As lições de Kronstadt

Printer-friendly version

Este artigo (escrito em 1975) é uma tentativa de análise dos acontecimentos de Kronstadt e das lições que deles se pode tomar, para o desenvolvimento do movimento operário de hoje e de amanhã. Nele são desenvolvidos os pontos essenciais para que os revolucionários compreendam o que herdamos daqueles episódios. Estes pontos podem ser resumidos da seguinte forma:

1 – A revolução proletária é, por sua própria natureza histórica, uma revolução internacional. Enquanto permanecer localizada no limite de um ou vários países isolados, tropeçará com dificuldades absolutamente insuperáveis e encontrar-se-á fatalmente condenada à morte a curto ou longo prazo.

2 – Ao contrário de outras revoluções na história, a revolução proletária exige a participação direta, constante e ativa do conjunto da classe. O que significa que nunca poderá aceitar a "delegação" do poder a um partido, nem a uma fração da classe ou um corpo especializado, por mais revolucionário que seja, sob pena de iniciar um processo de degeneração que suplante toda ela.

3 – A classe operária é a única revolucionária, não só na sociedade capitalista, mas também no período de transição, enquanto sigam subsistindo as classes a nível mundial. De modo que a autonomia total do proletariado com relação a outras classes e camadas sociais seguirá sendo a condição fundamental que vai lhe permitir exercer a hegemonia e sua ditadura de classe para a instauração da sociedade comunista.

4 – A autonomia do proletariado significa que sob nenhum pretexto as organizações unitárias e políticas da classe terão que se subordinar às instituições do Estado, pois isso equivaleria à dissolução destes órgãos de classe e levaria o proletariado a abdicar de seu programa comunista, do qual é o único sujeito.

5 – A marcha ascendente da revolução proletária não é conseqüência de tal ou qual medida econômica, por mais importante que essa seja. A única garantia do avanço da revolução é o programa, a visão e a ação política e total do proletariado. Em todo esse conjunto estão compreendidas as medidas econômicas imediatamente possíveis que se ajustam ao sentido do programa.

6 – A violência revolucionária é uma arma do proletariado frente às outras classes. Sob nenhum pretexto esta servirá de critério nem instrumento dentro da própria classe, porque não é um meio de tomada de consciência. Os únicos meios através dos quais o proletariado pode tomar consciência são sua própria experiência e o exame crítico constante dela. Com isto queremos dizer que o exercício da violência no interior da classe, seja qual for sua motivação e possível intensificação imediata, só pode impedir a atividade própria das massas e ser o maior obstáculo para sua tomada de consciência, que é condição indispensável para o triunfo do comunismo.

As lições de Kronstadt

A revolta de Kronstadt em 1921 é a pedra de toque que separa os que podem compreender o processo e a evolução da revolução proletária graças a suas posições de classe, daqueles outros que consideram a revolução como letra morta. Esses acontecimentos ressaltam de forma trágica algumas das mais importantes lições de toda a revolução russa, lições que o proletariado não pode ignorar e ainda mais no momento em que está preparando seu próximo grande levante revolucionário contra o capital.

Qualquer estudo marxista do problema de Kronstadt só pode partir da afirmação de que a Revolução de Outubro de 1917 na Rússia foi proletária, um momento no desenvolvimento da revolução proletária mundial que era a resposta da classe operária internacional à guerra imperialista de 1914-18. Esta guerra foi o marco que destacou a entrada definitiva do capitalismo em seu ocaso histórico irreversível, tornando, assim, a revolução proletária uma necessidade material em todos os países. Devemos afirmar também que o partido bolchevique, que era a vanguarda da revolução de outubro, era um partido comunista proletário, uma força vital na esquerda internacional após a traição da II Internacional em 1914 e que seguiu defendendo as posições de classe do proletariado durante a Primeira Guerra Mundial e no período subsequente.

Ao contrário dos que falam da insurreição de outubro como um simples "golpe de Estado", um putsch, realizado por uma camarilha de conspiradores, nós repetimos que a insurreição foi o ponto culminante de um longo processo de luta de classes e a prova da maturação da consciência da classe operária organizada em sovietes, comitês de fábrica e guardas vermelhos. A insurreição era parte de um processo de destruição do Estado burguês e de instauração da ditadura do proletariado; os bolcheviques defenderam-na com unhas e dentes como algo que devia marcar a primeira baliza decisiva da revolução proletária mundial, da guerra civil contra burguesia. Como estava longe do espírito dos bolcheviques, naquele momento, a ideia de que a insurreição teria mais tarde como fim a "construção do socialismo unicamente na Rússia", apesar do número de erros e confusões que continha o programa econômico imediato da revolução, erros que, por outro lado, eram compartilhados na época pelo movimento operário em seu conjunto.

Só deste modo se pode esperar compreender a degeneração posterior da revolução russa. Como este problema é abordado em outro texto da revista da CCI (A degeneração da Revolução Russa [1]), limitar-nos-emos aqui a algumas observações gerais. A revolução iniciada em 1917 não conseguiu se estender internacionalmente apesar das numerosas tentativas que houve em toda Europa. A própria Rússia encontrava-se dilacerada por uma longa e sangrenta guerra civil que devastou a economia e fragmentou a classe operária industrial, coluna vertebral do poder dos sovietes. Neste contexto de isolamento e de caos interno, os erros ideológicos dos bolcheviques começaram a exercer um peso material contra a hegemonia política da classe operária, quase imediatamente depois de ter tomado o poder. No entanto, era um processo irregular. Os bolcheviques recorriam a medidas cada vez mais burocráticas na própria Rússia pelos anos 1918-20, ao mesmo tempo em que contribuíam para fundar a Internacional Comunista (IC) em 1919, com um único e claro objetivo que era acelerar a revolução proletária mundial.

A delegação do poder a um partido, a eliminação dos comitês de fábrica, a subordinação progressiva dos sovietes ao aparato de Estado, a dissolução das milícias operárias, o modo "militarizado" cada vez mais acentuado de se enfrentar as dificuldades, resultado dos períodos de tensão durante a guerra civil, a criação de comissões burocráticas, eram manifestações evidentes do processo de degeneração da revolução russa.

Estes fatos não são os únicos sinais de enfraquecimento do poder político da classe operária, mas são com toda segurança os mais importantes. Foi, sobretudo, durante a guerra civil quando se pôde observar uma acentuação do processo, embora alguns sintomas já fossem visíveis antes do período do comunismo de guerra. Uma vez que a rebelião de Kronstadt foi, em muitos aspectos, uma reação contra os rigores do comunismo de guerra, será preciso mostrar aqui com especial clareza o significado real que teve este período para o proletariado russo.

A natureza do comunismo de guerra

Como destaca o artigo sobre a "degeneração da revolução russa", [2] agora nós não podemos seguir mantendo as ilusões dos comunistas de esquerda daquela época, que, em sua maioria, viam no comunismo de guerra uma "verdadeira" política socialista, contra a restauração do capitalismo estabelecida pela NEP (Nova Política Econômica). O desaparecimento quase total do dinheiro e dos salários, a requisição dos cereais aos camponeses não significavam a abolição das relações sociais capitalistas, senão que eram simples medidas de urgência impostas pelo bloqueio econômico capitalista contra a República dos Sovietes e pelas necessidades da guerra civil. Quanto ao poder político real da classe operária, já vimos que aquele período esteve marcado por uma debilitação progressiva dos órgãos da ditadura do proletariado e pelo desenvolvimento de tendências burocráticas e institucionais. A direção do Partido-Estado empenhava-se em demonstrar que a organização da classe era excelente em princípio, porém, naquelas circunstâncias, era melhor subordinar tudo à luta militar. A doutrina da "eficácia" começava a minar os princípios fundamentais da democracia proletária. Baseando-se nesta doutrina, o Estado começou a instaurar uma militarização do trabalho, que submetia os trabalhadores a métodos de vigilância e exploração extremamente severos. "Em janeiro de 1920, o Conselho de Comissários do Povo, instigado principalmente por Trotsky, decretou a obrigação geral de trabalhar aplicável a todos os adultos válidos, ao mesmo tempo que autorizava o destino do pessoal militar ocioso a serviços civis." (Avrich, Kronstadt 1921. Princetown, p. 26-27. Tradução nossa)

Ao mesmo tempo, as tropas do exército vermelho reforçavam a disciplina de trabalho nas fábricas. Debilitados os comitês de fábrica, o Estado tinha via livre para introduzir a direção personalista e o Sistema Taylor de exploração, anteriormente criticado por Lênin como "escravização do homem pela máquina". Para Trotsky, "a militarização do trabalho é o método de base indispensável para a organização de nossa mão de obra". (Relatório do III Congresso dos Sindicatos de toda a Rússia. Moscou 1920. Tradução nossa). O fato de que o Estado fosse naquele momento um "Estado Operário" significava, para ele, que os trabalhadores não poderiam colocar objeções à sua total submissão ao Estado.

Mas as duras condições de trabalho das fábricas não eram recompensadas com salários elevados ou um fácil acesso aos "valores de uso". Pelo contrário, os estragos que o bloqueio e a guerra tinham feito na economia fizeram que logo aparecesse o espectro da fome. Os trabalhadores tinham que se conformar com rações cada vez mais escassas e distribuídas com frequência de modo irregular. Amplos setores da indústria deixaram de funcionar e milhares de trabalhadores foram abandonados aos seus próprios meios, ou aos de sua imaginação para sobreviver. A reação de muitos deles foi renunciar à cidade e buscar a subsistência no campo. Muitos tentaram sobreviver negociando diretamente com os camponeses, trocando frequentemente ferramentas roubadas na fábrica por alimentos. Quando o regime do comunismo de guerra proibiu a troca entre indivíduos, encarregando o Estado da requisição e distribuição de bens essenciais, muita gente só pôde sobreviver graças ao mercado negro que se difundiu em todo o país. Para lutar contra esse mercado negro o governo criou obstáculos para fiscalizar todos os viajantes que entravam ou saiam das cidades, enquanto as atividades da Cheka (polícia política) para reforçar os decretos do governo tornavam-se cada vez mais enérgicas. Esta "Comissão Extraordinária" estabelecida em 1918 para combater a contrarrevolução funcionava de um modo mais ou menos sem controle. Seus métodos impiedosos valeram-lhe o ódio geral da população.

Nem o tratamento sumário dispensado aos camponeses ganhou a aprovação universal dos trabalhadores. As estreitas relações familiares e pessoais que existiam entre muitos setores da classe operária russa e o campesinato tornavam os trabalhadores especialmente sensíveis às queixas dos camponeses sobre os métodos que costumavam utilizar os destacamentos armados enviados para a requisição de cereais, sobretudo quando estes requeriam-lhes mais do que lhes sobrava para viver, deixando-os sem os meios necessários para satisfazer suas necessidades. O resultado que deram estes métodos foi que, com freqüência, os camponeses escondiam ou destruíam suas colheitas, agravando a situação de pobreza e penúria em todo o país. A impopularidade geral destas medidas econômicas coercitivas seria exposta mais tarde no programa dos insurgentes de Kronstadt como veremos depois.

Se alguns revolucionários, como Trotsky, tinham tendência a converter a necessidade em virtude e a glorificar a militarização da vida econômica e social, outros, como Lênin, faziam prova de maior prudência. Lênin não dissimulava o fato de que os sovietes já não funcionavam como órgãos diretos do poder proletário e durante o debate sobre o problema dos sindicados em 1921 com Trotsky, defendeu a ideia de que os trabalhadores deviam defender-se por si próprios contra seu Estado, particularmente desde que, segundo Lênin, a república dos sovietes já não era somente um "Estado proletário", senão um "Estado de operários e camponeses" com profundas "deformações burocráticas". A Oposição Operária e, com certeza, outros grupos de esquerda, chegaram mais longe na denúncia destas deformações burocráticas que o Estado sofrera no período 1918-21. Mas, a maioria dos bolcheviques acreditavam sincera e firmemente que enquanto eles (o partido do proletariado) controlassem o aparato de Estado, a ditadura do proletariado seguiria existindo, apesar das massas trabalhadoras terem desaparecido temporariamente da vida política. Esta posição, fundamentalmente falsa, provocaria inevitavelmente consequências desastrosas.

A crise de 1921

Enquanto durou a guerra civil, o Estado dos sovietes seguia conservando o apoio da maioria da população, pois havia se identificado com o combate contra as antigas classes possuidoras e capitalistas. As duras privações da guerra civil foram suportadas com relativa boa vontade pelos trabalhadores e pequenos camponeses. Mas, depois da derrota dos exércitos imperialistas, muitos acreditaram que podiam esperar que as condições de vida fossem, a partir de então, menos severas e que o regime flexibilizasse um pouco o controle da vida econômica e social.

A direção bolchevique, no entanto, confrontada com os estragos que a guerra fizera na produção, mostrou-se bastante reticente em permitir ao menos o relaxamento do controle estatal centralizado. Alguns bolcheviques de esquerda, como Ossinsky, defendiam a manutenção e inclusive o reforço do comunismo de guerra, sobretudo no campo. Dessa forma, propôs um plano para a "organização obrigatória das massas para a produção" [3], sob a direção do governo para a formação de "comitês de semeadura" locais. Estes comitês teriam como objetivo o aumento da produção coletivizada e a criação de armazéns de sementes comuns, nos quais os camponeses deveriam reunir todos os grãos; o governo encarregar-se-ia da distribuição destes grãos. Todas estas medidas (pensava Ossinsky) conduziriam naturalmente à economia "socialista" na Rússia.

Os outros bolcheviques, como Lênin, começaram a pressentir a necessidade de suavizar um pouco a pressão, especialmente quanto aos camponeses, mas, no conjunto, o partido defendia com unhas e dentes os métodos do comunismo de guerra. O resultado foi que a paciência dos camponeses começou a se esgotar e no inverno de 1920-21 registraram-se vários levantes destes em todo o país. Na província de Tambov, na região média do Volga, na Ucrânia, na Sibéria ocidental e em muitas outras regiões, os camponeses organizaram-se em bandos armados muito rapidamente, para lutar contra os destacamentos de abastecimento e a Cheka. Muito frequentemente, alistaram-se em suas fileiras soldados recém licenciados do exército vermelho que lhes aportavam certas noções de estratégia militar. Em algumas regiões, formaram-se enormes exércitos rebeldes, a meio caminho entre a guerrilha e a horda de bandidos. Em Tambov, por exemplo, o exército que estava sob o comando de A. S. Antonov, chegou a contar com até 50.000 homens. Era pouca a motivação ideológica destas forças, caso com exceção do tradicional ressentimento dos camponeses contra a cidade, contra o governo centralizado e os clássicos sonhos de independência e autossubsistência que sempre teve a pequena burguesia rural. Depois do enfrentamento com as tropas camponesas de Makhno na Ucrânia, a possibilidade de um levantamento generalizado contra o poder dos sovietes era algo que atormentava os bolcheviques. Nada tem de estranho, pois, que compreendessem o levante de Kronstadt como esta ameaça que lhes fazia mais propriamente o campesinato. Esta foi, sem dúvida, uma das razões pelas quais reprimiram com tanta selvageria o levante de Kronstadt.

Quase imediatamente depois, surgiu em Petrogrado uma série de greves selvagens muito mais importantes. Tudo começou na fábrica metalúrgica de Trubochny e estendeu-se rapidamente a muitas outras grandes indústrias da cidade. Nas assembleias de fábrica e nas manifestações, adotavam-se resoluções que reclamavam um aumento das rações de alimentos e roupa, pois muitos deles passavam fome e frio. Ao mesmo tempo, iam aparecendo outro tipo de reivindicações, estas mais políticas: os operários queriam que terminassem as restrições sobre os deslocamentos para fora das cidades, a libertação dos prisioneiros da classe operária, a liberdade de expressão, etc. As autoridades soviéticas da cidade, encabeçadas por Zinoviev, responderam denunciando que as greves serviam aos propósitos da contrarrevolução e puseram a cidade sob controle militar direto, proibindo as assembleias nas ruas e ordenando o toque recolher às 11 h da noite. Sem dúvida alguma, certos elementos contrarrevolucionários como os mencheviques ou os S.R. jogaram um papel nos acontecimentos com suas teorias falaciosas sobre a "salvação", mas o movimento de greve de Petrogrado era essencialmente uma resposta proletária espontânea às condições de vida insuportáveis. Mas as autoridades bolcheviques não podiam admitir que os operários se pusessem em greve contra o "Estado Operário" e taxaram os grevistas de provocadores, preguiçosos e individualistas. Trataram também de romper a greve fechando fábricas, privando-as de suas rações e ordenando a detenção dos líderes mais destacados pela Cheka local. Estas medidas repressivas foram combinadas com concessões: assim, Zinoviev anunciava ao mesmo tempo o fim do bloqueio das estradas dos arredores da cidade, a compra de carvão no exterior para fazer frente à penúria de combustível e o projeto para acabar com as requisições de cereais. Esta mistura de repressão e conciliação conduziu os trabalhadores, já debilitados e esgotados, ao abandono da sua luta na esperança de um futuro mais promissor.

Mas o eco mais importante que o movimento de greve de Petrogrado teve foi na fortaleza próxima de Kronstadt. A guarnição de Kronstadt, um dos principais baluartes da Revolução de Outubro, havia travado uma luta contra a burocratização antes das greves de Petrogrado. Durante os anos 1920-21 os marinheiros da frota vermelha no Báltico haviam combatido as tendências disciplinares dos oficiais e as habilidades burocráticas do POUBALT (secção política da frota do Báltico, o órgão do Partido que dominava a estrutura soviética da marinha). Em fevereiro de 1921, as assembleias de marinheiros votaram moções declarando que "o POUBALT não apenas se separou das massas, mas inclusive dos funcionários ativos. Converteu-se num órgão burocrático sem nenhuma autoridade entre os marinheiros". (Ida Mett, A Comuna de Kronstadt, Solidarity pamphlet. p. 3).

Assim estavam as coisas quando chegaram notícias das greves de Petrogrado e de que as autoridades haviam declarado a lei marcial. Já havia certo estado de fermentação entre os marinheiros? O certo é que em 28 de fevereiro, enviaram uma delegação às fábricas de Petrogrado para ver o que estava acontecendo. No mesmo dia, a tripulação do cruzeiro Petropavlosk reuniu-se para discutir a situação e adotar a seguinte resolução:

"Depois de ter ouvido os representantes delegados pela Assembleia geral das tripulações dos navios com o objetivo de conhecer a situação de Petrogrado, os marinheiros decidem:1 – Organizar novas eleições para os sovietes com voto secreto e preparação prévia da livre propaganda eleitoral, já que os atuais sovietes não expressam a vontade dos operários e camponeses.2 – Exigir a liberdade de palavra e de imprensa para os operários, os camponeses, os anarquistas e os socialistas de esquerda.3 – Exigir a liberdade de reunião, de organizações sindicais e de organizações camponesas.4 – Organizar uma conferência de operários sem partido, soldados e marinheiros de Petrogrado, de Kronstadt e da província de Petrogrado para antes de 10 de março de 1921.5 – Exigir a libertação de todos os prisioneiros políticos dos partidos socialistas, operários e camponeses, soldados vermelhos e marinheiros encarcerados por terem participado dos diferentes movimentos operários e camponeses.6 – Eleger uma comissão para a revisão dos expedientes processuais dos detidos nos cárceres e campos de concentração.7 – Suprimir todos os Politotdiel (secções políticas), pois nenhum partido deve ter privilégios para a propaganda de suas ideias nem receber ajuda do Estado com este fim. Em seu lugar, serão criados círculos culturais eleitos que serão financiados pelo próprio Estado.8 – Suprimir imediatamente todos os destacamentos de controle nas estradas e vias.9 – Igualar as rações de todos os trabalhadores com a única exceção dos ofícios insalubres e perigosos.10 – Suprimir os destacamentos comunistas de combate nas unidades militares e fazer desaparecer o serviço de guarda comunista das fábricas. Em caso de necessidade destes serviços de guarda, serão designados em cada unidade, depois de consultar a opinião dos operários.11 – Dar aos camponeses completa liberdade de ação sobre suas terras e conceder-lhes o direito de possuir gado que eles mesmos criarão sem utilizar, em nenhum caso, o trabalho de pessoal assalariado.12 – Pedir a todas as unidades militares, e igualmente aos camaradas Kursantys [Nota da redação: aspirantes] que se associem à nossa resolução.13 – Exigir que a imprensa faça amplo eco de todas estas resoluções.14 – Designar um comitê volante de controle.

15 – Autorizar a livre produção artesanal, sempre que não se utilize para ela pessoal assalariado."

Esta resolução converteu-se rapidamente no programa da revolta de Kronstadt. Em primeiro de março houve uma assembleia de massa na guarnição que reuniu 16.000 pessoas. Oficialmente havia sido convocada como uma assembleia da primeira e da segunda secções de cruzeiros. A ela assistia Kalinin, presidente do executivo dos sovietes de toda a Rússia, e Kouzmin, comissário político da frota do Báltico. Ainda que Kalinin tenha sido acolhido com música e bandeiras, logo ficou completamente isolado na assembleia, assim como Kouzmin. A assembleia inteira adotou a resolução do Petropavlosk, menos Kalinin e Kouzmin, que tomaram a palavra com um tom provocador para denunciar as iniciativas que haviam sido tomadas em Kronstadt. No fim, foram vaiados.

No dia seguinte, dois de março, era o dia em que o Soviete de Kronstadt devia ser reeleito. A Assembleia de 1º de março convocou, então, os delegados dos barcos, das unidades do exército vermelho, das fábricas, a uma reunião para tratar da reconstituição do Soviete. Uns 300 delegados encontraram-se na casa de cultura. A resolução do Petropavlosk foi novamente adotada, assim como os projetos para a eleição do novo Soviete apresentados em uma moção orientada a "uma reconstrução pacífica do regime dos sovietes." (Ida Mett, op. cit.) Ao mesmo tempo, os delegados formaram um comitê revolucionário provisório (CRP), encarregado da administração da cidade e da organização da defesa contra toda intervenção do governo. Considerou-se que esta última tarefa era a mais urgente, pois corriam rumores sobre um ataque imediato dos destacamentos bolcheviques, em função das violentas ameaças de Kalinin e Kouzmin. Estes últimos adotaram uma atitude tão inflexível que foram detidos com outras personalidades oficiais. Com este último ato, a situação converteu-se já num motim declarado e foi interpretado pelo governo como tal.

O CRP pôs imediatamente mãos à obra. Começou a publicar seus próprios Izvestia, cujo primeiro número declarava: "O partido comunista, senhor do Estado, separou-se das massas. Demonstrou sua incapacidade para tirar o país do caos. Inumeráveis acidentes ocorreram recentemente em Moscou e em Petrogrado, os quais demonstram claramente que o Partido perdeu a confiança dos trabalhadores. O partido não faz caso das necessidades da classe operária, porque pensa que estas reivindicações são fruto de atividades contrarrevolucionárias. Ao atuar assim, o Partido incorre em um grande erro." (Izvestia do CRP. 3 de março de 1921)

A natureza de classe da revolta de kronstadt

A resposta imediata do Governo Bolchevique à rebelião foi denunciá-la como mais uma faceta da conspiração contrarrevolucionária contra o poder dos sovietes. A Rádio Moscou a chamava de "complô da Guarda Branca" e afirmava possuir provas de que tudo fora organizado pelo círculo de emigrantes de Paris e pelos espiões da Entente. Ainda que estas falsificações continuem sendo utilizadas hoje em dia, já não se lhes dá muito crédito, nem sequer historiadores semitrotskistas, como Deutscher, que considera estas acusações desprovidas de fundamento real. Com certeza, todos os carniceiros da contrarrevolução, desde a Guarda Branca até os S.R. trataram de recuperar a rebelião e lhe ofereceram seu apoio. Mas, apesar da ajuda "humanitária" que chegou através da Cruz Vermelha russa, controlada pelos emigrantes, o CRP rechaçou todas as proposições feitas pela reação. Em vez disso, proclamou bem alto que não lutavam por um retorno à autocracia nem à Assembleia Constituinte, mas lutavam por uma regeneração do poder dos sovietes, liberado do domínio burocrático: "a defesa dos trabalhadores são os sovietes e não a Assembleia Constituinte" [4], declaravam o Izvestia de Kronstadt.

  • "Em Kronstadt, o poder está nas mãos dos marinheiros, dos soldados vermelhos e dos trabalhadores revolucionários. Não está nas mãos dos guardas brancos, mandados pelo general Kozlovsky, como afirma enganosamente a Rádio Moscou." (Chamada do CRP citada por Ida Mett, p. 22-23)

Quando ficou demonstrado que a ideia de um simples complô era pura ficção, os que se identificavam de uma forma não crítica com a decadência do Bolchevismo, apresentaram desculpas mais elaboradas para justificar a repressão de Kronstadt.

Em "Hue and Cry over Kronstadt" (New International. Abril 1938), Trotsky apresentou a seguinte argumentação: é certo, Kronstadt foi um dos baluartes da revolução proletária em 1917. Mas durante a guerra civil, os elementos revolucionários proletários da guarnição foram dispersados e substituídos por elementos camponeses impregnados da ideologia pequeno-burguesa reacionária. Esses elementos não podiam resistir aos rigores da ditadura do proletariado e da guerra civil, rebelaram-se com o objetivo de debilitar a ditadura e outorgar-se rações privilegiadas. O levantamento de Kronstadt não era senão uma reação armada da pequena burguesia contra os sacrifícios da revolução social e a austeridade da ditadura do proletariado". Trotsky continua dizendo que os trabalhadores de Petrogrado, ao contrário dos dândis de Kronstadt, suportaram estes sacrifícios sem se queixar e terminaram "aborrecidos com a rebelião", porque se deram conta de que "os amotinados de Kronstadt estavam do outro lado da barricada" e, portanto, haviam decidido "emprestar seu apoio aos sovietes."

Não interessa agora passar muito tempo examinando estes argumentos; os fatos que citamos os desmentem. A afirmação de que os insurgentes de Kronstadt reclamavam rações privilegiadas para eles mesmos fica desmentida se nos remetemos ao ponto 9 da resolução do Petropavlosk, que reclamava rações iguais para todos. Do mesmo modo, o retrato dos operários de Petrogrado emprestando docilmente seu apoio à repressão se desmente pela realidade das greves que precederam à revolta. Embora este movimento tivesse decaído muito no momento em que a revolta de Kronstadt estourou, importantes frações do proletariado de Petrogrado seguiram apoiando de forma efetiva aos insurgentes. Em 7 de março, dia em que começou o bombardeio de Kronstadt, os trabalhadores do arsenal reuniram-se em comício e elegeram uma comissão encarregada de lançar uma greve geral para sustentar a rebelião. Em Pouhlov, Battisky, Oboukov e nas principais empresas continuavam as greves.

Por outro lado, não vamos negar que havia elementos pequeno-burgueses no programa e na ideologia dos insurgentes e no pessoal da frota e do exército. Mas, todos os levantes proletários vêm acompanhados de uma quantidade de elementos pequeno-burgueses e reacionários, o que não mudam o caráter fundamentalmente operário do movimento. Isto foi sem dúvida o que ocorreu inclusive na insurreição de outubro, que contava com o apoio e a participação ativa de elementos camponeses nas forças armadas e no campo. A composição da assembleia de delegados de 2 de março demonstra que os insurgentes tinham uma ampla base operária. Ela era formada em grande parte por proletários das fábricas, das unidades da marinha da guarnição e do conjunto do CRP eleito pela assembleia. O CRP era formado por veteranos trabalhadores e marinheiros que haviam participado do movimento revolucionário, pelo menos desde 1917. (Veja-se a obra mencionada de Ida Mett para a análise da lista de membros deste comitê). Mas estes fatos são menos importantes que o contexto geral da revolta: esta, aconteceu no contexto da luta da classe operária contra a burocratização do regime, identificava-se com esta luta e era compreendida como um momento de sua generalização.

  • "Que os trabalhadores do mundo inteiro saibam que nós, os defensores do poder dos sovietes, protegemos as conquistas da revolução social. Venceremos ou morreremos nas ruínas de Kronstadt, lutando pela justa causa das massas proletárias". (Pravda o Kronstadt [A verdade sobre Kronstadt], Praga, 1921, p. 82)

Os anarquistas, ideólogos da pequena burguesia, falavam de Kronstadt como sendo sua revolta. Apesar de ter havido, sem qualquer sobra de dúvida, influências anarquistas no programa dos insurgentes e em sua ideologia, as reivindicações não eram simplesmente anarquistas. Não reclamavam uma abolição abstrata do Estado, mas a regeneração do poder dos sovietes. Tampouco queriam abolir os "partidos" como tais. Embora muitos insurgentes tenham abandonado o partido bolchevique naquela época e apesar de terem sido publicadas muitas resoluções confusas sobre a "Tirania Comunista", nunca propuseram "os Sovietes sem os comunistas", como se afirmou muito frequentemente. Suas bandeiras eram de liberdade de agitação aos diferentes grupos da classe operária e "o poder aos sovietes, não aos partidos". Apesar de todas as ambiguidades que estas bandeiras comportavam, expressavam uma rejeição instintiva da ideia de partido que suplanta a classe, o qual foi um dos principais fatores que contribuíram para a degeneração do bolchevismo.

Um dos traços característicos da rebelião é que não apresentava uma análise política clara e coerente da degeneração da revolução. Tais análises deveriam encontrar expressão no seio das minorias comunistas, embora, em certas conjunturas específicas, estas minorias sejam pouco a pouco rejeitadas no que diz respeito à consciência espontânea do conjunto da classe. No caso da revolução russa, foi preciso que se passassem várias décadas de árdua reflexão na Esquerda Comunista Internacional para chegar a uma compreensão coerente do que era a degeneração. O levante de Kronstadt representava uma reação elementar do proletariado contra esta degeneração, uma das últimas manifestações de massa da classe operária russa naquela época. Em Moscou, Petrogrado e Kronstadt, os trabalhadores lançaram um pedido de socorro desesperado para salvar a revolução russa que começava a declinar.

kronstadt e a NEP

Muitas foram as polêmicas a propósito da relação entre as reivindicações rebeldes e a NEP (Nova Política Econômica). Para stalinistas inveterados como os da Organização Comunista Inglesa e Irlandesa – B&ICO (Problema do Comunismo nº 3), foi preciso massacrar a rebelião porque seu programa econômico de troca e de livre comércio era uma reação pequeno-burguesa contra o processo de "construção do socialismo" na Rússia – socialismo significava, com certeza, a maior concentração possível de Capitalismo de Estado. Mas, ao mesmo tempo, a B&ICO defende a NEP como uma etapa rumo ao socialismo! O reverso da medalha está representado pelo anarquista Murray Bookchin que, em sua introdução à edição canadense de "A Comuna de Kronstadt" (Black Rose Book, Montreal, 1971) nos descreve o paraíso libertário que teria sido possível realizar-se simplesmente aplicando o programa econômico dos rebeldes:

  • "Uma vitória dos marinheiros de Kronstadt poderia abrir novas perspectivas para a Rússia: uma forma híbrida de desenvolvimento social com controle operário das grandes fábricas e livre comércio dos produtos agrícolas, baseado em uma economia camponesa de pequena escala e comunidades agrárias voluntárias." (Tradução nossa)

Bookchin acrescenta em continuação, misteriosamente, que tal sociedade só poderia sobreviver se houvesse um forte movimento revolucionário no ocidente para apoiá-la. É de se perguntar a quem ocorre pensar que tais sonhos de vendedor de autogestão iriam representar uma ameaça para o capital mundial.

De todos os modos, esta controvérsia tem bem pouco interesse para os comunistas. Dado que a onda revolucionária havia fracassado, forçoso é reconhecer que nenhum tipo de política econômica, chame-se comunismo de guerra, autarquia, NEP ou programa de Kronstadt, poderia salvar a revolução. Por outro lado, muitas das reivindicações puramente econômicas apresentadas pelos rebeldes estavam mais ou menos incluídas na NEP. Ambos são inadequados enquanto programas econômicos e seria absurdo que os revolucionários de hoje reivindicassem troca ou livre comércio como medidas adequadas para um baluarte proletário, ainda que, em circunstâncias críticas, seja impossível eliminá-las. A diferença essencial entre o programa de Kronstadt e a NEP é a seguinte: enquanto esta última deveria ser implantada a partir de cima, pela nascente burocracia de estado, em cooperação com as direções privadas e capitalistas restantes, os insurgentes de Kronstadt propunham a restauração do poder autêntico dos sovietes e o fim da ditadura estatal do Partido Bolchevique como premissa de qualquer avanço revolucionário.

É o verdadeiro centro do problema. De nada serve discutir agora sobre a política econômica mais socialista naquele momento. Os insurgentes de Kronstadt compreendiam isso talvez menos que os bolcheviques mais ilustrados. Os insurgentes, por exemplo, falavam do estabelecimento de um "socialismo livre" (independente) na Rússia, sem insistir na necessidade de extensão da revolução em escala mundial antes de tentar realizar o socialismo.

  • "Kronstadt revolucionário combate por um tipo diferente de socialismo, por uma república soviética dos trabalhadores na que o produtor seja seu próprio amo e possa dispor de seu produto como melhor lhe aprouver." (Pravda o Kronstadt, p. 92)

A avaliação prudente que fez Lênin das possibilidades socialistas de progresso naquela época, embora logo tenha desembocado em conclusões reacionárias, era de fato uma aproximação que corresponderia mais à realidade que às esperanças que tinham os de Kronstadt da possibilidade de autogerir sua comuna no seio da Rússia.

Mas Lênin e a direção bolchevique, de pés e mãos atadas como estavam pelo aparato de Estado, não alcançaram compreender o que queriam dizer os insurgentes de Kronstadt de forma confusa, é certo, e com ideias mal formuladas: a revolução não pode dar um passo que seja sem que os trabalhadores a dirijam. A condição prévia e fundamental para a defesa da extensão da Revolução na Rússia era: todo poder aos Sovietes, quer dizer, a reconquista da hegemonia política pelas próprias massas operárias. Como foi sublinhado no artigo A Degeneração da Revolução Russa, esta questão do poder político é muito mais importante. O proletariado no poder pode fazer progressos econômicos importantes, ou estar obrigado a suportar regressões econômicas sem que por isso permita que a Revolução se perca. Mas, uma vez que haja desmoronado o poder político da classe, não há medida econômica que possa salvar a revolução. Justo porque os rebeldes de Kronstadt lutavam pela reconquista deste indispensável poder político proletário, os revolucionários de hoje devem reconhecer na luta de Kronstadt uma defesa das posições de classe fundamentais.

O esmagamento da revolta

A direção bolchevique opôs uma dura resistência à rebelião de Kronstadt. Já chamamos a atenção para o comportamento provocador de Kouzmin e Kalinin na guarnição, os boatos difundidos pela Rádio Moscou dizendo que se tratava de uma tentativa contrarrevolucionária da Guarda Branca. A atitude intransigente do governo bolchevique eliminou rapidamente toda possibilidade de acordo ou de discussão. A advertência urgente que Trotsky dirigiu à guarnição pedia a rendição incondicional e sem nenhuma oferta de concessão às exigências dos insurgentes. O chamado para Kronstadt emitido por Zinoviev e pelo Comitê de Defesa de Petrogrado (o orgão que havia submetido a cidade à lei marcial depois da onda de greves) é sobejamente conhecido por sua crueldade, como demonstra a ordem dada aos soldados: "disparem como se fossem perdizes", se os rebeldes resistirem. Zinoviev organizou também a captura de reféns entre os familiares dos insurgentes, sob o pretexto que o CRP havia detido alguns oficiais bolcheviques (sem que sofressem nenhum dano). Os insurgentes consideraram estas ações como infames e negaram a se dobrar diante das ameaças. Durante o assalto, as unidades enviadas para esmagar a rebelião estiveram constantemente à beira da desmoralização. Houve inclusive casos de confraternização com os amotinados. Para "assegurar-se" da lealdade do exército, foram destacados alguns eminentes dirigentes do Partido Bolchevique, que se encontrava então em sessão, para que se dirigissem ao lugar; entre eles havia membros da Oposição Operária que queriam deixar bem claro que eles não tinham nada a ver com o levante. Ao mesmo tempo, os fuzis da Cheka estavam por trás, apontando para os soldados, como segurança complementar de que a desmoralização não se propagaria.

Quando, por fim, caiu a fortaleza, centenas de insurgentes foram exterminados, executados sumariamente ou condenados rapidamente à morte pela Cheka. Aos demais, mandaram-nos a campos de concentração. A repressão foi levada a cabo sem piedade. Para apagar todas as pegadas do levante, puseram a cidade sob controle militar. Dissolveram o Soviete e fizeram um expurgo de todos os elementos dissidentes. Até os soldados que haviam participado da repressão da revolta foram dispersos imediatamente em unidades distintas, para impedir que se propagassem os "micróbios" de Kronstadt. Medidas análogas foram tomadas com as unidades da marinha consideradas "pouco confiáveis."

O desenvolvimento dos acontecimentos na Rússia durante os anos que se seguiram à revolta tornam absurdas as declarações que pretendem que a repressão da rebelião era uma "necessidade trágica" para defender a revolução. Os bolcheviques acreditavam que defendiam a revolução contra a ameaça da reação representada pela Guarda Branca, neste porto fronteiriço estratégico. Mas, qualquer que possam ser as ideias dos bolcheviques sobre o que faziam, o certo é que, ao atacar os rebeldes, estavam atacando a única defesa real que a revolução poderia ter: a autonomia da classe operária e o poder proletário direto. Ao agir assim, comportaram-se como agentes da contrarrevolução e seus atos serviram para preparar o caminho que permitiu o triunfo final da contrarrevolução sob a forma do stalinismo.

A extrema violência com que o governo reprimiu o levante levou alguns revolucionários à conclusão de que o partido bolchevique era clara e abertamente capitalista em 1921, exatamente como os stalinistas e os trotskistas são hoje. Não queremos polemizar agora sobre o momento em que o partido se pôs irremediavelmente ao lado da burguesia e, em todo caso, rechaçamos o método que tenta encerrar a compreensão do processo histórico em um rígido esquema de datas.

Mas dizer que o Partido Bolchevique não era "outra coisa senão capitalista" em 1921 significa, de fato, que não temos nada a aprender dos acontecimentos de Kronstadt, salvo a data da morte da revolução. Afinal, os capitalistas nunca deixaram de reprimir os levantes operários e isto é algo que não temos que estar aprendendo sem cessar. Kronstadt só pode nos ensinar algo novo se o reconhecemos como um capítulo da história do proletariado, como uma tragédia no campo proletário. O problema real com o qual hão de se enfrentar hoje os revolucionários é o de saber como um partido proletário pôde chegar a agir como os Bolcheviques em Kronstadt em 1921, e como podemos estar seguros que tais coisas não se repetirão jamais. Em uma palavra, que conclusões há que tirar de Kronstadt?

As conclusões de Kronstadt

A revolta de Kronstadt esclarece de um modo particularmente dramático as lições fundamentais de toda Revolução Russa, o único verdadeiramente proveitoso da revolução de outubro que fica para a classe operária.

1. A revolução proletária é internacional ou não é revolução

A revolução proletária só pode triunfar em escala mundial. É impossível abolir o capitalismo ou "construir o socialismo" em um só país. A revolução não será salva por programas de reorganização econômica em um país, mas somente pela extensão do poder político proletário para toda a terra. Sem isto, a degeneração da revolução é inevitável, por mais mudanças que se possa produzir na economia. Se a revolução permanece isolada, o poder político do proletariado será destruído ou por uma invasão externa, ou pela violência interna como em Kronstadt.

2. A ditadura do proletariado não é a de um partido

A tragédia da Revolução Russa, em particular a matança de Kronstadt, foi que o partido do proletariado, o Partido Bolchevique, considerou que sua função era tomar o poder de Estado e defender esse mesmo poder contra a classe operária em seu conjunto. Por isso, quando o Estado se autonomiza em relação à classe e se levanta contra ela, como em Kronstadt, os bolcheviques acreditaram que seu lugar estava no Estado que lutava contra a classe e abandonaram a classe que lutava contra a burocratização do Estado.

Hoje, os revolucionários devem afirmar como princípio fundamental que a função do partido não consiste em tomar o poder em nome da classe. Só a classe operária em seu conjunto, organizada em comitês de fábrica, milícias e conselhos operários, pode tomar o poder político e empreender a transformação comunista da sociedade. O partido deve ser um fator ativo no desenvolvimento da consciência proletária, mas não pode criar o comunismo "em nome" de uma classe. Tal pretensão só pode levar, como ocorreu na Rússia, à ditadura do partido sobre a classe, a supressão da atividade do proletariado por si mesmo, sob pretexto que "o partido é melhor".

Ao mesmo tempo, a identificação do partido com o Estado, coisa natural para um partido burguês, não pode senão arrastar os partidos proletários para a corrupção e a traição. Um partido do proletariado deve constituir a fração mais radical e avançada da classe que, por sua vez, é a mais dinâmica da história. Sobrecarregar o Partido com a administração dos assuntos de Estado, que por definição não pode mais que ter uma função conservadora, é negar todo o papel do partido e asfixiar sua criatividade revolucionária. A burocratização progressiva do partido bolchevique, sua incapacidade crescente em separar os interesses da classe revolucionária dos do Estado dos sovietes, sua degeneração em uma máquina administrativa, tudo isto é o preço pago pelo próprio partido por suas concepções errôneas de partido que exerce um poder de Estado.

3. As relações de força dentro da classe não devem existir

O princípio de que nenhuma minoria, por mais culta que seja, pode exercer o poder sobre a classe operária, é paralelo a este outro: não pode haver relações de força dentro da classe operária. A democracia proletária não é um luxo que pode ser suprimido em nome da "eficácia", mas é a única garantia da boa marcha da revolução e da possibilidade que a classe tem de tirar conclusões de sua própria experiência. Ainda que algumas frações da classe estejam erradas, nenhuma outra fração (seja majoritária ou não) pode lhes impor a "linha justa". Só uma liberdade total de diálogo dentro dos órgãos autônomos da classe (assembleias, conselhos, partido, etc.) poderá resolver os conflitos e os problemas da classe. Isto quer dizer também que toda a classe deve ter acesso aos meios de comunicação (imprensa, rádio, TV, etc.) e conservar o direito de greve e julgar criticamente as diretivas que emanem dos órgãos de Estado.

Ainda que se admita que os marinheiros de Krontadt se equivocaram, a dureza das medidas que o governo bolchevique tomou era totalmente injustificada. Tais ações podem destruir a solidariedade e a coesão dentro da classe, ao mesmo tempo em que geram a desmoralização e o desespero. A violência é uma arma que o proletariado terá que utilizar necessariamente contra a classe capitalista. Seu uso contra classes não exploradoras deverá se reduzir ao mínimo, mas no interior do próprio proletariado, não pode haver lugar para ela.

4. A ditadura do proletariado não é o estado

Por ocasião da Revolução Russa existia uma confusão fundamental no movimento operário, pela qual se identificava a ditadura do proletariado com o Estado que apareceu depois da derrubada do regime czarista, quer dizer, o Congresso dos delegados de toda a Rússia dos Sovietes dos trabalhadores, soldados e camponeses.

Mas a ditadura do proletariado, funcionando através dos órgãos específicos da classe operária, como as assembleias de fábrica e os conselhos operários, não é uma instituição senão um estado de fato, um movimento da classe operária em seu conjunto. A meta da ditadura do proletariado não é um Estado no sentido proposto pelos marxistas. O Estado é esse órgão da superestrutura que surge da sociedade de classes, cuja função consiste em preservar as relações sociais dominantes, o status quo entre as classes. Ao mesmo tempo, os marxistas afirmaram sempre a necessidade do Estado em um período de transição ao comunismo, depois da abolição do poder político burguês. Por isso dizemos que o Estado russo soviético, assim como a Comuna de Paris, foi um produto inevitável da sociedade de classes que existia na Rússia depois de 1917.

Certos revolucionários defendem a ideia de que o único estado que pode existir depois da destruição do poder burguês são os conselhos operários. É certo que os Conselhos Operários têm que assegurar a função que sempre foi uma das principais características do Estado: o exercício do monopólio da violência. Mas, assimilá-los, por isso, ao Estado é reduzir o papel do Estado a um simples órgão de violência e nada mais. Quer dizer, com tais concepções, o Estado burguês de hoje estaria composto unicamente pela polícia e pelo exército, e não pelo parlamento, municípios, sindicatos e outras inumeráveis instituições que mantêm a ordem capitalista sem fazer uso imediato da repressão. Estas instituições são órgãos do Estado, pois servem para manter a ordem social existente, os antagonismos de classe dentro de um marco aceitável. Os conselhos operários, pelo contrário, representam a negação ativa desta função do Estado posto que são, antes de tudo, órgãos de transformação social radical e não órgãos do status quo.

Mas, além disso, é utópico esperar que as únicas instituições que existam no período de transição sejam precisamente os conselhos operários. O grande transtorno social que é a revolução engendra instituições de todo o tipo, não apenas da classe operária nos lugares de produção, senão da população inteira que estava oprimida pela classe capitalista. Na Rússia, os Sovietes e outros órgãos populares apareceram, não só nas fábricas, mas também em todas as partes: no exército, na marinha, nas aldeias, nos bairros das cidades. Isto não decorria unicamente de que "os bolcheviques começavam a construir um Estado que tinha uma existência separada da organização de massas da classe". (Worker’s Voice N° 14) É certo que os bolcheviques contribuíram ativamente para a burocratização do Estado, abandonando o princípio das eleições e instruindo inumeráveis comissões à margem dos sovietes; mas não se pode dizer que os bolcheviques mesmos criaram "o Estado Soviético". Foi algo que surgiu porque a sociedade devia engendrar uma instituição capaz de conter seus profundos antagonismos de classe. Dizer que só podem existir os conselhos operários é pregar a guerra civil permanente, não só entre a classe operária e a burguesia (que, com certeza, é necessária), mas também entre a classe operária e todas as demais classes e categorias. Na Rússia isto teria significado uma guerra entre os sovietes de operários e os de soldados e camponeses, o que teria sido uma terrível perda de energia e um desvio da tarefa primordial da revolução mundial contra a classe capitalista. [5]

Mas se o Estado dos Sovietes era, a partir de certo ponto de vista, o produto inevitável da sociedade pós-insurreição, podemos esclarecer numerosos e graves defeitos de estrutura e funcionamento, depois da revolução de outubro, além do fato de estar controlado pelo Partido.

a.     No funcionamento real do Estado havia um abandono contínuo dos princípios fundamentais estabelecidos a partir das experiências da Comuna de 1871, e reafirmados por Lênin no "Estado e a Revolução" em 1917: que todos os funcionários fossem eleitos e com mandatos revogáveis a qualquer tempo, que a remuneração dos funcionários do Estado fosse igual à dos operários, que o proletariado estivesse permanentemente armado. Foram se multiplicando as comissões e departamentos sobre os quais a classe operária não tinha nenhum controle (conselhos econômicos, Cheka, etc.). As eleições eram adiadas, suspensas ou fraudadas. Os privilégios outorgados às personalidades oficiais gradualmente tornou-se comum. As milícias operárias foram dissolvidas no interior do exército vermelho, que não estava controlado pelos conselhos operários nem pelos soldados alistados.

b.    Os conselhos operários, os comitês de fábrica e os outros órgãos do proletariado representavam uma parte, entre outras, do aparato de Estado (ainda que os trabalhadores tivessem direito de voto preferencial). Em vez de ter autonomia e hegemonia sobre todas as outras instituições sociais, estes órgãos não apenas iam sendo integrados cada vez mais no aparato geral do Estado, mas também a ele se subordinavam. O poder proletário, em lugar de se manifestar pelo canal dos órgãos específicos da classe, foi identificado com o aparato de Estado. Ainda mais, o postulado enganoso de um Estado "proletário" e "socialista" levou os bolcheviques a sustentar que os trabalhadores não podiam ter nenhum direito ou interesse diferente dos do Estado. Do que se deduzia que toda a resistência ao Estado por parte dos trabalhadores só podia ser contrarrevolucionária. Esta concepção profundamente errônea explica a reação dos bolcheviques com relação às greves de Petrogrado e ao levante de Kronstadt.

No futuro, os princípios da Comuna sobre a autonomia da classe operária não devem se tornar letra morta; o proletariado terá que defendê-los como condição fundamental de seu poder sobre o Estado. Em nenhum momento poder-se-á distrair a vigilância do aparato de Estado, porque a experiência russa, e em particular os acontecimentos de Kronstadt, demonstraram que a contrarrevolução pode aparecer de onde menos se espera, como o Estado pós-insurreição, e não só por uma agressão burguesa "externa".

Quer dizer que, para garantir que o Estado-comuna siga sendo um instrumento da autoridade proletária, a classe operária não pode identificar sua ditadura com este aparato ambíguo e pouco seguro, senão unicamente com seus órgãos de classe autônomos. Estes órgãos terão que controlar sem fraqueza o trabalho do Estado em todos os níveis, exigindo o máximo de representação de delegados dos conselhos operários nos congressos gerais dos sovietes, a unificação autônoma permanente da classe operária no interior destes conselhos, e o poder de decisão dos conselhos operários sobre todo o planejamento do Estado. Acima de tudo, os trabalhadores deverão impedir que o Estado interfira em seus órgãos próprios de classe, mas, de outro lado, a classe operária deve manter sua capacidade de exercer a ditadura sobre e contra o Estado, pela violência se for necessário. Isto significa que a classe operária deve garantir sua autonomia de classe graças ao armamento geral do proletariado. Se durante a guerra civil torna-se necessária a criação de um “exército vermelho”, regular, esta força deverá estar politicamente subordinada aos Conselhos Operários e ser dissolvida tão logo tenha se vendido à burguesia. Mas, em nenhum momento, poderão ser dissolvidas as milícias proletárias nas fábricas.

A identificação do partido com o Estado, e a do Estado com a classe, teve sua conclusão lógica quando o partido se pôs ao lado do Estado e contra a classe. O isolamento da Revolução Russa em 1921 converteu o Estado em guardião do status quo, da estabilização do capital e do submetimento dos trabalhadores. Apesar de todas as boas intenções, a direção bolchevique, que continuou esperando a aurora salvadora da Revolução mundial ainda por alguns anos, viu-se obrigada a agir, por sua implicação com a máquina estatal, como um obstáculo à revolução mundial e foi arrastada ao triunfo final da contrarrevolução stalinista. Alguns bolcheviques começaram a ver que já não era o partido o que controlava o Estado, mas era o Estado quem controlava o partido. Lênin mesmo dizia:
  • "A máquina está escapando das mãos dos que governam: dir-se-ia que alguém tem as rédeas desta máquina, mas que esta toma uma direção diferente da que se quer, como conduzida por uma mão oculta..., ninguém sabe de quem é esta mão, talvez de um especulador, de um capitalista, ou de ambos ao mesmo tempo. O certo é que a máquina não segue a direção que querem aqueles que devem dirigi-la, e às vezes chega a tomar uma direção diametralmente oposta". (Relatório político do Comitê Central do Partido. 1922)

Os últimos anos de Lênin foram uma luta sem esperança contra a burocracia nascente, com projetos triviais como o da "Inspeção Operária e Camponesa" no qual a burocracia deveria se submeter à vigilância de uma nova comissão burocrática. O que ele não podia admitir era que o chamado estado proletário havia se convertido pura e simplesmente em uma máquina burguesa, em um aparato de regulamentação das relações sociais capitalistas e, portanto, inacessível às necessidades da classe operária. O triunfo do stalinismo não foi mais que o reconhecimento cínico desta situação, a adaptação final e definitiva do Partido à sua função de capataz do Estado capitalista. Este foi o significado real da declaração do "socialismo em um só país" em 1924.

A rebelião de Kronstadt pôs o Partido diante de uma alternativa histórica de extrema gravidade: seguir dirigindo esta máquina burguesa para acabar sendo um partido do capital, ou separar-se do Estado e colocar-se ao lado da classe operária inteira em seu combate contra esta máquina, esta personificação do capital. Ao escolher a primeira alternativa, os bolcheviques, de fato, firmaram sua própria sentença enquanto partido do proletariado e impulsionaram o processo contrarrevolucionário que se manifestou em plena luz do dia em 1924. Depois de 1921, só as frações bolcheviques que tinham compreendido a necessidade de identificar-se diretamente com a luta dos operários contra o Estado podiam seguir sendo revolucionárias e capazes de participar do combate internacional dos comunistas de esquerda contra a degeneração da III Internacional. Assim, por exemplo, o Grupo Operário de Miasnikov teve um papel ativo na greve selvagem que se estendeu pela Rússia em agosto e setembro de 1923. Pelo contrário, a oposição de esquerda dirigida por Trotsky, cuja luta contra a fração stalinista situava-se sempre no interior da burocracia, não fez nada para vincular-se à luta operária contra o que os trotskistas definiam como um Estado "operário" e uma "economia operária". Sua incapacidade inicial de se separar da máquina Estado-Partido, deixava prever a evolução posterior do trotskismo como uma espécie de apêndice "crítico" da contrarrevolução stalinista.

Mas as alternativas históricas não costumam apresentar-se de modo claro no momento em que é preciso tomar a decisão. Os homens fazem sua história em condições objetivas definidas e as tradições das gerações passadas oprimem "os cérebros dos vivos como um pesadelo" (Marx). Este peso angustiante do passado esmagava os bolcheviques e somente o triunfo revolucionário do proletariado ocidental poderia aliviar este peso, permitindo aos bolcheviques, ou ao menos a uma fração apreciável do partido, dar-se conta de seus erros e serem regenerados pela inesgotável criatividade do Movimento Proletário Internacional.

As tradições da social-democracia, o atraso da Rússia, além de toda a carga do peso do Estado no contexto de uma onda revolucionária em retrocesso; todos estes fatores contribuíram para que os bolcheviques tomassem a posição que tomaram em Kronstadt. Mas não foi a direção bolchevique a única incapaz de compreender o que ali se passava. Como já vimos, a Oposição Operária no partido apressou-se a declarar-se não solidária com os levantes e a participar no assalto da guarnição. Inclusive quando a ultraesquerda russa ultrapassou o limite dos tímidos protestos da Oposição Operária e entrou na clandestinidade. Não conseguiu entender as consequências do levante e fez poucas referências ao mesmo em suas críticas ao regime.

O KAPD criticou a repressão do levante de modo incompleto e não fez nada para apoiar a rebelião. Em uma palavra, poucos comunistas compreenderam na época o significado profundo do levante e tiraram conclusões essenciais. Tudo isto é uma prova a mais de que o proletariado não aprende de um único golpe as lições fundamentais da luta de classes, mas só através da acumulação de experiências dolorosas, de lutas sangrentas e de intensa reflexão teórica. O trabalho dos revolucionários de hoje não consiste em emitir juízos morais abstratos sobre o movimento operário do passado, mas ver a si mesmos como um produto daquele movimento – um produto, com certeza, capaz de fazer uma crítica inflexível de todos os erros do movimento, mas um produto apesar de tudo. Se não for assim, a crítica do passado pelos revolucionários atuais não teria nenhuma influência na luta real da classe operária. Somente se compreendemos os acontecimentos de Kronstadt como um momento do movimento histórico da classe poderemos esperar entender as lições desta experiência para aplicá-las à prática atual e futura da classe. Então, e somente então, poderemos estar seguros de que nunca mais existirá outro Kronstadt.

C.D. WARD (Agosto 1975)



[3] N. Ossinsky, Gosudarstvenca regulizovanie Krest ianskogo Khoziastva, Moscou, 1920, p. 8 e 9. Tradução nossa.

[4] Pravda o Kronstadt. Praga 1921. p. 32

[5] Isto não significa que compartilhemos a visão dos bolcheviques nem a dos insurgentes de Kronstadt sobre "o poder dos operários e camponeses". Quando chegar a próxima onda revolucionária, a classe operária deverá afirmar que é a única classe revolucionária. Isso quer dizer que deve se assegurar de que é a única classe que há de se organizar durante o período de transição, dissolvendo toda instituição que pretenda defender os interesses específicos de qualquer outra classe. O resto da população terá direito de se organizar dentro dos limites da ditadura do proletariado, e será representado no Estado somente enquanto "cidadãos", pelo canal dos sovietes eleitos territorialmente. O fato de se outorgar direitos civis e voto a estes estratos sociais não significa que é atribuído poder político enquanto classe, do mesmo modo que a burguesia não dá poder político à classe operária ao lhe permitir o voto nas eleições municipais e parlamentares.