O impossível bom sindicalismo

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Os agentes políticos e sindicais da burguesia, em particular nos países industrializados, não nasceram ontem. Têm muita experiência. Tais agentes tentam canalizar a desconfiança - que cresce mais e mais entre os operários - com relação aos sindicatos, para os dirigentes das grandes centrais, contra essa ou aquela central sindical em oposição às demais. Mantém-se assim a ilusão – ainda forte entre certos trabalhadores – de que pode existir "bom sindicalismo".

Assim, desde o fim dos anos 70, assistimos à radicalização da linguagem de certas centrais sindicais, à aparição de tendências "críticas" ou de sindicalismo mais ou menos "anti-centrais sindicais" e, mesmo... "anti-sindicalista".

São as formas mais perniciosas de autodefesa do sindicalismo.

O radicalismo verbal dos burocratas e a armadilha do sindicalismo de base

Nos anos 70, a orientação da farsa política utilizada pela burguesia para subjugar o proletariado consistia em empossar "governos de esquerda" (Trabalhistas, na Grã-Bretanha; Democratas, nos Estados Unidos; Social-Democracia, na Alemanha Ocidental). Ou, ao menos, em orientar sua ala esquerda para a participação no governo ("Compromisso Histórico" do PC na Itália, "Programa Comum" do PC/PS na França). Ainda eram os "anos de ilusões". Os "representantes oficiais dos trabalhadores" deviam participar do governo para obter dos trabalhadores "sacrifícios momentâneos", em troca de alegres amanhãs. A presença das "forças operárias" no governo serviria para garantir de que os frutos desses sacrifícios trariam benefícios à classe operária...

Mas os amanhãs chegaram e, com eles, o agravamento da crise econômica e da ofensiva capitalistas. A onda de lutas operárias de 78/80 evidenciou, para a burguesia, que a participação de sua ala esquerda no governo – com o apoio dos sindicatos – não apenas não conseguia mais impedir as lutas operárias, mas tinha cada vez mais dificuldades para representar eficazmente seu papel de polícia das fileiras operárias, aparecendo como responsáveis pela situação.

Os anos 80 começam com a inversão de orientação da burguesia nos principais países industrializados. Os partidos "operários" (Partidos Socialistas, Sociais Democratas ou Democratas em países como a Grã-Bretanha, a Alemanha e os Estados Unidos; Partidos Comunistas nos países latinos), retornam à oposição, retomam uma linguagem "radical", "intransigente", e mesmo "revolucionária", para tentar recuperar a credibilidade indispensável ao exercício de sua função de sabotadores da luta operária.

Na França, o proletariado fez a experiência da "esquerda no governo" mais tardiamente. Mas, em pouco tempo, a realidade se impôs: após três anos de participação do PCF (Partido Comunista Francês) no governo e de descrédito da CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), a esquerda teve que deixar o governo, voltando à oposição, sob pena de perder todo controle das lutas.

É preciso observar que essa "radicalização da linguagem" não é consensual em todas as centrais, nem mesmo numa delas. Em todos os países, as estruturas sindicais sabem dividir seus papéis: existem os sindicatos que se "radicalizam" e aqueles que são mais "realistas", e depois, dentro de cada sindicato, existem tendências mais "combativas" e outras mais "prudentes". São as duas peças complementares da tenaz sindical. Assim:

  • a greve dos mineiros britânicos ficou presa entre o radicalismo do sindicato dos mineiros e seu líder Scargill de um lado, e o "realismo" do conjunto do aparelho dos "Trade-Unions" do outro;
  • as lutas dos operários alemães em 84, entre a "combatividade" do IG Metal e a "moderação" do aparelho do DGB;
  • a greve dos operários da Talbot na França, no começo de 84, entre o "radicalismo" da CFDT e a "prudência" da CGT;
  • as respostas proletárias na Bélgica no começo de 84 entre o tom "intrépido" da FGTS e o "conciliador" da CSC (cristã).

A divisão de papéis entre as centrais é acompanhada de uma outra divisão, no interior das centrais. Há, também, as tendências sindicalistas exteriores às centrais, constituídas no que, de acordo com o país, é chamado de sindicalismo "de base", sindicalismo "de combate", sindicalismo "autônomo" ou sindicalismo "assembleísta".

É com essas tendências que se choca o proletariado, quando tenta ultrapassar as centrais sindicais. Quanto mais uma luta consegue se desembaraçar da influência direta das grandes centrais oficiais, mais se envolve com o "sindicalismo envergonhado", esse sindicalismo da linguagem e das ações espetaculares, cuja função é a de tentar resgatar o brasão do sindicalismo, essa forma de luta ultrapassada, com uma forma de organização impotente.

O sindicalismo de base critica as "direções" para melhor defender a possibilidade de transformar e de "regenerar" os sindicatos - e, portanto, de neles militar; critica os sindicatos oficiais para melhor defender a possibilidade de um sindicalismo "puro".

As organizações "esquerdistas" (trotskistas, maoístas, "autônomas" ou anarquistas) especializaram-se nesse tipo de trabalho em todos os países. Seus militantes são freqüentemente os principais animadores dos últimos restos de vida sindical nas empresas, em tempos de paz social, e os mais hábeis sabotadores da luta em tempos de conflito.

O sindicalismo dos delegados de base ("shop stewards"), na Grã-Bretanha; dos "conselhos de fábrica", na Itália; dos "assembleístas", na Espanha; do STL (Sindicato dos Trabalhadores em Luta), do Sindicato dos Bancos etc., na França; das tendências "combativas", no interior do Solidariedade, constituem uma parte, um complemento indispensável das direções sindicais e do sindicalismo "oficial".

Não existe na nossa época a possibilidade de um bom sindicato. Mas não é porque as grandes centrais sindicais são podres e "vendidas" que o sindicalismo é ineficaz e nefasto para o combate operário. É porque o sindicalismo – isto é a luta por reformas respeitando as leis econômicas dominantes – tornou-se ineficaz, anacrônica no capitalismo em declínio, que os sindicatos, grandes ou pequenos, são inevitavelmente absorvidos pela instituição estatal.

Essas tendências que defendem a possibilidade de um "bom sindicalismo" - não importa quais sejam os motivos originais de seus protagonistas - só fazem obstruir o avanço das lutas operárias, em direção ao seu único desenvolvimento possível: a greve de massas, radical, política, auto-organizada. Elas são o último obstáculo que a classe operária terá de superar para na luta contra os sindicatos.

A significação do sindicalismo de base

Por eficazes que possam ter sido, até agora, as manobras do "radicalismo sindical" para conter o avanço proletário não deixam de expressar uma grande fraqueza da burguesia.
Estamos muito longe de uma situação como a dos anos 30, quando as grandes centrais sindicais européias dirigiam sem dificuldades as greves operárias, bandeiras e hinos nacionais à frente, na arregimentação nacionalista e bélica. Se, nos anos 80, os grandes sindicatos têm necessidade de deixar que se exprimam tendências "combativas" e "antidireção"; se, hoje, o sindicalismo deve, para manter sua credibilidade, vestir a ideologia "anti-organizações sindicais oficiais" é porque há muito que amadurece nos operários, freqüentemente de forma subterrânea, a consciência da natureza capitalista dos sindicatos e do sindicalismo em geral.