque de explicações ocultistas ou conspiradoras da história, precisamente porque os sinais de um final apocalíptico da civilização mundial, são difíceis de negar. Porém estas regressões para a mitologia só servem para reforçar a passividade e a desesperança, pois subordinam invariavelmente a capacidade do homem para ter uma atividade que lhe seja própria, a umas leis irrevogáveis de poderes celestiais que reinam por cima dele. A expressão mais característica desses cultos é sem dúvida constituída pelas bombas humanas islâmicas, cujas ações são a quintessência da desesperança, ou os evangélicos americanos que glorificam a guerra e a destruição ecológica como tantas etapas para o êxtase do futuro. Y embora o "senso comum" burguês racional se ria dos absurdos desses fanáticos, aproveita para colocar no mesmo saco das suas troças todos aqueles que mediante o raciocínio e a reflexão científicas, estão cada vez mais convencidos de que o sistema social atual não pode durar, não poderá durar sempre. Contra as invectivas dos clérigos de todo tipo e a negação vazia dos burgueses estupidamente otimistas, é mais do que nunca vital desenvolver uma compreensão coerente do que Rosa Luxemburgo chamava "o dilema da história". Como ela, nós estamos convencidos de que as únicas bases dessa compreensão são a teoria revolucionária do proletariado, ou seja, o marxismo e a concepção materialista da história.
Gerrard (Revista Internacional n° 132)
[1] ) Estimativa do terceiro trimestre de 2003 segundo as estatísticas publicadas pelo conselho de governadores da Reserva federal e outras agências governamentais dos EEUU. Segundo as mesmas fontes, a dívida era de 1,6 bilhões de dólares em 1970. Fonte: solidariteetprogres.online.fr/News/Etats-Unis/breve_908.html.
Nunca desde o reaparecimento da crise aberta do capitalismo no final dos anos sessenta, essa tinha sido tão perigosa. Em relação a uma outra referencia histórica, se pode dizer que a situação é globalmente mais perigosa de que na véspera da crise de 29, o que não significa que esta vai se repetir de imediato, pois o capitalismo faz tudo que pode para evitar que se produza novamente tal manifestação aberta e brutal do impasse da economia capitalista.
O conjunto dos fatores a seguir expressa o retorno na cena histórica, com violência, de todas as manifestações da crise aberta do capitalismo que a burguesia tinha tentado conter através vários meios desde o final dos anos sessenta:
Enquanto a burguesia gasta dezenas de bilhões para auxiliar bancos e instituições financeiras, a situação de milhões de pessoas pobres no mundo está aumentando em ritmo acelerado.
Nos EU, milhares de operários são expulsos de sua casa, pois não podem mais pagar o reembolso das mensalidades cada vez mais altas como conseqüência da crise dos empréstimos do tipo "subprimes". Paradoxalmente, o número de pessoas sem teto aumenta, não porque existe uma penúria de moradia, muito embora exista excesso de moradias. O mesmo fenômeno começa a afetar o consumo a credito em geral.
Não é todo. O departamento do trabalho dos Estados-Unidos anunciou o dia 7 de Março que 63000 empregos foram perdidos durante o mês de fevereiro. Isso constituiu a segunda queda consecutiva do número de empregos a nível geral no país e a terceira do setor privado.
No entanto, as conseqüências dramáticas da crise mundial do capitalismo não se manifestam somente nos EU: segundo a comissão da ONU dos direitos humanos, 1 bilhão de pessoas necessita de uma moradia adequada, e 10 milhões simplesmente não têm nenhuma.
Em 2008, uma outra realidade se manifesta de maneira ainda mais dramática: o crescimento da fome a nível mundial como conseqüência da penúria e do aumento vertiginoso do preço dos alimentos no mundo. O presidente do banco mundial "exortou para que se tomassem medidas imediatas para enfrentar o aumento dos preços dos alimentos, os quais causaram fome e revoltas em vários países", acrescendo que "pelo menos 33 países enfrentam protestos e instabilidade devido à falta de comida". O secretariado da FAO, Jacques Diouf, afirmou que "nos últimos nove meses o preço dos alimentos subiu em média 80% e que existe escassez de arroz, milho e trigo". Por sua parte, o chefe do FMI, Dominique Strauss-Kahn, alertou que "o aumento dos preços dos alimentos poderia ter conseqüências graves para a população dos países em desenvolvimento".
O que preocupa toda essa gente são mais as conseqüências sociais da fome de que os sofrimentos desta. Houve uma série de revoltas contra a fome em vários países. "Há protestos na Guiné, Marrocos, Mauritânia, Moçambique, Nigéria e Senegal. Em Camarões, causaram 40 mortos. Na Costa de Marfim e Burkina Fasso, as manifestações se transformaram em saques e violências, enquanto no Egito sete pessoas morreram nos tumultos na tentativa de receber pão subsidiado. Uzbekistão, Yemen, Bolívia e Indonésia estão conhecendo uma situação semelhante. Os preços elevados dos alimentos colocaram este fora do alcance de milhões de pessoas, e a situação só faz se agravar." (Fonte Site semana.com).
Um caso mais próximo geograficamente foi o do Haiti no início do mês de abril onde os habitantes da capital, Porto Príncipe, e de outras cidades manifestaram durante cinco dias contra a escassez e o aumento do preço dos alimentos básicos, cujos preços foram multiplicados por três desde novembro de 2007. As manifestações deixaram um saldo de entre cinco e oito mortos, em conseqüência da repressão pelas forças da ONU estabelecidas no Haiti, comandadas pelo exercito brasileiro.
O afundamento do capitalismo na sua crise vai acentuar as tensões imperialistas entre nações ao tempo em que situação já é insuportável neste plano:
Há menos de dois meses um aceno de guerra se levantou no continente Sul-americano através medida de força entre Columbia e Equador que envolveu vários países da região, principalmente a Venezuela que mobilizou tropas na fronteira colombiana, em "solidariedade" ao Equador. Este conflito é resultado da instabilidade induzida na região pelos Estados-Unidos para tentar pôr ordem no seu próprio "pátio traseiro" e do fato que um governo como o da Venezuela se aproveita das dificuldades deste país no plano imperialista mundial, para tentar alçar a condição de potência regional.
O conflito Equador-Colombia não é nada mais que uma expressão das tensões na região onde todos os países, sem exceção, aumentam suas despesas militares e de influência geopolítica. O Brasil é um dos países que tem passado a jogar um papel de primeira ordem com potência regional. Com Lula, foi capaz de levar a cabo uma política mais discreta e eficaz de que a de Chávez e de se posicionar como verdadeira potencia regional, competindo ou complementando (segundo as circunstancias) os próprios Estados-Unidos.
A situação atual não é somente a reedição em maior escala de todas as manifestações da crise desde o final dos anos 1960. Essas últimas se expressam de maneira mais uniforme, simultânea e explosiva conferindo assim à catástrofe econômica uma qualidade nova e propícia ao questionamento radical deste sistema.
Desde 2003 o proletariado mundial tende retomar suas lutas, demonstrando nessas um desenvolvimento significativo e uma tendência a lutas massivas (as recentes greves de 400 000 funcionários públicos na Grã-bretanha), manifestações crescentes de solidariedade ativa entre operários de diferentes setores (Opel e Nokia em Alemanha) ou nacionalidades (Dubai na construção civil), ultrapassando o quadro sindical (Bélgica no pólo petroquímico BP), a resistir as ameaças inclusive físicas por parte da burguesia (Turquia na construção naval, Egito na industria têxtil).
Tem de se tomar em conta o caminho que nossa classe está percorrendo através do número impressionante de lutas no mundo com um caráter cada vez mais simultâneo. Assim, desde o começo deste ano, houve lutas importantes ou significativas nos países seguintes:
Diante da crise do capitalismo, só há uma via: desenvolvimento internacional da luta de classe, unificação do combate com a perspectiva da derrubada deste sistema bárbaro.
(22 de abril 2008)
Está se completando pouco mais de um ano desde que a crise imobiliária desatada nos EEUU (a célebre "crise dos subprimes") dava o ponta-pé de partida a uma aceleração brutal da crise econômica mundial. Desde então a humanidade tem sido golpeada em cheio por uma verdadeira onda de empobrecimento. Sofrendo os estragos causados pela alta dos preços (em poucos meses o preço dos alimentos básicos aumentaram mais que o dobro em numerosas regiões do mundo), as camadas sociais mais empobrecidas da população se vêem confrontadas com o horror da fome. As revoltas provocadas por esta e que aconteceram desde o México a Bangladesh, passando por Haiti, Egito, etc., representam tentativas desesperadas de fazer frente a esta situação insuportável. Porém também no coração mesmo dos países mais industrializados as condições de vida de toda classe operária têm se degradado profundamente. Um só exemplo: mais de dois milhões de americanos têm perdido suas moradias por não poder pagar a dívida. Até 2009, um milhão a mais de pessoas estão ameaçadas de ter que morar na rua.
Esta dura realidade que os operários e todas as camadas não exploradoras do mundo sentem na sua própria carne já não pode ser mais negada pela burguesia. As declarações dos responsáveis pelas instituições econômicas e os analistas financeiros expressam o terror da burguesia.
Em 24 de setembro de 2008, o Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, fez segundo os comentaristas e jornalistas do mundo inteiro, um discurso "fora do comum". Seu discurso anunciou sem mais rodeios as tormentas que iam cair sobre "o povo americano":
"Trata-se de um período extraordinário para a economia dos Estados Unidos. Desde algumas semanas, muitos Americanos estão ansiosos quanto a sua situação financeira e o seu futuro. [...] Observamos grandes flutuações na Bolsa e grandes estabelecimentos financeiros estão a ponto de afundar, e alguns faliram. Enquanto está acentuando a incerteza, numerosos bancos procederam a um aperto do crédito. Se bloqueia o mercado do crédito. As famílias e as empresas têm mais dificuldades para pedir empréstimos. Estamos em meio a uma grave crise financeira [...] toda nossa economia está em perigo. [...] Setores chave do sistema financeiro dos Estados Unidos correm o risco de afundar. [...] A América poderia se envolver no pânico financeiro, e assistiríamos a uma situação desoladora. Novos bancos quebrariam, alguns na sua comunidade. O mercado de ações se afundaria ainda mais, o que reduziria o valor das suas pensões de aposentadoria. O valor da casa depreciaria. Os despejos se multiplicariam. [...] Muitas empresas teriam que fechar e milhões de americanos perderiam seu emprego. Inclusive com um saldo credor, lhes seria mais difícil obter empréstimos necessários para comprar um carro ou mandar seus filhos a universidade. Ao fim e ao cabo, nosso país poderia cair em uma larga e dolorosa recessão"
Realmente, não só a economia americana que está ameaçada "a cair em larga e dolorosa recessão", mas o conjunto da economia mundial. Os Estados Unidos, locomotiva do crescimento mundial desde há sessenta anos, arrastam desta vez a economia mundial para o abismo!
A lista dos organismos financeiros em enorme dificuldade se amplia cada dia.
Inevitavelmente, as Bolsas também estão envoltas na tormenta. Diariamente, caem de 3, 4 ou 5%, ao ritmo das falências. Inclusive a Bolsa de Moscou teve de fechar suas portas durante vários dias, no meado de setembro, após quedas sucessivas que ultrapassaram em 10%!
Que a crise econômica mundial atual é particularmente grave já o sabe a classe operária posto que é a primeira que sofre suas brutais conseqüências. A verdadeira questão é de saber se trata de algo passageiro, de uma sorte de depressão momentânea ou de um expurgo curativo que permitiria a economia mundial castigar hoje os abusos financeiros, para retomar, amanhã, com forças redobradas. Ou será que a aceleração atual da crise mostra na realidade a quebra histórica do capitalismo?
Para dizer a verdade, a crise não começou em 2007, mas no final dos anos sessenta. A partir de 1967 começaram a suceder abalos do sistema monetário e as taxas de crescimento das economias das nações mais poderosas diminuíram pouco a pouco. Colocava-se fim assim no período de "prosperidade" dos anos 50 e 60 [2] . Se esta crise não iniciou com a virulência e a espetacularidade como a que aconteceu em 1929, foi pela simples razão de que os Estados, que haviam aprendido as lições do período negro de entre - guerras se empenharam em evitar que a economia se visse envolvida pela superprodução, recorrendo para isso a um recurso artificial: o endividamento sistemático e generalizado. Mediante este endividamento dos Estados, das empresas e dos particulares, a "demanda" pôde manter-se quase em nível da "oferta". Ou dito de outra forma: foi graças ao crédito que as mercadorias encontraram saída.
Porém o endividamento é só um paliativo, que não cura o capitalismo da enfermidade mortal da superprodução. Incapaz de "sanar" realmente, este sistema de exploração está obrigado a recorrer continua e crescentemente a este artifício embora seja só para sobreviver simplesmente. Em 1980, o montante da dívida dos Estados Unidos era quase igual à produção nacional. Em 2006, a dívida já era 3,6 vezes maior, alcançando a cifra de US$48,3 bilhões. Trata-se como pode se ver de um autêntico adiamento dos problemas. É inegável que o capitalismo vive sobre uma montanha de dívidas. A isso os especialistas burgueses replicam: "e, que importa se funciona...!" Porém a realidade é bem distinta. O endividamento não é uma solução mágica. O capital não pode continuar sacando indefinidamente dinheiro de sua cartola. É o abcê do comércio: toda dívida deve ser devolvida algum dia sob pena de acabar trazendo problemas ao credor que pode levá-lo inclusive a bancarrota. É uma espécie de eterno retorno, um permanente recomeço que permite ao capital unicamente ganhar algum tempo a respeito da sua crise histórica. Porém é algo pior que isso! Ao retardar os efeitos da sua crise para amanhã o que conseguem na realidade é alimentar explosões econômicas ainda mais violentas. A tempestade da crise asiática de 1997 teve um aspecto fulminante e devastador que demonstra concretamente do que falamos. Então os famosos "tigres" e "dragões" tinham crescimentos recordes graças a um endividamento massivo. Porém quando teve que devolver os empréstimos tudo desmoronou como um castelo de cartas. Em questão de semanas esta região caiu literalmente aniquilada (um milhão a mais de desempregados em poucas semanas só na Coréia, por exemplo). A burguesia mundial não teve outra saída, para evitar que esta tormenta se propagasse na economia mundial, que voltar a conceder novos empréstimos de dezenas de milhões de US$. Trata-se de um autêntico circulo infernal e cada vez mais acelerado! O remédio vai perdendo progressivamente a eficácia. Assim o enfermo deve recorrer, para sobreviver, a doses mais elevadas e freqüentes. Desta vez, os efeitos da perfusão de 1997 apenas duraram quatro anos. Em 2001 explodiu a "bolha da internet". Adivinhe qual foi a "solução" da burguesia? Um aumento espetacular do endividamento! As autoridades econômicas norte americanas, conscientes do estado real da sua economia e da sua dependência da droga do crédito, se apegaram com tal avidez ao endividamento que um analista do Banco ABN-AMRO apelidou A. Greespan - então diretor do Banco central Norte-Americano - de autentico "Hércules da prancha de fazer bilhetes"!
De 1967-2007 se estende um longo período de crise com fases alternativas de calma e de recessão mais ou menos profundas. Porém nos últimos dez anos a história parece acelerar e o novo episodio aparece como uma tempestade particularmente violenta. A montanha de dívidas acumuladas durante quatro décadas tem se transformado, após as crises de 1997 e 2001, em um verdadeiro Everest cujo capital despenca em queda livre.
Durante uma década, a burguesia dos Estados Unidos tem facilitado enormemente que as camadas mais desfavorecidas da classe operária tenham acesso ao crédito imobiliário. Porém ao mesmo tempo, e devido à crise, tem lhe submetido a um enorme empobrecimento através do desemprego, da precariedade no emprego, cortes salariais, promovendo cortes nos serviços assistenciais, etc. O resultado tem sido inevitável: grande parte daqueles a quem os bancos têm incentivado a endividar-se para comprar uma casa (ou a hipotecar sua moradia simplesmente para comprar alimentos, roupas...) já não estão em condições de pagar a dívida. Privados do retorno do "seu" dinheiro, os bancos têm acumulado perdas tão importantes que cada vez maior número de estabelecimentos financeiros estão falidos ou ameaçados de falir. Pela tortuosa via da "titularização", quer dizer a transformação de créditos em valores mobiliários negociáveis no mercado mundial como qualquer ação ou obrigação, as entidades de crédito têm conseguido revender estes créditos a bancos de todos os países. Por isso, a crise das "subprimes" tem alcançado o sistema bancário em todo o planeta. Porém é sempre a classe operária quem paga os prejuízos, e os bancos já suprimiram 83 mil empregos no mundo desde o começo de 2007. E essa cifra poderá dobrar nos próximos meses segundo informou o periódico Les Echos em 24 de julho de 2008 passado.
O sistema bancário é o coração da economia, pois é onde se concentra todo o dinheiro disponível: se o banco desaparece, as empresas param porque não podem pagar seus assalariados nem comprar matérias primas nem máquinas, como também não podem contratar novos empréstimos e hoje inclusive os bancos que não estão em estado falimentar restringem brutalmente a concessão de créditos diante do temor de não ser reembolsados no atual clima econômico.
A conseqüência é inexorável: a atividade econômica torna-se brutalmente lenta. Na zona do Euro o PIB caiu 0,2% no segundo semestre de 2008. Na indústria, Peugeot, Altadis, Unilever, Infineon,..., suprimem milhares de empregos. A General Motors está ameaçada pura e simplesmente de falência e anuncia a possibilidade de cortar 73.000 postos de trabalho (Le Figaro, 10 de março de 2008). Quando a direção da Renault proclama, ao anunciar a supressão de 5.000 empregos, que "é melhor fazê-lo quando começa a mudar o vento que quando a tormenta venha em cima" (citado em Le Monde no dia 25 de julho), o que querem dar a entender e que a casa está em chamas e que para os trabalhadores se avizinha o pior.
Porém imediatamente surge uma pergunta: Porque não continuar aumentando a dívida, tal como se fez após o estouro da "bolha Internet"? É que não há um novo "Hércules da prancha de fazer bilhetes" seja no FED norte-americano ou em qualquer outra parte?
Na realidade, a intensidade atual da inflação demonstra que o endividamento tem alcançado limites que não podem ser ultrapassados, no momento, sem que o remédio seja pior que a doença. O endividamento implica na emissão de quantidades de dinheiro cada vez mais consideráveis. Segundo o economista P.Artus: "A massa líquida aumentou em 20% desde o ano de 2002". Porém tamanha emissão de massa de dinheiro não pode senão engendrar fortes pressões inflacionárias. Além disso, especuladores do mundo inteiro vieram acentuar esta tendência inflacionária ao embarcarem em mercados como o petróleo ou de alimento de primeira necessidade. Fugindo de uma área onde anteriormente apostavam, tal como a aplicação nas ações das empresas nas bolsas (por conta da crise), na chamada "nova economia" ou nas imobiliárias (em processo de naufrágio), especulam agora com bens, como o petróleo ou os alimentos, que somos obrigados a comprar, e pelo qual boa parte da humanidade se vê condenada ao aumento da fome ainda mais terrível.
O perigo é grande para a economia capitalista. A inflação é um verdadeiro veneno, pois pode conduzir ao naufrágio da moeda e a desajustes no sistema monetário mundial. O atual debilitamento do US$ vai por aí. Se isso chegar a consumar, se causaria um colapso do comércio mundial pois a moeda americana é uma referência internacional. É muito significativo que os diretores dos grandes bancos centrais (o FED, o BEC,...) reiteram em todas as intervenções duas mensagens contraditórias: de um lado dizem que para evitar a recessão tem que continuar "abrindo mão" do crédito, que tem de baixar as taxas de juros para incrementar a demanda, por outro, esses mesmos diretores, querem combater a inflação, ou seja, aumentar as taxas de juros para frear o endividamento! E não é que esses grandes burgueses sejam esquizofrênicos. É que expressam simplesmente a contradição real na qual está preso o capitalismo. Este sistema se vê agora acuado ante espada da recessão e a parede da inflação. Ou seja, que, em continuidade, a burguesia se vê obrigada a navegar entre duas águas: parar o endividamento para conter a inflação porém sem cortar em demasia o recurso do crédito com a finalidade de não bloquear a economia como aconteceu em 1929. Em resumo: estão realmente em um atoleiro.
Frente a esta onda de más notícias, inclusive os maiores especialistas da economia perdem o sentido. Alan Greespan, o antigo Presidente do FED (considerado como Presidente "mítico" pelos seus pares) declarou assim no canal de televiso ABC, no dia 15 de setembro de 2008; "Temos de reconhecer que se trata de um acontecimento que se produz uma vez a cada 50 anos, provavelmente uma vez por século [...] Não cabe dúvida, nunca se viu semelhante fenômeno, não se acaba e vai durar". Ainda mais significativa foi a declaração do Premio Nobel de economia, José Stiglitz, que querendo "acalmar os ânimos" afirmou ingenuamente que a crise financeira atual seria menos grave que a de 1929, a pesar de que é necessário proteger-se de um "excesso de confiança". Longe de tranqüilizar, este eminente especialista da economia, porém não de psicologia, provocou obviamente o pânico geral. Na realidade expressou em voz alta o que todos pensam às escondidas: será que vamos rumo a um novo 29, para uma nova "depressão"?
Desde então, para tranqüilizar-nos, se sucedem os economistas diante das telas para explicá-nos que a embora a crise atual seja muito grave, porém não tem nada a ver com a quebra de 29 e que, de todos os modos, tudo acabará por resolver-se. Não dizem a verdade mais que a metade. Quando a Grande depressão, nos Estados Unidos, milhares de bancos faliram, milhões de pessoas perderam suas economias, a taxa de desemprego alcançou 25% e a produção industrial decresceu em 60%. Para resumir, a economia paralisou. Na realidade, naquele momento os dirigentes dos Estados reagiram muito tardiamente. Haviam deixado os mercados abandonados durante vários meses. E o pior, a única medida que tomaram foi a de fechar as fronteiras para as mercadorias estrangeiras (por meio de medidas protecionistas) o que acabou de bloquear o sistema. O contexto é muito diferente hoje em dia. A burguesia aprendeu muito daquele desastre econômico, se dotou de organismos internacionais e supervisiona a crise com muito cuidado. Desde o verão de 2007, os distintos bancos centrais (principalmente o FED e o Banco Central Europeu - o BCE) injetaram cerca de 2 trilhões de dólares para salvar as entidades em dificuldades. Assim lograram evitar a queda brusca e brutal do sistema financeiro. A economia está desacelerando a toda velocidade, porém não para. Contrariamente ao que dizem todos estes especialistas e demais licenciados em ciências, a crise atual é muito mais grave que a de 29. O mercado mundial está completamente saturado. O crescimento das recentes décadas não foi possível senão através do endividamento massivo. O capitalismo está hoje imerso sob uma montanha de dívidas [3]!
Alguns políticos ou alto responsáveis pela economia mundial nos dizem hoje que é necessário "moralizar" o mundo das finanças com a finalidade de impedir que sejam cometidos excessos que causaram a crise atual e de permitir a volta a um "capitalismo sã". Porém se abstêm de dizer (o não querem saber) que o "crescimento" dos anos passados foi precisamente permitido por estes "excessos", ou seja, pelo adiamento das contradições através do endividamento generalizado do capitalismo. Não são os "excessos financeiros" os verdadeiros responsáveis pela crise atual; esses excessos e essa crise das finanças só fazem expressar nada menos que a crise sem saída, o impasse histórico que chegou o sistema capitalista em seu conjunto. Por isso não haverá verdadeira "saída do túnel". O capitalismo vai continuar caindo inexoravelmente. O plano Bush de 700 bilhões de dólares, que supostamente deveria "sanear o sistema financeiro", será inevitavelmente um fracasso. Se aceita este plano, o Governo americano poderá recuperar os créditos "duvidosos" para comprovar as contas dos bancos e reativar o crédito. Ao anuncio deste plano, as bolsas se aliviaram e estabeleceram recordes de alta em um só dia (9,55% na Bolsa de Paris, por exemplo), porém desde já, mantêm um sobe e desce, já que, basicamente nada está verdadeiramente normalizado. As causas profundas da crise prosseguem: o mercado fica mais saturado de mercadorias invendíveis e os estabelecimentos financeiros, as empresas, os Estados, os particulares... continuam sendo moídos pelo peso das suas dívidas.
A recessão atual é um novo episódio particularmente grave e violento do naufrágio histórico do capitalismo. A crise, que já dura quarenta anos tem mudado de ritmo e experimenta hoje uma brusca aceleração. Com isso não queremos dizer que estamos diante de uma espécie de "crise final" que conduza o capitalismo ao colapso e que esse desapareça por si mesmo. O que verdadeiramente é importante é que esta situação, que não vivíamos desde 1929, terá consideráveis implicações tanto nas condições de vida da classe operária como no desenvolvimento das suas lutas. A burguesia vai descarregar seus ataques contra o proletariado e como sempre vai tentar que seja este que pague a crise. Uma coisa é certa: nenhuma das políticas econômicas que nos propõem os diferentes partidos (desde a extrema direita a extrema esquerda), dos distintos países, pode aliviar esta situação. Só a luta da classe operária pode frear os planos da burguesia. Y o desenvolvimento da inflação que afeta a todos operários cria um terreno propício à luta unida e solidária. Porém o desenvolvimento da luta da classe operária não é somente o único meio que pode impedir que a burguesia golpeie nossas vidas. Constitui, além disso, o único caminho efetivo para fazer possível a derrubada do capitalismo e a construção de uma nova sociedade - o comunismo - em que as crises já não existem posto que não se produza para o lucro, mas para a satisfação das necessidades humanas.
(Setembro de 2008)
[1]) Ao anúncio de todas estas falências em série, não podemos pensar sem indignação nos salários sacados nos últimos anos pelos responsáveis pelo diversos organismos. Por exemplo, os líderes dos cinco principais bancos de Wall Street ganharam 3,1 bilhões de dólares em 5 anos (Bloomberg). É hoje é a classe trabalhadora que sofre as conseqüências da sua política. Embora o excesso do seu salário não consiga explicar a crise, revela o que é a burguesia: uma classe de gangsteres que tem o maior menosprezo pelos trabalhadores, as "pessoas comuns"!
[2]) ) Hoje tem lugar na CCI um debate para compreender melhor os mecanismos deste período da economia capitalista, debate que começamos a publicar na nossa imprensa (veja "Debate interno de la CCI: Las causas del periodo de prosperidad consecutivo a la segunda guerra mundial", na Revista Internacional, nº 133: 2º trimestre de 2008). Conclamamos vivamente a todos nossos leitores a participar desta discussão seja nas nossas reuniões (permanências, reuniões públicas), por correio postal ou eletrônico.
[3]) Os "créditos duvidosos" (ou seja que correm o risco de não serem liquidados) alcançam hoje, um nível mundial entre 3 e 40 trilhões de dólares, segundo as avaliações. A imprecisão desta gama vem de que os bancos negociaram mutuamente esses empréstimos incertos, a tal ponto que não logram hoje avaliar realmente!
O segundo número de Forward, a revista do "Revolutionary Workers Group" (RWG) contém uma discussão internacional entre nossa Corrente (Internacionalismo: "Defesa do Caráter Proletário de Outubro") e o RWG ("Os Erros de Internacionalismo a propósito da Revolução Russa"). Na crítica a nosso artigo, o RWG aborda questões importantes, mas sem proporcionar um marco geral que permita a compreensão global da experiência russa.
Os revolucionários não analisam a história por si mesma, nem para procurar "o que teriam feito se estivessem presentes naquele momento ou lugar", mas para extrair, com o conjunto da classe, as lições da experiência do movimento operário, com o propósito de chegar a uma melhor compreensão de qual caminho seguir nas lutas do amanhã.
O artigo de nossa Corrente "Defesa do Caráter Proletário de Outubro", sem ter a pretensão de ser uma análise exaustiva da questão complexa da revolução russa, busca clarificar um ponto essencial: a revolução russa foi uma experiência do proletariado e não uma revolução burguesa; era parte integrante da onda revolucionária que sacudiu o capitalismo mundial entre os anos 1917-1920. A revolução russa não foi uma "ação burguesa" que, por conseguinte, podemos tranqüilamente enterrar e ignorar nas análises atuais. Muito pelo contrário parece inconcebível que os revolucionários de hoje, rechaçando o stalinismo, rechacem ao mesmo tempo a história trágica de sua própria classe. O rechaço de todo caráter proletário da revolução de Outubro, que freqüentemente encontra seus adeptos entre os que seguem a tradição conselhista, é uma mistificação que oculta a realidade dos esforços revolucionários da classe, tão daninha como a dos stalinistas e trotskistas agarrando-se às supostas "aquisições materiais" ou ao "Estado Operário" para justificar a defesa do Capitalismo de estado russo.
Com o reconhecimento do caráter proletário de Outubro, deve-se reconhecer que o partido Bolchevique, entre os primeiros da esquerda marxista internacional que defendia posições de classe durante a primeira guerra mundial e em particular em 1917, era um partido proletário. Mas, quando da derrota dos levantamentos operários internacionais, o bastião russo, isolado, sofre uma contra-revolução "a partir do interior" e o partido Bolchevique, de pilar da esquerda comunista internacional, degenera em partido do campo burguês.
Eis aqui quais são as idéias centrais que ressaltam o artigo de Internacionalismo, apesar da tradução freqüentemente penosa, que faz Forward. Forward não quer, com efeito, discutir o problema da natureza proletária de Outubro - ele está de acordo sobre este ponto-; o que lhe preocupa, é a natureza contra-revolucionária dos acontecimentos posteriores; embora Internacionalismo, em seu texto, não trate deste problema, a não ser de maneira secundária. Em nenhum artigo de nossa imprensa pretendemos abranger todos os problemas da história. Apesar deste mal entendido de partida, com o mesmo espanto podemos ler: «Para os camaradas de Internacionalismo, como para os trotskistas e bordiguistas, há uma fronteira insuperável entre a época de Lênin e a época de Stalin. Para eles, o proletariado não podia sucumbir antes que Lênin estivesse guardado com segurança em sua tumba e Stalin claramente instalado à cabeça do PCR» (Forward, N° 2, página 42). Reconhecemos que esta comovedora profissão de fé é encontrada entre os diferentes grupos trotskistas de onde provêm os camaradas do Forward, mas em nenhum caso ela faz parte de nossa corrente: «A incompreensão dos dirigentes do partido Bolchevique do papel dos Sovietes (Conselhos Operários), e sua concepção da consciência de classe, contribuíram ao processo de degeneração da revolução russa que levou o partido Bolchevique - autêntica vanguarda do proletariado russo em outubro 1917 - a converter-se mais tarde em órgão ativo da contra-revolução. (...) Por isso, a atividade do partido Bolchevique, desde os primeiros momentos da revolução esteve orientada para a transformação dos Sovietes em organismo de poder do próprio partido » (Declaração de princípios de Internacionalismo, Venezuela 1964). E por outro lado: «A revolução de Outubro cumpriu a primeira tarefa da revolução proletária: o objetivo político. A derrota da revolução em escala internacional e a impossibilidade de manter o socialismo em um só país, fizeram impossível a passagem a um nível superior, quer dizer ao começo da transformação econômica...O partido Bolchevique jogou um papel ativo no processo revolucionário que conduziu aos acontecimentos de Outubro, mas também jogou um papel ativo na degeneração da revolução e a derrota internacional... Ao identificar-se organizativamente e ideologicamente ao Estado e ao considerar que sua primeira tarefa era a defesa do Estado, o partido Bolchevique estava condenado a transformar-se -sobretudo depois do fim da guerra- no agente da contra-revolução e do capitalismo de Estado» (Plataforma de Revolução internacional, França 1969).
Estas linhas parecem indicar claramente que o caminho da contra-revolução foi um processo no qual as bases aparecem com o sufocamento do poder dos Sovietes e a supressão da atividade autônoma do proletariado, um processo que conduz ao massacre pelo Estado de uma parte da classe operária no Kronstadt. Isso quando Lênin ainda era vivo.
Por que aconteceu a degeneração da revolução russa? A resposta não pode encontrar-se nos marcos de uma nação, no da Rússia exclusivamente. Assim como a revolução russa foi o primeiro bastião da revolução internacional em 1917, o primeiro de uma série de levantes proletários internacionais, da mesma maneira sua degeneração em contra-revolução foi a expressão de um fenômeno internacional, o resultado do fracasso da ação de uma classe internacional, o proletariado. No passado, as revoluções burguesas construíram um Estado nacional, marco lógico para o desenvolvimento do capital, e essas revoluções burguesas poderiam ter ocorrido com um século de diferença ou mais entre os diferentes países. A revolução proletária, ao contrário, é por essência uma revolução internacional, que deve estender-se até integrar o mundo inteiro, ou estará condenada a morrer prematuramente.
A primeira guerra mundial, enquanto ponto final do período ascendente do capitalismo, pôs também em absolto um ponto final a qualquer possibilidade de retorno pelo movimento operário do século XIX e seus objetivos imediatos. O descontentamento geral contra a guerra tomou rapidamente um caráter político contra o Estado nos principais países da Europa. Mas a maioria do proletariado não foi capaz de romper com os vestígios do passado (adesão à política da II Internacional, que à época se passou ao campo inimigo da classe) e de compreender completamente todas as implicações do novo período. Nem o proletariado em seu conjunto, nem suas organizações políticas, compreenderam plenamente os imperativos da luta de classe neste novo período de "guerra ou revolução", de "socialismo ou barbárie". Apesar das lutas heróicas do proletariado nessa época, a onda revolucionária foi esmagada pelo massacre da classe operária européia. A revolução russa era o farol que guiava toda a classe operária da época, mas isto não tira nada ao fato que seu isolamento constituía um grave perigo. As brechas temporárias, que se abrem entre dois levantamentos revolucionários estão cheias de perigos. A que se abriu em 1920 era um precipício.
O contexto do refluxo internacional e do isolamento da revolução russa tem a maior importância. Mas, no interior desse contexto, os erros mais graves dos Bolcheviques jogaram seu papel. Esses erros devem ser postos em relação com a experiência e a própria luta da classe operária. Os erros ou as contribuições positivas de uma organização da classe não caem do céu nem se desenvolvem arbitrariamente e por azar. Eles são, em todo o sentido da palavra, o reflexo da consciência de classe do proletariado em seu conjunto.
O partido Bolchevique foi obrigado a evoluir a um só tempo teórica e politicamente em relação ao surgimento do proletariado russo e a perspectiva do movimento internacional, na Alemanha e outras partes. Foi também o reflexo do isolamento do proletariado no período de crescimento da contra-revolução. Tanto os Bolcheviques como os Spartaquistas ou como qualquer outra organização revolucionária da época se viram confrontados às tarefas novas do período de decadência que se abria com a primeira guerra mundial e diante delas sua compreensão incompleta serviu de base aos erros políticos mais graves.
Mas o partido do proletariado não é um simples reflexo passivo da consciência, é um fator ativo de desenvolvimento e de extensão desta Os Bolcheviques ao expressar claramente os objetivos de classe no período da primeira guerra mundial ("transformação da guerra imperialista em guerra civil"), e durante o período revolucionário (oposição ao governo democrático burguês, palavra de ordem "todo o poder aos Sovietes", formação da Internacional Comunista sobre a base de um programa revolucionário) contribuíram para traçar o caminho da vitória. Apesar disto, as posições tomadas pelos Bolcheviques no contexto de declínio da onda revolucionária (alianças com as frações centristas em escala internacional, sindicalismo, parlamentarismo, táticas como as Frentes Únicas, Kronstadt) contribuíram para acelerar o processo contra-revolucionário em escala internacional assim como na Rússia. Uma vez desaparecido o crisol da práxis revolucionária sob a contra-revolução triunfante na Europa, os erros da revolução russa foram privados de toda possibilidade de correção. O partido Bolchevique se transformou assim no instrumento da contra-revolução.
Do fato da impossibilidade do socialismo em um só país, a questão da degeneração da revolução russa é acima de tudo uma questão de derrota internacional do proletariado. A contra-revolução triunfou na Europa antes de causar por completo a degeneração da revolução russa. Isto não deve, repetimos, "perdoar" os erros da revolução russa ou do partido Bolchevique. Mais ainda, esses erros "não desculpam" o proletariado de não ter feito a revolução na Alemanha ou Itália por exemplo. Os marxistas não têm nada que fazer para "perdoar" ou deixar de "perdoar" à história. Sua tarefa é explicar por que esse acontecimento ocorreu e tirar as lições para as lutas proletárias do futuro.
Este marco geral internacional está ausente na análise do RWG, que debate a respeito da "revolução e contra-revolução na Rússia" (panfleto do RWG) em termos quase exclusivamente russos. Esta tentativa pode parecer, à primeira vista, uma maneira útil de isolar teoricamente um problema particular. Mas ela não oferece nenhuma base que permita compreender por que esses acontecimentos ocorreram na Rússia, e conduz a girar em torno do vazio sobre o fenômeno puramente russo que destaca. Como Rosa Luxemburgo o escrevia: «O problema não pode ser mais que colocado na Rússia. Mas não poderá ser resolvido na Rússia».
Nos limites deste artigo, devemos necessariamente nos ater a uma visão de conjunto do processo de degeneração deixando de lado os detalhes dos diversos episódios.
A revolução russa foi considerada como a primeira vitória da luta internacional da classe operária. Em janeiro de 1919, os Bolcheviques chamaram o primeiro congresso da nova internacional para marcar a ruptura com a social-democracia traidora, e para reunir as forças da revolução para as lutas futuras. Desgraçadamente a revolução alemã já tinha sido esmagada em janeiro de 1919, e a onda revolucionária decrescia. Entretanto, apesar do bloqueio quase total a que se via submetida a Rússia e as notícias deformadas que chegavam sobre o proletariado do oeste, a revolução concentra todas suas esperanças na única saída possível, a união internacional das forças revolucionárias sob um programa que fixasse claramente os objetivos de classe:
Tal era a posição em 1919, e não as alianças posteriores com os centristas, que realizaram o partido e a Internacional, e concluída em uma "frente única".
«Escravos das colônias da África e Ásia: o dia da ditadura proletária na Europa será para vós como o dia de sua liberação» (Manifesto da Internacional Comunista 1919). Isto nada tem que ver com a maneira como o pregam os esquerdistas hoje seguindo as fórmulas contra-revolucionárias sobre a "liberação nacional" proveniente da degeneração da Internacional.
«Sob a bandeira dos conselhos operários, da luta revolucionária pelo poder e a ditadura do proletariado, sob a bandeira da Terceira Internacional, operários do mundo inteiro uni--vos» (Manifesto)
Estas posições são o reflexo do enorme salto que tinha dado o proletariado nos anos precedentes. As posições que os bolcheviques sustentavam e defendiam naquele momento eram varias vezes em ruptura clara com seus programas anteriores e constituíam um chamado à toda classe operária a reconhecer as novas necessidades políticas da situação revolucionária.
Mas em 1920, depois do segundo congresso da mesma Internacional, a direção do partido Bolchevique mudou bruscamente, retornando às "táticas" do passado. A esperança da revolução se debilitou rapidamente, e o partido Bolchevique defendeu então as 21 condições de admissão a Internacional, incluindo: o reconhecimento das lutas de liberação nacional, da participação eleitoral, da infiltração nos sindicatos, o que constitui em poucas palavras, um retorno ao programa social-democrata, que estava completamente inadaptado à nova situação. O partido russo passou a ser, com efeito, a direção preponderante da IC, e o burô de Amsterdam foi fechado. E, sobretudo, a direção Bolchevique conseguiu isolar aos comunistas de esquerda: a esquerda italiana com Bordiga; os camaradas ingleses ao redor de Pankurst; e Pannekoek, Gorter e o KAPD (que foi excluído no terceiro congresso). Os Bolcheviques e as forças dominantes da III Internacional atuavam a favor de uma aproximação com os centristas ambíguos e traidores aos que denunciavam dois anos antes. Conseguiram efetivamente sabotar toda tentativa de criação de uma base de princípios para a formação de partidos comunistas na Inglaterra, na França ou em outros países, graças a suas manobras e suas calúnias sobre a esquerda. O caminho da "Frente Única" de 1922 no quarto congresso e a defesa da pátria russa e do "socialismo em um só país" estava já aberto por estas ações.
O esgotamento da onda revolucionária e o caminho para a contra-revolução são claramente marcados pela assinatura do tratado secreto de Rapalo com o militarismo alemão. Qualquer que seja a análise dos pontos positivos e negativos do tratado do Brest-Litovsk, não se pode negar, por exemplo, que foi feito à luz do dia depois de um longo debate no seio do partido Bolchevique e foi apresentado ao proletariado mundial como uma questão imposta por uma situação crítica. Mas o tratado de Rapalo, somente dois anos depois, já era uma traição a tudo o que tinham defendido os Bolcheviques, um tratado militar secreto concluído com o Estado Alemão.
Os germes da contra-revolução se desenvolviam com a rapidez de um período de transformações históricas, quando as grandes mudanças, podem dar-se em alguns anos ou igualmente em alguns meses. E finalmente, a vida tinha abandonado o corpo da Internacional quando a doutrina do "Socialismo em um só país" foi proclamada.
A história tormentosa da IC não pode ser reduzida a um plano maquiavélico dos Bolcheviques, segundo o qual eles teriam planejado trair a classe operária tanto na Rússia como internacionalmente. Esta noção infantil não pode elucidar nada na a história. Mas a classe operária não pôde reagir para reorientar suas próprias organizações por causa da derrota e do refluxo da onda revolucionária; é esta mesma derrota a que provocou a degeneração definitiva de suas organizações e de seus princípios revolucionários.
Marx e Engels tinham constatado que um partido ou uma Internacional não podem conservar seu caráter de instrumento da classe quando dominava um marco geral de reação. Este instrumento da classe não pode conservar uma unidade organizacional quando não existe práxis da classe, ele está penetrado pelos efeitos do refluxo e da derrota, e eventualmente contribui então, à confusão, à contra-revolução. É por isso que Marx dissolveu a Liga dos Comunistas depois do refluxo da onda revolucionária do 1848 e pôs um termo final à primeira Internacional (ao enviá-la a New York) depois que a derrota da Comuna de Paris marcou o fim de um período de desenvolvimento da luta de classe. A II Internacional, apesar de sua autêntica contribuição ao movimento operário, sofreu um longo processo de corrupção ideológica durante o período ascendente do capitalismo, onde ela se viu atada cada vez mais ao reformismo, dando assim uma visão nacional a qualquer partido. Sua passagem definitiva ao terreno burguês sobreveio com a guerra de 1914, quando colaborou no esforço da guerra imperialista. Ao longo de todo esse período de crise para a classe operária, a tarefa contínua de elaboração teórica e de desenvolvimento da consciência de classe coube às "frações" revolucionárias da classe provenientes das velhas organizações, preparando assim o terreno para a construção de uma nova organização.
A III Internacional foi construída como expressão da onda revolucionária que seguiu à guerra mundial. Mas o fracasso das tentativas revolucionárias e a vitória da contra-revolução acabaram com ela, anunciando sua morte como instrumento de classe. O processo de contra-revolução foi consumado - embora tivesse começado antes - quando se produziu a declaração do "socialismo em um só país", o fim definitivo de toda possibilidade objetiva para a subsistência das frações revolucionárias.
A ideologia burguesa pode penetrar a luta proletária, em um período de refluxo, por causa de sua força como classe dominante na sociedade. Mas quando uma organização se passa definitivamente ao campo burguês o caminho se fecha a toda possibilidade de "regeneração". Da mesma maneira que nenhuma fração sobrevivente que expresse a consciência da classe proletária pode surgir de uma organização burguesa - e isto inclui hoje os stalinistas, os trotskistas e os maoístas (embora em qualidade de indivíduos possam ser capazes de romper com essas organizações); também a IC e todos os partidos que permaneceram em seu seio foram irremediavelmente perdidos pelo proletariado.
Com a distância que temos hoje com todas essas experiências da classe (e graças à análise e reflexão sobre estas), este processo é mais fácil ser percebido pela geração atual de proletários que, desgraçadamente, para a classe em seu conjunto nessa época, ou para muitos de seus elementos mais politizados. O processo de contra-revolução que condenou a IC semeou uma terrível confusão no movimento operário durante os últimos cinqüenta anos. Aqueles que prosseguiram a tarefa de elaboração teórica nos sombrios anos 30-40, o que restava do movimento da esquerda comunista, tiveram que esperar muito tempo para ver todas as implicações do período de derrota. Deixemos aos modernistas arrogantes que "têm descoberto tudo" nos anos 74-75, aprenderem nas sombras o que a história "deveria ter sido".
A política internacional dos Bolcheviques, seu papel no processo de contra-revolução internacional, não é virtualmente discutido no panfleto do RWG "Revolução e Contra-revolução na Rússia" e não é mais que mencionado de passagem no texto do Forward. Para estes camaradas a contra-revolução começa essencialmente com a NEP (Nova Política Econômica). A NEP para eles é, «a virada da história da União Soviética. O mesmo ano o capitalismo foi restaurado, a ditadura política vencida e a União Soviética tornou se um Estado Operário» (Revolução e Contra-revolução na Rússia, pág. 7).
De partida, é necessário dizer quaisquer que sejam os acontecimentos no contexto russo, uma revolução internacional ou uma Internacional não morre por causa de uma má política de um país. O leitor procurará em vão, no panfleto do RWG, um marco coerente que permita analisar a NEP ou os acontecimentos posteriores na Rússia em geral.
A degeneração da revolução sobre o solo russo se expressava essencialmente pelo declínio gradual e mortal dos Sovietes e por sua redução a um simples aparelho do partido-estado Bolchevique. A atividade autônoma do proletariado, a democracia operária no interior do sistema dos Sovietes era a base principal da vitória de Outubro, mas desde 1918, aparece claramente que o poder político dos Conselhos Operários estava em vias de ser dizimado e sufocado pelo aparelho do Estado. O ponto culminante do período de declínio dos Sovietes na Rússia foi o massacre de uma parte da classe em Kronstadt. O RWG, imutável sobre a NEP, não mencionou tampouco o massacre de Kronstadt com relação à análise do Estado russo. Isto não é surpreendente. Com efeito, Kronstadt não é mencionado em nenhum dos textos principais sobre a Rússia, tampouco Rapalo. Pode ser compreensível que os camaradas do RWG, saídos recentemente do dogma trotskista, não tenham ainda compreendido, quando escreveram seus artigos, que Kronstadt não era o motim "contra-revolucionário" de que falavam Lenin e Trotsky. O que é menos compreensível, é que eles acusem a nossos camaradas de Internacionalismo de não ser capazes de ver "a degeneração da revolução estando Lenin vivo".
O erro fundamental do partido bolchevique na Rússia era a concepção segundo a qual o poder devia ser exercido por uma minoria da classe: o partido. Eles acreditavam que o partido podia trazer o socialismo à classe e não puderam ver que era a classe em seu conjunto, organizada nos Sovietes, que era o sujeito da transformação socialista. Esta concepção de partido tomando o poder estatal existia em toda a esquerda, em um grau ou em outro, encontramo-la até em Rosa Luxemburgo, e até mesmo nos escritos do KAPD de 1921. A experiência russa do partido no poder, que o proletariado pagou com seu sangue, exclui definitivamente a possibilidade, na perspectiva de vitória do proletariado mundial, de repetir tais erros sobre a questão da tomada do poder por um partido ou de uma minoria da classe, "em nome da classe operária". A partir desta experiência, a lição da não identificação do estado e do partido passou a ser um sinal distintivo das frações revolucionárias da classe; e ainda mais à frente, que o papel das organizações políticas é o de contribuir ao desenvolvimento da consciência da classe e não a de substituir o conjunto da classe.
Os interesses históricos da classe operária como artesão da destruição do capitalismo, nem sempre foram compreendidos desde o início do marxismo.. Marx escreveu o Manifesto Comunista sem ver que o proletariado não podia apoderar do aparelho do Estado burguês para servir-se dele. A experiência vivente da Comuna de Paris foi necessária para provar de maneira irrefutável que o proletariado devia destruir o Estado burguês para poder exercer sua ditadura sobre a sociedade. Da mesma maneira a questão do papel do partido esteve em discussão no movimento operário até 1917, mas a experiência russa marca uma fronteira de classe sobre este ponto. Todos aqueles que repetem ou teorizam a repetição dos enganos dos bolcheviques põem-se do outro lado da fronteira de classe.
O que o Estado russo destruiu, ao enfraquecer aos Sovietes, foi a própria força do socialismo. Por conta da ausência de qualquer autonomia organizada da classe em seu conjunto, toda esperança de regeneração foi progressivamente eliminada. A política econômica dos bolcheviques era debatida, substituída, modificada, mas sua ação política na Rússia foi fundamentalmente um processo contínuo que acelerou a queda da revolução. Todo este processo se faz ainda mais claro quando se vê no contexto da derrota internacional do movimento do qual fazia parte.
Uma das primeiras, das mais importantes lições que devem ser tiradas da experiência revolucionária do período que segue à primeira guerra mundial é que a luta proletária é acima de tudo uma luta internacional e que a ditadura do proletariado é (seja esta em um setor ou à escala mundial) de início e acima de tudo uma questão política.
O proletariado, ao contrário da burguesia é uma classe explorada e não exploradora. Ela não tem, pois, privilégio econômico algum sobre o qual apoiar seu futuro de classe. As revoluções burguesas eram essencialmente um reconhecimento político de um fato econômico consumado. A classe capitalista era de fato, a classe econômica dominante da sociedade, muito antes do momento de sua revolução. A revolução proletária, ao contrário compreende uma transformação econômica a partir de um ponto de partida político: a ditadura do proletariado. A classe operária não tem nenhum privilégio econômico a defender na velha sociedade, igualmente como na nova, e não tem mais que sua consciência de classe, seu poder político apoiado sobre os Conselhos Operários para guiar-se na transformação da sociedade. A destruição do poder burguês e a expropriação da burguesia devem ser vitoriosas à escala mundial, antes que toda transformação social possa ser empreendida sob a direção da ditadura do proletariado.
A lei econômica fundamental da sociedade capitalista, a lei do valor, é produto do conjunto do mercado capitalista mundial e não se pode de maneira nenhuma, por nenhum meio, eliminá-la em um só país, (nem sequer em um dos países mais desenvolvidos) ou no conjunto de vários países, a não ser unicamente em escala mundial. Não existe escapatória alguma frente a este fato nem sequer reconhecendo-o piedosamente para depois ignorá-lo e falar de abolir ao mesmo tempo o dinheiro e o trabalho assalariado, que não são mais que corolários da lei do valor e do sistema capitalista em seu conjunto, em um só país. As únicas armas das que dispõe o proletariado para levar a cabo a transformação da sociedade que segue e que não pode preceder a tomada do poder pelos Conselhos Operários Internacionalmente são:
1.- A força organizada e armada para conduzir à vitória da revolução no mundo inteiro.
2.- A consciência de seu programa comunista, orientação política indispensável para a transformação econômica da sociedade.
A vitória do proletariado não depende de sua capacidade para "administrar" uma fábrica nem todas as fábricas de um país. Administrar a produção quando o sistema capitalista continua existindo, conduz a ser gerar a mais-valia e troca mercantil. A primeira tarefa de todo proletariado vencedor em um país ou um setor não é preocupar-se com a forma de criar uma "mítica ilhota de socialismo" que é impossível, mas sim de brindar toda a ajuda possível a sua única esperança: a vitória da revolução mundial. É de a maior importância definir as prioridades sobre este ponto. As medidas econômicas que tomará o proletariado em um país, ou em um setor, são uma questão secundária. No melhor dos casos, essas medidas não são mais que medidas destinadas a evitar o pior e tenderão a marchar em um sentido positivo: todo erro pode ser corrigido se a revolução avança. Mas se o proletariado perde sua coerência política ou se os Conselhos Operários perdem seu controle político e sua clara consciência do caminho político a ser empreendido, então não haverá esperança de corrigir os erros ou de instaurar o socialismo. Hoje numerosas vozes se elevam contra esta concepção; algumas destas vozes proclamam que encerrar a luta proletária sobre o terreno político não é mais que um sem-sentido, um fóssil reacionário. Com efeito, a concepção segundo a qual a classe revolucionária é uma classe definida objetivamente, o proletariado, é também para essas vozes uma quinquilharias e deveria ceder o lugar a uma "classe universal" compreendida por todos aqueles que são "oprimidos", atormentados psicologicamente ou que tenham uma inclinação filosófica pela revolução.
As "relações comunistas", ou segundo um grupo inglês do mesmo nome "as práticas comunistas" poderiam ser realizadas imediatamente, bastando para isso que a "gente" o deseje. Para eles, o mais importante não é a conquista do poder pelo proletariado em escala internacional e a eliminação da classe capitalista, e sim a instauração imediata das supostas "relações comunistas" sob o impulso espontâneo das "pessoas em geral".
Os elementos puramente abstratos e míticos que sustentam esta teoria não tomam em consideração o fato de que ela pode perfeitamente servir de cobertura à ideologia "autogestionária". Frente ao crescimento do descontentamento da classe operária, expressos em movimentos de massas, conforme o aprofundamento da crise capitalista, uma das reações da burguesia será dizer aos operários: seus interesses não podem ser os de lançar-se aos problemas "políticos" como o da destruição do Estado burguês, e sim tomar as fábricas e as fazer funcionar para "vós mesmos", em ordem.
A burguesia tratará de colocar os operários atrás de um programa econômico de autogestão e de exploração e durante esse tempo a classe capitalista e seu Estado aguardarão para recolher os frutos. Isto é o que passou na Itália, em 1920, onde "Ordino Nuovo" e Gramsci exaltavam as possibilidades econômicas que abriam as ocupações de fábricas, enquanto que as frações de esquerda com Bordiga, diziam que os Conselhos Operários, embora tivessem suas raízes nas fábricas, deviam conduzir um ataque frontal contra o Estado e o sistema em seu conjunto, ou morrer.
Os camaradas do RWG não rechaçam a luta política. Eles se limitam a dizer que o contexto político e as medidas econômicas são igualmente importantes e cruciais. Em um sentido não fazem mais que repetir uma verdade marxista essencial: O proletariado, classe explorada, não se bate para exercer o poder político sobre a burguesia com o propósito de satisfazer alguma psicose de poder. E sim para jogar as bases de uma transformação social pela luta de classes e a atividade autônoma e organizada da única classe revolucionária que, liberando-se da exploração, liberará à humanidade inteira da exploração para sempre. Mas, os camaradas do RWG não têm nenhuma idéia concreta da maneira na qual se pode desenvolver esse processo de transformação social. A revolução é um assalto rápido contra o Estado, mas a transformação econômica da sociedade é um processo que se desenvolve em escala mundial e que é de uma complexidade extrema. Para levar a cabo esse processo econômico, o marco político da ditadura da classe operária deve ser claro. Antes de mais nada deve reconhecer que a tomada do poder pelo proletariado não quer dizer que o socialismo possa ser instaurado por decreto. Portanto:
1.- A transformação econômica não pode mais que seguir, e não preceder, a revolução proletária (não pode haver nenhuma "construção socialista" no seio do poder da classe capitalista). A transformação econômica não se produz simultaneamente com o estabelecimento do poder da classe sobre a sociedade.
2.- O poder político do proletariado abre a via à transformação socialista, mas a principal muralha que protege a marcha da revolução, é a unidade e a coesão da classe. A classe pode cometer erros econômicos que devem ser corrigidos, mas se deixar o poder a outra classe ou um partido ou minoria, toda transformação econômica deságua em conseqüência impossível.
A partir do fato que nós afirmamos de que a ditadura política do proletariado é o marco e a condição prévia para a transformação social, o espírito simplista (RWG) conclui: «parece que Internacionalismo nega a necessidade para o proletariado de dirigir uma guerra econômica contra o capitalismo» (Forward, pág. 44)
Contrariamente ao que proclama Forward, tudo não tem imediatamente a mesma importância, ou a mesma gravidade, para a luta revolucionária. Em um país onde a revolução acaba justamente de triunfar, os Conselhos Operários podem considerar necessário trabalhar 10 ou 12 horas por dia para a produção de armas e materiais necessários para seus irmãos de classe situados em outra região. É isto socialismo? Não, se for considerado que os princípios de base do socialismo são a produção para as necessidades humanas (e não para a destruição) e a redução da jornada de trabalho. Então será que essas medidas devem ser denunciadas como uma proposição contra-revolucionária? Evidentemente não, posto que a primeira esperança de salvação da classe operária, é a de ajudar à extensão da revolução internacional. Será que devemos então admitir que o programa econômico esteja submetido às condições da luta de classe e que não existem os meios para criar um paraíso econômico operário em um só país? Em tudo isto devemos insistir sobre o fato que toda fragilidade política do poder dos Conselhos Operários na tomada de decisões e a orientação da luta seria fatal.
Os revolucionários mentiriam a sua classe se a enchessem de sonhos dourados, plenos de leite, de mel e de milagres econômicos, em lugar de insistir sobre a luta a morte e as terríveis destruições que necessita uma guerra civil. Não fariam mais que desmoralizar a sua classe, declarando que os inevitáveis retrocessos econômicos (em um país, ou vários) significam o fim da revolução. Pondo estas questões sobre o mesmo plano imediato que a solidariedade política, a democracia proletária ou o poder de decisão do proletariado, desviariam a força decisiva da luta de classes comprometendo assim a única esperança de começar um período de transição ao socialismo em escala mundial.
O RWG responde que «tudo não pode ser semelhante a antes, depois da revolução» e põe o acento sobre as trágicas condições dos operários na Rússia em 1921. Mas não nos diz de quais condições fala. É que acaso, as organizações de massa da classe operária estavam excluídas de toda participação efetiva no "Estado Operário"?, Quem reprimiu os operários em greve em Petrogrado? Se eles falarem destas condições tocam o coração da degeneração da revolução. Ou senão será que falam simplesmente da fome? Aqui novamente, para nós é desnecessário pretender que as dificuldades e os riscos de fome não poderão existir depois da revolução. Ou talvez eles falem do fato de que os operários deviam ainda trabalhar nas fábricas, que os salários existiam ainda (pode-se abolir em um só país?), assim como a troca mercantil? Embora estas práticas não sejam evidentemente o socialismo, elas são entretanto inevitáveis ao menos que se pretenda poder eliminar a lei do valor em um abrir e fechar de olhos. Como o diz RWG "um traço deve ser feito em alguma parte" mas onde? Mesclando a importância crucial de uma coerência política e o poder da classe com os retrocessos econômicos, equivale em reduzir os problemas da luta futura a um sonho milagroso
O socialismo (ou as relações sociais comunistas, estes termos são usados aqui de maneira intercambiável) define-se essencialmente pela eliminação total de todas as "leis econômicas cegas" e sobretudo da lei do valor que rege a produção capitalista, eliminação que permitirão satisfazer as necessidades da humanidade. O socialismo é o fim de todas as classes (a integração de todos os setores não-capitalistas à produção socializada e a abertura do trabalho associado decidindo suas próprias necessidades), o fim de toda exploração, de toda necessidade de um Estado (expressão de uma sociedade dividida em classes), da acumulação de capital e por conseqüência do trabalho assalariado e da economia de mercado. Este é o fim da dominação do trabalho morto (capital) sobre o vivo. Assim o socialismo não é uma questão de criação de novas leis econômicas e sim, a eliminação desde os alicerces das velhas, sob a égide do programa comunista proletário.
O capitalismo não é um vilão burguês que fuma um grosso puro, senão toda a organização atual do mercado mundial, a divisão do trabalho em escala mundial, a propriedade privada dos meios de produção, compreendida aí a do grupo de camponeses, o subdesenvolvimento, a miséria, a produção para a destruição etc. Todo isso deve ser extirpado e eliminado da história humana para sempre. Isto necessita um processo de transformação econômica e social à escala mundial de proporções gigantescas, que tomará ao menos uma geração. Sobre o que é necessário insistir, é o fato de que nenhum marxista pode prever os detalhes da nova situação que terá que confrontar o proletariado depois da revolução mundial. Marx evitou sempre "definir planos" para o futuro, e tudo o que pode contribuir a experiência russa são linhas de orientação muito gerais para a transformação econômica. Os revolucionários descumpririam a sua tarefa se sua única contribuição fosse o rechaço da revolução russa por não ter criado o socialismo em um só país, ou a criação de sonhos a respeito da simultaneidade da construção do marco político e da transformação econômica.
O verdadeiro perigo do programa econômico da revolução é que as grandes linhas diretivas não sejam claras, que não se tirem quais são as medidas que caminham no sentido da destruição das relações de produção capitalistas –e portanto para o comunismo-, que deverão ser aplicadas desde que sejam possíveis. Uma coisa é dizer que em certas condições poderá existir a necessidade de trabalhar longas horas, ou haverá a impossibilidade de abolir imediatamente o dinheiro em um setor. Mas é outra coisa dizer que o socialismo significa trabalhar mais duramente, ou pior ainda que as nacionalizações e o Capitalismo de Estado sejam um passo adiante, para o socialismo. Não é tanto pelo fato de ter promovido a NEP para sair do caos do Comunismo de Guerra , que os Bolcheviques devem ser condenados, se não por ter apresentado as nacionalizações ou o Capitalismo de Estado como uma ajuda à revolução ou ter pretendido que a "competição econômica com o Oeste" provocaria a grandeza da produção socialista. Um programa de transformação econômica claro é uma necessidade absoluta, e hoje depois de 50 anos de contra-revolução, podemos ver a questão mais claramente que os bolcheviques ou outra expressão política do proletariado na época.
A classe operária tem necessidade de uma orientação clara de seu programa político, chave da transformação econômica, mas não falsas promessas de remédios imediatos às dificuldades ou de mistificações sobre a possibilidade de eliminar a lei do valor por decreto.
O RWG não é o único em insistir sobre a NEP. Muitos daqueles que provêm de rupturas com o "esquerdismo", e particularmente com as variedades trotskistas, fazem o mesmo. Depois de ter defendido a teoria insensata segundo a qual os "Estados Operários" existem hoje, e que a coletivização em mãos do Estado "prova" o caráter socialista da Rússia atual, procuram agora apresentar «o ponto onde a mudança entre 1917 e hoje produziu-se» (Forward pág. 44) na Rússia. É a questão que os trotskistas sempre colocam com satisfação: Em que momento o capitalismo voltou a implantar-se?
A NEP não era uma invenção produzida pelo cérebro dos líderes bolcheviques. Ela retoma, por outra parte, em grande medida o programa da revolta do Kronstadt. A revolta do Kronstadt colocou a frente reivindicações políticas necessárias para salvar a revolução : o restabelecimento do poder aos Conselhos Operários, a democracia proletária e o fim da ditadura bolchevique através do Estado. Mas economicamente os operários de Kronstadt, empurrados pela fome para a troca individual com os camponeses para obter mantimentos, propuseram um "programa" que demandava simplesmente uma regularização da troca , colocando-o sob a direção dos operários. Uma regularização do comércio para acabar com as fomes e o estancamento econômico. Os carregamentos enviados às cidades russas eram tomados de assalto pela população faminta e deviam, portanto, ser acompanhadas por guardas armados. Os operários eram freqüentemente obrigados a trocar ferramentas de trabalho pelos mantimentos que tinham os camponeses. A situação era catastrófica, e Kronstadt assim como os bolcheviques, não podiam propor outra coisa que não fosse um retorno a um tipo de nacionalização econômica, que não podia ser outra que o capitalismo.
1.- «Se os acontecimentos empurravam à instauração da propriedade capitalista como era em parte o caso,....» (Revolução e Contra-revolução na Rússia pág. 7) «a restauração do capitalismo significava a restauração do proletariado enquanto classe em si...» (idem. pág. 17); "o que mais seria necessário conceder ao capitalismo para restabelecê-lo?" (Forward, pág. 46).
Tudo isto é uma prova clara da confusão que se faz. A NEP não era a "restauração" do capitalismo, posto que este jamais foi eliminado na Rússia. O RWG leva mais longe a confusão, ao acrescentar: «se a NEP não era o reconhecimento das relações econômicas capitalistas normais, quer dizer legais» (Revolução e Contra-revolução na Rússia Pág. 7). Eis aí o cúmulo do absurdo: que as relações capitalistas sejam ou não legais; quer dizer que sua existência seja ou não reconhecida, não é mais que uma questão jurídica. Que ganha "pureza" pretendendo que a realidade não existe? De toda maneira, que seja reconhecida legalmente ou não, não muda em nada a realidade econômica. Se a NEP marcou um ponto decisivo, não foi porque re-introduziu a existência de forças econômicas capitalistas. As leis fundamentais da economia capitalista dominavam o contexto russo posto que elas dominavam o mercado mundial.[1]
Isto pode conduzir alguns a afirmar que a Rússia sempre foi capitalista e que constitui a prova de que aí não houve revolução proletária. Jamais teremos a capacidade de identificar uma revolução proletária se nos obstinamos em concebê-la como uma transformação econômica completa de um dia para outro. Uma vez mais voltemos ao tema do "socialismo em um só país", que está suspenso como uma nuvem ameaçadora acima da experiência russa. A NEP, com suas nacionalizações de indústrias chaves, foi um passo à frente em direção ao Capitalismo de Estado, não uma mudança fundamental do "socialismo" (ou de outro sistema diferente do capitalismo) para o capitalismo.
2.- «Ela (a NEP) representa realmente uma traição dos princípios, uma traição programática das fronteiras de classes» (Revolução e Contra-revolução pág. 7). Este é o coração da argumentação, embora este argumento seja a conseqüência natural do que precede. Ninguém é tão louco para pretender que a classe operária não possa jamais retroceder. Embora de uma maneira geral a revolução deva avançar ou perecer, isso não pode jamais ser tomado unilateralmente e significar que possamos avançar em linha reta e sem problemas.
A questão que se apresenta então é a seguinte: o que é um retrocesso inevitável e o que é pôr em perigo os princípios? O programa bolchevique, na medida em continha a apologia enganosa do Capitalismo de Estado, era um programa que podia se voltar contra o proletariado, mas a impossibilidade de abolir a lei do valor ou da troca mercantil em um só país não tem nada a ver com uma "traição das fronteiras de classe". Ou se faz uma distinção clara nisto, ou se conclui defendendo a posição segundo a qual o proletariado poderia ter construído o socialismo integral na Rússia. Sendo isto impossível, os revolucionários teriam que ocultar sua incapacidade para aplicar o programa, mentindo a respeito do que realmente devia ser feito.
Os retrocessos no terreno econômico serão certamente inevitáveis em muitos casos – apesar da necessidade de uma orientação clara -, mas um retrocesso no terreno político significa a morte para o proletariado. Esta é a diferença fundamental que há entre a NEP e o tratado de Rapalo, ou as táticas da "Frente Única".
Esta colocação alheia à história que consiste em perguntar "o que você teria feito?" é estéril por definição, a história não pode ser mudada ou "julgada" com nossa consciência (ou nossa falta dela) hoje. Entretanto, as simples questões expostas pelo RWG mostram que não compreenderam a diferença entre um retrocesso e uma derrota.
A economia de mercado? Jamais foi destruída internacionalmente, único meio de fazê-la desaparecer, nem eliminado por ninguém na Rússia, sempre existiu. O rublo? Também uma questão absurda segundo as análises marxistas do capitalismo mundial e do papel do dinheiro. Descentralização da indústria? Esta questão política concerne profundamente aos Conselhos Operários e pertence profundamente a outro domínio. Defesa dos interesses do capital russo? Esta foi claramente o anuncio da morte da revolução.
A transformação econômica «não pode ser feita por decreto, mas o decreto é o primeiro passo». Se por decreto RWG entende o programa da classe operária então somente temos que "decretar" o comunismo completo e imediatamente. E depois? Como chegaríamos aí? Acaso devemos jogar a toalha completamente ou mentir e pretender que podemos alcançar o socialismo através de pequenas repúblicas socialistas?
A revolução em um país como Grã-Bretanha, por exemplo, (para não dizer uma economia tão atrasada ou subdesenvolvida como a da Rússia em 1917), não poderia existir mais que algumas semanas antes de ser tragada pela fome (no caso de um bloqueio). Que sentido teria falar de uma guerra econômica contra o capitalismo, sempre vitoriosa, coexistindo com a fome generalizada? A única política que defende e protege um bastião revolucionário é a luta revolucionária ofensiva em escala internacional e a única esperança é a solidariedade política da classe, sua organização autônoma e a luta de classes internacional.
O RWG, com toda sua lábia sobre a NEP, não oferece nenhuma via para uma orientação válida da economia na luta de amanhã. Em que direção devemos nos orientar, que possamos ir tão longe como as circunstâncias da luta de classe nos permita?
1.- Socialização imediata das grandes concentrações capitalistas e dos principais centros de atividade proletária.
2.- Planejamento da produção e da distribuição pelos Conselhos Operários, conforme o critério de máxima satisfação possível das necessidades (dos trabalhadores e da luta de classes) e não para a acumulação.
3.- Tendência para a redução da jornada de trabalho.
4.- Elevação substancial do nível de vida dos operários, incluindo a organização imediata dos transportes, habitação, dos serviços médicos gratuitos. Todas estas medidas devem ser tomadas pelos Conselhos Operários.
5.- Tentativa de eliminar, na medida do possível, a forma de salário e dinheiro, ainda se este toma a forma de um racionamento dos bens, se estiverem em quantidade insuficiente, pelos Conselhos Operários, para a sociedade em seu conjunto. Isto será mais fácil onde o proletariado está fortemente concentrado e tenha suficientes recursos ao seu dispor.
6.- Organização das relações entre os setores socializados e os setores onde a produção continua sendo individual - sobretudo no campo -, orientada para um intercâmbio organizado e coletivo, em um primeiro momento através das cooperativas (introduzidas eventualmente pela eliminação da produção privada e do troca, se a luta de classes é vitoriosa no campo), medida que representa um passo adiante no caminho para o desaparecimento da economia de mercado e dos intercâmbios individuais.
Estes pontos devem ser tomados como sugestões para a orientação futura, como uma contribuição ao debate que se sustenta no seio da classe sobre estas questões.
Como os camaradas do RWG não compreendem a situação russa, terminam perdendo-se nela. Tentam oferecer uma orientação para o futuro escolhendo alguns aspectos de reações diferentes que se opunham na Rússia. Como todos aqueles que rechaçam completamente o passado e pretendem que a consciência revolucionária nasceu ontem (com eles, obviamente), o RWG toma, aparentemente o oposto e responde à história em seus próprios termos. O que não constitui um enriquecimento das lições do passado, a não ser um desejo de revivê-lo e "fazê-lo melhor", em lugar de ser uma tentativa de procurar do que se pode tirar hoje.
O RWG escreve pois: «nosso programa é o programa da Oposição Operária, que prega a atividade autônoma da classe contra o burocratismo, e as tentativas à restauração do capital» o que revela uma falta de compreensão fundamental do que significa realmente a Oposição Operária no contexto dos debates na Rússia. A Oposição Operária foi um dos numerosos grupos que se enfrentaram contra a evolução dos acontecimentos nas circunstâncias de degeneração na Rússia. Longe de rechaçar seus esforços freqüentemente cheios de coragem, é necessário considerar seu programa.
A Oposição Operária não estava contra o "burocratismo", e sim contra a burocracia do Estado e pela utilização da burocracia sindical. Os sindicatos deviam ser o órgão da gestão do capital na Rússia e não a máquina do partido-estado. A Oposição Operária pôde ter pretendido defender a iniciativa da classe operária, mas ela não pôde visualizá-la fora do contexto sindical. A verdadeira vida da classe nos Sovietes tinha sido quase inteiramente eliminada na Rússia em 1920-21, mas isto não queria dizer, que os sindicatos, e não os Conselhos Operários, eram os instrumentos da ditadura do proletariado. É o mesmo gênero de raciocínios que conduziu os bolcheviques a concluir a necessidade de retornar em alguns aspectos, ao velho programa social democrata – infiltração dos sindicatos, participação no parlamento, alianças com os centristas, etc.-, desde o mesmo momento que o programa do primeiro congresso da IC não pôde ser facilmente posto em prática como conseqüência das derrotas do proletariado na Europa. Igualmente se os Sovietes foram esmagados, a atividade autônoma da classe - sem falar de sua atividade revolucionária -, não podia ser exercida nos sindicatos no período de decadência do capitalismo. Todo o debate sobre os sindicatos repousava sobre uma base falsa: os sindicatos poderiam substituir a unidade da classe nos Sovietes. Neste sentido a experiência do Kronstadt, chamando à regeneração dos Sovietes, era mais clara sobre a questão. Durante esse tempo a Oposição Operária contribuiu com o seu acordo e sua sustentação militar do massacre de Kronstadt.É necessário compreender historicamente que no contexto russo, os argumentos desse debate giravam em torno da maneira de "administrar" a degeneração da revolução, e que seria o auge do absurdo, adotar hoje em dia tal programa. Pior ainda, o RWG afirma: «mas estamos seguros de uma coisa: se o programa da Oposição Operária tivesse sido adotado, o programa da atividade autônoma da classe, a ditadura do proletariado na Rússia teria morrido (em caso de morte) combatendo o capitalismo e não adaptando-se a ele. E a possibilidade era que ela pudesse ser salva pela vitória no Oeste. Se esse programa de luta tivesse sido adotado não teria havido um retrocesso internacional.Teriam havido possibilidades para a Esquerda Internacional de ganhar predomínio na Internacional Comunista» (Forward, pág. 48-49).
Isto prova somente que há uma convicção que persiste entre o RWG, de que se as coisas tivessem sido feitas de melhor maneira na Rússia tudo teria sido diferente. Para eles a Rússia é o pivô de tudo. Eles também assumem como vimos, que se as medidas econômicas tivessem sido diferentes, a traição política teria sido evitada, e não o contrário. Mas o absurdo histórico destas hipóteses é mais claramente expressa por "teria havido possibilidades para a Esquerda Internacional de ganhar predomínio na Internacional Comunista".
A Esquerda Comunista de quem presumimos que eles falam não compreendia claramente o programa econômico nessa época, mas o KAPD, por exemplo, apoiava-se sobre o rechaço dos sindicatos e de sua burocracia. A Oposição Operária não teve, ou se teve foi pouco - a notar defeitos na estratégia bolchevique no Oeste, e sempre serviu de tampão à política oficial bolchevique sobre esta questão, incluindo as 23 condições do segundo congresso da Internacional Comunista (como o fez Osinsky). A visão que atribui à Oposição Operária haver-se transformado no ponto focal da Esquerda Internacional, é pura invenção do RWG, porque desconhecem a história de que falam com tanta superficialidade.
Ainda quando o RWG diz que: « ver a bola de cristal não é uma tarefa revolucionária» (Forward, pág. 48), ele se perde, em algumas linhas mais adiante, nos horizontes sem fim que a Oposição Operária teria aberto à classe operária. Poder-se-ia dizer que alem de evitar as bolas de cristal, seria bom saber de que se fala.
Nosso objetivo essencial neste artigo, não é polemizar, ainda que seja de indubitável utilidade levar a claridade sobre certos pontos. A tarefa essencial dos revolucionários é a de tirar da história os pontos para a orientação da luta futura. O debate que trata especificamente sobre a questão de saber quando a revolução russa degenerou é menos importante que:
1.- Ver que efetivamente esta degeneração aconteceu.
2.- Discutir por que aconteceu.
3.- Contribuir à tomada de consciência da classe, sintetizando as lições positivas e negativas desta época.
É neste sentido que queremos dar uma contribuição para uma visão geral da herança essencial que nos deixou a experiência da onda revolucionária do pós-guerra, para o presente e para o futuro.
1.- A revolução proletária é uma revolução internacional e a primeira tarefa da classe operária em um país é contribuir à revolução mundial.
2.- O proletariado é a única classe revolucionária, o único sujeito da revolução e da transformação social. É claro hoje que toda aliança "operário-camponesa" deve ser rechaçada.
3.-O proletariado em seu conjunto, organizado em Conselhos Operários, constitui a ditadura do proletariado. O papel do partido político da classe não é o de tomar o poder do Estado, de "dirigir em nome da classe", e sim o de contribuir ao desenvolvimento e a generalização da consciência da classe no interior dela. Nenhuma minoria política da classe pode exercer o poder político em seu lugar.
4.- O proletariado deve dirigir seu poder armado contra a burguesia. Embora a principal maneira de unificar a sociedade deve ser mediante a integração dos elementos não proletários e não exploradores na produção socializada, a violência contra estes setores pode ser em certos momentos necessária; mas deve ser excluída como meio para resolver os debates no interior do proletariado e de suas organizações de classe. Todos os esforços devem ser feitos por meio da democracia operária, para reforçar a unidade e a solidariedade do proletariado.
5.- O capitalismo de Estado é a tendência dominante da organização capitalista no período de decadência. As medidas de capitalismo de Estado, incluídas aí as nacionalizações, não são de maneira nenhuma um programa para o socialismo, nenhuma "etapa progressiva", nenhuma política que possa "ajudar" a marcha para o socialismo.
6.- As linhas gerais das medidas econômicas que tendem a eliminar a lei do valor, ao estabelecimento da socialização da produção para as necessidades da humanidade, mencionadas anteriormente, representam uma contribuição à elaboração de uma nova orientação econômica para a ditadura do proletariado. Estes pontos rapidamente esboçados aqui, não têm a pretensão de esgotar a complexidade da experiência revolucionária, mas podem servir como pontos de referência para uma elaboração futura.
Existem hoje em dia muitos grupos pequenos, como o RWG, que se desenvolvem com o ressurgimento da luta de classes e é importante compreender as implicações de seu trabalho, assim como o fortalecimento do intercâmbio de idéias no meio revolucionário. Mas existe o perigo de que depois de tantos anos de contra-revolução, estes grupos não sejam capazes de apropriar-se da herança do passado revolucionário. Como o RWG, muitos desses grupos pensam que eles "descobriram" a história pela primeira vez, como se nada tivesse existido antes deles. Isto pode conduzir a aberrações deste gênero: fixar-se sobre o programa da Oposição Operária ou dos grupos de esquerda russos, no vazio, como se "descobrisse" qualquer dia uma "nova pedra do quebra-cabeça", sem colocar os elementos em um contexto mais amplo. Sem conhecer o trabalho da Esquerda Comunista (e ser criticado ao mesmo tempo) (KAPD, Gorter, Esquerda Holandesa, Pannekoek, "Worker’s Dreadnaught", a Esquerda italiana, a revista Bilan nos anos trinta e Internacionalismo nos quarenta, o Comunismo dos Conselhos e Living Marxism tanto como os Comunistas de Esquerda russos), e sem vê-los como as peças separadas de um quebra-cabeça, e sim os compreendendo nos termos gerais do desenvolvimento da consciência revolucionária da classe, nosso trabalho estará condenado à esterilidade e à arrogância do diletante. Aqueles que fazem o esforço indispensável de romper com o esquerdismo deveriam compreender que não estão sozinhos na marcha sobre o caminho da revolução, e que tampouco estão sozinhos na história.
J.A.
[1] A política do Comunismo de Guerra no país durante a guerra civil, tão celebrada pelo RWG, não era menos "capitalista" que a NEP. A expropriação violenta dos bens dos camponeses, embora sendo uma medida necessária para a ofensiva proletária da época, não constituía em nada um "programa" econômico (a pilhagem). É fácil ver que estas medidas temporárias, impostas pela força sobre a produção agrícola, não podiam durar indefinidamente. Antes, durante e depois do Comunismo de Guerra, a base essencial da produção era a propriedade privada. O RWG tem razão ao assinalar a importância da luta de classe dos operários agrícolas no país, mas esta luta não podia eliminar automaticamente e imediatamente ao campesinato e seu sistema de produção, nem sequer no melhor dos casos.
No número 132 da Revista internacional, assinalávamos o desenvolvimento das lutas operárias que irromperam simultaneamente pelo mundo diante do agravamento da crise e dos ataques contra as condições de vida dos proletários. Os novos abalos da economia mundial, a praga inflacionária e a crise dos alimentos irão agravar mais ainda a miséria das camadas mais empobrecidas nos países da periferia. Esta situação, que desnuda o abismo ao qual se dirige o sistema capitalista, tem provocado em muitos países revoltas da fome ao mesmo tempo em que estavam acontecendo lutas operárias por aumentos de salários especialmente contra a alta exorbitante dos preços dos alimentos essenciais. Com o agravamento da crise, as revoltas da fome e as lutas operárias vão continuar mutiplicando-se de maneira cada dia mais generalizada e simultânea. Essas revoltas contra a miséria se devem às mesmas causas: a crise da sociedade capitalista, sua incapacidade para oferecer um futuro a humanidade, nem sequer assegurar a simples sobrevivência de uma parte dela. Porém elas não contêm o mesmo potencial. Só o combate do proletariado, no seu próprio terreno de classe, poderá acabar com a miséria, a fome generalizada se for capaz de derrubar o capitalismo criando uma nova sociedade sem fome e sem guerras.
O que é comum a todas as revoltas da fome que já eclodiram desde o início do ano, em todo o mundo está a alta em disparada nos preços dos produtos alimentares e a enorme escassez que atinge indistintamente a população pobre e operária em um grande número de países. Exemplos muito significativos: o preço do milho quadruplicou desde o Verão de 2007, o trigo duplicou desde o início deste ano de 2008. Os preços dos alimentos aumentaram, globalmente, 60% em dois anos nos países pobres. Sinal dos tempos, os efeitos devastadores da alta de 30 a 50% do volume global de preços dos produtos alimentícios não só têm afetado violentamente as populações dos países pobres, mas também as dos "ricos". Por exemplo, nos Estados Unidos, a primeira potência econômica do planeta, 28 milhões de pessoas não poderiam sobreviver sem distribuição de alimentos pelos municípios e estados federados.
Atualmente estão morrendo de fome todos os dias 100 000 pessoas em todo o mundo, uma criança de menos de dois anos morre a cada 5 segundos, 842 milhões de pessoas sofrem de subnutrição crônica, reduzidas a um estado de invalidez. E hoje, dois dos seis bilhões de seres humanos no planeta (ou um terço da humanidade) estão numa situação de sobrevida diária, por causa dos preços dos alimentos.
Os experts da burguesia (FMI, FAO, das Nações Unidas, G8, etc.) anunciaram que esta situação não é temporária, mas, ao contrário ela vai tornar-se crônica, e também vai ser pior a cada dia, com aumentos vertiginosos dos alimentos de primeira necessidade e sua escassez diante das necessidades da população em todo planeta. Agora que as capacidades produtivas do planeta permitiriam alimentar 12 bilhões de seres humanos, há milhões e milhões de famintos que morrem de fome precisamente devido as próprias leis do capitalismo, sistema que domina o mundo inteiro, um sistema de produção destinado, não para satisfazer necessidades humanas, mas para o lucro, um sistema totalmente incapaz de responder às necessidades da humanidade. E todas as explicações que eles não podem deixar de nos dar sobre a atual crise dos alimentos vão no mesmo sentido: a sua causa é uma produção que obedece as leis cegas e irracionais do sistema:
1. A alta vertiginosa dos preços do petróleo, que aumenta os custos de transporte e da produção de alimentos, etc. Este fenômeno é, sem dúvida, uma aberração própria do sistema e não um fator que lhe seria exterior.
2. O crescimento significativo da procura dos alimentos, resultado de certo aumento do poder aquisitivo da classe média e novos hábitos alimentares nos países chamados "emergentes", como Índia e China. Se há alguma verdade em tal explicação, é muito significativo da realidade do "progresso econômico" que, ao aumentar o poder de consumo de alguns condena a morrer de fome milhões de outros, por causa da carência atual no mercado mundial daí resultante.
3. A especulação desenfreada sobre produtos agrícolas. Também é um produto do sistema e seu peso económico é tanto mais importante porque a economia real é cada vez menos próspera. Exemplos: a produção de cereais é a mais baixa em trinta anos, a irracional especulação dos investidores se fixa agora no lucrativo mercado do agronegócio, com a esperança de algumas boas inversões, que já não podem ter lugar no setor imobiliário desde a crise deste; na Bolsa de Chicago, "o volume de mudança em contratos com soja, trigo, carne de porco e inclusive de gado vivo" aumentou 20% durante o três primeiros meses deste ano (segundo o diário francês Le Figaro - 15 de abril).
4. O mercado em pleno auge dos bio-combustíveis, favorecido pelo aumento de preços do petróleo, também é objeto de especulação desenfreada. Esta nova fonte de lucros é a causa do incremento expansivo dessas culturas, à custa de culturas destinadas ao consumo humano. Muitos países produtores de alimentos têm destinado vastas extensões a produção de bio-combustíveis, sob o pretexto de lutar contra o efeito estufa, reduzindo assim drasticamente o cultivo de produtos de primeira necessidade e aumentando seus preços de maneira exorbitantes. Isto se aplica ao Congo - Brazzaville que está desenvolvendo intensivamente cana-de-açúcar com esse fim, enquanto a população padece de fome. No Brasil, enquanto que 30% da população vivem abaixo da linha de pobreza e se alimenta precariamente, a política agrícola está orientada para a produção prioritária de bio-combustíveis.
5. A guerra comercial e o protecionismo, algo que também pertence ao capitalismo, no sector agrícola, tem feito com que os agricultores mais produtivos dos países industrializados exportem, graças a subsídios estatais, uma parte importante da sua produção para países do terceiro mundo, arruinando o campesinato nessas regiões, assim, desse modo incapaz de satisfazer as necessidades alimentares da população. Na África, por exemplo, muitos agricultores locais têm sido arruinados pelas exportações européias de carne de frango ou de vaca. O México, já não pode produzir o suficiente para alimentar a sua população e, a tal ponto que que o país tem de importar o valor de 10 bilhões de dólares em produtos dessa natureza.
6. O uso irresponsável dos recursos do planeta, orientado pelo lucro imediato, tem como conseqüência o seu esgotamento. O uso abusivo de fertilizantes está causando estragos sobre o equilíbrio do solo, a tal ponto que o Instituto Internacional de Investigação sobre o arroz prevê que o seu cultivo na Ásia está ameaçado num prazo relativamente curto. A pesca excessiva nos oceanos está levando à escassez de muitas espécies de peixes.
7. Quanto às conseqüências do aquecimento global e, entre elas notadamente as inundações ou as secas, são justamente mencionadas com razão para explicar a queda da produção de certas superfícies cultiváveis. Mas elas também, são em última instância, as conseqüências ambientais de uma industrialização realizada pelo capitalismo em detrimento das necessidades imediatas e de longo prazo da espécie humana. As recentes ondas de calor na Austrália, por exemplo, têm resultado em estragos graves e declínios significativos na produção agrícola. E, o pior ainda está para vir, porque, segundo as estimativas, um aumento de temperatura em um grau Celsius faria cair em 10% a produção de arroz, trigo e milho. As primeiras investigações revelam que o aumento das temperaturas ameaça a sobrevivência de muitas espécies animais e vegetais, e reduz o valor nutritivo das plantas.
A fome não é a única conseqüência das aberrações em matéria de exploração dos recursos terrestres. A produção de bio-combustíveis, por exemplo, conduz ao esgotamento das terras agriculturáveis. Além disso, este "suculento" mercado leva a comportamentos delirantes e antinaturais: Nas montanhas Rochosas dos Estados Unidos, onde os agricultores já têm em 30% da sua produção de milho para a fabricação de etanol, enormes áreas são dedicadas ao milho "energético" em terras inadaptadas para esse cultivo, resultando em uma perda incrível de fertilizantes e água para um resultado mais fraco. Jean Ziegler1 explicou: "Para encher um tanque com 50 litros de bio-etanol, temos de queimar 232 quilos de milho" e produzir um quilo de milho, requer 1000 litros de água! De acordo com estudos recentes, não é só negativo o balanço "poluição" dos bio-combustíveis (pesquisa recente mostraria que aumenta mais a poluição do ar que o combustível normal), mas o seu impacto a nível mundial é uma catástrofe ecológica e econômica para a humanidade. Além disso, em muitas regiões do globo, o solo é cada vez mais contaminado, se não totalmente envenenado. Este é o caso do solo chinês, que mata 120 000 agricultores cada ano de cânceres ligados à contaminação do solo.
Todas as explicações que nos são dadas sobre a crise dos alimentos têm, cada uma delas, uma parcela de verdade. Mas nenhuma por si só, é a explicação. Sobre os limites do seu sistema, especialmente quando elas aparecem na forma da crise, a burguesia não tem outra escolha senão mentir aos explorados que são os primeiros a suportar as conseqüências desta, para ocultar a natureza necessariamente transitória desse sistema, como foram os sistemas de exploração precedentes. De certo modo, é obrigada a mentir para si mesmo como classe social, para não ter de admitir que seu reino esteja condenado pela história. E aquilo que hoje chama atenção é o impressionante contraste entre a altivez mostrada pela burguesia e sua incapacidade para reagir de maneira minimamente credível e eficaz diante da crise dos alimentos.
As diferentes explicações e soluções propostas - não importa quão cínicas e hipócritas que poderão ser - correspondem todas elas aos interesses próprios e imediatos de tal ou qual fração da classe dominante em detrimento das demais. Alguns exemplos. Na última cúpula do G8, os principais dirigentes do mundo convidaram representantes dos países pobres para atuar ante as revoltas da fome preconizando que baixariam imediatamente as tarifas sobre importações agrícolas. Em outras palavras, a primeira idéia que ocorreu a estes tão finos representantes da democracia capitalista foi o de aproveitar a crise para aumentar as suas exportações! O lobby industrial europeu causou um clamor de indignação ao denunciar o protecionismo agrícola da União Européia culpada de ser, entre outras coisas, responsável pela ruína da agricultura de subsistência do "Terceiro Mundo"2. Por quê? Sentindo-se ameaçados pela concorrência industrial da Ásia, querem que se reduzam os subsídios agrícolas pagos pela União Européia, que agora são muito elevados, demais em relação a suas possibilidades. E o lobby agrícola, por sua parte, vê nos distúrbios da fome prova da necessidade de aumentar os subsídios. A União Européia tem se aproveitado da oportunidade para condenar o desenvolvimento da produção agrícola, a serviço das "energias renováveis"... no Brasil, que é um de seus rivais mais importantes neste setor.
O capitalismo, como nenhum outro sistema antes, desenvolveu forças produtivas em um nível que poderia permitir a construção de uma sociedade em que as necessidades humanas pudessem ser satisfeitas. No entanto, estas enormes forças postas assim em movimento, embora ao mesmo tempo fiquem bloqueadas nas leis do capitalismo, não só não serão capazes de servir a grande maioria da humanidade, mas também se voltam contra ela. "Nos países industriais mais avançados o homem dominou as forças naturais, submetendo-as ao seu serviço. Dessa maneira, se conseguiu multiplicar infinitamente a produção, de modo que um menino, hoje em dia produz mais que cem adultos antes. Qual a conseqüência daí decorrente? Crescente excesso de trabalho e crescente miséria das massas [ ... ] Somente uma organização social consciente da produção social, de acordo com a qual se produza e se distribua obedecendo a um plano, pode elevar os homens, também sob o ponto de vista social, sobre o resto do mundo animal, assim como a produção, em termos gerais , conseguiu realizá-la para o homem considerado como espécie." (Prefácio à Dialética da Natureza, F. Engels; (Ed. Paz e Terra 4ª Edição) Desde que o capitalismo entrou na sua fase de declínio, não só a riqueza produzida ainda não serve para liberar a espécie humana do reino da necessidade, mas inclusive ameaça a sua própria existência. E é assim como um novo perigo ameaça hoje a humanidade: a fome generalizada, da qual se afirmava recentemente que em breve seria um pesadelo do passado. Na verdade, como o põe em relevo o aquecimento do planeta, o conjunto de toda atividade produtiva - incluindo os produtos alimentícios - ao estar submetida às leis cegas do capitalismo coloca em jogo a própria base da vida na Terra, sobretudo por causa do esgotamento dos recursos do planeta.
São as massas dos mais pobres entre os países do "terceiro mundo" que são hoje golpeadas pela fome. A pilhagem dos armazéns tem sido uma reação perfeitamente legítima diante de uma situação insuportável de sobrevivência para os saqueadores e suas famílias. Neste sentido, as revoltas da fome, até quando causam destruição e violência, não devem ser colocadas no mesmo plano e não têm o mesmo sentido que os motins urbanos como aqueles em Brixton na Grã-Bretanha em 1981 e os bairros franceses de 2005, ou como as revoltas raciais em Los Angeles, em 1992.3
Por mais que perturbem a chamada "ordem pública" e provoquem danos materiais, essas últimas revoltas só servem, ao final das contas, aos interesses da burguesia, que é perfeitamente capaz de usá-las contra os próprios revoltosos, mas também contra toda a classe operária. Estas manifestações de violência desesperada (em que, muitas vezes, estão envolvidos elementos do lúmpen proletariado), sempre oferecem para a classe dominante uma oportunidade para reforçar o seu aparato repressivo através do controle policial dos bairros mais pobres nos quais vivem as famílias operárias.
Esse tipo de revolta é um produto mero da decomposição do sistema capitalista. Elas são uma expressão do desespero e do "sem futuro" que ela engendra e que se reflete no seu caráter totalmente absurdo. Assim aconteceu com as revoltas que inflamaram os bairros na França, em novembro de 2005, onde não foram nem muito menos os bairros ricos onde vivem os exploradores que sofreram as ações violentas dos jovens, mas os seus próprios bairros que se tornaram ainda mais sinistros e inóspitos que anteriormente. Alem disso, ao serem as suas próprias famílias, seus parentes ou vizinhos as principais vítimas das depredações, revela o caráter totalmente cego, desesperado e suicida de tais revoltas. Foram os veículos dos operários que habitam nesses bairros degradados que foram incendiados, as escolas e ginásios freqüentados por seus irmãos, irmãs ou filhos de vizinho que foram destruídos. E foi precisamente pelo absurdo de tais revoltas que a burguesia pôde utilizá-las contra a classe trabalhadora. Sua excessiva cobertura mediática permitiu a classe dominante incutir em muitos operários dos bairros populares para que considerassem os jovens revoltosos não como vítimas do capitalismo em crise, mas, como alguns hooligans descerebrados. Mais além do fato de que os tumultos levaram a um reforço policial para "caça ao moreno" entre os jovens de origem imigrante, não podiam senão minar qualquer ato de solidariedade da classe trabalhadora para com estes jovens excluídos da produção que nao têm a menor perspectiva de futuro e constantemente sujeitos a perseguição e vexame dos controles policiais.
No que tange às revoltas da fome, elas são, primeiro e antes de tudo, uma expressão da falência da economia capitalista e da irracionalidade da sua produção. Isto se reflete hoje em uma crise dos alimentos que atingiu não só os mais desfavorecidos dos países "pobres", mas também cada vez mais operários assalariados, inclusive nos países chamados "desenvolvidos". Não é por acaso que a grande maioria das lutas, que hoje estão acontecendo por todas as partes, reivindica essencialmente aumentos salariais. A inflação galopante, a explosão dos preços dos produtos de primeira necessidade conjugadas com o achatamento dos salários reais e pensões corroídas pela inflação, a precariedade do emprego e as ondas de demissões são manifestações da crise que contêm todos os ingredientes para que a fome, a luta pela sobrevivência comece a estar colocada no seio da classe trabalhadora. As pesquisas revelam que, hoje em vários países da Europa, supermercados e locais em que os proletários vão com as suas famílias para fazer as compras encontram dificuldades em vender os seus produtos e são obrigados a reduzir as suas encomendas.
E é precisamente porque a questão da crise dos alimentos golpeia já os operários dos países "pobres" (e afetará cada dia mais aos dos países centrais do capitalismo), que tornará difícil para a burguesia explorar as revoltas contra a fome, contra a luta de classe do proletariado. A escassez generalizada e a fome, é o que o capitalismo reserva para toda a humanidade, esse é o " futuro" que revelam as revoltas da fome que têm estourado recentemente em vários países do mundo.
Evidentemente, estas revoltas são também reações de desespero das massas empobrecidas dos países mais "pobres" e não são por si só portadoras de qualquer perspectiva de derrubada do capitalismo. Mas, ao contrário das revoltas urbanas ou raciais, as da fome são um extrato da miséria absoluta na qual o capitalismo afunda parcelas cada dia mais amplas da humanidade. Mostram o futuro que aguarda a classe operária se este modo de produção não for derrubado. Por conseguinte, contribuem para a tomada de consciência da quebra irremediável da economia capitalista. E, finalmente, mostram com que cinismo e brutalidade responde a classe dominante às explosões de raiva daqueles que atacam armazéns, para não morrer de fome: repressão, gás lacrimogêneo, pancadaria e fuzilamento.
E, ao contrário das revoltas nos bairros, elas não são um fator de divisão do proletariado.
Pelo contrário, apesar da violência e da destruição que podem resultar das revoltas da fome, estas espontaneamente tendem a gerar um sentimento de solidariedade por parte dos operários, porque eles também são principais vítimas da crise dos alimentos e lhes custa cada dia mais alimentar as suas famílias. É por isso que as revoltas da fome são muito mais difíceis de serem utilizadas pela burguesia para jogar uns operários contra outros ou criar divisões nos bairros populares.
Embora nos países "pobres" atualmente estejam se desenvolvendo simultaneamente, lutas operárias contra a miséria capitalista e as revoltas da fome, se trata, no entanto, de dois movimentos paralelos e de natureza muito diferente.
Por mais que tenha operários envolvidos em revoltas da fome saqueando armazéns, este não é o terreno da luta de classes. Neste terreno, o proletariado está submerso, no meio de outras camadas "populares" entre as mais pobres e marginais. Em tais movimentos, o proletariado só pode perder a sua autonomia de classe e abandonar os seus próprios métodos de luta: greves, manifestações, assembléias gerais.
Por outro lado, as revoltas da fome são fogo de palha, revoltas sem futuro, que de modo algum, não podem resolver o problema da fome. Só são uma reação imediata e desesperada diante da miséria e extrema pobreza. Com efeito, uma vez que os armazéns foram esvaziados pelos saques, não resta nada, em todos os sentidos, enquanto os aumentos salariais resultantes das lutas trabalhadores possam manter-se por mais tempo (é verdade, acabam anulados a meio prazo). É evidente que diante da fome que hoje está golpeando a população nos países da periferia do capitalismo, a classe trabalhadora não pode ficar indiferente, ainda mais porque, nesses países, os trabalhadores também estão sendo afetados pela crise dos alimentos e encontram cada dia mais dificuldades para se alimentarem, e as suas famílias com os seus salários miseráveis.
As expressões atuais da falência do capitalismo, especialmente a explosão dos preços e o agravamento da crise dos alimentos, tendem a nivelar cada vez mais as condições de vida do proletariado e das massas cada vez mais miseráveis. Por isso mesmo irão multiplicar as lutas operárias nos países "pobres", ao mesmo tempo que explodirão revoltas da fome. E enquanto as revoltas da fome careçam de perspectivas, as lutas operárias que estão em um terreno alicerçado em bases firmes, os operários poderão desenvolver a sua força e sua perspectiva. O único meio para o proletariado resistir os ataques cada vez mais violentos do capitalismo reside na sua capacidade de preservar a sua autonomia para desenvolver as suas lutas de classe e sua solidariedade no seu próprio terreno. É, em especial, nas assembléias gerais e nas manifestações massivas onde devem ser levantadas as reivindicações comuns a todos, integrando a solidariedade para com as massas famintas. Nessas reivindicações, os proletários em luta não só devem exigir aumentos salariais e baixa dos preços dos alimentos básicos, devem também acrescentar em suas plataformas reivindicativas a distribuição gratuita do mínimo vital para os mais desfavorecidos, os desempregados e as massas indigentes.
É so desenvolvendo os seus próprios métodos de luta e reforçando a sua solidariedade de calasse para com as massas famintas e oprimidas, que o proletariado poderá levar atrás de si as demais camadas não exploradoras da sociedade.
O capitalismo não tem a menor perspectiva a oferecer para a humanidade, nada mas que as guerras cada vez mais bestiais, catástrofes cada dia mais trágicas, uma miséria crescente para a grande maioria da população mundial. A única possibilidade para a sociedade sair da barbárie do mundo atual é a derrubada do sistema capitalista. E, a única força capaz de jogar abaixo o capitalismo é a classe operária mundial. E, como a classe operária não tem sido até agora capaz de encontrar forças suficientes para afirmar essa perspectiva desenvolvendo e estendendo massivamente suas lutas, as massas crescentes da população mundial nos países do "Terceiro Mundo" se vêem obrigadas a lançar-se nas revoltas da fome em uma tentativa desesperada para tentar sobreviver. A única e verdadeira solução para a "crise dos alimentos" é o desenvolvimento das lutas do proletariado na direção da revolução comunista que permitirá dar uma perspectiva e uma direção global para as revoltas da fome. O proletariado só poderá levar atrás de si as demais camadas não exploradoras da sociedade afirmando-se como classe revolucionária. Desenvolvendo e unificando suas lutas a classe operária poderá demonstrar que ela é a única força social capaz de mudar o mundo e aportar uma resposta radical ao flagelo da fome, mas também da guerra e de todas as manifestações de desesperança próprias da decomposição da sociedade.
O capitalismo reuniu as condições de abundância, mas enquanto este sistema não for derrubado, só pode desembocar em uma situação absurda em que a superprodução de mercadorias se combina com a penúria dos bens mais elementares.
O fato de que o capitalismo seja incapaz de alimentar grande parte da humanidade é um chamamento ao proletariado para que assuma a sua responsabilidade histórica. Só a revolução comunista mundial pode colocar as bases de uma sociedade de abundância onde fome seja definitivamente erradicada do planeta.LE (5 de julho 08)
1 Relator especial pelo direito a alimentação (das populações) do Conselho dos direitos humanos da ONU de 2000 até março de 2008.
2 O termo "Terceiro Mundo" foi inventado por um economista e demógrafo Frances, Alfred Sauvy em 1952, em plena guerra fria, para, em prinípio, designar os países que não estavam vinculados diretamente nem ao bloco occidental , nem ao bloco russo, porém nesse sentido acabou quase em desuso,sobretudo, depois da queda do muro de Berlim. Se utiliza esencialmente para designar os países mais pobres do planeta que tem os indicadores de desenvolvimento mais débeis, ou seja os países mais pobres do planeta, especialmente na África, Ásia ou América Latina. E está claro nesse sentido, a atualidade do uso.
3 Sobre as revoltas raciais de Los Angeles, ver nosso artigo "Ante el caos y las matanzas, solo la clase obrera pode dar una resposta" em Revista Internacional nº70. Sobre as revoltas nos bairros franceses do outono de 2005, leia-se "Revueltas Sociales: Argentina 2001, Francia 2005,...Solo la lucha proletaria es portadora de futuro" em Revista Internacional nº124 e "Teses sobre o movimento dos estudantes na primavera 2006 na França" https://pt.internationalism.org/icconline/2006_estudiantes_franca [9].
A propósito do artigo publicado na nossa página em francês "Sabotagem das linhas de trem: Atos estéreis instrumentalizados pela burguesia contra a classe operária" [1], um companheiro dirigiu 2 comentários na nossa página em francês e em espanhol [2] onde pede solidariedade para com as pessoas detidas pelo Estado francês e comenta o seguinte:
"O estranho é que a CCI, que tanto condena o aparato da esquerda do capital neste caso tem dito EXATAMENTE O MESMO que o principal líder da esquerda capitalista francesa, Besancenot, que de imediato, IGUAL a CCI, passou a dizer que a sabotagem não é um método de luta operária e condenou aqueles militantes proletários que tão sinceramente combatem o capitalismo.
Por fim. Veja a coincidência, a CCI y Besancenot opinam o mesmo.
Tomara que reflitam sua posição.
Saudações."
"Espero que não tomem por mal, é um chamamento em bons termos a que repensem sobre a grande coincidência da sua condenação a estes atos [publicada em francês] com as palavras expressas por Besancenot e pelos sindicatos, que para ficar bem com seus chefes da burguesia tem falado justamente o que esta queria que se criminalizasse a quem (independente de que estamos de acordo com suas táticas o não) desprezam e combatem sinceramente a esta sociedade exploradora"
Esses dois comentários têm provocado um debate muito ativo onde, de uma maneira honrada e aberta, esse leitor e o outro que assina "Um Companheiro" - cujas posições compartilhamos e saudamos - tem trocado posicionamentos em prol da clarificação [3]
Com intuito de contribuir com este debate vamos responder as questões colocadas.
Concordamos com o companheiro na denuncia clara que faz ao terrorismo de Estado. Nosso leitor afirma que a burguesia "tende a ampliar sua definição de "terrorismo" ao menor ato que rompa com a ordem democrática" e denuncia que com isso pretende "ocultar a natureza fundamentalmente terrorista da sua dominação, assimilando exclusivamente o terrorismo às reações violentas do proletariado, amalgamando deliberadamente as ações que estão situadas em um terreno de classe e as que se encontram em terrenos aclassistas, reformistas, religiosos, de libertação nacional, etc."
Na realidade a penalização dos jovens que se viram envolvidos nesse assunto, é uma montagem do Estado com o objetivo de desenvolver uma campanha ideológica contra o que na França se denomina a "ultra-esquerda". Esta campanha se propõe fazer de tal maneira que todos os que estão na esquerda de Besancenot [4] sejam considerados enquanto perigosos terroristas.
Não é a primeira vez que tais campanhas se dirigem contra "todos os que não se inserem no jogo democrático" porque há alguns anos se organizaram campanhas "anti-revisionistas" que tratavam de desprestigiar de maneira específica a Esquerda Comunista. Para lembrar o que à época aconteceu, essas campanhas pretendiam amalgamar aos revisionistas (que negavam a existência de câmaras de gás durante a Segunda Guerra Mundial) com os internacionalistas que denunciavam os dois bandos - o democrático e o fascismo - como capitalistas e imperialistas.
Há que denunciar a repressão que se abateu sobre os jovens culpados e que, pelo que se sabe, não têm nada a ver com os atos de que são acusados; atos que, caberia acrescentar, não devem ser confundidos com terrorismo, pois não se propõem colocar em perigo a vida dos passageiros. Tudo isto soa como uma montagem do Estado bastante grosseira.
Pois bem, se é necessário denunciar a repressão e não criminalizar a esses elementos, também não devemos aceitar a idéia de que tomam parte da classe operária. Não são membros dela no sentido sociológico do termo, porém o mais importante é compreender que não são militantes da classe operária - seja qual for a sua origem sociológica.
Pode acontecer o fato de que proletários exasperados e desesperados se impliquem em atos individuais o minoritários de sabotagem. Nós de maneira alguma os condenaremos.
Entretanto, convém não misturar as coisas: não condená-los não significa aceitar os métodos que preconizam ou ser ambíguos sobre eles. Estes métodos, baseados em atos individuais o minoritários de sabotagem, não servem nem "conscientizar a classe operária" nem para contribuir ao desenvolvimento da sua luta. Pelo contrário, debilitam ambas.
Por isso, devemos por em defensiva a classe operária sobre tais métodos que não somente não participam em nada no seu combate como classe, mas que, além disso, contribuem para que elementos operários se vejam expostos a de maneira inútil a repressão [5].
Quando se produzem de maneira anônima uma sabotagem ou ato de violência contra uma instituição do capital (bomba lançada a um edifício público, atentado contra um representante do sistema etc.) nos perguntamos sempre quem pode ser o autor: Se trata de um grupo que reivindica sinceramente a destruição do capitalismo, o estamos diante de um provocador da polícia ou inclusive um grupo de extrema direita [6]? Essa pergunta surge diante do fato de que tais métodos podem ser indistintamente utilizados por classes muito diferentes - proletários, burgueses, pequenos burgueses - e pelas tendências políticas mais variadas.
No entanto essas questões não se colocam quando estamos diante de ações como greves por reivindicações de classe, assembléias gerais, tentativas de extensão e unificação dos movimentos de luta etc. Diante delas não cabe nenhuma dúvida possível: se trata de ações do proletariado que vão ao sentido da defesa dos seus interesses. Este tipo de ações - qualquer que sejam suas debilidades e limitações - favorece o desenvolvimento da consciência da classe operária, sua confiança em si mesma, seus sentimentos de solidariedade e não podem servir aos interesses da burguesia.
Em troca, as ações do primeiro tipo, além do mais, em si mesma são confusas, pois podem ser reivindicadas pelas mais variadas tendências políticas e ideológicas e as mais distintas camadas sociais e especialmente por frações pertencentes à própria burguesia, não favorecem em nada a confiança em si do proletariado: como podem favorecer esta se pressupõem que uma minoria clandestina substitui a classe na tarefa da luta contra o capital?
Outro argumento que emprega o companheiro é que os termos da nossa crítica aos métodos de sabotagem poderiam ser semelhantes aos que emprega Besancenot. Este argumento coloca certo numero de considerações que se referem à origem dos partidos de esquerda e extrema esquerda do capital e a função que atualmente tem frente à classe operária.
A capacidade de enganar e influenciar que tem esses partidos na classe operária e que fazem que sobre esse plano sejam mais eficazes do que seus congêneres da direita, se apóia em que tiveram origem no movimento operário e que, em um momento dado sua existência, constituíram uma autentica vanguarda da classe operária para posteriormente degenerar, trair e converter-se em engrenagem do Estado capitalista.
Apoiados nessas origens remotas conservam no seu discurso certo número de temas e de referências que fazem parte do patrimônio da classe operária: Será que podemos renunciar a elas porque essas organizações burguesas se as apropriaram e as utilizam para os seus interesses espúrios? Pensamos claramente que isso seria um erro. Por exemplo, não podemos renunciar à perspectiva do socialismo pelo fato de que a extrema esquerda fala igualmente de "socialismo". Se esses partidos enchem a boca com a "unidade da classe operária" não podemos renunciar a luta sincera e concreta por dita unidade. Da mesma forma, o proletariado tem uma larga experiência acerca das provocações policiais contra sua luta que faz parte do patrimônio do seu combate histórico e que seu movimento atual deve reapropriar-se especialmente frente ao futuro. Que os partidos de esquerda ou extrema esquerda falem de "provocação policial" não pode impedir aos revolucionários atuais reconhecer que existe e defender frente a ela as posições clássicas do movimento operário.
O companheiro faz a seguinte afirmação "e como a maioria da classe operária ainda não é capaz de compreender essas ações, graças aos meios burgueses percebem seus próprios irmãos de classe que enfrentam o Estado-capital como "delinqüentes", "vândalos", "terroristas", já que eles estão contaminados até a medula da ideologia cidadã, condenemos aos que se atrevem, para que os "operários-cidadãos" não se assustem e possam somar-se às nossas bem comportadas mobilizações"
Se bem entendemos essa afirmação, nosso leitor acredita que, para ser capaz de organizar "grandes movimentos de massas", propomos não "assustar" os operários mais atrasados contaminados pela ideologia cidadã e por isso rechaçaríamos as ações violentas dos que "enfrentam o capital".
Os movimentos de massas do proletariado não são o produto da convocatória de um punhado de revolucionários [7]. Os movimentos de massas do proletariado são o produto de um processo histórico no qual intervêm por sua vez o desenvolvimento das condições objetivas e a maturação subjetiva do proletariado. Precisamente desde o ponto de vista da contribuição que podemos oferecer e essa maturação subjetiva é crucial rechaçar os métodos e ações minoritárias de violência. Pois tais métodos fomentam a passividade e a delegação da luta coletiva a um grupo de "heróis anônimos", de "salvadores bem-intencionados" que golpeariam o capital. E ao mesmo tempo geram um sentimento de impotência e frustração, pois qualquer um com dois passos à frente compreende perfeitamente que tais "audácias" não são outra coisa que "picadas de mosquito na pele de um elefante" [8]
Somos plenamente conscientes de que a luta de classe e a confrontação com o Estado não são pacíficas e expõem a classe operária e as suas minorias revolucionárias aos golpes da repressão. Essa violência faz parte inevitável do processo revolucionário. No curso do seu desenvolvimento, as lutas da classe operária adotam medidas de resposta a violência do Estado burguês, respondem ao seu terror e repressão com a violência de classe do proletariado [9]
A violência não se reduz a choques com a polícia, as ações de ataque à circulação de mercadorias, os bloqueios à produção, o ataque a instituições da propriedade privada (bancos, automóveis de luxo etc.). Isto seria uma visão muito restritiva e profundamente superficial. Rosa Luxemburgo assinala em Greve de massas partido e sindicatos que "diferentemente da polícia que entende por revolução simplesmente a batalha de rua e a luta, quer dizer a "desordem", o socialismo cientifico vê antes de mais nada na revolução uma transformação interna e profunda das relações de classe" [10]. Para o proletariado, a questão da violência é política e consiste em como estabelecer uma relação de forças favorável contra a burguesia e seu Estado de tal maneira que o permita resistir aos seus ataques e poder passar a ofensiva pela sua destruição definitiva.
.A violência do capital e seu estado se expressa através das balas, dos gases lacrimogêneos, das prisões e das câmaras de tortura, porém existe uma violência muito mais daninha e perniciosa que serve muito mais eficazmente a defesa dos interesses do capital: é o atentado permanente que a sociedade capitalista perpetra contra a unidade e a solidariedade da classe operária, o bombardeio de que desde todos seus poros lança no sentido da divisão, a atomização, a concorrência, a passividade e o sentimento de culpa. O Estado democrático sem renunciar nem muito menos a violência física e o mais cínico terror, é um renomado especialista no desenvolvimento dessa violência, insidiosa e profundamente destrutiva.
O primeiro passo para enfrentar ambas as classes de violência consiste nas tentativas conscientes para romper a atomização, sair da passividade e do "cada um com os seus assuntos", superar o isolamento e a divisão, desenvolver a solidariedade operária rompendo as cercas da empresa, do setor, da nacionalidade, da raça etc., debater amplamente e sem restrições sobre as necessidades e os problemas da luta geral.
Tudo isso pode parecer demasiado "pacífico", muito "ordenado" e "controlado", a quem identifica unilateralmente a "luta" com a desordem e o choque físico e não são capazes de compreender o potencial que encerram os movimentos genuínos do proletariado. Seus movimentos coletivos, o desenvolvimento de sua capacidade para organizá-los enfrentando o controle dos sindicatos e demais instituições do Estado, constituem a violência mais eficaz contra a dominação capitalista.
CCI 18-12-08
[1] Ver a tradução em espanhol em "Sabotaje de las líneas de la SNCF: actos estériles instrumentalizados por la burguesía contra la clase obrera [11]".
[2] Esses dois comentários em espanhol junto com o debate que tem se desenvolvido estão publicados no Anexo I deste artigo no site em espanhol.
[3] Tem intervindo um terceiro participante que embora tenha defendido idéias justas empregava um tom agressivo com o primeiro participante e o amalgamava com grupos ou ideologias das qual este não se reclamava, o que não favorece um debate proletário.
[4] O líder carismático da ex- Liga Comunista Revolucionária - trotskista - agora convertida no Novo Partido Anticapitalista.
[5] É importante compreender que a prática de atos de sabotagem, de violência minoritária etc., deixa um flanco fácil para a infiltração dos serviços do Estado que podem inclusive fomentá-los com o objetivo de utilizarem contra a classe operária ou suas minorias revolucionárias. Colocar em evidência esse problema não significa denunciar ou culpabilizar pessoas que de forma honesta se implicam nesse tipo de prática. Denunciamos o culpado - O Estado burguês e seus serviços de inteligência - não a vítima.
[6] Como aconteceu, por exemplo, na Itália nos anos 70 onde numerosos atentados executados pela extrema direita foram atribuídos pela imprensa e demais órgãos do Estado a anarquistas e imediatamente se demonstrou de forma incontroversa que os seus verdadeiros autores eram elementos da extrema direita.
[7] Da mesma maneira que a tarefa dos elementos mais avançados da classe operária não é despertá-la com atos de heroísmo individual tão pouco é sua tarefa instituirem-se nos seus organizadores e dirigentes.
[8] O companheiro assinala que "me custa muito entender que digam uma e outra vez (se refere a CCI) que essas ações são festejadas pelo aparato da esquerda do capital, quando são os primeiros que saem não só a condenar, como também a apontar e delatar os próprios companheiros que repudiam as passeatas aborrecidas e pacifistas as quais convocam os sindicatos e os partidos de esquerda". Na realidade não são contraditórias ambas as atitudes. Tomando como exemplo os sindicatos estes em algumas ocasiões organizam manifestações - passeatas porém em outras ocasiões, segundo suas necessidades de sabotagem da luta operária, organizam manifestações violentas de choque com a polícia ou de destruições de vitrines, lançamentos de petardos etc.. A manifestação - passeata pacifista se usa para enterrar uma luta enquanto a manifestação - enfrentamento se utiliza para desviar a luta para um choque no isolamento. Por outro lado, os chefetes sindicais por vezes muito cínicos, empurram os operários a ações desesperadas, são os primeiros em denunciar perante a polícia esses companheiros, inclusive sendo membros do sindicato. Há muitos exemplos disso.
[9] Ver os artigos publicados na Revista Internacional nº 14 [12] y nº 15 [13] sobre violência de classe, terror e terrorismo.
[10] Rosa Luxemburgo, Greve de massas, partido e sindicatos; Obras Escolhidas - Tomo II, página 343 da edição espanhola.
A CCI celebrou duas reuniões públicas no Brasil sobre maio de 68. A primeira teve lugar numa universidade pública (UESB) do estado da Bahia[1] por iniciativa de um círculo de discussão e a segunda em São Paulo, assumida conjuntamente com duas outras organizações proletárias, Oposição operária[2] (OPOP) e o grupo Anarrres[3]. O Brasil em nada faz exceção a essa campanha ideológica de todas as frações da burguesia no mundo, para transfigurar maio de 68 e fazer com que "aqueles que têm simpatia por estes acontecimentos retirem ensinamentos errados, que não captam o significado destes acontecimentos"[4]. Para aqueles que não tiveram a oportunidade de viver estes acontecimentos ou ter acesso a documentos que possam lhes fornecer uma visão mais objetiva do que realmente aconteceu, as mídias têm um discurso e imagens já prontas que resumem Maio de 68 às confrontações de rua com a polícia e reduzem a ação da classe operária a um papel de figurante longe a reboque do movimento estudantil. Porém, no Brasil como em muitos outros países, existem pessoas, particularmente das jovens gerações, interessadas em entender o que realmente aconteceu em maio de 68. Foi comprovado pela assistência razoável na UESB, que ultrapassou o número de quarenta pessoas.
A defesa do significado, profundo e histórico, representado por maio de 68, que marcou o fim de um período de contra-revolução vivido ao longo de quarenta anos, foi perfeitamente assumida por algumas intervenções:
"Porque não aconteceu a revolução em 68 e como fazer para que ela possa acontecer futuramente?" Pode se dizer que essa questão constituiu uma preocupação explicita ou implícita que atravessou os debates nas duas reuniões, respondida através a discussão de vários questionamentos: O que realmente mudou em 68 em relação ao período precedente de contra-revolução? Quais foram as limitações de 68?
Para entender a importância da mudança no ambiente social trazida pelos acontecimentos de 68, foi necessário ilustrar previamente, nas discussões, o que significaram esses 40 anos de contra-revolução sofridos pelo proletariado. Nesse período, este nunca deixou de lutar, mas todas suas lutas, ao contrário de contribuir em libertá-lo da influência da ideologia dominante - que se expressava notadamente sob a forma do nacionalismo e das ilusões democráticas - e da dominação dos sindicatos, só faziam fortalecê-los.
Por exemplo, nas lutas massivas de maio-junho 1936 na França, seguindo as consignas chauvinistas do PCF (Partido Comunista Francês) o proletariado manifestava agitando as bandeiras vermelhas e da França indistintamente. O veneno ideológico stalinista tinha assim como função fazer crer que havia a possibilidade de conciliar o interesse nacional (necessariamente o interesse do capital) e o interesse da luta proletária. É assim que estas lutas, longe de favorecerem a autonomia do proletariado, só o submeteram ao interesse nacional até seu alistamento num campo imperialista na Segunda Guerra Mundial. Quanto à ação dos sindicatos para conter esta luta no quadro social da ordem burguês, longe de suscitar a desconfiança dos operários resultou no incremento do número de filiados.
O fim da Segunda Guerra mundial não foi o teatro de um novo reavivamento revolucionário, como tinha acontecido depois da Primeira, mas ao contrario constituiu mais um fator de desorientação do proletariado, notadamente graças à vitória do campo dos aliados, celebrada como a vitória da democracia sobre o fascismo, enquanto ambos os campos foram igualmente bárbaros e capitalistas.
O peso da contra-revolução se expressou até nas limitações de uma luta verdadeiramente proletária como a dos proletários húngaros em 1956: chegando a se organizar num conselho operário e colocando em evidência a natureza claramente anti-operária do stalinismo. Entretanto, ao contrario dos antecedentes da primeira onda revolucionaria, essa luta jamais colocou em questão o poder do estado, mas também se pronunciou para que o governo se apoiasse sobre a polícia ordinária (não a serviço do stalinismo) e o exercito nacional.
Em outros termos, as lutas do proletariado nesse período de contra-revolução não conseguiam destacar uma perspectiva de questionamento da ordem dominante, de sua ideologia, de seus órgãos de enquadramento do proletariado.
O movimento de 68 teve duas contribuições inestimáveis: 1) demonstrar novamente na prática a capacidade da classe operária de desenvolver espontaneamente uma luta massiva sem que obviamente os ditos partidos e organizações operários fizessem nada a favor dessa luta, mas que na realidade tudo fizeram para que nada acontecesse; 2) questionar "verdades" que pareciam eternas e que fecharam a classe operária no beco sem saída da arapuca ideológica da contra-revolução.
Assim foram colocados em questão por frações da classe operária a natureza comunista da União Soviética, a natureza operária dos partidos de esquerda, o papel "operário" dos sindicatos, etc.
Ao desenvolver esta analise crítica de seu passado, o proletariado se re-apropriava sua própria história: redescobria que tinham existido os conselhos operários, órgãos da luta unitária e revolucionaria; que havia acontecido a revolução na Alemanha em 1919, depois da revolução russa; que esta última tinha sido o teatro de confrontações entre operários e sindicatos e que finalmente tinha sido derrotada pela social-democracia (traidora desde 1914) no poder. Foi essa necessidade de entender o mundo, de querer mudá-lo que animava as inúmeras discussões que se desenrolavam nas ruas, em algumas universidades transformadas em foro permanente, em algumas empresas. Toda essa efervescência realmente foi a grande característica de maio de 68.
Foi uma contribuição enorme à retomada da luta de classe em escala internacional, mas não se podia exigir dessa nova geração que contribuiu muito em fazer maio de 68 um rompimento com a dominação esmagadora da contra-revolução, que ela fosse também capaz de imprimir uma dinâmica revolucionaria.
Ao querer defender o caráter autenticamente proletário deste evento, notadamente frente às campanhas ideológicas ignomínias da burguesia para transfigurar Maio de 68, existe a tendência por parte de elementos proletários e sinceros em subestimar algumas limitações de 68, muitas vezes por falta de informação.
Como dito na apresentação, 1 milhão trabalhadores entraram em greve antes das consignas da CGT serem conhecidas. Foi geralmente naquelas empresas onde a greve foi espontânea, ocupadas pela ação dos operários tomando sua luta em suas mãos próprias, que se expressou a vida política mais rica e intensa. Mas não se pode esquecer que as demais empresas, quer dizer uma maioria, foram ocupadas pela iniciativa dos sindicatos que conseguiram assim um controle maior sobre a luta e se empregaram em fragmentá-la, colocando cordões sanitários sindicais para impedir a entrada das empresas às delegações de elementos politizados. Aí, os sindicatos organizavam partidas de pingue-pongue nas fábricas ocupadas para distrair os operários e impedi-los de se envolverem demais na luta e na política. O ambiente não era a efervescência política, mas muitas vezes sinistra. O contraste era enorme com os foros permanentes de algumas universidades ou outras empresas.
Isso significa que havia disparidades importantes quanto ao que a classe operária vivenciava nesses instantes.
O fato dos sindicatos terem conseguido tomar o bonde andando teve como efeito de enfraquecer o movimento espontâneo de desenvolvimento da luta.
O melhor quanto à participação ativa na luta se encontrava em algumas assembléias gerais de grevistas e nos diversos comitês que apareceram. Mas, ao contrario do que supuseram algumas interrogações nas discussões, este processo não chegou de maneira nenhuma a dar nascimento a conselhos operários, e menos ainda a uma situação de duplo poder, entre burguesia e proletariado. Longe disso.
Muitos estudantes dessa época, que se consideravam revolucionários, eram fortemente influenciados por mistificações do período de contra-revolução. Assim consideravam também como revolucionários personagens como Che Guevara, Ho Chi Min ou Mao Tzé Tung, sem se dar conta de que estes últimos, que tinham sido ou ainda eram protagonistas da contra-revolução, só se diferenciam dos stalinistas clássicos do Kremlin por opções imperialistas divergentes.
Uma determinação da situação nessa época foi também a ruptura muito importante entre a nova geração e a de seus pais, que recebiam criticas por parte da primeira. Em particular, por ter trabalhado duro para sair da situação de miséria, até da fome, resultante da Segunda Guerra Mundial, esta geração era criticada por se preocupar só com o bem-estar material. Disso veio o sucesso das fantasias sobre a "sociedade de consumo" e de slogans como "nunca trabalhem", favorecidas pelo grau ainda baixo do nível da crise econômica aberta que mal tinha reaparecido.
Apesar de ter se despertado à consciência de muitas realidades sociais, a classe operária estava longe, em 68, de poder fazer a revolução. Nessa época se falava muito de revolução, mas as condições subjetivas estavam longe de se apresentarem para isso. A revolução era concebida como uma possibilidade próxima, sem tomar em conta a dificuldade real do processo que leva a uma situação revolucionaria. À diferença da primeira onda revolucionaria mundial de 1917-23 em reação ao horror da Primeira Guerra Mundial, e à diferença também das confrontações que acontecerão futuramente entre burguesia e proletariado em reação ao desastre da crise econômica mundial atual, a classe operária de 1968 tinha muitas ilusões sobre as possibilidades do capitalismo continuar da mesma maneira sem sofrer crises cada vez mais profundas. Em outros termos, a revolução não era concebida como uma necessidade.
Não é de um dia para o outro que se passa da contra-revolução a um período revolucionário. Era necessária uma maturação geral da situação, em particular um desenvolvimento da consciência no seio do proletariado como conseqüência do agravamento da crise econômica. A falência deste sistema devia deixar obvia não só a impossibilidade de qualquer melhoria no seu seio, mas também que apresentava um perigo crescente para humanidade. Através de todo um processo de experiências de lutas repetidas e de ilusões perdidas, o proletariado devia reforçar sua consciência da natureza dos sindicatos como órgãos de enquadramento de suas lutas pelo capital, do impasse das eleições, do papel contra-revolucionário da esquerda do capital (PS, PC) e também da extrema-esquerda (trotskistas em particular) que só difere da esquerda pelo radicalismo da linguagem. Atualmente, a nossa classe já percorreu um longo caminho neste sentido, mas que não terminou ainda.
Lutas significativas depois maio de 68 confirmaram que os acontecimentos na França tinham constituído só o primeiro passo de uma nova dinâmica de desenvolvimento da luta de classe. Por exemplo, as lutas na Itália no outono europeu de 69 assumiram mais explicitamente a confrontação aos sindicatos. A luta dos operários na Polônia de 80 constituiu a mais importante tentativa da classe operaria de se organizar por si mesma desde a onda revolucionária mundial.
Já implicitamente presente em muitos debates, esta questão foi colocada explicitamente na reunião de São Paulo. É obvio que não havia nenhum partido revolucionário em 68. Os pequenos grupos internacionalistas e revolucionários que existiam e atuaram nessa época no movimento eram ultra-minoritários - apesar de terem uma audiência bem mais além deles -, dispersos, heterogêneos e geralmente muito imaturos.
Na realidade, a questão não é que "faltava um partido revolucionário para que a situação fosse revolucionaria", mas que a ausência de um partido revolucionário era a expressão da insuficiência das condições subjetivas para dar nascimento a tal partido e criar as condições de uma situação pré-revolucionária. Com efeito, a dimensão histórica do partido revolucionário (que lhe permite sintetizar a experiência histórica do proletariado) se apóia sobre a continuidade política das organizações revolucionarias que se mantiveram fieis à defesa dos interesses do proletariado internacional. Mas também o partido é o produto da luta da classe operária através da qual se desenvolve até conseguir uma influência direta sobre esta. Em outros termos, sem desenvolvimento da luta de classe capaz de segregar uma vanguarda revolucionaria conseqüente, não há possibilidade da existência de um partido revolucionário. Ora, como já vimos, o período de contra-revolução em nada era propício a que se destacasse a vanguarda necessária. Os eventos de 68 que fecharam este período também não podiam ter essa capacidade imediata de fazer surgir um partido revolucionário.
Entretanto, a efervescência política de 68 constituiu o ambiente propício à cristalização de grupos políticos proletários que procuraram restabelecer a ligação com as verdadeiras posturas revolucionárias, intervir na luta de classe e trabalhar para o agrupamento dos revolucionários a nível internacional. Este ganho de 68 constitui um elo essencial do trabalho de preparação pela formação do futuro partido quando o nível de desenvolvimento da luta de classe em escala internacional o permita.
Quanto tempo ainda o proletariado vai continuar se manifestando como classe explorada submetida aos interesses do capital, antes de expressar seu ser revolucionário? Será que mesmo ele vai conseguir se libertar de todas as barreiras ideológicas que constituem obstáculos à luta, como o individualismo, o corporativismo, etc? Isso foi uma questão explicitamente colocada na UESP que expressa certa ansiedade mais geral e compartilhada por vários elementos ao constatar que 40 anos depois de maio de 68 a revolução não tenha acontecido ainda.
Como o vimos, as condições objetivas e subjetivas se desenvolveram muito depois do maio de 68, pelo agravamento considerável da crise econômica, da barbárie (cuja manifestação mais explicita é a proliferação dos conflitos imperialistas através do mundo), do fortalecimento da consciência da falência do sistema capitalista, do desenvolvimento da luta da classe, com altos e baixos. Essa dinâmica sofreu uma regressão importante a nível da consciência do proletariado quando desmoronou o bloco de leste, cujo regime era mentirosamente caracterizado de comunista, o que permitiu a burguesia desencadear campanhas sobre "a morte do comunismo e da luta de classes". Mas desde 2003, a maturação das condições subjetivas para a revolução retomou. Atualmente como nunca tinha acontecido, há uma simultaneidade das lutas a nível internacional que afetam vários países, desenvolvidos ou da periferia do capitalismo, e no seio das quais se expressam características essenciais para o fortalecimento da luta: solidariedade ativa entre setores da classe operária, mobilizações massivas, tendências a não esperar, até ignorar, as consignas sindicais para entrar em luta, ....
Uma diferença importante com maio de 68 considera também as mobilizações estudantis. Os estudantes que trabalham para poder pagar seus estudos não têm muitas ilusões quanto a situações sociais que poderiam alcançar ao término dos estudos. Acima de tudo, sabem que seu diploma apenas lhes dará o "direito" de encontrar-se com a condição proletária sob suas formas mais dramáticas: o desemprego e a precariedade. A solidariedade que expressaram os estudantes em luta na França contra o CPE[5] em 2006 para os trabalhadores é, em primeiro lugar, conseqüência da consciência, que existe na sua maior parte, de pertencer ao mesmo mundo, aquele dos explorados em luta contra um mesmo inimigo, os exploradores. Esta solidariedade está muito longe do procedimento de origem pequeno-burguesa dos estudantes de 1968 do qual testemunham alguns slogans dessa época.
Quando se avalia o nível atual da luta de classe e sua evolução desde décadas, não se pode limitar a uma visão fotográfica, num país e num instante (fora da luta) dados. Necessita-se de uma visão internacional, dinâmica, capaz de tomar em conta o caminho subterrâneo da consciência (a "velha toupeira" da qual Marx falava) e que se expressa abertamente, só em momentos particulares, mas significativos do futuro.
Para avaliar as perspectivas, se deve também tomar em conta um fator importante: o impacto da ideologia burguesa sobre o proletariado que determina, de certa maneira, sua capacidade a se livrar - ou não - de todos os preconceitos que travam o desenvolvimento de sua visão histórica do futuro e dos meios para assumir seu ser revolucionário. Dentro de um período histórico como a da decadência do capitalismo, desde o início do qual - Primeira Guerra Mundial - é colocada a alternativa Revolução ou barbárie, as condições de uma dinâmica histórica para confrontações de classes, entretanto, não existem permanentemente. Com efeito, precisa-se de uma crise aberta do sistema (crise econômica como agora ou nos anos trinta ou guerra mundial) e a recusa do proletariado a sacrificar-se pelo capital nacional, quer dizer pelos interesses da burguesia. A conjunção destes dos fatores, crise aberta e recusa da lógica capitalista por parte do proletariado, enfraquece o impacto da ideologia da classe dominante. Com efeito, a base material da ideologia burguesa é a dominação política e econômica desta classe sobre a sociedade. Ora, quando a crise econômica vem colocar em questão a idéia de que o capitalismo é o sistema universal e eterno, e abrir os olhos dos explorados sobre a catástrofe que apresenta sua dominação sobre o mundo, tudo que pode ser dito pela burguesia para defender esta sociedade de miséria não pode obviamente ser tido como certo. Ao contrario, isso só pode suscitar a indignação, o questionamento e a procura de uma saída política.
Quarenta anos depois de 68, esta questão fica na ordem do dia, como o ilustrou notadamente uma pergunta feita na reunião da UESB. Como explicar isso quando justamente Maio de 68 constituiu uma concretização explicita do papel dos sindicatos, contra a luta de classes, a favor da ordem dominante? Maio de 68 surpreendeu a burguesia e a primeira resposta do aparelho político burguês veio da esquerda, dos sindicatos. Se os sindicatos não tivessem tido essa capacidade de tomar o bonde andando, aí a situação teria provavelmente sido o cenário de um nível superior de confrontação entre as classes. Esse controle que conseguiram tomar sobre o movimento permitiu à burguesia finalmente fazer com que o trabalho retomasse, sem que os operários tivessem conseguido concessões importantes (em relação à importância da mobilização), e que a classe operária sofresse uma derrota. Mas foi uma derrota rica de ensinamentos, notadamente sobre o papel anti-operário dos sindicatos, que se exprimiu à época pelo fato de milhares operários rasgaram seu cartão sindical.
O problema é que a burguesia soube tirar os ensinamentos destes eventos para que não se reproduzisse uma situação em que os sindicatos ficassem desacreditados de maneira tão significativa frente à luta de classe. De maneira mais geral o conjunto do aparelho político da burguesia soube adaptar-se, notadamente suas frações de esquerda e extrema esquerda pela adoção de uma linguagem radical, capaz de enganar os operários. Os sindicatos também operaram tal mudança em relação à luta, tentando antecipar as mobilizações espontâneas da classe operaria. Além disso, foi instaurada uma divisão do trabalho entre sindicatos moderados e sindicatos de "luta de classe" para melhor dividir as fileiras operarias (tal divisão realiza-se às vezes no seio de um mesmo sindicato através da divisão entre base e direção). Esta divisão em nada corresponde ao caráter mais ou menos "operário" de certos sindicatos, mas unicamente às necessidades da estratégia anti-operária destes órgãos.
Na realidade, a capacidade dos sindicatos sabotarem eficazmente a luta de classe depende da sua capacidade de mistificar os operários. Isso foi comprovado pelas experiências importantes da luta de classe em países nos quais os sindicatos não têm tal capacidade de mistificação e aparecem diretamente como a policia do estado, encarregados de enfrentar a luta de classe. O exemplo mais famoso foi o da Polônia em 1970, 76 e particularmente 1980 onde as lutas chegaram a um grau importante de auto-organização. Nesta última luta, a burguesia stalinista se encontrou na obrigação de autorizar a constituição de um "sindicato independente" (Solidarnosc) com a tarefa de fazer os operários retornarem ao trabalho. Mais recentemente, nos dois últimos anos, lutas de grande envergadura se desenvolveram no Egito, na indústria têxtil onde os operários tiveram de se organizar por alem do setor para fazer frente ao inimigo (sindicatos, exercito) na sua luta reivindicativa.
Alem de limitar as possibilidades de desenvolvimento das lutas, impedindo sua auto-organização e extensão, a ação permanente dos sindicatos contribui em muito para impedir a classe operária adquirir confiança na sua capacidade de empreender a luta em suas próprias mãos, como também geralmente adquirir a consciência que representa uma força imensa na sociedade. É por tudo isso que os sindicatos constituem um empecilho essencial no caminho do desenvolvimento da luta de classe.
Entretanto, não é insuperável e o desenvolvimento da crise, mais uma vez, joga a favor da luta de classe, obrigando os sindicatos a se implicar cada vez mais em manobras de sabotagem das lutas. Ora, quanto mais a classe operária estiver resoluta em assumir as necessidades da luta unida para alem dos setores e controlada pelos operários, mais os sindicatos tenderão a ser desmascarados. A base operária sobre a qual se apóia o sindicalismo dos países industrializados democráticos para mistificar o proletariado (ausente na Polônia stalinista e no Egito ainda hoje, o que permitiu os desenvolvimentos de luta que expomos) se encontra cada vez mais na situação de optar em escolher seu campo. Uma parte voltará a sair dos sindicatos, retomando um processo iniciado nos anos 70 e 80.
Movimentos de luta de classe de grande amplitude eram colocados na perspectiva aberta por maio de 68, mas, nessa época, não estavam ainda na ordem do dia.
As questões e preocupações colocadas na ocasião desses debates[6] que relatamos expressam, segundo nós, a maturação das condições subjetivas que prepara estes movimentos futuros. Encorajamos nossos leitores a se encarregarem de tais debates a seu redor. Quanto a nós, estaremos sempre disponíveis para participar das discussões quando convidados, sob uma ou outra forma.
(5 de maio 08)
[1] Vitória da Conquista.
[2] Organização a qual já nos referimos em alguns artigos nossos, notadamente Saudação à criação de um núcleo da CCI no Brasil, https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/nucleo_da_CCI_no_Brasil [15].
[3] Organização existindo no estado de São Paulo a qual já nos referimos em alguns artigos nossos, notadamente Saudação à criação de um núcleo da CCI no Brasil, em que a descrevemos como "um grupo em constituição, influenciado pelas posturas da Esquerda comunista".
[4] Ler o documento a base do qual foi introduzido o debate: Maio de 68 e a perspectiva revolucionaria, https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/maio_de_68_e_perspectiva_... [16].
[5] Ler o nosso artigo Teses sobre o movimento dos estudantes da primavera 2006 na França, https://pt.internationalism.org/icconline/2006_estudiantes_franca [9].
[6] Todas não foram relatadas neste artigo, notadamente quando não diretamente ligadas com o assunto original. Queremos assinalar, entretanto, a expressão de uma preocupação a propósito da China considerando notadamente as perspectivas de desenvolvimento da luta de classe neste país e uma outra a propósito da situação atual na América latina.
Maio de 68 não estourou como um trovão no céu azul. Desde 1964 a contestação estudantil se desenvolveu por toda a parte no mundo, sobretudo contra a guerra do Vietnã: nos Estados-Unidos, na Alemanha, na Grã-Bretanha, mas também no México e no Senegal. Quanto ao movimento da classe operária na França, que se expressou pela primeira vez simultaneamente com o dos estudantes, culmina numa greve de massa de mais de 9 milhões de proletários. Ele dá inicio a uma onda de lutas internacionais (o outono quente na Itália e o Cordobazo na Argentina em 1969, as greves de 1970 na Polônia...).
É uma realidade que os protagonistas mais famosos de 68 (Cohn-Bendit, Glucksmann, July...) se transformaram nos porta-vozes reconhecidos da ordem dominante. Isso é apresentado por alguns como a prova de que Maio de 68 não foi portador de uma mensagem revolucionária. Os ideólogos burgueses de todos os horizontes concordam, porém em afirmar que há um "antes-Maio de 68" e um "pós-Maio de 68". Mas, para eles, por traz da "evolução dos costumes" legada pelo maio de 68, houve somente uma simples adaptação para uma sociedade capitalista mais moderna ou mais progressista.
Na realidade, houve com certeza uma mudança de período histórico no pós-maio de 68 que traduz o fim de um longo período de contra-revolução sofrida pelo proletariado depois do esmagamento da onda revolucionária de 1917-1923. Os acontecimentos de maio de 68, consecutivos ao voltar das primeiras manifestações da crise aberta do capitalismo, abriram uma nova perspectiva de desenvolvimento internacional da luta de classes.
Maio de 68 está se transformando no maior motivo de vendas para os editores em alguns países: Já na França se enumera dezenas de livros, testemunhos, compilação de foto ou cartazes, etc. Espera-se mais de uma centena...
Os editores são mercadores, e se há tantos livros publicados é porque existe um público interessado em comprá-los.
De onde provém esta "demanda" a propósito de maio de 68:
Uma prova que maio de 68 volta a representar uma preocupação de muitas pessoas. O presidente francês Sakozy disse durante sua campanha eleitoral que se devia "acabar com maio de 68": isso era dirigido para os velhos burgueses eleitores para quem "maio de 68 foi a personificação do horror"
Na realidade, este interesse voltado para maio de 68 não leva em conta só o "saudosismo" dos "ex-combatentes" ou a vontade de uma parte da juventude atual de que isso "aconteça novamente". Existe também o medo de que isso aconteça novamente, um temor por parte de todos os que ficam horrorizados com a idéia da revolução, ou da luta de classes, um temor que impregna as entranhas da burguesia, um temor de classe...
No grande falatório literário atual e também televisivo que está se desenvolvendo há o desejo, por parte da burguesia, de exorcizar este pesadelo que perturba as noites dos burgueses... Um desejo de que todos aqueles que têm simpatia pelo maio de 68 retirem ensinamentos incorretos, que não entendam o significado destes acontecimentos.
Frente a todas as mentiras que começaram a aparecer sobre maio de 68, é uma necessidade dos revolucionários restabelecerem a verdade, fornecerem as indicações para entender o significado e as lições destes acontecimentos, impedirem que seja seu sepultamento sob uma avalanche de flores e coroas. Para poder tirar as lições tem que se recordar o que realmente aconteceu em maio de 68.
Muitas coisas!
A burguesia se aproveita desta profusão de eventos: na avalanche literária atual, o que é essencial e particularmente significativo em relação a 68 fica submerso sob uma massa de detalhes. É uma visão totalmente deformada da realidade que é transmitida. É a maneira clássica de proceder da burguesia "democrática": geralmente não através da censura como na China, mas fazendo o máximo de barulho para impedir que as verdadeiras mensagens possam ser ouvidas.
Alguns elementos cronológicos
22 de março de 68:
Entre o 23 de março e o 2 de maio:
3 de maio:
Entre o 6 e o 9 de maio:
10 de maio:
11 de maio:
13 de maio:
14 de maio:
15 de maio:
16 de maio:
17 de maio:
18 de maio:
Segunda 20 de maio:
21 de maio:
22 de maio:
24 de maio:
25 de maio
Noite de 26 a 27 de maio
Segunda 27 de maio
28 de maio Os partidos de esquerda chafurdam na água.
29 de maio
30 de maio
A partir deste momento (é uma quinta feira), operários começam a voltar para o trabalho, mas parcialmente: no dia 6 de junho existem ainda 6 milhões de grevistas. O retorno para trabalho se efetua de maneira dispersa:
O retorno para trabalho continua: 12 de junho: retomada no ensino secundário; 14 de junho: Air France e Marinha mercante; 17 de junho: Renault Billancourt.
23 de junho: 1° turno das eleições com um avanço muito forte da direita
24 de junho: retomada a Citroen Javel (automóveis), concentrada no centro de Paris. Krasucki, o número 2 da CGT intervém na assembléia geral para chamar a retomada.
26 de junho: retomada Usinor Dunkerque (siderurgia)
30 de junho: segundo turno das eleições com uma vitória histórica da direita.
Na França houve a conjunção de dois movimentos:
Tal fenômeno nunca aconteceu antes em qualquer outro lugar. Isso é essencialmente o resultado das imperícias do governo. É uma realidade que "A França tem a direita mais burra do mundo".
O movimento estudantil mundial chegou a seu ponto mais alto em 1968: Grã-Bretanha, Itália, Alemanha, Estados-Unidos, etc. e, sobretudo na França. Há diversas causas para isso:
Enfim, a causa fundamental de Maio de 68 é que a classe operária se encarregou por sua vez da luta contra a ordem capitalista:
Assim, a retomada do trabalho em junho de 68 na França não foi o fim do movimento da classe operária mundial, foi o fim do primeiro episódio.
Como entender este ressurgimento da classe operária mundial que é sistematicamente "esquecido" pelos programas de televisão sobre 68, enquanto se fala muito do movimento dos estudantes que o precedeu?
Absolutamente não por causas circunstanciais como a imperícia da burguesia francesa, por exemplo. Já a amplitude do movimento de greves de maio-junho de 68 na França assinalava que existiam causas gerais e internacionais (como tínhamos escrito nessa época):
Hoje, muitos "analistas" nos dizem que há um "antes-Maio de 68" e um "pós-Maio de 68" e que "esta data marca uma mudança considerável na vida da sociedade".
É absolutamente verdade!
Entretanto, a mudança que celebram (e alguns deploram):
Tudo isso é muito secundário (e perfeitamente absorvido pelo capitalismo) diante da manutenção da exploração, do crescimento do desemprego, da intensificação da opressão e da barbárie geral do mundo capitalista.
A real mudança ocupa outro lugar.
Na realidade, maio de 68 assinala o fim da contra-revolução que tinha sofrido o proletariado mundial no fim dos anos 20 e que a vitória dos aliados em 1945 tinha ainda ampliado. Entre os marcos significativos desta nova situação está o fato de que os sindicatos e os partidos de esquerda, notadamente os partidos stalinistas, não lideravam mais as mobilizações operárias. Eles estão na obrigação de "pegar o bonde andando". Ao mesmo tempo, existe um interesse renovado pela história do movimento operário, pela teoria revolucionária: Marx, e também Rosa Luxemburgo ou Pannekoek, Bordiga, etc. Em vários países, pequenos grupos surgem e querem restabelecer a ligação com as verdadeiras posturas revolucionárias, com a Esquerda comunista. A CCI nasceu desta efervescência.
Faz 40 anos que aconteceram as imensas greves de 68. A revolução não aconteceu, ainda. Muitos entre os protagonistas deste período se integraram perfeitamente no sistema:
O movimento da classe operária não encontrou caminho livre na sua frente. Os obstáculos se multiplicaram:
Mas as causas fundamentais que permitiram maio de 68 estão presentes ainda hoje:
O interesse que suscita hoje maio de 68 é significativo:
Um slogan de maio de 68 era: "E só um começo, continuamos o combate".
O combate continua.
O futuro pertence ao proletariado.
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A burguesia brasileira em seu desespero para controlar os movimentos que saem do seu domínio (leia-se sindicatos) utiliza de maneira grotesca o seu aparato repressivo, a polícia, com o intuito de promover intimidação aos trabalhadores. Foi o que ocorreu em Porto Alegre (RS), Região Sul do Brasil, quando reprimiu violentamente uma passeata de bancários na manhã do dia 16/10, quinta-feira da semana passada, jogando bombas de gás, tiros de balas de borracha, ferindo cerca de 10 pessoas. Não contente com a repressão na parte da manhã, no mesmo dia, à tarde, na mesma cidade, partiram também para uma violenta repressão à "13ª Marcha dos Sem", movimento que congrega vários despossuídos sociais que, com uma passeata de mais de 10 mil pessoas, foram reprimidos pela força policial resultando em vários feridos.
Antes disso, os banqueiros, e dentre eles o próprio governo, já haviam iniciado outro ato contra o movimento dos bancários, segmento de trabalhadores em greve atualmente, perseguindo e demitindo lideranças, na tentativa de conter o avanço da greve.
É preciso deixar claro neste momento que a atual luta dos bancários, aponta para além dos limites das reivindicações econômicas, sendo a busca pela ISONOMIA de tratamento um dos pontos principais deste movimento. Os bancos, sobretudo os bancos federais, criaram um abismo entre os trabalhadores que já existiam em seus quadros e os que ingressaram depois do ano de 1998, quando cortou vários direitos já adquiridos em lutas dos mesmos trabalhadores bancários. Muito mais do que promover uma recuperação econômica trata-se de um importante gesto de SOLIDARIEDADE entre trabalhadores, pois não é possível vermos submetidos a tratamento diferenciado quem atua sob o mesmo teto, fazendo os mesmos serviços, sendo submetidos às mesmas pressões, e alguns são tratados como se inferiores fossem.
É preciso que fique também claro que todas as nossas conquistas foram frutos de lutas desenvolvidas por trabalhadoras e trabalhadores bancários e o que vale para uns deve valer para todos, independentemente de data de posse. Da mesma maneira também essa greve busca recuperar conquistas que nos foram aviltadas, dessa vez de todos, como os anuênios, Plano de Cargos e Salários, jornada de trabalho de 6 horas para comissionados, dentre outras. Também todas essas conquistas econômicas foram fruto de lutas de resistência, e que depois os patrões, com a tibieza e anuência dos seus "parceiros sindicais", retiraram dos trabalhadores.
Queremos também melhores condições de trabalho, o fim do assédio moral e o fim das metas impostas pelos bancos que tantas doenças e de diversos tipos têm desenvolvido entre os trabalhadores do ramo bancário. Repetimos que não queremos ser tratados de maneira diferenciada. Repetimos que o que nos foi tirado foi fruto de nossas conquistas e não concessões de patrão público ou privado e que, portanto, não podemos concordar com a retirada do que há havíamos conquistado.
A reivindicação de tratamento isonômico para aqueles que entram agora como empregado nos bancos constitui um ATO DE SOLIDARIEDADE entre as diferentes gerações de trabalhadores bancários, que devem se beneficiar das mesmas condições. E é esta mesma solidariedade que devemos demonstrar em atos como os citados acima, quando trabalhadores em luta foram feridos pela repressão do Estado. Não podemos deixar de nos conectar e nos solidarizar com todos aqueles que lutam por não se deixarem esmagar pelas necessidades do capitalismo em crise, com todos que a burguesia puniu e vai querer punir por sua implicação nas lutas.
Essas lutas e a repressão estatal não constituem uma questão que considera apenas os bancários, mas o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras do país, com ou sem emprego.
Panfleto realizado em conjunto: Oposição Operaria e CCI.
1) Um dos elementos mais importantes que determinam a vida atual da sociedade capitalista é a entrada desta na sua fase de decomposição. A CCI, desde fins dos anos 1980, já percebeu as causas e as características desta fase de decomposição da sociedade. Destacou nomeadamente os seguintes fatos:
2) Paradoxalmente, a situação econômica do capitalismo é o aspecto desta sociedade que é menos afetado pela decomposição. E é assim principalmente porque é justamente esta situação econômica que determina, em última instância, os outros aspectos da vida deste sistema, incluindo os que se referem à decomposição. À imagem dos outros modos de produção que o precederam, o modo de produção capitalista, após ter conhecido um período de ascendência que culmina no fim do século XIX, entrou por sua vez, no início do século XX, no período da sua decadência. A origem desta decadência, como em outros sistemas econômicos, encontra-se no conflito crescente entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção. Concretamente, no caso do capitalismo, cujo desenvolvimento é condicionado pela conquista de mercados extra-capitalistas, a Primeira Guerra mundial constitui a primeira manifestação significativa da sua decadência. Com o fim da conquista colonial e econômica do mundo pelas metrópoles capitalistas, estas são levadas a se confrontar entre si para disputar os seus respectivos mercados. Portanto, o capitalismo entrou em um novo período da sua história qualificado pela Internacional Comunista em 1919 como o das guerras e das revoluções. O fracasso da onda revolucionária que emergiu da Primeira Guerra mundial abriu assim a porta à convulsões crescentes da sociedade capitalista: a grande depressão dos anos 1930 e a sua conseqüência, a Segunda Guerra mundial bem mais mortífera e mais bárbara ainda que a primeira. O período que se seguiu, qualificado por certos "experts" burgueses de "Trinta Gloriosos", viu o capitalismo dar a ilusão que teria conseguido superar as suas contradições mortais, ilusão que foi compartilhada inclusive por correntes que reivindicavam a revolução comunista. Na realidade, este período de "prosperidade" que resulta ao mesmo tempo de elementos circunstanciais e das medidas paliativas aos efeitos da crise econômica, outra vez deu lugar à crise aberta do modo de produção capitalista no fim anos 60, com um forte agravamento a partir da metade dos anos 70. Esta crise aberta do capitalismo desembocava de novo na alternativa já anunciada pela Internacional Comunista: guerra mundial ou desenvolvimento das lutas operárias em direção à derrubada do capitalismo. A guerra mundial, contrariamente ao que pensam certos grupos da Esquerda comunista, não constitui de modo algum uma "solução" à crise do capitalismo, permitindo a este "regenerar-se", renovar-se com um crescimento dinâmico. É o impasse no qual este sistema se encontra, o agravamento das tensões entre setores nacionais do capitalismo que desembocam em uma fuga descontrolada irreprimível no plano militar da qual o resultado final é a guerra mundial. Certamente, como conseqüência do agravamento das convulsões econômicas do capitalismo, as tensões imperialistas conheceram a partir dos anos 70 um indubitável agravamento. Contudo, não puderam desembocar na guerra mundial em decorrência do próprio fato do ressurgimento histórico da classe operária a partir de 1968 em reação aos primeiros efeitos da crise. Ao mesmo tempo, ainda que fosse capaz de contrapor a única perspectiva que burguesia pode oferecer (se é possível falar de "perspectiva"), o proletariado, a despeito de desenvolver uma combatividade desconhecida há décadas, não foi capaz de propor a sua própria perspectiva, a revolução comunista. É precisamente esta situação, onde nenhuma das duas classes determinantes da sociedade pode apresentar sua perspectiva, onde a classe dominante é reduzida "a gerir" no dia-a-dia e golpe a golpe o naufrágio da sua economia numa crise insuperável, que é a origem da entrada do capitalismo na sua fase de decomposição.
3) Uma das manifestações principais desta ausência de perspectiva histórica é o desenvolvimento do "cada um por si" que afeta todos os níveis da sociedade, desde os indivíduos até os Estados. Contudo, não se pode considerar que houve, no plano da vida econômica do capitalismo, uma mudança significativa neste domínio desde a entrada da sociedade na sua fase de decomposição. De fato, o "cada um por si", a "concorrência de todos contra todos", são características congênitas do modo de produção capitalista. Estas características tiveram que ser atenuadas quando da entrada no seu período de decadência, por uma intervenção maciça do Estado na economia, instaurada a partir da Primeira Guerra mundial e que se foi reativada nos anos 30, particularmente com as políticas fascistas ou keynesianas. Esta intervenção do Estado foi completada, na seqüência da Segunda Guerra mundial, pela instauração de organismos internacionais, como o FMI, o Banco Mundial e a OCDE e, posteriormente, a Comunidade Econômica Européia (antepassado da União Européia atual) a fim de impedir que as contradições econômicas conduzissem a um desastre geral como foi o caso na seqüência da "quinta-feira negra" de 1929. Hoje, apesar de todos os discursos sobre o "triunfo do liberalismo", sobre o "livre exercício das leis do mercado", os Estados não renunciaram nem à intervenção na economia, nem à utilização das estruturas encarregadas de regular de certa forma as relações entre eles e até criando outras novas, como a Organização Mundial do Comércio. Dito isto, nem estas políticas, nem estes organismos, enquanto tais permitiram retardar de maneira significativa o ritmo de afundamento do capitalismo na crise, não lhe permitem vencê-la, apesar dos presentes discursos que saúdam os níveis "históricos" de crescimento da economia mundial e os desempenhos extraordinários dos dois gigantes asiáticos: a Índia e, sobretudo, a China.
Crise econômica: a corrida descontrolada do endividamento
4) As bases das taxas de crescimento do PIB mundial no curso dos últimos anos, e que provocam a euforia burguesa e de seus lacaios intelectuais, não são fundamentalmente novas. São as mesmas que permitiram impedir que a saturação dos mercados na origem da crise aberta no fim dos anos 60 provocasse um sufocamento completo da economia mundial e se resumem a um endividamento crescente. Atualmente, a "locomotiva" principal do crescimento mundial é constituída pelos enormes déficits da economia americana, tanto no nível do seu orçamento de Estado como da sua balança comercial. Realmente, trata-se de uma verdadeira fuga descontrolada que, longe de permitir uma solução definitiva às contradições do capitalismo não faz mais do que preparar-lhe dias seguintes ainda mais dolorosos e especialmente estancamentos brutais do crescimento, como este conheceu há mais de trinta anos. Hoje mesmo, aliás, as ameaças que se acumulam no setor imobiliário nos Estados Unidos, um dos motores da economia americana, e que levam com elas o perigo de falências bancárias catastróficas, semeiam a perturbação e a apreensão nos meios econômicos. Esta inquietude é reforçada pela perspectiva de outras falências que tocam os "hedge funds" (fundos de investimento especulativos) seguintes ao colapso de Amaranth, em Outubro de 2006. A ameaça é ainda mais séria porque estes organismos, cuja razão de ser é realizar fortes lucros à curto prazo brincando com as variações das taxas de câmbio ou dos preços das matérias-primas, não são de modo algum franco-atiradores à margem do sistema financeiro internacional. São realmente as instituições financeiras "mais sérias" que colocam uma parte dos seus ativos nos "hedge funds". Do mesmo modo, as somas investidas nestes organismos são consideráveis a ponto de se igualar ao PIB anual de um país como a França e servem de "alavanca" à movimentos de capitais ainda bem mais consideráveis (quase 700 bilhões de dólares em 2002, ou seja 20 vezes mais que as transações sobre os bens e serviços, ou seja produtos "reais"). E não serão as lamentações dos "altermundialistas" e outros críticos fanfarrões da "financeirização" da economia que mudarão o que quer que seja. Estas correntes políticas gostariam de um capitalismo "limpo", "equitativo", dando as costas especialmente à especulação. Na realidade, esta não é de modo algum o fato de um "mau" capitalismo que "esquece" a sua responsabilidade de investir em setores realmente produtivos. Como Marx enunciou desde o século XIX, a especulação resulta do fato de que, na perspectiva de uma falta de mercados suficientes para os investimentos produtivos, os detentores de capitais preferem fazê-los frutificar a curto prazo em uma imensa loteria, uma loteria que transforma hoje o capitalismo num cassino planetário. Querer que o capitalismo renuncie à especulação no período atual é tão realista quanto querer que os tigres se tornem vegetarianos (ou que os dragões parem de cuspir fogo).
5) As taxas de crescimento excepcionais que agora estão atingindo países como a Índia, e sobretudo a China, não constituem de modo algum uma prova de um ‘novo fôlego' da economia mundial, ainda que tenham contribuído em boa medida com seu elevado crescimento no período recente. A base deste crescimento excepcional, é novamente a crise do capitalismo que, paradoxalmente, é encontrada. De fato, este crescimento tira a sua dinâmica essencial de dois fatores: as exportações e os investimentos de capitais provenientes dos países mais desenvolvidos. Se as redes comerciais destes últimos voltam-se cada vez mais para a distribuição de bens fabricados na China, em vez de produtos fabricados em "velhos" países industriais, é que podem vendê-los a preços bem mais baixos, o que se torna uma necessidade absoluta no momento de uma saturação crescente dos mercados e logo, de uma competição comercial cada vez mais exacerbada, ao mesmo tempo em que tal processo permite reduzir o custo da força de trabalho dos assalariados dos países capitalistas mais desenvolvidos. É à esta mesma lógica que obedece o fenômeno das "transnacionalizações" (outsourcing), a transferência das atividades industriais das grandes empresas para países do Terceiro mundo, onde a mão-de-obra é incomparavelmente menos cara que nos países mais desenvolvidos. É necessário também notar que se a economia chinesa é beneficiada por estas "transnacionalizações" sobre o seu próprio território, também tende por sua vez a praticá-las em direção aos países onde os salários são ainda mais baixos, especialmente na África.
6) De fato, o pano de fundo do "crescimento correspondente a 2 dígitos" da China, e especialmente da sua indústria, é o de uma exploração desenfreada da classe operária deste país que conhece frequentemente condições de vida comparáveis às da classe operária inglesa da primeira metade do século XIX denunciadas por Engels na sua notável obra de 1844. Em si, isto não é um sinal da falência do capitalismo já que é com base em uma exploração também bárbara do proletariado que este sistema lançou-se à conquista do mundo. Dito isto, existem diferenças fundamentais entre o crescimento e a condição operária nos primeiros países capitalistas no século XIX e as da China de hoje:
Assim, longe de representar um ‘novo fôlego' da economia capitalista, o ‘milagre chinês' e o de outras economias do Terceiro mundo, nada mais é do que um novo aspecto da decadência do capitalismo. Além disso, a extrema dependência da economia chinesa em relação às suas exportações constitui um fator evidente de fragilidade face a uma retração da demanda dos seus clientes atuais, retração que não deixará de chegar, particularmente quando a economia americana for constrangida a pôr ordem no endividamento abissal que lhe permite atualmente desempenhar o papel de "locomotiva" da demanda mundial. Assim, da mesma maneira que o "milagre" representado pelas taxas de crescimento de dois dígitos dos "tigres" e "dragões" asiáticos conheceu um doloroso final em 1997, o "milagre" chinês de hoje, apesar de suas origens serem diferentes e de dispor de melhores cartas, terá que enfrentar cedo ou tarde à dura realidade do estancamento histórico do modo de produção capitalista.
7) A vida econômica da sociedade burguesa, não pode escapar, em nenhum país, às leis da decadência capitalista, e com razão: é neste plano que esta decadência se manifesta primeiro. No entanto, por esta mesma razão, as manifestações essenciais da decomposição não afetam no momento a esfera econômica. Não se pode dizer o mesmo da esfera política da sociedade capitalista, especialmente a dos antagonismos entre setores da classe dominante e particularmente a dos antagonismos imperialistas. De fato, a primeira grande manifestação da entrada do capitalismo na sua fase de decomposição referia-se precisamente ao domínio dos conflitos imperialistas: trata-se do desmoronamento, no fim dos anos 80, do bloco imperialista do Leste que provocou rapidamente o desaparecimento do bloco ocidental.
É em primeiro lugar no plano das relações políticas, diplomáticas e militares entre Estados que se exprime hoje o "cada um por si", característica essencial da fase de decomposição. O sistema dos blocos continha em si o perigo de uma terceira guerra mundial, que seria desencadeada se o proletariado mundial não tivesse sido capaz de fazer-lhe obstáculo a partir do fim dos anos 60. No entanto, representava certa "organização" das tensões imperialistas, notavelmente pela disciplina imposta a cada um dos dois campos pela sua potência dominante. A situação que se abriu em 1989 é muito diferente. Certamente, o espectro da guerra mundial parou de ameaçar o planeta, mas, ao mesmo tempo,assistimos ao desencadeamento dos antagonismos imperialistas e das guerras locais com uma implicação direta das grandes potências, a começar pela primeira e principal: os Estados Unidos. Competia a este país, que se investiu há décadas do papel de "gendarme do mundo", prosseguir e reforçar este papel perante a nova "desordem mundial" procedente do fim da guerra fria. Realmente, se os Estados Unidos se encarregaram deste papel, de modo algum é para contribuir com a estabilidade do planeta, mas fundamentalmente para tentar restabelecer a sua liderança sobre este, uma liderança questionada ininterruptamente, inclusive e em particular por seus antigos aliados, pelo fato de que não existe mais o cimento fundamental de cada um dos blocos imperialistas, a ameaça de um bloco rival. Na ausência definitiva da "ameaça soviética", o único meio para a potência americana impor a sua disciplina é fazer alarde do que constitui a sua força principal, a enorme superioridade da sua potência militar. Mas ao fazer isto, a política imperialista dos Estados Unidos tornou-se um dos principais fatores de instabilidade do mundo. Desde o início dos anos 90, exemplos não faltam: a primeira guerra do Golfo, a de 1991, visava estreitar as ligações, que começavam a desaparecer, entre os antigos aliados do bloco ocidental (e não "fazer respeitar o direito internacional", "ridicularizado" pela anexação iraquiana do Kuwait que tinha sido apresentada como pretexto). Logo depois, a propósito da Iugoslávia, a unidade entre os principais antigos aliados do bloco ocidental estourava em mil estilhaços: a Alemanha colocou fogo na pólvora levando a Eslovênia e a Croácia a se declararem independentes, a França e a Grã-Bretanha serviam-nos uma reprise da "Entente Cordial" do início do século XX em apoio aos interesses imperialistas da Sérvia, enquanto que os Estados Unidos apresentavam-se como os padrinhos dos muçulmanos da Bósnia.
8) A falência da burguesia americana, ao longo dos anos 90, de impor de maneira duradoura a sua autoridade, inclusive depois das suas diferentes operações militares, levou esta a procurar de um novo "inimigo" do "mundo livre" e da "democracia", capaz de arrastar atrás de si as principais potências do mundo, especialmente as que tinham sido suas aliadas: o terrorismo islâmico. Os atentados de 11 de Setembro de 2001, dos quais aparece cada vez mais claramente (inclusive no entender de mais de um terço da população americana e da metade dos habitantes de Nova York) que eles foram desejados, se não preparados, pelo aparelho de estado americano, deveriam servir de ponto de partida desta nova cruzada. Cinco anos depois, o malogro desta política é patente. Se os atentados de 11 de Setembro permitiram aos Estados Unidos implicar países como a França e a Alemanha na sua intervenção no Afeganistão, não tiveram êxito em arrastá-los na sua aventura iraquiana de 2003, tendo êxito ainda em suscitar uma aliança de circunstância entre estes dois países e a Rússia contra esta última intervenção. Seguidamente, alguns dos seus "aliados" de primeira hora na "coalizão" que interveio no Iraque, como a Espanha e a Itália, deixaram o navio. No final, a burguesia americana não atingiu nenhum dos objetivos que teria fixado oficial ou oficiosamente: a eliminação das "armas de destruição em massa" no Iraque, o estabelecimento de uma "democracia" pacífica neste país, a estabilização e um regresso à paz do conjunto da região sob a égide americana, o retrocesso do terrorismo, a adesão da população americana às intervenções militares do seu governo.
A questão das "armas de destruição em massa" foi resolvida rapidamente: ficou imediatamente claro que as únicas que estavam presentes no Iraque eram as trazidas pela "coalizão", o que, evidentemente, destacou as mentiras da administração Bush para "vender" o seu projeto de invasão deste país.
Quanto ao retrocesso do terrorismo, pode-se constatar que a invasão no Iraque de modo algum cortou-lhe as asas, mas constituiu pelo contrário, um potente fator do seu desenvolvimento, tanto no próprio Iraque como em outras partes do mundo, incluindo as metrópoles capitalistas, como pôde ser visto em Madri em março de 2004 e em Londres em julho de 2005.
Assim, o estabelecimento de uma "democracia" pacífica no Iraque foi saldado pela implantação de um governo fantoche que não pode conservar o menor controle do país sem o apoio maciço das tropas americanas,"controle" que se limita à algumas "zonas de segurança", deixando no resto do país o campo livre aos massacres entre comunidades xiitas e sunitas bem como os atentados terroristas que fizeram várias dezenas de milhares de vítimas desde a derrubada de Saddam Hussein.
A estabilização e a paz no Oriente Médio nunca pareceram tão distantes: no conflito cinqüentenário entre Israel e a Palestina, nestes últimos anos vimos um agravamento contínuo da situação que os enfrentamentos interpalestinos entre Fatah e Hamas, assim como o descrédito considerável do governo israelense podem apenas tornar ainda mais dramáticas. A perda de autoridade do gigante americano na região, após o seu fracasso arrasador no Iraque, não é evidentemente estranha ao afundamento e à falência do "processo de paz" do qual é o principal apoiador.
Esta perda de autoridade é também em parte responsável pelas dificuldades crescentes das forças da OTAN no Afeganistão e pela perda de controle do governo Karzai sobre o país em face aos Talibãs.
Além disso, a audácia crescente que o Irã demonstra sobre a questão dos preparativos para obter a arma atômica é uma conseqüência direta do atoleiro dos Estados Unidos no Iraque, que lhes impede de qualquer outra intervenção militar.
Enfim, a vontade da burguesia americana de superar definitivamente a "síndrome do Vietnam", ou seja a reticência da população dos Estados Unidos face ao envio de soldados aos campos de batalha, conduziu ao resultado oposto ao que era esperado. Se, em um primeiro momento, a emoção provocada pelos atentados de 11 de Setembro teria permitido um reforço maciço nesta população dos sentimentos nacionalistas, da vontade de uma "união nacional" e da determinação em se implicar na "guerra contra o terrorismo", a rejeição da guerra e do envio dos soldados americanos aos campos de batalha retornou com força nos últimos anos.
Hoje, no Iraque, a burguesia americana encontra-se em um verdadeiro impasse. De um lado, tanto do ponto de vista estritamente militar como do ponto de vista econômico e político, não tem os meios para comprometer neste país os efetivos que poderiam eventualmente lhe permitir "restabelecer a ordem". Do outro, não pode se permitir pura e simplesmente a retirada do Iraque sem, por um lado, apresentar ainda mais abertamente a falência total da sua política e, por outro lado, abrir as portas a um desmembramento do Iraque e à desestabilização ainda mais considerável do conjunto da região.
9) Assim, o balanço do mandato de Bush filho é, certamente, um dos mais calamitosos de toda a história dos Estados Unidos. A ascensão, em 2001, dos chamados "neocons" (neoconservadores) à cabeça do Estado norte-americano, foi uma verdadeira catástrofe para a burguesia americana. A pergunta que se faz é a seguinte: Como é possível que a primeira burguesia do mundo tenha chamado esse bando de aventureiros irresponsáveis e incompetentes para dirigir a defesa de seus interesses? Qual é a causa dessa cegueira da classe dominante do principal país capitalista? De fato a chegada da equipe Cheney/Rumsfeld, e companhia às rédeas do Estado não é o simples resultado de um monumental "erro de elenco" da parte dessa classe. Se isto agravou consideravelmente a situação dos Estados Unidos no plano imperialista, já era a expressão do beco sem saída no qual se encontrava um país confrontado à perda crescente de sua liderança, e mais, em geral, ao desenvolvimento da tendência de "cada um por si" nas relações internacionais,característico da fase de decomposição.
A melhor prova disso é sem dúvida, o fato do que a burguesia mais hábil e inteligente do mundo, a burguesia britânica, tenha se deixado arrastar ao beco sem saída da aventura iraquiana. Outro exemplo desta propensão a eleger opções imperialistas desastrosas por parte das burguesias mais "eficazes", as quais até agora tinham conseguido manejar com maestria sua potência militar, nos proporciona, em menor escala, a catastrófica aventura de Israel no Líbano durante o verão de 2006, uma ofensiva que contava com o beneplácito dos "estrategistas" de Washington e que visando debilitar o Hizbollah, a única coisa que conseguiu, na realidade, foi reforçá-lo.
10) O caos militar que se desenvolve no mundo, que submerge amplas regiões num verdadeiro inferno e na desolação, especialmente no Oriente Médio, mas também e sobretudo na África, não é a única manifestação do impasse histórico no qual se encontra o capitalismo, nem representa, a longo prazo, a ameaça mais severa para a espécie humana. Hoje está claro que a sobrevivência do sistema capitalista tal e como funciona até hoje, comporta a perspectiva de destruição do meio ambiente que tinha permitido o desenvolvimento da humanidade. A contínua emissão de gases de efeito estufa no ritmo atual, com o resultante aquecimento do planeta, anuncia o desencadeamento de catástrofes climáticas sem precedentes (ondas de calor, furacões, desertificação, inundações...) com seu cortejo de calamidades horríveis para os seres humanos (fome, deslocamento de centenas de milhões de seres humanos para regiões mais a salvo...). Face aos primeiros efeitos visíveis desta degradação do meio ambiente, os governos e os setores dirigentes da burguesia, não podem mais esconder dos olhos da população a gravidade da situação e o futuro catastrófico que se avizinha. Agora as burguesias mais poderosas e a quase totalidade dos partidos políticos burgueses se pintam de verde e prometem tomar as medidas necessárias para poupar a humanidade dessa catástrofe anunciada. Mas no problema da destruição do meio ambiente é como no problema da guerra: todos os setores da burguesia se declaram CONTRA esta última, ainda que esta classe, desde que o capitalismo entrou em decadência, seja incapaz de garantir a paz. E isto não é de modo algum uma questão de boa ou má vontade (mesmo que por detrás dos setores que mais alentam a guerra, podem ser encontrados os interesses mais sórdidos). Até os dirigentes burgueses mais "pacifistas" são incapazes de escapar a uma lógica objetiva que frustra suas veleidades "humanistas", ou a "razão". De igual modo, a "boa vontade" que exibem cada vez mais os dirigentes da burguesia a respeito da proteção do meio ambiente, ainda que em muitos casos não seja mais que um argumento eleitoral, nada poderá fazer contra as obrigações que a economia capitalista impõe. Enfrentar eficazmente o problema da emissão de gases de efeito estufa supõe transformações consideráveis em setores da produção industrial, da produção de energia, dos transportes e da habitação, e portanto, investimentos em massa e prioritários em todos esses setores. Igualmente, isso supõe pôr em questão interesses econômicos consideráveis, tanto no nível de grandes empresas como no nível dos Estados. Concretamente, se um Estado assumisse por sua conta as disposições necessárias para contribuir uma solução eficaz à resolução do problema, se veria imediata e catastroficamente penalizado do ponto de vista da concorrência no mercado mundial. Com os Estados, com as medidas a tomar para enfrentar o aquecimento global, ocorre o mesmo que com os burgueses face aos aumentos dos salários operários; todos eles estão a favor de tais medidas...mas na casa dos outros. Enquanto sobreviver o modo de produção capitalista, a humanidade está condenada a sofrer cada vez mais calamidades de todo tipo que este sistema agonizante não pode evitar lhe impor, calamidades que ameaçam sua própria existência.
Por conseguinte, como pôs em evidência a CCI há mais de 15 anos, o capitalismo em decomposição supõe ou leva em si ameaças consideráveis para a sobrevivência da espécie humana. A alternativa anunciada por Engels no final do século XIX: "socialismo ou barbárie", converteu-se ao longo do século XX em uma sinistra realidade. O que o século XXI nos oferece como perspectiva é simplesmente socialismo ou destruição da humanidade. Este é o verdadeiro risco que a única força social capaz de destruir o capitalismo enfrenta, a classe trabalhadora mundial.
11) A esse desafio, o proletariado já esteve confrontado, como vimos, há várias décadas, já que seu ressurgir histórico, a partir de 1968, que pôs fim à mais profunda contra-revolução de sua história é o que impediu que o capitalismo impusesse sua própria resposta à crise aberta de sua economia, a guerra mundial.Durante duas décadas,as lutas operárias prosseguiram, com altos e baixos, com avanços e retrocessos, permitindo aos trabalhadores adquirir toda uma experiência da luta e, principalmente, a experiência do papel de sabotagem dos sindicatos. Ao mesmo tempo, a classe trabalhadora esteve crescentemente submetida ao peso da decomposição, o que explica especialmente que a rejeição ao sindicalismo clássico se via freqüentemente acompanhada de um recuo para o corporativismo, que testemunha o peso da tendência do "cada um por si" no próprio interior das lutas. Finalmente, foi a decomposição do capitalismo que dirigiu um golpe decisivo a essa primeira série de combates proletários, sobretudo com sua manifestação mais espetacular até hoje: o desmoronamento do bloco do Leste e dos regimes stalinistas ocorrido em 1989. As ensurdecedoras campanhas da burguesia sobre a "falência do comunismo" e a "vitória definitiva do capitalismo liberal e democrático", sobre o "fim da luta de classes" e até da própria classe trabalhadora, provocaram um retrocesso importante do proletariado, tanto em sua consciência como em sua combatividade. Esse retrocesso foi profundo e durou mais de dez anos. Marcou a toda uma geração de trabalhadores engendrando neles desorientação e inclusive desmoralização.Essa desorientação não foi provocada só pelos acontecimentos que assistimos no final dos anos 80, mas também pelos que, como conseqüência deles, vimos depois, como a primeira guerra do Golfo em 1991 e a guerra na ex-Iugoslávia. Estes acontecimentos ocasionaram um desmentido cortante às declarações eufóricas do presidente George Bush pai, que anunciava que o final da guerra fria traria a abertura de uma "nova era de paz e prosperidade", mas num contexto geral de desorientação da classe, isto não pôde ser aproveitado pelo proletariado para recuperar o caminho de sua tomada de consciência. Ao contrário, esses acontecimentos acabaram agravando um profundo sentimento de impotência nas fileiras operárias, debilitando ainda mais sua confiança em si mesma e sua combatividade.
Ao longo dos anos 90, a classe trabalhadora não renunciou totalmente ao combate. A sucessão de ataques capitalistas obrigou esta a empreender lutas de resistência, mas tais lutas não tinham nem a amplitude nem a consciência, nem a capacidade de enfrentar os sindicatos, que marcaram as do período precedente. Só a partir de 2003, sobretudo através das grandes mobilizações contra os ataques às aposentadorias na França e na Áustria, o proletariado começou verdadeiramente a sair do retrocesso que vinha lhe afetando desde 1989. Posteriormente, esta tendência à recuperação da luta de classes e ao desenvolvimento da consciência em seu interior não foi desmentida. Os combates operários afetaram à maioria dos países centrais, inclusive os mais importantes, tais como Estados Unidos (Boeing e os transportes de Nova York em 2005), Alemanha (Daimler e Opel em 2004, médicos hospitalares em 2006, Deutsche Telekom na primavera de 2007), Grã-Bretanha (aeroporto de Londres em agosto 2005, trabalhadores do setor publico na primavera de 2006), França (movimento de estudantes universitários e de ensino médio contra o CPE na primavera de 2006), mas também em toda uma série de países da periferia como Dubai (operários da construção na primavera de 2006), Bangladesh (operários têxteis, primavera de 2006) e Egito (operários têxteis e dos transportes, primavera de 2007).
12) Engels escreveu que a classe trabalhadora desenvolve seu combate em três planos: o econômico, o político e o teórico. Comparando as diferenças nestes três planos entre a onda de lutas que começou em 1968 e a que começou em 2003 poderemos traçar as perspectivas desta.
A onda de lutas que começou em 1968 teve uma importância política considerável, pois significou, em particular, o final do período da contra-revolução. Também suscitou uma reflexão teórica de primeira ordem, já que permitiu uma reaparição significativa da corrente da Esquerda comunista, cuja expressão mais importante foi a formação da CCI, em 1975. As lutas de Maio de 68 na França, as do "outono quente" italiano de 1969, fizeram pensar que, dadas as preocupações políticas que nelas se expressavam, assistiríamos a uma politização significativa da classe trabalhadora internacional ao calor das lutas que se desenvolveriam em seguida. Mas tal potencialidade não pôde ser realizada. A identidade de classe que se desenvolveu no interior do proletariado em decorrência das lutas, tinha mais a ver com a de uma categoria econômica do que com a de uma verdadeira força política no interior da sociedade. E, em particular, o fato de que suas próprias lutas tenham impedido a burguesia de se encaminhar para uma terceira guerra mundial passou completamente despercebido pela classe (inclusive, por todo lugar, pela grande maioria dos grupos revolucionários). Do mesmo modo, o surgimento da greve de massas na Polônia em agosto de 1980, ainda que fosse então o momento culminante desde o final da onda revolucionária que seguiu à Primeira Guerra mundial, no que se refere a capacidade organizativa do proletariado, manifestou, no entanto, uma debilidade política considerável e a "politização" que expressou foi bem mais a adesão aos temas democráticos burgueses e inclusive ao nacionalismo.
E isto foi assim devido a toda uma série de razões já analisadas pela CCI, e entre as quais se destacam:
13) A situação na qual se desenvolve hoje a nova onda de combates da classe é muito diferente:
Estas condições determinam toda uma série de diferenças entre a onda atual de lutas e a que acabou em 1989.
E ainda que as lutas de hoje respondam a ataques econômicos inclusive, em muitos casos, mais graves e generalizados do que os que desencadearam as explosões em massa e espetaculares da primeira onda, as lutas de hoje não atingiram, até o momento e ao menos falando dos países centrais do capitalismo, aquele mesmo caráter de massa. Isto se explica por duas razões essenciais:
No entanto, este último aspecto da situação não é unicamente um fator que intimide os trabalhadores para com as lutas em massa, mas implica também a tomada de consciência em profundidade sobre a quebra definitiva do capitalismo, o que é a condição de uma tomada de consciência da necessidade de acabar com este sistema. De certo modo, e ainda que se manifeste de forma muito confusa, a envergadura dos desafios que os combates de classe enfrentam - nada menos que a revolução comunista - é o que explica as vacilações da classe trabalhadora a empreender esses combates.
Por isso, e ainda que as lutas econômicas da classe sejam hoje menos em massa que as da primeira onda, elas contêm, no entanto, ao menos implicitamente, uma dimensão política bem mais importante. Esta dimensão política já teve sua manifestação explícita como o demonstra o fato de que nas lutas são incorporadas, e cada vez mais, temas como a solidariedade, uma questão de primeira ordem pois é o "contraveneno" por excelência da tendência de "cada "um por si"" próprio da decomposição social e porque ocupa, sobretudo, um lugar central na capacidade do proletariado mundial não só para desenvolver seus combates atuais, mas também para derrubar o capitalismo:
14) Esta questão da solidariedade foi central no movimento contra o CPE ocorrido na França na primavera de 2006, e que afetou sobretudo a juventude escolarizada (tanto universitários como secundaristas - ensino médio) e que se situou plenamente em um terreno de classe:
15) Este movimento foi igualmente exemplar no que concerne à capacidade da classe operária em manter a organização da luta nas suas próprias mãos através das assembléias e dos comitês de greve responsáveis perante elas (capacidade que vimos manifestar-se igualmente na luta dos operários metalúrgicos de Vigo na Espanha na primavera de 2006, na qual os trabalhadores de diferentes empresas se juntavam em assembléias diárias na rua). Isto deve ser atribuído ao fato de que os sindicatos são muito débeis no meio estudantil, pelo que não puderam jogar seu papel de sabotadores das lutas que desempenham tradicionalmente e continuarão desempenhando até a revolução. Um exemplo dessa função antioperária que exercem os sindicatos, é o fato de que as lutas em massa que vimos até agora, se deram, sobretudo nos países do Terceiro mundo onde os sindicatos são mais débeis (como é o caso de Bangladesh) ou ainda podem ser plenamente identificados como órgãos do Estado (como é o caso do Egito).
16) O movimento contra o CPE, que foi produzido no mesmo país onde se desenvolveu o primeiro e mais espetacular combate do ressurgir histórico do proletariado - a greve generalizada de Maio de 68 - nos proporciona igualmente outras lições a respeito das diferenças entre a onda atual de lutas e a precedente:
17) Esta última questão nos leva ao terceiro aspecto da luta proletária tal qual Engels estabeleceu: a luta teórica, o desenvolvimento de uma reflexão no interior da classe sobre as perspectivas gerais de seu combate, e o surgimento de elementos e organizações, produtos e fatores ativos desse esforço. Hoje, como em 1968, o ressurgimento dos combates da classe se vê acompanhado de um movimento de reflexão em profundidade, do qual o surgimento de novos elementos que se orientam para as posições da Esquerda comunista, constitui a ponta emergente de um iceberg. Neste sentido existem diferenças notáveis entre o processo atual de reflexão e o que se desenvolveu em 1968. A reflexão que começou então respondia ao surgimento de lutas em massa e espetaculares, enquanto que o processo atual de reflexão não esperou, para ser conduzido, que as mobilizações operárias atinjam essa mesma amplitude. Esta é uma das conseqüências da diferença, a respeito das condições que o proletariado enfrenta hoje em relação às de fins dos anos 60.
Uma das características da onda de lutas que começou em 1968 é que, em decorrência da sua própria envergadura, era uma demonstração da possibilidade da revolução proletária, possibilidade que se desvaneceu das mentes operárias pela magnitude da contra-revolução, mas também pelas ilusões geradas pela "prosperidade" que conheceu o capitalismo depois da Segunda Guerra mundial. Hoje o principal alimento do processo de reflexão não é tanto a possibilidade da revolução, mas, vistas as catastróficas perspectivas que nos oferece o capitalismo, sua necessidade. Portanto este processo é menos rápido e menos imediatamente visível do que nos anos 70, mas é mais profundo e não se verá afetado pelos momentos de recuo das lutas operárias.
De fato, o entusiasmo pela idéia da revolução, que floresceu em Maio de 68 e nos anos seguintes, pelas próprias bases que o condicionaram, favoreceu o recrutamento pelos grupos esquerdistas da imensa maioria dos elementos que aderiram a essa idéia. Só uma pequena minoria de pessoas, os que estavam menos marcados pela ideologia pequeno-burguesa radical e pelo imediatismo que emanava do movimento estudantil, conseguiu aproximar-se das posições da Esquerda comunista, e se converter em militantes das organizações de tal Esquerda. As dificuldades que, necessariamente, encontrou o movimento da classe operária, depois das sucessivas contra-ofensivas da classe dominante, e num contexto em que ainda pesava a ilusão nas possibilidades de um restabelecimento da situação por parte do capitalismo, favoreceram um novo auge da ideologia reformista, da qual os grupos esquerdistas situados à esquerda do cada vez mais desprestigiado stalinismo oficial, se converteram em seus promotores mais "radicais". Hoje, e sobretudo depois do desmoronamento histórico do stalinismo, as correntes esquerdistas tendem cada vez mais a ocupar o lugar que este deixou vazio. Esta "oficialização" dessas correntes no jogo político burguês tende a provocar uma reação entre seus militantes mais sinceros que as abandonam em busca de autênticas posições de classe. Precisamente por isso, o esforço de reflexão no interior da classe trabalhadora se manifesta na emergência não só de elementos muito jovens que se orientam para as posições da Esquerda comunista, mas igualmente de elementos mais veteranos que têm uma experiência em organizações burguesas de extrema-esquerda. Isto é em si um fenômeno muito positivo que comporta a possibilidade de que as energias revolucionárias que necessariamente surgirão à medida que a classe trabalhadora desenvolva suas lutas, não poderão ser captadas e esterilizadas com a mesma facilidade com a qual elas foram nos anos 1970, e se unirão em maior numero às posições e às organizações da Esquerda comunista.
A responsabilidade das organizações revolucionárias, e da CCI em particular, é participar plenamente da reflexão que já está se desenvolvendo no interior da classe trabalhadora, não só intervindo ativamente nas lutas que já estão se desenvolvendo, mas também estimulando a posição dos grupos e elementos que procuram se unir ao seu combate.
CCI
A explosão de lutas proletárias em maio de 1968, na França, seguida por movimentos na Itália, Grã-Bretanha, Espanha, Polônia e outros países, terminou o período de contra-revolução que pesava sobre a classe trabalhadora internacional desde a derrota da onda revolucionária em 1917-23. O gigante proletário novamente levantava na cena da história, e não apenas na Europa. Estas lutas tiveram um enorme eco na América Latina, começando com o "cordobazo" em 1969, na Argentina. Entre 1969 e 1976 em toda a região, do Chile, no sul, até o México, na fronteira com os Estados Unidos, os trabalhadores conduziam uma batalha intransigente contra as tentativas da burguesia para fazê-los pagar a crise econômica. Nas ondas de combates que se seguiram, entre 1977 a 1980, levando a massa à greve na Polônia, de 1983 a 1989 marcado pelos movimentos de massa, na Bélgica, na Dinamarca e lutas importantes em muitos outros países, o proletariado da América Latina continuou também a luta, embora não de maneira tão espetacular, demonstrando assim que, quaisquer que sejam as diferenças nas condições, a classe trabalhadora leva uma única batalha contra o capitalismo, ela é uma só e única classe internacional.
Como conseqüência do declínio da luta de classes a nível internacional, na seqüência das campanhas da burguesia sobre o fim da luta de classes que acompanhou o colapso dos chamados regimes socialistas, as lutas massivas, manifestações e confrontos armados entre o proletariado e forças de repressão tiveram tendência a deixar o estádio a um turbilhão de descontentamento popular, revolta social contra o empobrecimento e a miséria que se estende. A "revolta" na Bolívia em outubro de 2003, as manifestações massivas de rua que levaram em alguns dias a cinco substituições da presidência na Argentina em dezembro de 2001, a "revolução popular" de Chavez na Venezuela, a altamente midiatizada luta dos zapatistas, no México, estes acontecimentos, entre outros, são exemplos significativos. Nestas circunstâncias, a classe trabalhadora aparece como uma camada descontente no meio de outras que deve para poder ter uma mínima chance de defender-se contra a agravação da sua situação, participar e fundir-se na revolta das demais camadas oprimidas e empobrecidas da sociedade. Frente a essas dificuldades que enfrenta a luta de classes, os revolucionários não devem baixar os braços e sim manter a defesa intransigente da independência de classe do proletariado.
Para nós, a autonomia do proletariado diante das outras classes da sociedade é condição essencial para o desenvolvimento da sua luta revolucionária na direção do objetivo revolucionário. Isto porque só a classe operária é a classe revolucionária, só ela é portadora de uma perspectiva para toda a humanidade. Agora que está rodeada por todas as partes pelas manifestações da decomposição social crescente do capitalismo moribundo, que tem grandes dificuldades para impor sua luta como classe autônoma que tem interesses próprios a defender, mais do que nunca, deve-se recordar as palavras de Marx: "Não se trata do que este ou aquele proletário, ou até mesmo do que o proletariado inteiro pode imaginar momentaneamente como sua meta. Trata-se do que o proletariado é do que ele será obrigado a fazer historicamente de acordo com o seu ser" (A Sagrada Família, cap. "A Crítica Crítica na condição de quietude do conhecer ou a Crítica Crítica conforme o senhor Edgar").
A história da luta de classes na América latina nestes últimos 35 anos faz parte do combate da classe operária internacional; este tem sido pontuado com lutas ásperas, confrontos violentos com o estado, de vitórias temporárias e derrotas amargas. Os movimentos espetaculares dos finais dos anos 60 e início dos 70 abriram o caminho para lutas mais difíceis e tortuosas, onde a questão de fundo, como defender e desenvolver a autonomia de classe foi colocada com mais força ainda.
A luta dos trabalhadores da cidade industrial de Córdoba, em 1969, foi particularmente importante. Isto deu lugar a uma semana de confrontos armados entre o proletariado e o exército argentino, e se constituiu em um formidável incentivo a luta em toda a Argentina, América Latina e no mundo inteiro. Foi o início de uma onda de lutas que culminaram na Argentina em 1975, com a luta dos metalúrgicos da Villa Constituição, o mais importante centro de produção de aço no país. Os operários da Villa Constituição se enfrentaram com a potência plena do Estado, a classe dominante procurando dar um exemplo com o esmagamento da sua luta. Terminou com um elevado nível de confrontação entre a burguesia e o proletariado: "A cidade esteve sob ocupação militar através de 4000 homens ... A "limpeza" sistemática de cada bairro e o encarceramento dos operários (...) fez mais do que provocar a raiva proletária: 20 000 trabalhadores da região estavam em greve e ocuparam fábricas. Apesar dos assassinatos e bombardeamento das casas dos operários, foi criado, de imediato, uma comissão de luta fora do sindicato. Em quatro ocasiões, a direção da luta foi encarcerada, mas em cada ocasião, o comitê ressurgia, mais forte do que antes. Tal como em Córdoba, em 1969, grupos armados de trabalhadores tomaram a efeito a defesa dos bairros proletários e puseram fim às atividades de bandos paramilitares. A ação dos operários das indústrias siderúrgicas e metalúrgicas que exigiram um aumento salarial de 70% beneficiou rapidamente da solidariedade dos trabalhadores de outras empresas no país, nas cidades de Rosário, Córdoba e Buenos Aires. Nesta última cidade, por exemplo, os trabalhadores de Propulsora, que tinham entrado em greve de solidariedade e conseguiram todos os aumentos salariais que exigiram (130 000 pesos por mês), decidiram dar a metade do seu salário para trabalhadores de Villa Constituição" (Argentina, seis anos após Córdoba, World Revolution nº1, 1975).
Também será em defesa dos seus próprios interesses de classe que os operários do Chile, no início dos anos 1970, rechaçaram os sacrifícios que lhes exigia o governo de Unidade Popular de Allende: "... a resistência da classe operária a Allende começou em 1970. Em dezembro de 1970, 4 000 mineiros de Chuquicamata entraram em greve, reivindicando salários mais elevados. Em julho de 1971, 10 000 deixaram de trabalhar na mina Lota Schwager. Quase ao mesmo tempo, novas greves propagam nas minas de El Salvador, El Teniente, Chuquicamata, La Exótica e Río Blanco, exigindo aumentos salariais ... Em maio-junho de 1973, os mineiros voltaram a se mobilizar. 10 000 dos quais se lançaram à greve nas minas Chuquicamata e de El Teniente. Mineiros de El Teniente exigiam aumento de 40%. Allende foi quem colocou as províncias de O'Higgins sob controle militar, porque a paralisação de El Teniente constituía uma ameaça grave para a economia" (A irresistível queda de Allende, World Revolution n º 268).
Desenvolveram-se importantes lutas também em outras concentrações proletárias significativas da América Latina. No Peru, em 1976, greves meio-insurrecionais eclodiram em Lima e foram afogadas em sangue. Alguns meses mais tarde, os mineiros de Centramín entraram em greve. No Equador, houve uma greve geral em Riobamba. No México, houve uma onda de combates em janeiro daquele ano. Em 1978, novas greves gerais no Peru. E, no Brasil, após 10 anos de intervalo, 200 000 Metalúrgicos se colocavam à frente de uma onda de greves que durou de maio a outubro. No Chile, em 1976, greves retornaram através dos funcionários do metrô em Santiago e nas minas, na Argentina, apesar do terror imposto pela junta militar, de novo irrompem greves em 1976, entre os eletricitários, os condutores de passageiros em Córdoba, com violentos confrontos com o exército. Na Bolívia, Guatemala, Uruguai, todos esses anos foram também marcados pela luta de classes.
Durante os anos 80, o proletariado da América Latina também participou plenamente na onda internacional de combate iniciados em 1983 na Bélgica. Entre estas lutas, as mais avançadas foram marcadas por esforços significativos por parte dos trabalhadores para estender o movimento. Este foi o caso, por exemplo, em 1988, da luta dos trabalhadores da educação, no México, que se bateu por aumentos salariais: "... reivindicações dos trabalhadores em educação colocaram desde o início a questão da extensão das lutas, porque havia um descontentamento generalizado contra os planos das autoridades. Embora o movimento estivesse em refluxo no momento em que começou o movimento no setor da educação, 30 000 funcionários do setor público organizaram greves e manifestações fora do controle sindical, os mesmos trabalhadores da educação reconheceram a necessidade da extensão e da unidade: no início do movimento, os do sul da Cidade do México enviaram delegações para outros trabalhadores da educação, conclamando a aderir à luta, e eles foram às ruas para manifestarem. Também se recusaram a limitar a luta só aos professores, reunindo todos os trabalhadores do sector da educação (professores, trabalhadores administrativos e trabalhadores manuais) nas assembléias massivas para controlar a luta." (México: conflitos trabalhistas e intervenção revolucionária, World Revolution N º 124 de maio de 1989).
As mesmas tendências foram expressas em outras partes da América Latina: "A própria imprensa burguesa falou da "onda de greves" na América Latina, com lutas operárias no Chile, Peru, México...e Brasil; neste país aconteceram greves e manifestações simultâneas contra o congelamento de salários, de trabalhadores bancários, estivadores, da saúde e da educação" (O difícil caminho da unificação da luta de classes, World Revolution, ídem).
O desmoronamento do Bloco do Leste Europeu, ele próprio um resultado da decomposição do capitalismo, tem sido um considerável acelerador desta à nível mundial, no contexto de uma crise econômica agravada. A América Latina foi atingida em cheio. Dezenas de milhões de pessoas foram obrigadas a deslocar do campo para as áreas de bairros pobres das grandes cidades, em uma busca desesperada por inexistentes postos de trabalho, quando ao mesmo tempo, milhões de jovens trabalhadores estavam excluídos do processo de trabalho assalariado. Tal fenômeno, que está em curso há 35 anos, tem conhecido uma brutal escalada nestes últimos 10 anos levando as massas do povo, não exploradas nem assalariada, a morrer de fome e a viver um dia após o outro à margem da sociedade. Na América Latina, 221 milhões de pessoas (41% da população) vivem na pobreza. A esse número foi acrescentado aproximadamente 7 milhões só no ano passado (entre estes, 6 milhões foram empurrados para a extrema pobreza) e 21 milhões desde 1990. Atualmente 20% da população latino-americana vivem na estrema pobreza (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe - Celac).
O agravamento da decomposição social tem se refletido no crescimento da economia informal, pequenos estabelecimentos e comércio de rua. A pressão deste setor varia dependendo do poder econômico do país. Na Bolívia, em 2000, o número de pessoas "por conta própria" ultrapassou o total de empregados (47,8% contra 44,5% da força de trabalho), enquanto no México o valor era de 21% contra 74,4% (Celac). Em todo o continente, 128 milhões de pessoas, ou 33% da população urbana, vivem em pocilgas (de acordo com as Nações Unidas - 6 de outubro de 2003 - as favelas estão carregando uma "bomba relógio"). Estes milhões de seres humanos são confrontados com uma quase total ausência de sistema sanitário ou de eletricidade, e as suas vidas estão envenenadas pelo crime, drogas e as gangues. Os subúrbios do Rio de Janeiro são há anos o campo de batalha de gangues rivais, uma situação muito bem descrita no filme Cidade de Deus. Os trabalhadores da América Latina, especialmente aqueles que vivem em favelas também são confrontados com a mais alta taxa de criminalidade em todo o mundo. A desagregação das relações familiares levou também a um enorme crescimento no número de crianças abandonadas nas ruas.
Dezenas de milhões de camponeses sofrem cada vez mais dificuldades de obter do solo os miseráveis meios de subsistência. Para sobreviver, são empurrados para um selvagem desmonte de algumas áreas tropicais, acelerando assim o processo de destruição ambiental onde as empresas madeireiras são as principais responsáveis. Esta solução não oferece mais que uma trégua temporária para o fato do rápido esgotamento do solo provocando uma espiral incontrolável de desmatamento.
O aumento dessas camadas de maltrapilhos tem provocado um grande impacto sobre a capacidade do proletariado para defender a sua autonomia de classe. Isto foi claramente revelado no fim dos anos 1980, quando eclodiram motins da fome na Venezuela, Argentina e Brasil. Em resposta à revolta na Venezuela que causou mais de mil mortos e muitos outros feridos, nos colocamos em guarda contra o perigo que tais motins representam para o proletariado: "O fator vital que alimenta este tumulto social é uma raiva cega, sem qualquer perspectiva, acumulada durante longos anos de ataques sistemáticos contra as condições de vida e de trabalho das pessoas que ainda têm um emprego; manifesta a frustração de milhões de pessoas desempregadas, de jovens que nunca trabalharam, e são impiedosamente empurrados para dentro do pântano da lupenização por uma sociedade que, nos países da periferia do capitalismo, é incapaz de fornecer esses elementos mesmo uma insignificante perspectiva a sua vida. A falta de orientação política proletária, que abra uma perspectiva proletária, isto significa que a raiva e frustração são a força motriz por trás dos tumultos, queima de veículos, os principais confrontos com a polícia e, afinal de contas, saques de lojas e de equipamentos eletrônicos. O movimento que começou como um protesto contra o "pacote" de medidas econômicas, por isso, se transformou rapidamente na pilhagem e destruição, sem qualquer perspectiva" (Comunicado ao conjunto da classe operária, publicado em Internacionalismo, órgão da CCI na Venezuela, reproduzido em World Revolution N º 124 de maio de 1989).
Nos anos 1990, o desespero das camadas não exploradoras pôde ser utilizado cada vez mais pelos partidos da burguesia e da pequena burguesia. No México, os zapatistas se tornaram especialistas na matéria, com os seus temas sobre "Poder Popular" e à representação dos oprimidos. Na Venezuela, Hugo Chávez tem mobilizado camadas não exploradoras, particularmente aquelas que vivem em barracos através da idéia de uma "revolução popular" contra o antigo regime corrupto. Estes movimentos populares tiveram um impacto real sobre o proletariado, especialmente na Venezuela, onde existe o perigo de ver algumas das suas partes serem recrutados em uma sangrenta guerra civil, a reboque de frações rivais da burguesia. No alvorecer do século XXI, não se registrou qualquer diminuição do impacto destruidor do desespero crescente das camadas não exploradoras. Em dezembro de 2001, o proletariado da Argentina - um dos mais antigos e experientes da região - foi preso na tormenta da revolta popular, liderada pela pequena burguesia e os camponeses, que levou cinco presidentes ascender e renunciar ao poder em 15 dias. Em outubro de 2003, o principal setor do proletariado na Bolívia, os mineiros, foi arrastado em uma sangrenta "revolta popular", dirigida pela pequena burguesia e os camponeses, que produziu inúmeros mortos e também muitos feridos, todos em nome da defesa das reservas de gás boliviano e da legalização da produção da coca! O fato de uma parte significativa do proletariado ser encurralado nos motins é de extrema importância, pois revela que a classe operária tem perdido grande parte da sua autonomia de classe. Em lugar de considerarem-se como proletários com os seus próprios interesses, os trabalhadores da Bolívia e Argentina consideraram-se como cidadãos que compartem interesses comuns com as camadas pequeno-burguesas e não exploradora.
Com o agravamento da situação, haverá outras revoltas deste tipo, ou, como quase aconteceu na Venezuela, pode também haver sangrentas guerras civis, massacres que poderiam esmagar ideológica e fisicamente partes importantes do proletariado. Frente a esta sinistra perspectiva, é dever dos revolucionários focalizar a sua intervenção sobre a necessidade para o proletariado de lutar pela defesa dos seus interesses específicos de classe.
Todas as organizações revolucionárias não foram capazes de assumir suas responsabilidades nesse plano. Assim, o Bureau Internacional para o Partido Revolucionário (BIPR), antes da explosão da violência "popular" na Argentina, ficou sem bússola política, tomando a realidade pelo que não era: "Espontaneamente os proletários vieram para as ruas, atraindo atrás de si a juventude, os estudantes, partes importantes de uma pequena burguesia proletarizada e empobrecida como eles próprios. Todos juntos, eles têm canalizado sua raiva contra os santuários do capitalismo, bancos, escritórios e, acima de tudo, supermercados e outras lojas que foram assaltados como fornos de pão na Idade Média. Apesar do fato de que o governo, esperando, assim, intimidar os rebeldes, não lhe ocorreu coisa melhor que dar rédeas soltas a uma repressão brutal, matando dezenas e ferindo milhares. A revolta não cessou, estendendo por todo o país, adquirindo características cada vez mais classistas. Foram atacados até mesmo os próprios edifícios governamentais, monumentos simbólicos da exploração e pilhagem financeira" (Lições da Argentina: tomada de posição do BIPR: o partido revolucionário e socialismo, ou miséria generalizada e guerra" Internationalist Communist n º21, outuno-Inverno 2002).
Mais recentemente, diante dos distúrbios sociais na Bolívia que culminaram com o massacre de outubro de 2003, Battaglia Comunista publicou um artigo sublinhando as potencialidades dos "ayllu indígenas" da Bolívia (conselhos comunitários indígenas): "Os ayllu só poderiam desempenhar um papel importante na estratégia revolucionária se tivessem opondo-se às instituições presentes graças ao conteúdo proletário do movimento e depois de superar os seus aspectos arcaicos e locais, ou seja, apenas se eles tivessem reagido como um mecanismo eficaz para a unidade entre os índios, o proletariado mestiço e brancos, em uma frente contra a burguesia para além de qualquer rivalidade racial. Os ayllu poderiam ser o ponto de partida de unificação e mobilização do proletariado indígena, porém, em si, isso é insuficiente e muito precário para constituir a base de uma nova sociedade emancipada do capitalismo." Este artigo de Battaglia Comunista é de novembro de 2003, quando acabava de produzirem-se os sangrentos acontecimentos de Outubro, em que justamente a pequena burguesia indígena arrastou o proletariado, e, em particular, os mineiros para um enfrentamento desesperado com as forças armadas. Um massacre durante o qual os operários foram sacrificados para que a burguesia e a pequena burguesia indígenas pudessem ter uma parcela maior do bolo, levando a "parte do leão" na redistribuição do poder e dos lucros, graças à exploração dos mineiros e trabalhadores rurais. Segundo seus próprios dirigentes, como Álvaro Garcia, os índios, como tal, não alimentam qualquer ilusão confusa quimera segundo a qual os ayllu seriam o ponto de partida para a "outra" sociedade.
O entusiasmo de BIPR pelos acontecimentos na Argentina é a conclusão lógica de sua análise sobre a "radicalização da consciência" das massas não proletárias nos países da periferia. De acordo com este ponto de vista, as manifestações populares violentas e massivas devem ser vistas como algo positivo. Uma "revolta estéril e sem futuro", em um contexto em que o proletariado é engolido por uma maré de interclassismo, este se transforma na imaginação do BIPR, em concretização "das potencialidades para a radicalização da consciência." Esta abordagem do BIPR o tem incapacitado de tirar as lições reais de acontecimentos dos eventos reais como os de dezembro de 2001, na Argentina.
Em suas "Teses" e sua análise de situações concretas, o BIPR cometeu dois erros importantes, bastante difundidos no meio esquerdista e altermundialista. O primeiro erro é a visão teórica segundo a qual o movimento de defesa dos interesses nacionais, burgueses ou pequeno-burgueses, diretamente antagônicos ao do proletariado (como os recentes acontecimentos na Bolívia ou os acontecimentos de dezembro de 2001, na Argentina), poderiam transformar-se em lutas proletárias. O segundo erro - empírico desta vez - é se imaginar que esta transformação milagrosamente ocorreu na realidade e tomar o movimento dominado pela pequena burguesia e as consignas nacionalistas por verdadeiras lutas proletárias.
A nossa análise, por seu lado, não significa, nem muito menos que desprezamos ou subestimamos as lutas do proletariado, na Argentina ou outras áreas onde o proletariado é mais débil. Significa simplesmente que os revolucionários como vanguarda do proletariado que são, e porque eles devem ter uma visão clara sobre a marcha geral do movimento proletário no seu conjunto, têm a responsabilidade de contribuir para que o proletariado e suas minorias revolucionários tenham em todos os países uma visão mais clara e exata de quais são os seus pontos fortes e suas limitações, de que são os seus aliados e como devem orientar os seus combates. Contribuindo com esta perspectiva é a tarefa dos revolucionários. Para cumpri-la devem com todas as suas forças resistir à tentação oportunista de ver, por impaciência, imediatismo e falta de confiança histórica no proletariado, um movimento de classe ali onde - como tem sido na Argentina- só tem havido uma revolta interclassista.
El Núcleo Comunista Internacionalista - grupo que tinha se constituído na Argentina em finais de 2003 - analisa e extrai as lições seguintes desses acontecimentos na Argentina.
No segundo número do seu boletim, o NCI polemiza com o BIRP sobre a natureza dos acontecimentos na Argentina: "...[a declaração BIPR disse erroneamente] que o proletariado tem carregado por trás de si setores estudantis, e de outros estratos sociais. Isto constitui um erro extremamente grosseiro que cometem ditos camaradas, juntamente com os companheiros do GCI. E isto é assim, já que lutas operárias que ocorreram ao longo de todo ano de 2001 demonstraram a incapacidade do proletariado argentino, de assumir a liderança não só de toda a classe proletária, mas também de assumir a liderança como um "caudilho" do movimento social que saia às ruas para protestar, empurrando todos os estratos sociais não exploradores. Isso não aconteceu, aconteceu o contrário. Foram as camadas não proletárias que dirigiram as jornadas de 19 e 20 de dezembro." (Dois anos depois dos 19 e 20 de dezembro em Argentina, Revolución comunista nº 2, publicação do Núcleo comunista internacional, dezembro de 2003).
Falando das implicações proletárias na pilhagem, o GCI 1 (2), afirma: "Se existia uma vontade de encontrar dinheiro e, acima de tudo, de encher a mão dele ao máximo nas empresas, nos bancos, houve mais do que isso: foi um ataque generalizado contra o mundo do dinheiro, da propriedade privada, dos bancos e do Estado; contra tal mundo, que é um insulto para a vida humana. Este não é unicamente uma questão de desapropriação, mas também a afirmação do potencial revolucionário, o potencial de destruição de uma sociedade que destrói os seres humanos" (A propósito da luta proletária na Argentina, Comunismo nº 49)
Inscrevendo-se contra semelhante visão, o NCI apresenta toda uma análise da relação entre esses acontecimentos e o desenvolvimento da luta de classes: "As lutas argentinas, no período 2001/2002 não constituíram um único ato, mas são uma evolução que pode ser dividido em três momentos:
a) Em primeiro lugar, em 2001, como referido anteriormente, foi marcado por uma série de lutas de caráter de classe tipicamente reivindicativas, o denominador comum das mesmas foi o seu isolamento dos outros destacamentos proletários, e a hegemonia que a direção política da burocracia sindical, como mediação contra-revolucionária, lhe imprimia. Mas apesar desta limitação, já se desenvolveram importantes marcos de auto-organização operária em setores como os mineiros de Rio Turbio, sul do país, Zanon, em Neuquen, no Norte de Salta com a unidade dos operários da construção e de ex-operários petroleiros agora desempregados. Estes pequenos destacamentos foram a vanguarda ao propor a necessidade de "UNIDAD" da classe operária e dos proletários desempregados. [...]
b) Em segundo lugar, houve as jornadas específicas de 19 e 20 de dezembro de 2001, reiterando que elas não foram uma rebelião liderada por setores proletários, ou de trabalhadores desempregados, mas uma revolta de caráter interclassista, sendo a pequena burguesia o elemento aglutinador, já que o golpe econômico dado pelo governo de De la Rua foi diretamente contra os seus próprios interesses, e contra a base eleitoral de apoio político que lhe fornecia, mediante decreto de dezembro de 2001, que estabeleceu o congelamento dos fundos. [...]
c) Em terceiro lugar, temos de ter muito cuidado de não fetichizar, nem de deslumbrarmos pelas chamadas assembléias populares, que foram realizadas nos bairros da pequena burguesia da cidade de Buenos Aires longe dos centros ou bairros proletários. Entretanto, neste momento havia um aumento nas lutas se dando no terreno proletário com um início muito humilde, e que vai aumentando, quer sejam trabalhadores municipais ou professores protestando pelo pagamento dos seus salários, e os operários industriais estão lutando contra as demissões promovidas pelos empregadores (tais como caminhoneiros). É nesse momento em que os trabalhadores empregados e desempregados, tinham frente a si a possibilidade de envolver não só uma verdadeira unidade, mas também lançar as sementes para uma organização autônoma da classe operária. Contra isso, a burguesia tentou dividir e desviar o proletariado, com a cumplicidade do que chamamos a nova burocracia piquetera, lançando por terra o experimento que tinha sido uma grande arma nas mãos do proletariado como foram denominadas as assembléias nacionais de trabalhadores empregados e desempregados. Por último, consideramos um erro tentar identificar as lutas que se desenvolveram ao longo dos anos de 2001/2002 com as jornadas dos dias 19 e 20 de dezembro de 2001, uma vez que ambos diferem entre si, e uma não é conseqüência da outra. Os acontecimentos dos 19 e 20 de dezembro não tiveram em absoluto um caráter operário, uma vez que não foram dirigidos nem pelo proletariado nem pelos trabalhadores desempregados; estes últimos cederam às consignas e interesses da pequena burguesia da Cidade de Buenos Aires, que diferem radicalmente dos objetivos do proletariado [...]"
Talvez possa acontecer que muitos considerem que esses movimentos de desempregados tenham sido iniciados nos últimos cinco ou seis anos, quando a pobreza, desemprego e fome se alastravam nos principais bairros da Grande Buenos Aires, Rosário, Córdoba, etc. Não é esse o caso: o movimento piquetero, tem sua origem nos movimentos chamados "Manzaneras" que eram comandados pela esposa do então governador da província de Buenos Aires, Eduardo Duhalde, nos anos 90, e que cumpria uma dupla Função: por uma lado, um controle social e político e a capacidade de mobilização de amplas camadas desesperada em favor da fração burguesa representada por Duhalde, e por outro lado, a distribuição de alimentos para os desempregados (um ovo e meio litro de leite diariamente), já que nesse tempo não havia planos de desemprego, subsídios, etc. Porém à medida que os índices de desemprego aumentavam geometricamente e protestos dos desempregados, as Manzaneras começam a desaparecer de cena. Havia um espaço vazio que era preciso ocupar, e o ocupou um leque de organizações, a maioria gerida pela Igreja Católica, as correntes políticas esquerdistas, etc., depois que entram na cena o Partido Comunista revolucionário maoísta com sua "Corrente classista e combativa", os trotskistas do Partido operário, que conformaram seu próprio aparato de desempregados, o Pólo operário, e sucessivamente, as demais correntes.
Essas organizações fizeram seu primeiro batismo de fogo, em Buenos Aires, a nível massivo, com o fechamento da estratégica rota 3 que liga Buenos Aires com o extremo sul da Patagônia, com a exigência de mais subsídios de desemprego, subsídios que eram controlados e manejados pelos conselhos consultivos que integravam a municipalidade, as correntes piqueteros, a igreja, etc. ou seja controlados pelo Estado burguês.
Assim, os "planos de trabalho" e vários subsídios permitiram a burguesia ter um controle político e social dos desempregados através das respectivas organizações piqueteras, sejam estas de corte Peronista, trotskista, guevarista, estalinista ou sindical em toda a C.T.A. Logo essas correntes começaram a espalhar-se por todos os bairros proletários duramente castigados pelo desemprego, a fome e a marginalização, e começaram a tecer a sua estrutura, toda ela com dinheiro do Estado burguês.
Unicamente lhes exigiam duas coisas para poder ser beneficiário do subsídio e da cesta de comida (5Kg): mobilizar-se atrás das bandeiras da organização, e participar dos seus atos políticos se esta possuísse uma estrutura política, e levantar a mão votando favoravelmente às proposições daquele grupo ao qual "pertenciam", tudo isso sob pena de perder o benefício do plano, ou seja os míseros $150 pesos, equivalentes a 50 dólares.
Mas a obrigação para com a organização de desempregados não termina aqui. Estes últimos tinham uma série de obrigações a serem cumpridas, e o seu cumprimento era escriturado nos livros onde o maior número de pontos obtidos, através da participação nas reuniões, marchas, e do seu acordo favorável à posição oficial, para não correr o perigo de ver reduzido seu benefício, em troca; aquele que emitia opiniões discordantes, a pontuação se reduzia até perder o plano.
Ainda assim, as organizações de desempregados cobravam uma porcentagem ou uma quantidade fixa em dinheiro a título de "cotização", este dinheiro sendo para pagar locais onde funcionava tanto a organização de desempregados como do grupo político de quem dependia a primeira, etc.
O pagamento da cotização era obrigatório, e para tais fins, os chamados "referentes" de cada bairro de cada um dos diferentes movimentos de desempregados, acompanhavam os desempregados ao próprio banco onde logo depois de terem recebido sua pensão, estes últimos deveriam entregar o dinheiro da conta.
Em 2001, antes das jornadas interclasistas 19 e 20 de dezembro, a chamada assembléia piquetera estava dominada pelo Pólo operário, a Corrente maoísta Classe e Combate, e a Federação Terras, Moradia e Habitação.
As posições sustentadas nas ditas assembléias e nas seguintes demonstraram claramente a natureza dos diversos movimentos piqueteros, como aparatos a serviço do estado burguês. Esta natureza não desapareceu posteriormente quando da ruptura da assembléia piquetera de La Matanza, entre o Pólo Operário e as outras duas correntes, ocasionando assim a conformação do Bloco piquetero.
As caracterizações que são dadas para os desempregados, ou para o "sujeito piquetero", como gosta de dizer o Partido Operário, na sua publicação semanal Prensa Obrera, quando expressa que o objetivo do movimento Piquetero é converter-se em um movimento de massas, entendido este como da massa de trabalhadores desempregados, de operários ativos e de todos os setores médios que são empurrados para a classe operária e os despossuídos, ou seja, a classe operária deve ser colocada numa frente ampla interclassista e deve lutar, não no seu próprio terreno, mas em um campo que lhe é totalmente alheio.
O Partido Operário, em um parágrafo sem desperdício do seu XIII Congresso sem a menor vergonha disse: "Aquele que controla a alimentação das massas controla as massas...", assim, apesar das declamações do Partido Operário para impedir a burguesia de controlar as massas controlando a alimentação, igualmente tem a mesma atitude da burguesia, ou seja controlar os planos sociais, controlar as bolsas de alimentos, para poder assim controlar os desempregados. Esta atitude não é privativa do Partido Operário, mas de todo um conjunto das correntes, grupos e/ou agrupamentos piqueteros.
Esses pequenos exemplos servem para demonstrar que os movimentos de desempregados que têm ocupado os meios massivos de comunicação, tanto a nível nacional como internacional, e que levaram a pequena burguesia radicalizada a imaginar o início de uma "revolução", e da existência de "Conselhos operários", etc., são uma falácia absoluta.
Ao considerar, como faz o Partido Operário, que o movimento Piquetero é de fato mais significativo do movimento operários desde o "cordobazo", desacredita-se este último, como também as lutas de caráter nitidamente operário que tiveram lugar naquele período; não tratava-se de uma revolta popular ou corte interclassista, muito pelo contrário, foram os trabalhadores que criaram comitês operários, que estiveram a cargo das mais diversas funções, como comitês de defesa, solidariedade, etc.
Um censor poderá criticar dizendo-nos que essa é a posição das direções dos movimentos e organizações piqueteras, porém o que importa é a dinâmica do processo ou do fenômeno piquetero, suas lutas, suas mobilizações, suas iniciativas.
A resposta é simples, (...) As organizações Piqueteras são seus líderes, seus chefes, nada mais. O resto, os piqueteros com rostos escondidos ocupados em queimar pneus, são os prisioneiros de 150 pesos mensais e 5 kg de alimento que o Estado burguês lhes entrega via as organizações.
E, como mencionado anteriormente, tudo isto deve ser feito sob pena de perder estes ditos "direitos". Em síntese as correntes piqueteras não significam em nada um desenvolvimento da consciência, já que essas organizações imprimem uma ideologia alheia para a classe operária, como o exprima a fórmula citada anteriormente: quem controla a alimentação controla a consciência.
O NCI coloca os acontecimentos na Bolívia, no mesmo quadro de que os da Argentina em 2001: "Partindo da premissa de saudar e solidarizar completamente com os proletários bolivianos em luta, tem que deixar claro também que a combatividade da classe não é o critério único para determinar o balanço das forças entre a burguesia e o proletariado, já que a classe operária boliviana não tem sido capaz de desenvolver um movimento massivo de toda classe operária que leva atrás de si o resto dos setores não exploradores nesta luta, pelo contrário, o que tem sucedido são os setores camponeses organizados na central operária camponesa, e os pequenos burgueses que estão dirigindo esta revolta. Isso significa que a classe trabalhadora boliviana foi diluída em um "movimento popular" de característica interclassista, e isso afirmamos pelas seguintes razões:
a) Porque é o camponês quem dirige esta revolta com dois objetivos claros, a legalização do cultivo da folha de coca e a não venda de gás para os Estados Unidos;
b) A utilização do slogan da assembléia constituinte como uma saída da crise e como um meio de "reconstrução da nação"
c) e a não-reivindicação de uma luta contra o capitalismo.
Os acontecimentos da Bolívia guardam um grande paralelo com a Argentina no ano 2001/2002, onde o proletariado foi submetido não só aos slogans da pequena burguesia, mas também que esses "movimentos populares" tiveram um significado bastante reacionário, ao reivindicar a reconstrução da nação, ou a proclamar a expulsão dos "gringos" e que os recursos naturais retornem ao Estado boliviano [...] Os revolucionários devem falar de forma clara e basear-se sobre os fatos concretos da luta de classes, sem ilusão e sem se enganar. É necessário ter uma postura proletária revolucionária, e conseqüentemente seria um grave erro confundir o que é uma revolta social com um horizonte político estreito, com uma luta proletária anti-capitalista" ("La revuelta boliviana", Revolución comunista nº 1, outubro 2003)
Esta análise do NCI, que se apóia em fatos reais, claramente coloca em evidência que o BIPR toma seus desejos pela realidade quando avança a idéia da "radicalização da consciência" entre as camadas não exploradoras. A realidade é que o ayllu tem sido o ponto de partida para a mobilização dos proletários de origem indígena a reboque da pequena burguesia indígena, dos camponeses e os agricultores de coca na sua luta contra a fração da burguesia no poder.
Essa aberração de Battaglia Comunista que atribui potencialidades aos "conselhos comunitários indígenas" no desenvolvimento da luta de classe, não passou despercebida ao NCI que julgou necessário escrever a aquela organização sobre esta questão. Após ter recordado o que são os "ayllu", "um sistema de castas dedicado a perpetuar as diferenças sociais entre a burguesia, seja esta branca, indígena ou mestiça, e o proletariado," o NCI, na sua carta (14 de novembro de 2003) dirige a seguinte crítica a Battaglia: "Segundo nós, esta posição constitui um grave erro, uma vez que ela tende a atribuir a essa instituição tradicional indígena uma capacidade para ser o ponto de partida das lutas operárias na Bolívia, ainda que depois expressem limitações às mesmas. Acreditamos que estes apelos à reconstituição do mítico ayllu por parte dos líderes da revolta popular, não são nada mais do que estabelecer distinções fictícias entre os setores brancos e índios da classe operária, como também as classes dominantes exigem uma porção do bolo com relação à extração de mais valias que suga do proletariado boliviano, independentemente do caráter étnico. Mas acreditamos firmemente, em sentido contrario da sua declaração, que "ayllu" nunca será capaz de funcionar como "um acelerador e integrante em uma única luta", e que, em si mesmo tem um caráter reacionário, pois a reivindicação indigenista se baseia na idealização (falsificação) da história das comunidades, pois "no sistema inca, os elementos comunitários dos ayllu estavam integrados a um sistema opressivo de castas a serviço da camada superior, os Incas" (Osvaldo Coggiola, El Indigenismo boliviano). Portanto, considerando que o "ayllu" pode funcionar como um acelerador e integrador dos combates é um grave erro, como tenta afirmar anteriormente. É verdade que a rebelião boliviana foi liderada pelas comunidades indígenas, agricultores e cultivadores da folha de coca, mas aí não reside a sua força, mas a sua extrema fragilidade, já que se trata pura e simplesmente de uma rebelião popular, onde setores proletários desempenharam um papel secundário, e, por conseqüência, a revolta interclassista boliviana careceu de uma perspectiva proletária e revolucionária. A contra-mão do que opinam correntes do denominado campo trotskista e guevarista, esta revolta não pode ser caracterizada como uma "Revolução" já que as massas indígenas e camponesas não se propuseram a derrubada do sistema capitalista boliviano, mas, como afirmado acima, os acontecimentos da Bolívia tiveram um caráter fortemente chauvinista: defesa da dignidade nacional, não vender gás aos chilenos, e contra as tentativas para erradicar o cultivo da folha de coca."
Esse papel desempenhado pelos "ayllu" na Bolívia evoca a maneira pela qual o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) tinha utilizado as "organizações comunais" indígenas para mobilizar a pequena burguesia indígena, camponeses e proletárias em Chiapas e em outras regiões do México, na luta contra a principal fração da burguesia mexicana (uma luta que também integra nas tensões inter-imperialistas entre os Estados Unidos e certas potências européias).
Estes setores das populações indígenas na América Latina que não foram integradas no proletariado nem na burguesia, foram reduzidos a extrema pobreza e marginalização. Esta situação "... tem conduzido intelectuais e correntes políticas burguesas e pequeno-burguesas em buscar o desenvolvimento de argumentos que possam explicar porque é que os índios são um corpo social que oferece uma alternativa histórica e em implicá-los, como bucha de canhão na suposta luta de defesa da etnia. Na realidade, estas lutas mascaram os interesses das forças burguesas, como já foi visto não só em Chiapas, mas também na ex-yugoslávia, onde questões étnicas têm sido manipuladas pela burguesia para proporcionar um pretexto formal ao combate das forças imperialistas" ("Sólo la revolución proletaria podrá emancipar a los indígenas", segunda parte, Revolución mundial no 64, sept-oct. 2001, órgano de la CCI en México).
O proletariado está confrontado a uma grave degradação do ambiente social em que deve viver e lutar. Sua capacidade de desenvolver a sua confiança em si próprio está ameaçada pelo peso crescente do desespero das camadas não exploradoras e da utilização de tal situação por forças burguesas e pequena burguesia para os seus próprios fins. Seria um abandono muito grave das nossas responsabilidades revolucionárias se subestimarmos, da forma que for esse perigo.
Apenas desenvolvendo a sua independência de classe e reafirmando a sua identidade, fortalecendo assim a confiança na sua capacidade de defender seus próprios interesses, o proletariado pode ser uma força que lhe permita unificar as outras camadas não exploradoras da sociedade.
A história da luta proletária na América Latina revela que a classe trabalhadora tem atrás de si uma longa e rica experiência. Os esforços envidados pelos trabalhadores argentinos em 2001 e 2002, para encontrar o caminho das lutas de classe independente (descritos nos excertos do NCI) demonstram que a combatividade do proletariado está intacta. No entanto, encontra enormes dificuldades que são a expressão de antigas debilidades do proletariado da periferia do capitalismo, porém também da enorme força material e ideológica do processo da decomposição nessa região. Não é casualidade se as mais importantes manifestações de autonomia de classe na América Latina nos remetem aos anos 1960-1970, dito em outros termos antes que o processo de decomposição debilitara a identidade de classe do proletariado. Tal situação não faz mais que reforçar a responsabilidade histórica do proletariado das concentrações industriais do coração do capitalismo, ali onde se encontram seus destacamentos mais avançados, os mais capazes para resistir os efeitos letais da decomposição. O sinal do fim de 50 anos de contra-revolução, nos finais dos anos 1960, tocou na Europa e em seguida encontrou eco na América Latina. Assim mesmo a afirmação na cena social dos batalhões mais concentrados e politicamente mais experimentados da classe operária, em primeiro lugar os da Europa ocidental, será capaz de fazer com que o conjunto do proletariado mundial volte a retomar combates cuja perspectiva seja a derrubada do capitalismo. Isto não significa que os operários na América Latina não tenham um papel vital a jogar na futura generalização e internacionalização das lutas. De todos os setores do proletariado na periferia do sistema, eles são, certamente, os mais avançados politicamente como testemunha à existência de tradições revolucionárias nesta parte do mundo e o surgimento atual de grupos novos a procura de uma claridade revolucionária. Estas minorias são a ponta de um iceberg proletário que ameaça naufragar o "insubmersível" Titanic do capital.
1 GCI (Grupo comunista internacionalista) é um grupo anarco-esquerdista, fascinado entre outras coisas, pela violência em si, sob todas suas formas. Algumas das suas posições muito "radicais" inspiradas no anarquismo se recobrem de justificativas teórico-histórica que as fazem parecer com as posições de certos grupos do meio político proletário.
A explosão de raiva e a revolta das jovens gerações operárias na Grécia não têm nada de fenômeno isolado ou particular, mas que tem suas raízes na crise mundial do capitalismo. De igual maneira sua confrontação com uma violenta repressão põe em evidencia a verdadeira natureza da burguesia e do seu Terror de Estado. As atuais mobilizações estão situadas em plena continuidade com as mobilizações das jovens gerações proletárias que se desenvolveram também em um terreno classista, e que tiveram lugar na França na primavera de 2006 (contra o Contrato do Primeiro Emprego - CPE) e contra a nova legislação universitária (LRU) no ano de 2007, nas quais universitários e estudantes do ensino médio se viam a si mesmos, sobretudo como proletários que se rebelam contra as suas futuras condições de exploração. O conjunto da burguesia dos principais países europeus tem percebido o risco de contágio de explosões sociais semelhantes diante do agravamento da crise. É por exemplo, altamente significativo que a burguesia francesa tenha dado marcha-ré na aplicação do seu programa de reformas dos institutos de ensino médio. Por outro lado, o caráter internacional da contestação estudantil, sobretudo a dos estudantes do ensino médio tem se expressado com toda força.
Na Itália tiveram lugar manifestações massivas tanto em 25 de Outubro como em 14 de Novembro passados com a consigna "Não queremos pagar a crise", para lutar contra o chamado Decreto Gelmini que supõem importantes cortes de verbas na educação e suas conseqüências, especialmente a não renovação dos contratos de 87 mil docentes assim como de outros 45 mil trabalhadores auxiliares do setor de ensino, e também a redução dos fundos públicos para a universidade.
Na Alemanha em 12 de Novembro (vide https://es.internationalism.org/node/2431 [19]), mais de 120 mil estudantes do curso colegial se manifestaram nas ruas das principais cidades (gritando palavras de ordem tais como: "O capitalismo é a crise"), também em Berlim, chegando a cercar o parlamento provincial em Hannover.
Na Espanha, em 13 de Novembro, também mais de 200 mil estudantes se manifestaram em mais de 70 cidades contra as novas diretivas européias (o chamado processo de Bologna) que afeta o ensino superior e universitário e que generaliza a privatização das faculdades e amplia a obrigação de estágios nas empresas.
Muitos desses estudantes vêem como seu o combate dos estudantes na Grécia. De fato em muitos países tem se produzido numerosas manifestações e concentrações em solidariedade com seus companheiros na Grécia e contra a violenta repressão levada a efeito contra estes, mobilizações estas que também têm sido mais ou menos brutalmente reprimidas pela policia.
A amplitude desta mobilização diante das mesmas medidas do Estado capitalista não deve surpreender-nos. A reforma do sistema educativo que tem se empreendido em escala européia é a base de uma hipoteca das jovens gerações operárias a um futuro dirigido a generalização do desemprego e da precariedade;
O rechaço e a revolta das novas gerações de proletários estudantes frente a esse muro do desemprego e esse oceano de precariedade que lhes destina o sistema capitalista em crise suscitam igualmente em todas as partes a simpatia dos demais trabalhadores de todas as gerações.
As mídias que reproduzem o falso ditado da propaganda do capital tentam constantemente deformar a realidade do que está se passando na Grécia após a morte, por uma bala da polícia, do jovem Alexis Andreas Grigorpoulus de 15 anos de idade, no dia 6 de Dezembro. Tem apresentado os enfrentamentos com a polícia como se fosse obra seja de um punhado de anarquistas autônomos e de estudantes de ultra-esquerda nascidos em famílias ricas, seja de vândalos marginalizados. Não tem deixado de difundir diariamente, na TV, as mesmas imagens de enfrentamentos violentos com a polícia colocando destaque, sobretudo nas imagens da revolta dos jovens encapuzados queimando os automóveis, quebrando as vitrines das lojas ou dos estabelecimentos bancários, e inclusive as imagens de saques nas lojas.
É exatamente o mesmo método de falsificação da realidade que empregaram quando das mobilizações contra o CPE em 2006 na França, tratando de assimilá-las com as revoltas dos subúrbios do ano anterior. Este mesmo grosseiro método foi igualmente ensaiado contra as lutas dos estudantes contra a LRU em 2007, em que chegaram a apresentar os estudantes como "terroristas" e inclusive com os "Khmer Vermelho".
Embora naquele momento o centro dos confrontos tivesse como cenário o "Bairro latino" ateniense de Exarquía, hoje essa mentira é muito mais difícil de fazer acreditar tal mentira. Como tais levantes insurgentes poderiam ser obra de um bando de desordeiros ou de ativistas anarquistas quando se estenderam como um rastilho de pólvora às principais cidades do país, às ilhas (Samos, Quios) assim como aos principais centros turísticos como Corfú o Heraclion na Creta?
As condições eram dadas para que a exasperação uma imensa maioria de jovens proletários envoltos pela angustia e carente de futuro estourasse na Grécia. Este país resume em concentrado o beco sem saída que o capitalismo reserva às novas gerações operárias: quando os que são chamados "a geração dos 600 euros" se incorporam ao mercado de trabalho se sentem completamente esgotados. A maioria dos estudantes deve acumular dois empregos diários para poder sobreviver e prosseguir seus estudos: que na maioria dos casos são empregos da economia subterrânea muito mal pagos; e inclusive no caso de que o salário seja algo mais generoso não é declarado a Fazenda do Estado o que reduz seus direitos sociais. Muitos estão privados de Seguridade Social; não lhes pagam as horas extras e vêem-se ademais incapazes de sair da casa dos pais até, às vezes, os 35 anos, por falta de renda necessária para conseguir um alojamento. E 23% dos desempregados na Grécia são jovens (a taxa de desemprego oficial da população entre 15 e 24 anos é de 25,2%). Como pode ser lido em um artigo publicado recentemente na França [1]: "Esses estudantes não se sentem protegidos por nada: a polícia os mata a tiros, a educação os engana, o trabalho lhes falta, o governo lhes mente". O desemprego juvenil e suas dificuldades para incorporar ao mundo do trabalho têm criado um clima de inquietude, de raiva e de insegurança generalizada. A crise mundial está implicando novas ondas de demissões massivas. Para 2009 se prevê a perda de 100 mil empregos a mais na Grécia, o que supõem 5% a mais de desempregados. Ao mesmo tempo 40% dos trabalhadores ganham menos de 1.100 euros bruto por mês. A Grécia tem a taxa mais alta de todos os 27 países da EU enquanto a trabalhadores pobres: 14%.
Não são só os jovens que manifestam nas ruas, mas também os professores mal remunerados e muitos assalariados que compartilham os mesmos problemas, a mesma miséria e também animados por esse mesmo sentimento de revolta. A brutal repressão do movimento em que o crime contra o jovem de 15 anos se constitui no episódio mais dramático e não fez mais que amplificar esta solidariedade ao entorno de um descontentamento social generalizado. Tal como assinala um estudante, muitos pais de estudantes se sentiram igual e profundamente impactados e indignados: "Nossos pais tem descoberto que seus filhos podem morrer assim na rua, fuzilados pela polícia" [2], e tem tomado consciência do apodrecimento de uma sociedade na qual seus filhos terão piores condições de vida do que eles. Na ocasião de muitas manifestações foram os testemunhos de violentos espancamentos, detenções com total brutalidade, e disparos de armas de fogo da polícia anti-distúrbios (MAT).
Se os ocupantes da Escola Politécnica, um dos centros mais destacados da contestação estudantil em Atenas, denunciam o terror do Estado, encontramos esta mesma raiva contra a brutalidade da repressão em todas as manifestações nas quais se tem pronunciado slogans como "Balas para os estudantes, dinheiro para os banqueiros". Com maior claridade ainda, um participante do movimento declarava "Não temos emprego, não temos dinheiro, o Estado está na bancarrota por causa da crise, e a única resposta que temos é a que dão mais armas a polícia." [3]
Esta raiva não é nova. Os estudantes gregos já se mobilizaram massivamente em junho de 2006 contra a reforma universitária cuja privatização implica na exclusão dos estudantes provenientes das famílias com menos renda. A população também manifestou sua indignação contra a negligência do governo diante da onda de incêndios que teve lugar no verão de 2007 e que causou 67 mortos, um governo que ainda não indenizou as numerosas vítimas que nesses incêndios perderam suas casas e outros bens. Porém foram sobretudo os assalariados os que mobilizaram em massa contra a reforma do sistema de aposentadorias no início desse mesmo ano, com duas jornadas de greve de greve geral que tiveram lugar no prazo de dois meses e participando nas manifestações que em ambas as ocasiões congregaram mais de um milhão de pessoas, contra a supressão da aposentadoria antecipada para os trabalhos com maior periculosidade e a tentativa de eliminar o direto desses trabalhadores a aposentar-se a partir dos 50 anos.
Frente ao ódio acumulado dos trabalhadores, a greve geral de 10 de Dezembro enquadrada pelos sindicatos, estava, entretanto planejada para servir de contra-ofensiva para tentar desviar o movimento. O PS e o PC à frente dessa mobilização têm reclamado a destituição do governo atual e a convocação antecipada de eleições legislativas. Desta vez, em troca, não tem conseguido conter a raiva e deter a mobilização, apesar das numerosas manobras dos partidos de esquerda e dos sindicatos para tratar de frear a dinâmica de extensão da luta e dos esforços de toda classe burguesa e dos seus meios de comunicação para tratar de separar os jovens dos trabalhadores mais veteranos e do conjunto da classe operária, empurrando-os para enfrentamentos estéreis com a polícia. Ao largo de todos esses dias e noites, os enfrentamentos são incessantes, e a brutalidade das ações policiais, o emprego de cassetetes e de gás lacrimogêneo em escala, acaba traduzindo-se em detenções e espancamentos bestiais por dezenas.
Os operários das gerações mais jovens são quem expressam mais claramente a perda de ilusões e o enjôo, em um aparato político ultra-corrupto. Desde o final da guerra mundial três famílias se revezam no poder, e nos últimos trinta anos, as dinastias dos Caramanlis (à direita) e os Papandreu (à esquerda), reinam, alternando-se nas poltronas do poder nas quais proliferam a corrupção e os escândalos. Os conservadores chegaram desta vez, ao poder no ano de 2004, depois de um período repleto de corrupção dos "socialistas" desde o ano 2000. São muitos que rechaçam o enquadramento de um aparato político e sindical totalmente desprestigiado: "O Fetichismo do dinheiro tem se apropriado da sociedade. O que querem os jovens é uma ruptura com esta sociedade sem alma e sem perspectiva." [4]. Hoje, com o desenvolvimento da crise, esta geração de proletários não só tem desenvolvido sua consciência da exploração capitalista que sofre na própria carne, mas que expressa igualmente uma consciência da necessidade de um combate coletivo colocado em prática espontaneamente, os métodos de luta e uma solidariedade DE CLASSE. No lugar de cair no desespero, traz a confiança em si mesmo do seu convencimento de ser portadora de um futuro diferente, e emprega toda sua energia para rebelar-se contra o apodrecimento da sociedade que a rodeia. Os manifestantes reivindicam orgulhosamente seu movimento: "somos uma imagem do futuro confrontada por uma sombria imagem do passado".
Se a situação faz recordar inevitavelmente a de Maio de 68, a consciência do que está em jogo vai mais além do que era à época.
Em 16 de Dezembro, os estudantes invadiram por alguns minutos o estúdio da rede governamental de televisão NET e exibiram diante da tela uma faixa que dizia: "Deixe de ver a televisão! Todo mundo às ruas!", e lançavam o seguinte chamamento: "O Estado assassina. Vosso silêncio o arma! Ocupação de todos os edifícios públicos!". A sede da polícia anti-distúrbios de Atenas foi atacada e foi queimada uma viatura dessa polícia. Essas ações são imediatamente denunciadas como uma "tentativa de derrotar a democracia" tanto pelo governo como pelo PC grego (KKE). Em 17 de Dezembro, o edifício que aloja a sede central do principal sindicato do país (a Confederação Geral dos Trabalhadores da Grécia - conhecida pela sigla GEEE-) em Atenas foi ocupada (publicamos sua declaração em https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2008/Grecia_uma_declaracao_de_trabalhadores_em_luta [20]) por trabalhadores que se proclamavam insurgentes e que convidavam todos os proletários a comparecerem a este local, um lugar para assembléias gerais abertas a todos assalariados, aos estudantes e aos desempregados. Colocam uma faixa na fachada da Acrópole convidando a participação em uma manifestação massiva convocada para o dia seguinte. Durante a noite uns cinqüenta e forçudos sindicalistas tentam "recuperar" o local, mas são obrigados a retroceder diante da chegada de reforços constituídos, sobretudo por estudantes, majoritariamente anarquistas, vindos da Universidade de Economia, que havia se convertido, por sua vez, em outro centro de reunião e discussão para todos trabalhadores e que acorreram, em ajuda dos ocupantes da sede sindical catando com toda a força "solidariedade!". A associação dos imigrantes albaneses, entre outros, divulga um panfleto proclamando sua solidariedade com o movimento e chamada "Esses momentos também são nossos". Igualmente se multiplicam os chamamentos a uma greve geral por tempo indeterminado a partir do dia 18. Os sindicatos se vêem obrigados a convocar os trabalhadores dos serviços públicos para uma greve de três horas para esse dia.
Na manhã do dia 18, outro estudante de 16 anos do curso secundário que participa de uma aula no colégio do subúrbio de Atenas é ferido por uma bala. Nesse mesmo dia, numerosas cadeias de rádio e televisão são ocupadas pelos manifestantes, sobretudo em Trípoli, Chania e Tesalónica. Em Patras, é ocupado o edifício da Câmara do Comércio produzindo-se novos choques com a polícia. A gigantesca manifestação em Atenas é bestialmente reprimida por uma polícia que emprega, pela primeira vez, um novo armamento contra os manifestantes: gases paralisantes e granadas que ensurdecem. É publicado um panfleto contra "o terror estatal" que é assinada pelas "mulheres em revolta" e que tem circulado a partir da Universidade de Economia. O movimento percebe, ainda com confusão, seus próprios limites geográficos. Por isso acolhe com entusiasmo as manifestações que em solidariedade para com eles têm acontecido na França, em Berlim, em Roma, em Moscou, em Montreal e em Nova York, e fazem eco delas: "este apoio é muito importante para nós". Os que ocupam a Escola Politécnica querem convocar, para o dia 20 de Dezembro, uma "jornada internacional de mobilização contra os mortos pelo Estado". Porém para superar o isolamento deste levante do proletariado na Grécia, a única via, a única perspectiva, é o desenvolvimento da solidariedade e da luta de classes, em escala internacional, o que se expressa cada vez mais claramente diante do avanço da crise mundial.
Iannis (19 de dezembro).
Quando "publicamos" este artigo em CCI on line tomamos conhecimento do desenvolvimento de Assembléias Gerais massivas que têm lugar nas Universidades da Grécia, e em cujos debates os estudantes comparam o seu movimento com o que teve lugar em Maio de 1968 na França. Convidamos nossos leitores que acompanhem nossa página na Web no qual daremos conta da evolução da situação.
[1] Revista Marianne nº 608 de 13 de dezembro: "Grécia: as razões de uma revolta".
[2] Jornal Libération de 12/12/2008.
[3] Idem do dia 10/12/2008.
[4] Marianne, artigo citado.
Ligações
[1] https://pt.internationalism.org/files/pt/images/GreekWorkersOccupyUnionHQ.jpg
[2] https://pt.internationalism.org/tag/2/19/luta-de-classe
[3] https://pt.internationalism.org/tag/2/36/gr%C3%A9cia
[4] https://pt.internationalism.org/files/pt/panfleto_2008_pt.pdf
[5] https://pt.internationalism.org/tag/2/20/crise
[6] https://en.wikipedia.org/wiki/World_War_II_casualties
[7] https://pt.internationalism.org/tag/1/2/decad%C3%AAncia-do-capitalismo
[8] https://pt.internationalism.org/tag/1/3/Heran%C3%A7a-da-Esquerda-comunista
[9] https://pt.internationalism.org/icconline/2006_estudiantes_franca
[10] https://pt.internationalism.org/tag/1/6/Organiza%C3%A7%C3%A3o-revolucionaria
[11] https://es.internationalism.org/cci-online/200812/2430/sabotaje-de-las-lineas-de-la-sncf-actos-esteriles-instrumentalizados-por-la-b
[12] https://es.internationalism.org/revista-internacional/197806/944/terror-terrorismo-y-violencia-de-clase
[13] https://es.internationalism.org/revista-internacional/197810/2134/resolucion-sobre-el-terror-el-terrorismo-y-la-violencia-de-clase
[14] https://pt.internationalism.org/tag/2/22/terrorismo
[15] https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/nucleo_da_CCI_no_Brasil
[16] https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2007/maio_de_68_e_perspectiva_revolucionaria.htm
[17] https://pt.internationalism.org/files/pt/Nota_Conjunta_OPOP_CCI-20-10-2008.pdf
[18] https://pt.internationalism.org/files/pt/images/OPOPCCI.PNG
[19] https://es.internationalism.org/node/2431
[20] https://pt.internationalism.org/ICCOnline/2008/Grecia_uma_declaracao_de_trabalhadores_em_luta