Por que o proletariado fracassou na suas tentativas revolucionarias passadas?

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Antes de examinar as causas do fracasso do proletariado para cumprir sua tarefa histórica ao longo do século XX, é necessário tratar uma questão sobre a qual os revolucionários nem sempre tem manifestado uma clareza suficiente.

A revolução comunista é inevitável?

A questão é fundamental já que da sua resposta depende, em grande parte, a capacidade da classe operária em compreender plenamente a dimensão da sua tarefa histórica. Um grande revolucionário como Amadeu Bordiga afirmou, por exemplo, que "... a revolução socialista é tão certa como se já tivesse ocorrido...". E não foi o único que emitiu tal idéia. Podemos encontrá-la também em certos escritos de Marx, de Engels ou de outros marxistas.

No Manifesto Comunista podemos ler uma afirmação que pode ser interpretada no sentido de que a vitória do proletariado não será inevitável: "...opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito[1]. No entanto, esta constatação se aplica unicamente às classes do passado. No que diz respeito ao enfrentamento entre proletariado e burguesia, a saída não coloca dúvidas: "O progresso da indústria, de que a burguesia é agente passivo e involuntário, substitui o isolamento dos operários, resultante da competição, por sua união revolucionária resultante da associação. Assim, o desenvolvimento da grande indústria retira dos pés da burguesia a própria base sobre a qual ela assentou o seu regime de produção e de apropriação dos produtos. A burguesia produz, sobretudo, seus próprios coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis[2].

Na realidade, nos termos empregados pelos revolucionários, há frequentemente uma confusão entre o fato de que a revolução comunista é absolutamente necessária, indispensável para salvar a humanidade e seu caráter certo.

Na nossa opinião, o mais importante, evidentemente, é demonstrar, e o marxismo assim tem tentado, desde seus inícios que: 

  • o capitalismo não é um modo de produção definitivo, a forma "finalmente encontrada" de organização da produção que poderia finalmente assegurar uma riqueza crescente para todos os seres humanos;
  • que em um momento determinado da sua história, esse sistema só pode levar a sociedade a convulsões crescentes, destruindo os progressos que tinha aportado anteriormente;
  • que a revolução comunista é indispensável para permitir que a sociedade prossiga sua marcha para uma verdadeira comunidade humana na qual o conjunto das necessidades humanas sejam plenamente satisfeitas;
  • que a sociedade capitalista já criou no seu seio as condições objetivas e pode criar as condições subjetivas que permitam tal revolução: as forças produtivas materiais, uma classe capaz de transformar a ordem burguesa e dirigir a sociedade, a consciência para que esta classe possa levar a cabo sua tarefa histórica.

No entanto, todo o século XX põe em relevo a imensa dificuldade desta tarefa histórica. O século que termina nos permite, particularmente, compreender melhor que, para a revolução comunista, absoluta necessidade não quer dizer certeza, que a partida não se ganha antes de jogar, que a vitória do proletariado ainda não está escrita no grande livro da História. De fato, além da barbárie em que caiu esse século, a ameaça de uma guerra nuclear que tinha pesado como uma espada de Dâmocles sobre o mundo durante mais de 40 anos permitiu ver, quase tocar, o fato de que o capitalismo poderia ter destruído a sociedade. Esta ameaça está no momento descartada pelo fato do desaparecimento dos grandes blocos imperialistas, mas as armas que podem por fim a sociedade humana continuam aí, tanto como os antagonismos entre os Estados que podem chegar um dia a utilizá-las.

Por outra parte, desde finais do século passado, evocando explicitamente a alternativa "Socialismo ou Barbárie", Engels, redator com Marx de O Manifesto Comunista, voltou atrás a propósito da ideia do caráter inevitável da revolução e da vitória do proletariado. Hoje em dia, é muito importante que os revolucionários digam claramente à sua classe, e para fazê-lo devem estar realmente convencidos, que não há fatalidade, que a partida não se ganha de antemão e que o que está em jogo na sua luta não é nem mais nem menos que a sobrevivência da humanidade. Somente se for consciente da amplitude da sua tarefa, do que verdadeiramente está em jogo, que a classe operária poderá encontrar a vontade e a força para acabar com o capitalismo. Marx dizia que a vontade é a manifestação de uma necessidade. A vontade do proletariado para fazer a revolução comunista será maior quanto mais imperiosa seja a seus olhos a necessidade de tal revolução.

Por que a revolução comunista não é uma fatalidade?

Os revolucionários do século passado, inclusive não dispondo da experiência do século XX para dar uma resposta a essa pergunta, ou ao menos para formulá-la claramente, nos deram, entretanto, os elementos para abordar a resposta.

"Revoluções burguesas, como a do século 18, avançam impetuosamente de êxito em êxito, os seus efeitos dramáticos atropelam-se, os homens e as coisas parecem iluminados por fogos de artifícios, o êxtase é o espírito de cada dia; mas essas revoluções têm vida curta, chegam rapidamente ao seu apogeu e um longo mal-estar se apodera da sociedade, antes de ter aprendido a apropriar-se serenamente dos resultados dos seus períodos de ímpeto e tempestade. Em contrapartida, as revoluções proletárias, como as do século 19, criticam-se constantemente a si próprias, interrompem-se continuamente na sua própria marcha, voltam ao que parecia terminado, para começá-lo de novo, troçam profunda e cruelmente das hesitações dos lados fracos e da mesquinhez das suas primeiras tentativas, parece que apenas derrubam o seu adversário para que este tire da terra novas forças e volte a levantar-se mais gigantesco frente a elas, retrocedem constantemente perante a indeterminada enormidade dos seus próprios fins, até que se cria uma situação que torne impossível qualquer retrocesso e as próprias circunstâncias gritam: Hic Rhodus, hic salta! [Aqui está Rodes, salta aqui!]". [3]Esta citação muito conhecida de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, escrito por Marx no início de 1852 (ou seja, algumas semanas depois do golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851) dá conta do difícil e tortuoso curso da revolução proletária. Tal idéia foi recolhida, cerca de 70 anos depois, por Rosa Luxemburgo em um artigo que escreveu às vésperas do seu assassinato, pouco depois da insurreição de Berlim ser esmagada em janeiro de 1919: "...Desta contradição entre a tarefa que se impõe e a ausência, na etapa inicial do processo revolucionário, das condições prévias que permitam a sua realização, resulta que as lutas parciais terminaram com uma derrota formal. Porém a revolução [proletária] é a única forma de “guerra” – e esta é também uma lei vital que lhe é própria – na qual a vitória final só pode ser obtida através de uma série de "derrotas". (...) As revoluções não nos deram nada até agora a não ser derrotas, mas justamente essas derrotas inevitáveis que são a garantia reiterada da vitória final. (...) Com uma condição, é claro! Estudar em que circunstâncias foi produzida cada derrota". [4]

Essas citações evocam essencialmente o curso doloroso da revolução comunista, a série de derrotas que marcam seu caminho para a vitória. Mas, ao mesmo tempo, permitem colocar em evidência duas idéias essenciais: 

  • a diferença que existe entre a revolução proletária e as revoluções burguesas;
  • a condição essencial da vitória do proletariado, uma condição que não está ganha de antemão: a capacidade dessa classe em tomar consciência extraindo as lições das suas derrotas.

É justamente a diferença entre as revoluções burguesas e a revolução proletária que permite compreender porque esta última não há de ser considerada como uma certeza.

De fato, a especificidade das revoluções burguesas, ou seja, a tomada do poder político exclusivo pela classe capitalista, é que elas não constituem o ponto de partida, mas o de chegada, de todo processo de transformação econômica no seio da sociedade. Uma transformação econômica na qual as antigas relações de produção, ou seja, as relações de produção feudais, são progressivamente substituídas pelas relações de produção capitalistas que servem de apoio a burguesia para a conquista do poder político:

"Dos servos da Idade Média nasceram os moradores dos primeiros burgos; desta população municipal saíram os primeiros elementos da burguesia.

A descoberta da América, a circunavegação da África abriram um novo campo de ação à burguesia emergente. Os mercados das Ín­dias Orientais e da China, a colonização da América, o comércio colonial, o incremento dos meios de troca e das mercadorias em geral imprimiram ao comércio, à indústria e à navegação um impulso des­conhecido até então; e, por conseguinte, desenvolveram rapidamente o elemento revolucionário da sociedade feudal em decomposição.

A organização feudal da indústria, em que esta era circunscrita a corporações fechadas, já não satisfazia as necessidades que cresciam com a abertura de novos mercados. A manufatura a substituiu. A pe­quena burguesia industrial suplantou os mestres das corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desapareceu dian­te da divisão do trabalho dentro da própria oficina.

Todavia, os mercados ampliavam-se cada vez mais, a procura por mercadorias continuava a aumentar. A própria manufatura tornou-se insuficiente; então, o vapor e a maquinaria revolucionaram a pro­dução industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufatu­ra; a média burguesia manufatureira cedeu lugar aos milionários da indústria, aos chefes de verdadeiros exércitos industriais, aos burgue­ses modernos.  (...)

Vemos, pois, que a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de transformações no modo de produção e de circulação.

Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia foi acompa­nhada de um progresso político correspondente. Classe oprimida pelo despotismo feudal, associação armada e autônoma na comuna, aqui república urbana independente, ali terceiro estado tribu­tário da monarquia; depois, durante o período manufatureiro, con­trapeso da nobreza na monarquia feudal ou absoluta, base principal das grandes monarquias, a burguesia, com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno". [5]

Totalmente diferente é o processo da revolução proletária. Enquanto as relações de produção capitalista puderam desenvolver progressivamente no seio da sociedade feudal, as relações de produção comunistas não podem se desenvolver no seio da sociedade capitalista dominadas por relações mercantis e dirigidas pela burguesia. A idéia de um desenvolvimento progressivo de “ilhas de comunismo” no seio do capitalismo pertence ao ideário do socialismo utópico e foi combatida pelo marxismo e o movimento operário desde meados do século passado. Isto também é certo para outra variante dessa mesma idéia, a das cooperativas de produção ou de consumo que não podiam nem podem fugir das leis do capitalismo e que no “melhor dos casos”, transformam os operários em pequenos capitalistas quando não os tornam em exploradores de si mesmos. Na realidade, em virtude de ser a classe explorada do modo de produção capitalista, privada por definição de qualquer meio de produção, a classe operária não dispõe no seio do capitalismo, e não pode dispor, de pontos de apoio econômicos para a conquista do poder político. Pelo contrário, o primeiro ato de transformação comunista da sociedade consiste na tomada do poder político em escala mundial pelo conjunto do proletariado organizado em Conselhos Operários, ou seja, um ato consciente e deliberado. A partir dessa posição após a tomada do poder político, a ditadura do proletariado, este poderá transformar progressivamente as relações econômicas, socializar o conjunto da produção, abolir as trocas mercantis, sobretudo o primeiro dentre todos eles, o sistema de trabalho assalariado, e criar uma sociedade sem classes.

A revolução burguesa, a tomada do poder político exclusivo pela classe capitalista, era inevitável na medida em que ela era o resultado de um processo econômico, inevitável em um momento determinado da vida da sociedade feudal, um processo no qual a vontade política consciente dos homens pouco tinha que fazer. Em função das condições existentes em cada país, ela pode intervir mais ou menos no início no desenvolvimento do capitalismo pelo que este tomou diferentes formas: mudança violenta do Estado monárquico, como na França, ou conquista progressiva de posições políticas pela burguesia no seio desse Estado, como foi o caso da Alemanha. Em outras ocasiões foi possível obter uma república, como nos Estados Unidos ou uma monarquia constitucional, da qual o exemplo mais típico é o representado pelo regime monárquico da Inglaterra, ou seja, a primeira nação burguesa. No entanto, em todos os casos, a vitória política final da burguesia estava assegurada. Inclusive quando as forças políticas revolucionárias da burguesia sofreram reveses (como ocorreu na França com a Restauração ou na Alemanha com o fracasso da revolução de 1848), isso pouco influiu no avanço no plano econômico e igualmente no plano político.

Para o proletariado, a primeira condição de êxito da sua revolução é evidentemente que existam as condições materiais de transformação comunista da sociedade, condições que são dadas pelo próprio desenvolvimento do capitalismo.

A segunda condição da revolução proletária reside no desenvolvimento de uma crise aberta da sociedade burguesa, prova evidente de que as relações de produção capitalista devem ser substituídas por outras relações de produção.

Mas, uma vez que essas condições materiais estejam presentes, disso não se depreende forçosamente que o proletariado seja capaz de fazer sua revolução. Privado de todo ponto de apoio econômico no seio da sociedade capitalista, sua única verdadeira força, além de seu número e organização, é sua capacidade para tomar consciência plena da natureza, dos objetivos e dos meios do seu combate. Este é o sentido profundo da citação de Rosa Luxemburgo que reproduzimos acima. E esta capacidade do proletariado para tomar consciência não se desprende automaticamente das condições materiais nas quais vive, já que não está escrito em nenhuma parte que poderá adquirir essa consciência antes que o capitalismo possa conseguir afundar a sociedade na barbárie total ou na destruição.

E um dos meios dos que o proletariado dispõe para evitar cair nesta última saída, salvando também o conjunto da sociedade, é justamente tirar todas as lições das suas derrotas anteriores, como recordava Rosa Luxemburgo. É necessário, particularmente, compreender por que não foi capaz de fazer sua revolução ao longo do século XX.

Revolução e contrarrevolução

É com freqüência que os revolucionários tendam subestimar as potencialidades do proletariado em um momento dado. Marx e Engels não puderam evitar essa tendência já que, quando redigiram O Manifesto Comunista, no início de 1848, apresentaram a revolução comunista como algo iminente e que a revolução burguesa na Alemanha, que sucedeu poucos meses depois, serviria para que aquele tomasse o poder naquele país. Esta tendência se explica perfeitamente pelo fato de que os revolucionários, e por isso precisamente o são, aspiram com todas as suas forças à destruição do capitalismo e a emancipação da sua classe e daí a impaciência que é acometida com frequência. No entanto, contrariamente aos elementos pequeno-burgueses ou os que estão influenciados pela ideologia da pequena burguesia, são capazes de reconhecer rapidamente a imaturidade das condições para a revolução. De fato, a pequena burguesia é por excelência uma classe que, politicamente falando, vive o presente, e que não tem nenhum papel histórico a desempenhar. O imediatismo e a impaciência (“A revolução já” como conclamavam os estudantes de 1968) são próprios dessa categoria social da qual, quem sabe durante uma revolução proletária, uma parte dos seus elementos poderão se unir ao combate da classe operária, mas na sua maior parte tende a se aliar com o mais fortes, ou seja, com a burguesia. Ao contrário, os revolucionários proletários, expressão de uma classe histórica, são capazes de superar a impaciência e implicar-se decididamente na paciente e difícil tarefa de se preparar para os futuros combates de classe.

Por isso em 1852, Marx e Engels, reconheceram que as condições da revolução proletária não estavam maduras em 1848 e que o capitalismo devia viver ainda um amplo desenvolvimento para que essas condições chegassem. Desse modo, estimaram que se devia dissolver sua organização, a Liga dos Comunistas, que havia sido fundada nas vésperas da revolução de 1848, antes que esta caísse sob a influência de elementos impacientes e aventureiros (a tendência Willich-Schapper).

Em 1864, quando participaram na fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), Marx e Engels pensaram, de novo, que a hora da revolução havia chegado, mas justamente antes da Comuna de Paris de 1871, se deram conta de que o proletariado ainda não estava preparado, já que o capitalismo ainda tinha diante de si todo um potencial de desenvolvimento da sua economia. Após a derrota da Comuna de Paris, que significou uma grave derrota para o proletariado europeu, compreenderam que o papel histórico da AIT tinha terminado e que era necessário preservá-la da ação de elementos impacientes e aventureiros (como Bakunin) representados principalmente pelos anarquistas. Por isso, no Congresso de Haia de 1872, intervieram com determinação para conseguir a exclusão de Bakunin e sua Aliança para a Democracia Socialista e, do mesmo modo, propuseram e defenderam a decisão de transferir o Conselho Geral da AIT de Londres para Nova York, longe das intrigas que estavam se desenrolado por parte de toda uma série de elementos que ambicionavam se apoderar da Internacional. Esta decisão correspondia de fato a uma decisão de suspender a AIT, para que depois da Conferência da Filadélfia pudessem pronunciar sua dissolução em 1876.

Assim, as duas revoluções que tinham se produzido até aquele momento, a de 1848 e a Comuna, haviam fracassado porque as condições materiais da vitória do proletariado ainda não existiam. Será no período seguinte, em que se conhecerá o desenvolvimento mais pujante da história do capitalismo, quando essas condições se deram.

Esse é um período de grande desenvolvimento do movimento operário. É nesse momento quando se criam os sindicatos na maior parte dos países, e é quando se fundam Partidos Socialistas de massas que, em 1889, se reagruparam no seio da Internacional Socialista (II Internacional).

Na maior parte dos países da Europa Ocidental, o movimento operário organizado ganhava mais e mais posições. Embora seja correto que durante certo tempo os governos perseguiram os partidos socialistas (assim foi na Alemanha entre 1878 e 1890, aplicando as chamadas “leis anti-socialistas”), esta política em pouco tempo tendeu a ser modificada em favor de uma atitude mais benévola para eles. Então, esses partidos se converteram em verdadeiros poderes na sociedade, até o ponto em que, em certos países, dispunham do grupo parlamentar mais forte e davam a impressão de que podiam conseguir o poder no seio do Parlamento. O movimento operário parecia ter se convertido em invencível. Para muitos, aproximava-se a hora em que se poderia derrubar o capitalismo se apoiando nessa instituição especificamente burguesa: a democracia parlamentar.

Paralelamente ao auge das organizações operárias, o capitalismo conheceu uma prosperidade sem igual, dando a impressão de que seria capaz de superar as crises cíclicas que o havia afetado no período anterior. No seio dos partidos socialistas desenvolveram-se tendências reformistas que consideravam que o capitalismo tinha conseguido superar suas contradições econômicas e que, por isso, não era necessário acabar com ele por meio da revolução. Apareceram teorias, como a de Bernstein, que considerava que havia que “revisar” o marxismo, em particular, para abandonar sua visão “catastrófica”. A vitória do proletariado seria, portanto, o resultado de toda uma série de conquistas obtidas no terreno parlamentar e sindical.

Na realidade, ambas as forças antagônicas que pareciam desenvolver sua potência paralelamente, o capitalismo e o movimento operário, estavam minados a partir de seu interior.

O capitalismo, de um lado, vivia seus últimos dias de glória (que tinha ficado na memória coletiva como a Belle époque). Enquanto, no domínio econômico, sua prosperidade parecia não ter fim, particularmente nas potências emergentes que a Alemanha e os Estados Unidos eram, a chegada da sua crise histórica era notada fortemente com a ampliação do imperialismo e do militarismo. Os mercados coloniais, como Marx tinha colocado em evidência meio século antes, tinham sido um fator fundamental para o desenvolvimento do capitalismo. Cada país capitalista avançado, incluindo os pequenos como Holanda e Bélgica, tinha constituído seu império colonial como fonte de matérias primas e mercados para dar saída às suas mercadorias. Precisamente no fim do século XIX, o mundo capitalista estava inteiramente repartido entre as velhas nações burguesas. Desde então, o acesso a cada uma delas a novos mercados e a novos territórios as conduziam a um enfrentamento direto na zona “privada” de seus rivais. O primeiro choque ocorreu em setembro de 1898 na Fachoda, Sudão, conflito no qual França e Inglaterra, as duas principais potências coloniais, estiveram a ponto de se enfrentarem. Os objetivos daquela (controlar o Alto Nilo e colonizar um eixo Oeste-Leste, Dacar-Djibuti) chocou com a ambição da Inglaterra (fazer a fusão de um eixo Norte-Sul com um eixo Cairo-Cidade do Cabo). Finalmente, França retrocedeu e os dois rivais decidiram chegar a um “Entendimento Cordial” diante da pressão e das ambições de um terceiro em discórdia com ambições tão grandes como era reduzido seu império colonial, ou seja, Alemanha. As ambições gananciosas imperialistas alemãs com relação às demais potências européias se concretizaram, alguns anos mais tarde, entre outros acontecimentos no incidente de Agadir em 1911, no qual uma fragata alemã se apresentou com a vontade de ofender a França e suas ambições no Marrocos. O outro aspecto dos apetites imperialistas da Alemanha no terreno colonial se concretizou no impressionante desenvolvimento da sua marinha de guerra, frota que ambicionava competir com a frota inglesa pelo controle das vias marítimas.

Também, nesse aspecto, a vida do capitalismo mudou de forma radical nos inícios do século XX: ao mesmo tempo que se multiplicavam as tensões e os conflitos armados que envolviam mais ou menos ocultamente as potências burguesas européias, houve um importante incremento do armamento dessas potências ao tempo em que se tomavam medidas sistemáticas para o aumento dos efetivos militares (como a da duração do serviço militar na França, a lei dos “três anos”).

Este aumento das tensões imperialistas e do militarismo, do mesmo modo que as grandes manobras diplomáticas entre as principais nações europeias que reforçavam suas alianças respectivas para a guerra, foi evidentemente objeto de grande atenção por parte dos grandes partidos da Segunda Internacional. Esses, no seu congresso de 1907 em Stuttgart, dedicaram uma importante resolução a esta questão, resolução que integrava uma emenda apresentada especialmente por Lênin e Rosa Luxemburgo na qual se colocava explicitamente que: "... se, apesar de tudo, eclodir uma guerra, os socialistas têm o dever de atuar para que esta finalize o quanto antes possível e devem utilizar por todos os meios a crise econômica e política provocada pela guerra para despertar o povo e assim acelerar a queda da dominação capitalista". [6]

Em novembro de 1912, a Internacional Socialista convocou um Congresso extraordinário (Congresso de Basileia) para denunciar a ameaça de guerra e chamar a mobilização do proletariado contra ela. O Manifesto desse Congresso colocava a burguesia em guarda: "... Que os governos burgueses não esqueçam que a guerra franco-alemã deu lugar à insurreição da Comuna e a guerra russo-japonesa colocou em marcha o movimento das forças revolucionárias da Rússia. Para os proletários, é crime disparar um contra os outros em favor dos capitalistas, do orgulho das dinastias ou dos comprometimentos dos tratados secretos...".

Assim, na aparência, o movimento operário tinha se preparado para enfrentar o capitalismo no caso deste último desencadeasse a barbárie guerreira. Por outra parte, naquela época, entre a população dos diferentes países europeus, e não unicamente entre a classe operária, existia um forte sentimento de que a única força da sociedade que poderia impedir a guerra era a Internacional Socialista. Na realidade, da mesma forma que o sistema capitalista estava minado desde o seu interior e se aproximava inexoravelmente a época da sua falência histórica, o movimento operário, apesar da sua força aparente, seus poderosos sindicatos, os "êxitos eleitorais crescentes" de seus partidos, tinha se debilitado notavelmente e se encontrava nas vésperas de uma catástrofe. Mais ainda: o que constituía essa força aparente do movimento operário era na realidade sua fraqueza. Os êxitos eleitorais dos partidos socialistas ampliaram excepcionalmente as ilusões democráticas e reformistas entre as massas operárias. Do mesmo modo, o enorme poder das organizações sindicais, especialmente na Alemanha e no Reino Unido, se transformou, na realidade, em um instrumento de defesa da ordem burguesa e de alistamento dos operários para a guerra e a produção de armamentos.

Também convém recordar, que no início do verão de 1914, após o atentado em Sarajevo contra o herdeiro do trono austro-húngaro, as tensões militares começaram a se acelerar a passos gigantes para a guerra, os partidos operários, não só deram mostra de impotência, como aportaram, além disso, na maioria dos casos, seu apoio à própria burguesia nacional. Na França e Alemanha, até contatos diretos foram estabelecidos entre os dirigentes dos partidos socialistas e o governo para discutir sobre quais políticas adotar para conseguir o alistamento para a guerra. E quando irrompeu, como um só homem, esses partidos deram seu pleno apoio ao esforço de guerra da burguesia e conseguiram implicar as massas operárias na tão terrível sangria. Enquanto os governos de plantão apelavam à "grandeza" das suas nações respectivas, os partidos socialistas empregavam argumentos mais adaptados ao seu papel de recrutadores dos operários. Não se tratava, segundo eles, de guerras a serviço de interesses burgueses para, por exemplo, recuperar Alsácia e Lorena, mas de uma guerra para proteger a "civilização" contra o "militarismo alemão", como diziam na França. Do outro lado do Reno, não era uma guerra em defesa do imperialismo alemão sim uma guerra "pela democracia e pela civilização" contra a "tirania e a barbárie czarista". Mas com discursos diferentes, os dirigentes socialistas tinham o mesmo objetivo que a burguesia: realizar a "União nacional", enviar os operários à matança e justificar o estado de exceção, ou seja, a censura militar, a proibição das greves e das manifestações operárias, e de todas as publicações e reuniões que denunciavam a guerra.

O proletariado não pôde impedir a eclosão da guerra mundial

Foi uma terrível derrota para ele, mas uma derrota sofrida sem combates abertos contra a burguesia. No entanto, a luta contra a degeneração dos partidos socialistas, degeneração que conduziu a sua traição no verão de 1914 e a eclosão da matança imperialista, havia começado muito antes, para ser mais preciso no final do século XIX e início do século XX. Assim, no partido alemão, Rosa Luxemburgo tinha levado a batalha contra as teorias revisionistas de Bernstein justificadoras do reformismo. Oficialmente o partido havia rechaçado tais teorias, porém, alguns anos mais tarde, ela teve de reiniciar o combate não só contra a direita do partido, mas também contra o centro representado principalmente por Kaustky, cuja linguagem mais radical servia, na realidade, de máscara para o abandono da perspectiva da revolução. Na Rússia, em 1903, os bolcheviques travaram uma luta contra o oportunismo no seio do partido social-democrata, no início sobre problemas de organização, depois a propósito da natureza da revolução de 1905 e da política que deviam desenvolver no seu seio. Mas essas correntes revolucionárias no seio da Internacional Socialista eram, no seu conjunto, muito fracas, por mais que os Congressos dos partidos socialistas e da Internacional adotassem, frequentemente, suas posições.

Na hora da verdade, os militantes socialistas que defendiam posições internacionalistas e revolucionárias se encontraram tragicamente isolados. Na Conferência internacional contra a guerra de setembro de 1915 em Zimmerwald (Suíça), os delegados (entre os que se encontravam também elementos do centro, vacilantes entre as posições da esquerda e a direita) cabiam em quatro táxis, como recordava Trotski. Este terrível isolamento não os impediu prosseguir seu combate, apesar da repressão que se abateu sobre eles (na Alemanha, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, os dois principais dirigentes do grupo Spartacus que defendiam o internacionalismo, conheceram a prisão e o encarceramento em fortalezas militares).

De fato, as terríveis provas da guerra, as matanças, a fome, a exploração feroz que reinava nas fábricas da retaguarda começaram despertar as mentes dos operários que em 1914 tinham se deixado levar à carnificina com  a "flor no fuzil" [7]. Os discursos sobre a "civilização" e a democracia se esgotaram diante da realidade da inaudita barbárie na qual se afundava a Europa e com a repressão de qualquer tentativa de luta operária. Assim, a partir de fevereiro de 1917, o proletariado na Rússia, que já tinha passado pela experiência de uma revolução em 1905, se levantou contra a guerra e contra a fome. Com seus atos, e nos fatos, concretizou resoluções adotadas pelos Congressos de Stuttgart e Basiléia da Internacional Socialista. Lênin e os bolcheviques compreendem que tinha soado a hora da revolução e animavam os operários a não se conformarem com a queda do czarismo e sua substituição por um governo "democrático". Tinha que se preparar para a derrubada da burguesia e a tomada do poder pelos sovietes (os conselhos operários). Esta perspectiva se cumpriu efetivamente na Rússia em outubro de 1917. Imediatamente, o novo poder anima a seguir seu exemplo com a finalidade de acabar com a guerra e derrubar o capitalismo. De certo modo, os bolcheviques e com eles todos os revolucionários dos demais países, chamam o proletariado mundial para que esteja presente neste novo evento histórico após ter faltado ao de 1914.

O exemplo russo é seguido pela classe operária de outros países particularmente na Alemanha onde, um ano mais tarde, o levantamento de operários e camponeses derrota o regime imperial de Guilherme II e obriga a burguesia alemã a retirar-se da guerra colocando, assim, fim a quatro anos de uma barbárie nunca antes vivida pela humanidade. No entanto, a burguesia tinha tirado as lições da sua derrota na Rússia. Neste país o Governo provisório instaurado após a revolução de Fevereiro de 1917 foi incapaz de satisfazer uma das reivindicações essenciais dos operários, a paz.  Acossados pelos seus aliados da Entente, França e Inglaterra, manteve-se na guerra o que provocou uma rápida queda nas ilusões que as massas operárias e de soldados haviam depositado nele, contribuindo para sua radicalização. A derrubada da burguesia, e não só do regime czarista, aparece como a única maneira de por fim à matança. Na Alemanha, ao contrário, a burguesia teve a maior pressa em deter a guerra nos primeiros dias da revolução. A burguesia apresenta como uma vitória decisiva a derrubada do regime imperial e a instauração de uma república. Imediatamente chama o partido socialista para tomar as rédeas do governo, o qual obtém o apoio do Congresso de Conselhos Operários, dominado precisamente, pelos socialistas. Mas, sobretudo, o novo governo exige imediatamente o armistício aos aliados da Entente, que estes atendem sem mais demora. Além disso, os da Entente fazem de tudo para permitir ao novo governo alemão fazer frente à classe operária. Por exemplo, a França restitui imediatamente ao exército alemão 16.000 metralhadoras que lhe foi confiscado como espólio de guerra. Metralhadoras que seriam utilizadas mais tarde para esmagar a classe operária.

A burguesia alemã, com o partido socialista à sua frente, aplica um golpe terrível no proletariado em janeiro de 1919.  Arma uma provocação, conscientemente, para incitar uma insurreição prematura dos operários de Berlim. A insurreição acaba com um banho de sangue e seus principais dirigentes revolucionários, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht (e mais tarde Leo Jogiches), são assassinados. Apesar disso, a classe operária alemã ainda não está definitivamente derrotada. Até 1923 levará a cabo tentativas revolucionárias [8]. No entanto, todas essas tentativas serão derrotadas, assim como as tentativas revolucionárias ou os vigorosos movimentos da classe operária que se deram em outros países durante esse período (por exemplo, na Hungria, em 1919, e Itália, na mesma época) [9].

De fato, o fracasso do proletariado na Alemanha sela a derrota da revolução mundial, a qual terá um último sobressalto na China em 1927, afogado também em sangue.

Ao mesmo tempo que se desenvolve a onda revolucionária na Europa foi fundada em Moscou, em março de 1919, a Internacional Comunista (IC) ou Terceira Internacional, que reagrupa as forças revolucionárias de todos os países. No momento da sua fundação só existem dois grandes partidos comunistas, o da Rússia e o da Alemanha, este último constituído alguns dias antes da derrota de janeiro de 1919. Esta internacional fomenta, em todos os países, a criação de partidos comunistas que rechaçam o chauvinismo, o reformismo e o oportunismo que engoliu os partidos socialistas. Os partidos comunistas são a direção da revolução mundial, porém foram constituídos tarde demais por conta das condições históricas presentes no seu nascimento. Quando a Internacional Comunista realmente se constitui, ou seja, no seu II Congresso em 1920, o momento mais forte da onda revolucionária já tinha passado e o capitalismo mostra que é capaz de recuperar a situação, tanto no plano econômico como no político. A classe dominante conseguiu, sobretudo, quebrar o impulso revolucionário ao colocar um final ao seu principal alimento, a guerra imperialista. Com o fracasso da onda revolucionária mundial, os partidos comunistas, que se formaram contra a degeneração e a traição dos partidos socialistas, acabaram se degenerando um após outro.

Vários são os fatores dessa degeneração dos partidos comunistas. O primeiro é que aceitam nas suas filas toda uma série de elementos que já eram "centristas" dentro dos partidos socialistas, e que saíram deles mediante uma rápida conversão à fraseologia revolucionária, beneficiando-se assim do imenso entusiasmo revolucionário do proletariado mundial pela Revolução Russa. Outro fator, ainda mais decisivo, foi a degeneração do principal partido dessa internacional, o que tinha maior autoridade, o Partido bolchevique que tinha conduzido a Revolução de Outubro e foi o principal protagonista da fundação da Internacional. Com efeito, esse partido alçado na direção do Estado é absorvido progressivamente por ele; e, devido ao isolamento da revolução, vai se convertendo cada vez mais em defensor dos interesses da Rússia em detrimento da sua função de baluarte da revolução mundial. Além disso, como não pode haver "socialismo em um só país" e a abolição do capitalismo só pode ser feita em escala mundial, o Estado russo se transforma progressivamente em defensor do capital nacional russo, um capital no qual a burguesia está formada principalmente pela burocracia do Estado e, portanto, do partido. O Partido bolchevique vai se transformando progressivamente de partido revolucionário em partido burguês e contrarrevolucionário, apesar da resistência de um grande número de verdadeiros comunistas, como Trotsky, que mantém de pé a bandeira da revolução mundial. E foi assim que, em 1925, o partido bolchevique, apesar da oposição de Trotsky, adota como programa "a construção do socialismo em um só país", um programa promovido por Stálin, e que é uma verdadeira traição ao internacionalismo proletário. Um programa que em 1928 vai se impor à Internacional Comunista, o que será sua morte definitiva.

Após isso, os partidos comunistas nos diferentes países irão passando ao serviço do seu capital nacional, apesar da reação e do combate de toda uma série de frações de esquerda que serão excluídas uma após a outra. Os partidos comunistas que haviam sido ponta de lança da revolução mundial se convertem em ponta de lança da contrarrevolução: a contrarrevolução mais terrível da história.

A classe operária não só perdeu o segundo encontro com a história, mas ainda ia se afundar no pior período que jamais tinha vivido, que fica muito bem refletido no título do livro do escritor Victor Serge: É meia noite no século.

Enquanto na Rússia o aparato do partido comunista se converte em classe exploradora e também em instrumento de uma repressão e opressão das massas operárias e camponesas sem comparação com os do passado, o papel contrarrevolucionário dos partidos comunistas fora da Rússia se concretiza, nos anos 30, na preparação do alistamento do proletariado na Segunda Guerra Mundial, ou seja, a resposta burguesa à crise aberta que vive o capitalismo a partir de 1929.

Justamente esta crise aberta, a terrível miséria que se abate sobre as massas operárias durante os anos 30, poderia ter constituído um potente fator de radicalização do proletariado mundial e da tomada de consciência da necessidade de acabar com o capitalismo. Mas o proletariado vai faltar a este terceiro encontro com a história.

Na Alemanha, país chave para a revolução proletária, onde se encontra a classe operária mais concentrada e experimentada do mundo, vive uma situação similar à da classe operária na Rússia. Como ela, a classe operária alemã tinha empreendido o caminho da revolução e sua conseqüente derrota foi ainda mais terrível. O aniquilamento da revolução alemã não foi obra dos nazistas, mas dos partidos "democráticos", e em primeiro lugar do partido socialista [social-democrata]. Mas justamente porque o proletariado tinha sofrido essa derrota, o partido nazista, que naquele momento correspondia melhor às necessidades políticas e econômicas da burguesia alemã, pôde terminar a tarefa da esquerda empregando o terror para aniquilar toda luta proletária e alistando, por esse mesmo meio principalmente, os operários na guerra.

De outro lado, nos países da Europa ocidental onde o proletariado não tinha feito a revolução e, portanto, não tinha sido aniquilado fisicamente, o terror não era o melhor meio para alistar os operários na guerra. Para alcançar resultado a burguesia tinha que empregar mistificações como as que tinham utilizado com êxito em 1914 e que tinham servido para levar o proletariado à Primeira Guerra Mundial. Nesta tarefa os partidos stalinistas cumpriram de maneira exemplar seu papel burguês. Em nome da "defesa da pátria socialista" e da democracia contra o fascismo, esses partidos desviaram sistematicamente as lutas operárias para becos sem saída, desgastando assim a combatividade e a moral do proletariado.

A moral do proletariado ficou muito afetada pela derrota da revolução mundial durante os anos 20. Após um período de entusiasmo pela idéia da revolução comunista, muitos operários perderam a esperança na perspectiva comunista. Um dos fatores da sua desmoralização foi constatar que a sociedade instaurada na Rússia não era nenhum paraíso, como apresentado pelos partidos stalinistas, o que facilita sua recuperação pelos partidos socialistas. Entretanto, a maioria dos que ainda continuavam acreditando na perspectiva revolucionária caem nas redes dos partidos stalinistas que lhes dizem que essa perspectiva passa pela "defesa da pátria socialista" e pela vitória sobre o fascismo que havia se instaurado na Itália e, sobretudo, na Alemanha.

Um dos episódios chave nessa desorientação do proletariado mundial foi a guerra da Espanha que não foi, longe disso, uma revolução, mas ao contrário foi um dos preparativos militares, diplomáticos e políticos da Segunda Guerra Mundial.

A solidariedade que os operários do mundo inteiro quiseram expressar para seus irmãos de classe na Espanha, os quais se levantaram espontaneamente diante do golpe fascista de 18 de julho, é canalizada e enrolada nas Brigadas internacionais (dirigidas principalmente por stalinistas), com a reivindicação de "armas para Espanha" (na realidade para o governo burguês da "Frente Popular") e também pelas mobilizações antifascistas que, de fato, permitem o alistamento dos operários dos países "democráticos" na guerra contra Alemanha.

Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, o que estava sendo considerado como a grande força do proletariado (os poderosos sindicatos e partidos operários) era, na realidade, sua debilidade mais considerável. O mesmo cenário se repete diante da Segunda Guerra Mundial, embora os atores sejam de algumas maneiras diferentes. A grande força dos partidos "operários" (os partidos stalinistas e também os partidos socialistas, unidos em uma aliança antifascista), as grandes "vitórias" contra o fascismo na Europa ocidental, a suposta "pátria socialista", são todas elas marcas da contrarrevolução, de uma debilidade do proletariado sem precedentes. Uma debilidade que o levará de pés e mãos atados à segunda carnificina imperialista.

O proletariado diante da Segunda Guerra Mundial

A Segunda Guerra Mundial ultrapassa de longe o horror da Primeira. O novo grau de barbárie mostra que prossegue o afundamento do capitalismo na sua decadência. Contudo, contrariamente ao que passou em 1917 e 1918, não é o proletariado que faz com que ela termine. A guerra continua até o esmagamento completo de um dos campos imperialista. Na realidade o proletariado não ficou totalmente sem resposta durante a carnificina. Na Itália de Mussolini, por exemplo, se desenvolveu um vasto movimento de greves, em 1943, no Norte industrial que levou as forças dirigentes da burguesia a colocar Mussolini fora do caminho e colocar no seu lugar um almirante pró-aliado, Bodoglio. Igualmente, no fim de 1944 e início de 1945, se produzem movimentos de revolta contra a fome e a guerra em várias cidades alemãs. Mas o que ocorreu durante e Segunda Guerra Mundial não é em nada comparável ao acontecido durante a Primeira. E isso por várias razões. Em primeiro lugar, porque antes de declarar a Segunda Guerra Mundial, a burguesia contava com a experiência da Primeira e por isso se dedicou a esmagar prévia e sistematicamente o proletariado não só física, como também ideologicamente. Uma das expressões dessa diferença é que se os partidos socialistas traíram a classe operária no momento da [primeira] guerra, os partidos comunistas cometeram sua traição bem antes de ser desencadeada a Segunda Guerra Mundial. Uma das conseqüências desse fato é que no seu seio não ficou a menor corrente revolucionária, contrariamente ao que havia passado durante a Primeira Guerra Mundial em que a maioria dos militantes que logo formaram os partidos comunistas tinham sido membros anteriormente dos partidos socialistas. E na terrível contrarrevolução que se abateu durante os anos 30, só um pequeno punhado de militantes continuou defendendo as posições comunistas, isolados completamente de todo contato direto com a classe operária, completamente submetida à ideologia burguesa. Foi impossível desenvolver um trabalho no seio de partidos com influência na classe operária, diferente dos revolucionários durante a Primeira Guerra Mundial, não só porque tinha sido expulsos desses partidos, mas porque neles já não existia o menor sopro de vida proletária. Aqueles que tinham mantido posições revolucionárias quando da eclosão da Primeira Guerra Mundial, como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, puderam encontrar um eco crescente da sua propaganda entre os militantes da social-democracia à medida que a guerra fazia romper suas ilusões. Nada disso nos partidos comunistas: a partir do começo dos anos 30, se convertem em um terreno totalmente estéril e no qual não pode surgir nenhum pensamento proletário e internacionalista. Durante a guerra, alguns pequenos grupos revolucionários que tinham mantido os princípios internacionalistas não tinham nenhum impacto significativo na classe, que estava totalmente atrelada à ideologia antifascista.

A outra razão pela qual não há um ressurgimento proletário durante a Segunda Guerra Mundial é que a burguesia mundial, instruída pela experiência do final da Primeira, toma suas medidas para prevenir qualquer ressurgimento nos países vencidos, onde a burguesia era mais vulnerável. Na Itália, por exemplo, o meio pelo qual a classe dominante faz frente à sublevação de 1943 caracteriza-se por uma divisão de tarefas entre o exército alemão, que ocupa diretamente o norte da Itália restabelecendo o poder de Mussolini, e os aliados que desembarcam no sul. No norte, são as tropas alemãs as que restabelecem a ordem com tal brutalidade que obriga os operários, que tinham mais se destacado nos movimentos de 1943, a se refugiarem nas guerrilhas, de onde, amputados das suas bases de classe, se convertem em presa fácil da ideologia antifascista e de "libertação nacional". Ao mesmo tempo, os Aliados interrompem sua marcha para o Norte, dizendo que havia de deixar que a Itália "se cozinhasse no seu próprio molho" (nas palavras de Churchill) com a finalidade de deixar que o "mal", a Alemanha, faça o trabalho sujo da repressão antioperária deixando que as forças democráticas, particularmente o partido stalinista, tomem o controle ideológico sobre a classe operária.

Essa mesma tática se empregou na Polônia, enquanto o "Exército Vermelho" está a poucos quilômetros de Varsóvia, Stálin deixa que se desenvolva, sem dar nenhum apoio, a insurreição nesta cidade. O exército alemão tem as mãos livres para perpetrar um autêntico banho de sangue e arrasar completamente a cidade. Quando vários meses depois o Exército Vermelho entra em Varsóvia, os operários dessa cidade que podiam lhes causar problemas tinham sido totalmente aniquilados e desarmados.

Na própria Alemanha, os Aliados se encarregam de esmagar qualquer tentativa de levante operário, por isso realizam primeiro uma abominável campanha de bombardeios nos bairros operários (em Dresde em 13 e 14 de fevereiro de 1945, os bombardeios que causam mais de 250.000 mortos, três vezes mais que em Hiroshima). Ou seja, os Aliados rechaçam todas as tentativas de armistício proposta por vários setores da burguesia alemã incluídos militares de renome como o marechal de campo Rommel ou o chefe dos serviços secretos o almirante Canaris. Para os Aliados, deixar a Alemanha unicamente em mãos da burguesia alemã, inclusive dos setores antinazistas, é impensável. A experiência de 1918 quando o governo que tinha tomado o regime imperial tinha grandes dificuldades para restabelecer a ordem, permanecia ainda na memória dos políticos burgueses. Por isso decidem que os vencedores devem se incumbir diretamente da administração da Alemanha vencida e ocupar militarmente cada porção do seu território. O proletariado alemão, aquele gigante que durante décadas tinha sido o farol do proletariado mundial e que, entre 1918 e 1923, tinha feito tremer o mundo capitalista, estava agora humilhado, oprimido, disperso em uma multidão de pobres sombras que buscavam os escombros para encontrar seus mortos e seus objetos familiares, submetidos à benevolência dos "vencedores" para poder comer e sobreviver. Nos países vencedores, muitos operários tinham entrado na Resistência com a ilusão, propagada pelos partidos stalinistas, de que a luta contra o nazismo era o prelúdio da derrubada da burguesia. Na realidade, nos países sob o domínio da URSS, os operários se viam obrigados a apoiar a implantação dos regimes stalinistas (como durante o Golpe em Praga de 1948), regimes que uma vez consolidados desarmam os operários e exercem sobre eles o terror mais brutal. Nos países dominados pelos Estados Unidos, como França ou Itália, os partidos stalinistas no governo pedem que os operários devolvam as armas porque a tarefa do momento não é a revolução, mas a "reconstrução nacional".

Assim, por todas as partes em uma Europa que não é nada mais que um imenso campo de ruínas, no qual centenas de milhões de proletários sobrevivem em condições de vida e de exploração muito piores do que aconteceram na Primeira Guerra Mundial, onde a fome ronda permanentemente, onde o capitalismo estende mais que nunca sua barbárie, a classe operária não tem a força de empreender o mínimo combate de importância contra o poder capitalista. A Primeira Guerra Mundial tinha ganho para o internacionalismo milhões de trabalhadores, a Segunda os arrastou à infâmia do chauvinismo mais abjeto, da caça ao "boche" [10] e  aos "colaboracionistas".

O proletariado tinha chegado ao fundo do poço. O que lhe é apresentado, e o que ele interpreta como sua grande "vitória", o triunfo da democracia frente ao fascismo, é na realidade sua maior derrota histórica. O sentimento de vitória que experimenta, a crença nas "virtudes sagradas" da democracia burguesa que essa vitória implica, essa mesma democracia que o levou a duas carnificinas imperialistas e que esmagou a revolução no começo dos anos 20, a euforia que o domina é a melhor garantia da ordem capitalista. E o período de reconstrução, do "boom" econômico da pós-guerra, da melhoria momentânea das condições de vida, não permite, ao proletariado, medir a dimensão da derrota sofrida.

De novo o proletariado falta ao encontro com a história. Mas nesta ocasião não é porque tenha chegado demasiado tarde ou mal preparado: simplesmente ficou ausente da cena histórica.

Na segunda parte deste artigo veremos como ele voltou à cena histórica, mas também o quanto comprido ainda é o seu caminho.

Fabienne


[1] Marx e Engels, Manifesto Comunista. Ed. Boitempo, p.42.

[2] Ibid, p. 51.

[3] Marx, O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. (A expressão “Hic Rhodus, hic salta!” é de uma fábula de Esopo em que um fanfarrão sustenta ter dado um salto prodigioso em Rhodes, uma das maravilhas arquitetônicas do mundo antigo. A ele se replicou, então: "Aqui está Rhodes, agora salta.") Ed. Expressão Popular, p. 212.

[4] Rosa Luxemburgo, A Ordem Reina em Berlim. Tradução nossa.

[5] Marx e Engels, Manifesto Comunista. Ed. Boitempo, p.41-42.

[6] Passagem citada na "Resolução sobre a posição para as correntes socialistas e a conferência de Berna" no Primeiro Congresso da Internacional Comunista.

[7] NdT: expressão francesa que remete ao entusiasmo, felicidade e ingenuidade dos soldados da época.

[8] Veja nossa série de artigos sobre a revolução alemã na Revista Internacional números 81 a 99.

[9] Veja nosso artigo "Lecciones de 1917-23 - La primera oleada revolucionaria del proletariado mundial", Revista internacional nº 80, primeiro trimestre de 1995.

[10] NdT: termo francês de tom pejorativo dado aos alemães.