A introdução da CCI, publicada abaixo, deu lugar a uma discussão que resumimos a seguir:
Todas as intervenções exprimiram uma concordância, explicito ou implícito, com as idéias gerais da apresentação, em particular:
Aí, entretanto, surgiu uma discussão sobre a significação do chamamento a favor do voto nulo. Esta questão toma um caráter mais agudo no Brasil pelo fato que o voto é obrigatório. Esta disposição da burguesia brasileira é acompanhada, em certos casos, por medidas coercitivas severas para que ela seja realmente efetiva (multas importantes, impossibilidade de servidores públicos receberem salários, perda de direitos sociais,...).
Entretanto, esta questão não é colocada unicamente no Brasil visto que, nos países em que o voto não é obrigatório, acontece de algumas correntes políticas fazerem campanhas a favor do voto nulo para exprimir sua desconfiança considerando todos os candidatos, e seu descontentamento.
Uma tal postura constitui na realidade a postura mais extrema para enganar os operários fazendo-lhes acreditar que, se todas as candidaturas se equivalem , uma tal atuação poderia constituir um meio de fortalecer a relação de força, a favor do proletariado contra a burguesia. Esta postura significa que, ao final das contas, a instituição democrática burguesa poderia ser utilizada a favor dos operários. Na realidade, a única postura coerente diante das eleições, é a do abstencionismo revolucionário, assim como foi defendido pelas esquerdas comunistas que se destacaram contra a degenerescência oportunista dos partidos da Internacional comunista, nos anos vinte. Para os revolucionários, o circo eleitoral não pode constituir de maneira alguma uma oportunidade de tomada de consciência da classe operária. Esta tomada de consciência se desenvolve diante da falência, cada dia mais evidente, deste sistema bárbaro, nas lutas de defesa contra os ataques econômicos da burguesia e ao contato da propaganda revolucionária. Este princípio do movimento operário deve manter uma postura permanente, inclusive durante as campanhas eleitorais. Entretanto, isso não significa que ele deve tomar a forma de mais uma voz fazendo campanha, no seio de circo eleitoral, a favor do abstencionismo, como se fosse uma opção contra uma outra.
Por conta das especificidades já evocadas considerando o caso do Brasil, este princípio do movimento operário, o abstencionismo revolucionário, não pode ser colocado em aplicação de maneira exatamente idêntica neste país como nos países nos quais o voto não é obrigatório. Em particular, no período atual, seria irresponsável chamar os operários a desertar as urnas, do que poderiam resultar danos financeiros importantes para eles, e problemas jurídicos importantes para as organizações revolucionárias. Neste caso, não há instrução particular de voto que possa satisfazer às necessidades deste principio, quer dizer descartar toda ilusão possível sobre as possibilidades "oferecidas" pela campanha eleitoral. Esta consideração vale também considerando a campanha a favor do voto nulo, pois pode favorecer a crença de que este tipo de voto possa ser útil. A grande maioria das intervenções discordou com nosso ponto de vista. Os companheiros da Oposição Operaria, que fizeram campanha a favor do voto nulo, colocaram justamente em evidencia que sua campanha se destacava da campanha de todas os participantes do circo eleitoral pelas características seguintes:
São efetivamente características que conferem à Oposição Operaria seu caráter de organização proletária. Mas pensamos que estas características são contraditórias com o chamamento ao voto nulo, especialmente quando este é apresentado como meio de exprimir sua indignação e seu descontentamento. Aí é introduzida, sem querer, a idéia de uma certa utilidade do voto. Durante a discussão, o argumento seguinte foi oposto aos nossos: "O voto nulo, geralmente exprime um grau superior de consciência por parte dos proletários, embora isso seja somente uma tendência geral, com muitas exceções". Partilhamos totalmente esta avaliação considerando o que exprime geralmente o voto nulo. Mas isso não resolve a validade ou não do chamamento a favor do voto nulo. Com efeito, esta consciência maior que possa ser exprimida pelo voto nulo, não foi adquirida de maneira alguma na campanha eleitoral. O fato de não fazer campanha a favor do voto nulo não vai impedir esses operários mais conscientes de continuar a votar nulo e alem disso não contém o risco de semear ilusões considerando a significação de tal voto.
No contexto deste debate, houve uma intervenção que insistiu em dizer que a abstenção não implicava necessariamente uma consciência revolucionaria. Concordamos totalmente com esta idéia que é ilustrada, por exemplo, pelo caso dos Estados-Unidos em que há uma abstenção importante, inclusive na classe operária, enquanto esta está longe de constituir a fração mais avançada do proletariado mundial.
Saudamos esta discussão contraditória que se situa claramente no âmbito da discussão no seio do campo do proletariado. Incitamos a sua continuação sob outras formas.
CCI (4 de outubro)
Alem das especificidades próprias de tal ou qual país, as campanhas eleitorais sempre têm em comum isso : É a preocupação do conjunto das forças ditas democráticas, de direita ou de esquerda, de extrema direita ou de extrema esquerda, de fazer com que o máximo de eleitores vá às urnas para cumprir seu dever de cidadão. Por isso:
As consultas eleitorais são apresentadas como momentos em que “se joga o futuro social dos explorados”, desde que saibam “votar a favor dos que os defendem”, quer dizer os partidos de esquerda.
Todos os tipos de defensores do sistema eleitoral burguês dizem que as eleições constituem momentos em que os operários são confrontados a uma escolha da qual dependem as suas condições de vida. Convém aí colocar a questão seguinte:
Qual foi o beneficio para os operários das vitórias eleitorais dos pretendidos defensores dos explorados em todos os países do mundo?
Examinamos o caso das eleições que, quatro anos atrás, levaram Lula à cabeça do estado brasileiro.
Apesar dos anúncios espalhafatosos e demagógicos sobre os sucessos sociais do governo Lula, não é esta "vitória" que fez a situação da classe trabalhadora melhorar no país, muito pelo contrario. Testemunhou disso:
Não foi o estado dirigido por Lula e seus consortes que constituiu um ponto de apoio permitindo aos operários resistir aos ataques do capital. Testemunhou ainda disso:
O estado dirigido por Lula tinha o poder de tomar ou não tais decisões. Com efeito, no Brasil como em qualquer país, nenhum ataque dos mais importantes pode ser decidido e aplicado, em ultima instância, sem consentimento do estado, e conseqüentemente do governo que o representa.
Isso é mais evidente considerando os ataques contra os funcionários públicos, decididos diretamente pelo primeiro entre os patrões, o próprio Estado.
Assim, estes quatros anos de governo Lula, longe de constituírem uma especificidade brasileira, vêm comprovar esta verdade universal: A esquerda, quando está no governo, não age diferentemente da direita.
E é normal, porque ela é eleita com a mesma missão, nem sempre reconhecida: Defender os interesses do capital nacional, o que só pode ser realizado em detrimento do proletariado.
Podemos até dizer que, em certas circunstanciais, a esquerda está nas melhores condições para realizar os ataques mais profundos contra a classe operária porque ela tem a capacidade de limitar a amplitude da reposta operária. Porque?
Bem mais de que a direita, a esquerda tem a capacidade de disfarçar seus ataques por trás de uma cobertura ideológica que permite mascarar seu alcance, até lhes dar uma coloração social. Em particular, no caso de Lula através um discurso de apoio ao povo, à massas excluídas, ...
Eleição depois de eleições quer seja a direita ou a esquerda que ganhe, as condições de vida da classe operária não deixam de piorar.
Não pode ser diferente no seio do capitalismo, pois:
Assim qualquer que seja o resultado das eleições, este não pode favorecer de maneira alguma, a capacidade dos operários de resistir à degradação permanente de suas condições de vida. Mas além de ser uma ferramenta ineficaz nas mãos dos operários, as eleições constituem uma instituição muito eficaz a serviço da burguesia contra a classe operária.
A burguesia nos apresenta sua democracia como a melhor forma de organização que possa existir. Com efeito:
Assim, se os eleitores querem o "socialismo", ou o "comunismo", é só votar pelos representantes destes programas políticos. Na realidade, e como já o vimos no passado, nenhuma formação política que pretenda defender tal programa, jamais agiu, na realidade, no sentido de defender os interesses da classe operária.
A democracia é na realidade o biombo ideológico que serve para dissimular o antagonismo entre duas classes com interesses irreconciliáveis, a burguesia exploradora e o proletariado explorada. A democracia é uma mera mistificação, cuja função é a de mascarar a ditadura da classe dominante, a burguesia, sobre o conjunto da sociedade. E o instrumento desta ditadura não é outro que o Estado, seja ele governado pela direita ou pela esquerda.
Ora, as eleições não são nada mais que uma engrenagem da mistificação democrática. Com efeito, as eleições constituem cada vez mais uma oportunidade para dar um novo vigor a esta outra mentira, segundo a qual existiria um antagonismo profundo entre duas opções políticas que, na realidade, se situam ambas no campo da defesa do capitalismo:
Mesmo existindo diferenças entre direita e esquerda, entre liberalismo e o Estado pretendido social, elas não consideram de maneira alguma qualquer projeto com objetivo de acabar com a exploração e a miséria.
Todas as pretensões de reformar o capitalismo, que emanam de maneira mais ou menos radicais dos diferentes partidos de esquerda, na realidade só são um engodo para mascarar aos operários a realidade deste sistema bárbaro e a impossibilidade real de reformá-lo.
O circo eleitoral tem como função afastar os operários da perspectiva da necessidade de destruição do capitalismo, necessidade de que tomam consciência diante da generalização dos ataques que eles sofrem, diante da constatação do impasse total do capitalismo, na sua luta e no contato com propaganda revolucionária.
Vale a pena aqui sublinhar como a eleição do presidente Lula, há quatro anãos atrás, foi explorada pelas mídias do mundo inteiro contra a consciência da classe operária. Elas espalharam amplamente o evento constituído pela eleição do:
Evidentemente, aquelas mídias, inclusive a imprensa de extrema-esquerda, se abstiveram de lembrar, nestas circunstancias, que o fato de ser um operário não impede de se tornar um inimigo da classe operária:
As eleições não atacam somente à consciência de que direita e esquerda são os inimigos da classe operária, mas também a sua unidade.
A classe operária toma sua força na sua existência como classe da sociedade com interesses comuns, que tem a capacidade de se unir para defendê-los. Ora, as mobilizações eleitorais levam a uma situação totalmente inversa, transformando os proletários em cidadãos atomizados e diluídos na massa dos outros cidadãos, cada um digitando o seu voto na urna eleitoral.
Por conta das possibilidades enormes de expansão na frente do capitalismo no século 19, ele tinha a capacidade, sem criar contradições insuperáveis, de satisfazer reivindicações operárias quando a classe operária se mobiliza para estas.
É a razão pela qual, nessa época, a revolução não estava à ordem do dia e o proletariado podia arrancar reformas favoráveis dentro do sistema. Nesta situação:
Com a entrada do capitalismo na sua fase de decadência, marcada pela irrupção da Primeira Guerra mundial, as necessidades de defesa do capital nacional dentro de um contexto de agravamento das contradições sobre os planos econômico e imperialista, proíbem doravante, qualquer que seja a ampliação das lutas operarias, a possibilidade de reformas substanciais – que não sejam aniquiladas pouco depois.
Neste contexto, em que as reformas não são mais possíveis, o parlamento deixa de constituir um órgão de reformas e tem por única função, aquela de mistificar os explorados.
A partir daí não há mais possibilidade para a classe operaria de utilizá-lo em qualquer circunstância. É esta realidade que, em 1920, durante seu segundo congresso, a Internacional comunista vai claramente caracterizar da seguinte maneira: "A atitude da terceira Internacional não é determinada por uma nova doutrina mas pela modificação do papel mesmo do parlamento. Na época precedente, o parlamento como instrumento do capitalismo ainda em processo de desenvolvimento, de uma certa maneira trabalhou a favor do pregresso histórico. Mas, nas condições atuais, na época do desencadeamento imperialista, o parlamento passou a ser ao mesmo tempo um instrumento de mentira, de engano, de violência e uma exasperante conversa fiada. Atualmente, o parlamento não pode ser, de jeito nenhum, para os comunistas, o teatro de uma luta para reformas e para a melhoria das condições da classe operária, como foi no passado. O centro de gravidade da vida política saiu definitivamente do parlamento."
É a razão pela qual o abstencionismo revolucionário é um abstencionismo de princípio – e não circunstancial – que tem validade em todas circunstancias, em todos os países e em qualquer momento desde o começo do século 20. Este não tem nada a ver com o abstencionismo dos anarquistas, abstrato, eterno e preso num dogma moral. Ao contrario, os marxistas revolucionários apóiam sua atitude sobre a apreciação das condições reais e concretas nas quais se desenvolve o combate de sua classe.
Diante das eleições, como diante dos sindicatos, por exemplo, o procedimento da estrema esquerda é aquele clássico de todos os traidores do movimento operário: convidar os operários a continuarem utilizando, para suas lutas, métodos que permitiram alguns êxitos numa época anterior, mais doravante volvida por conta das modificações das condições.
Assim, os trotskistas como por exemplo do PSTU não hesitam em reivindicar-se do movimento operário, da Terceira internacional, mas numa época em que, já gangrenada pelo oportunismo resultando do refluxo da luta de classe internacional depois 1920, ela tinha renegado suas denuncias anteriores do eleitoralismo: "As propostas da III Internacional sobre como intervir nos processos eleitorais foram a inspiração para a denúncia do regime controlado pelos partidos burgueses, com suas campanhas milionárias financiadas por banqueiros, empresários e latifundiários" (Jornal Opinião Socialista - Edição nº 139 De 17 de outubro a 30 de outubro de 2002) . O PSTU, apesar de dizer que ele não faz eleitoralismo, defende diante dos operários, com uma fraseologia "revolucionária", a participação eleitoral: "Mas o lançamento da candidatura de Zé Maria à presidência e de uma lista própria do PSTU não se baseava num mero cálculo eleitoral, mas numa inadiável necessidade política: afirmar diante das amplas massas uma alternativa revolucionária e socialista." (Ibid) E que alternativa revolucionaria! Aquela que faz falsamente depender a melhora das condições dos operários dos acordos entre capitalistas, como o reivindicação da anulação da dívida ao FMI!. Isso: "Zé Maria repetia diariamente que não é possível gerar milhões de empregos, aumentar os salários e garantir investimentos nas áreas sociais sem romper o FMI e impedir a Alca, deixar de pagar a dívida pública aos grandes banqueiros e atacar os lucros dos capitalistas." (Ibid)
Não ficamos surpresos de aprender que o PSTU recebeu para sua campanha eleitoral o apoio da organização trotskista francesa "Lutte Ouvrière": "Arlette Laguiller, candidata a presidente da França por Lutte Ouvrière, numa mensagem ao PSTU, também se solidarizou com a candidatura de Zé Maria: “a candidatura de um militante operário revolucionário permite que a voz e as reivindicações dos trabalhadores brasileiros sejam escutadas"." (Ibid)
Com efeito, esta organização trotskista francesa, especialista do discurso de duas caras, de um lado não deixa de denunciar de maneira muito radical as ilusões eleitorais e por outro lado não perde nenhuma oportunidade de arrastar os operários para as urnas sob o pretexto que é uma oportunidade de "mostrar seu número", de "afirmar seus interesses", etc.
É assim que ela apoiou o burguês François Mitterrand duas vezes em 1974 e 1981 quando ele foi eleito presidente da França.
As frações mais na esquerda dentro dos partidos comunistas do quais elas foram excluídas, reagiram contra a degenerescência dos partidos da Terceira internacional e seu abandono dos princípios proletários.
É assim que as esquerdas italianas, alemães e holandeses desenvolveram a crítica do parlamentarismo e a sistematizaram. Para elas, como para os revolucionários de hoje, o antiparlamentarismo, a não participação às eleições, constituem doravante uma fronteira de classe entre as organizações proletárias e as organizações burguesas.
Não é por meio das eleições e do parlamentarismo que a miséria, a exploração, o empobrecimento vão ser superados. É sim pela luta do proletariado contra o capital, para derruba-lo, e edificar uma nova sociedade sem exploração, sem fronteiras, sem guerras.
O ambiente eleitoral que hoje percorre o continente americano e o descontentamento social genuíno que brota da miséria engendrada pela quebra do capitalismo são um terreno fértil para a promoção de toda classe "de alianças" e "frentes" por parte da esquerda e extrema esquerda do capital. Estas propostas "táticas" são um verdadeiro terreno minado para o proletariado, por trás das frases "radicais" que acompanham ao "frentismo" está uma armadilha, a armadilha do interclasismo, da dissolução do proletariado e do aniquilamento de sua independência política.
Desde suas origens esta tática foi a expressão primeira da deriva oportunista da Internacional Comunista ante o retrocesso da revolução mundial e, depois, foi só uma utilização da burguesia desse erro para justificar toda classe "de frentes populares", "anti-fascistas", "anti-imperialistas", "contra o neoliberalismo", etc.
Ante as condições cada vez mais desfavoráveis para a revolução mundial, o Terceiro e Quarto congressos da Internacional Comunista (IC) começaram a escorregar pela perigosa ladeira da política da "frente única", isso significava que o proletariado e suas minorias comunistas deveriam se aliar com a social-democracia (que tinha passado ao campo burguês ao apoiar os créditos de guerra): "Sob certas circunstâncias os comunistas devem declarar-se dispostos a formar um governo com os partidos e as organizações operárias não comunistas" (Resolução sobre tática da IC, IV Congresso, 1922). Na história do movimento operário a "frente única" tem sempre se caracterizado como uma frente com frações burguesas.O que para a IC foi um terrível erro oportunista que abriu escancaradamente as portas à contra-revolução converteu-se numa grosseira política burguesa nas mãos de trotskistas, maoístas e guevaristas que "reivindicam" as "contribuições" da IC. Evidentemente que essas expressões da extrema esquerda do capital fazem omissão mal-intencionada de todas as críticas e lições que as esquerdas saídas da degeneração da IC fizeram a essa desastrosa política dos bolcheviques. Todo o esquerdismo hoje quer nos fazer crer que as alianças com o inimigo seriam inevitáveis, inclusive que seriam o prelúdio de uma etapa às vésperas da revolução comunista.
Os pretextos que hoje os esquerdistas esgrimem não diferem muito das confusões da IC e é justamente por isso que a burguesia pode utilizá-los dando-lhes um "verniz proletário":
"Não se isolar das massas". O refluxo da primeira onda internacional provocou, necessariamente, um regresso da influência da ideologia burguesa através da social-democracia. Um argumento seria "ir às massas", "não abandonar os operários". A IC propunha a "unidade" com os mesmos governos que massacraram o proletariado em Berlim e que tinha passado com armas e equipe à defesa do capital. O que se impunha em contrapartida era o estabelecimento de uma clara ruptura com os partidos que já não pertenciam ao campo proletário e extrair as lições dessa traição. Se as massas "seguiam" esses governos era porque as condições tinham mudado e só um novo giro na situação mundial poderia voltar a influência dominante das posições revolucionárias nas massas.A responsabilidade dos revolucionários não "é seguir às massas" senão lutar contra todas as mistificações como única maneira para contribuir a uma tomada de consciência. A "frente única" acelerou a degeneração dos partidos que a adotaram e esta teorização se pagou a um preço demasiado alto pelo proletariado, não só em nível de massacres mas também ao preço de travar o ressurgimento do desenvolvimento de uma tomada de consciência ao instalar uma não-delimitação dos inimigos.
"O inimigo principal". Já é um velho lugar-comum escutar que é o "imperialismo" o inimigo a vencer, que as "políticas neoliberais" seriam o objetivo central na conjuntura "atual", etc. Esta política revelou sua natureza abertamente antioperária na IIª Guerra Mundial. Sob o pretexto do "fascismo como inimigo principal" o trotskismo conduziu o proletariado a seu enquadramento rumo ao matadouro mundial no marco das frentes "antifascistas". Por um lado, esta política ata o proletariado à "sua" burguesia nacional, à democracia que terá que destruir e a conduz inevitavelmente a defender um campo imperialista (fascismo –Países do Eixo- ou os "democráticos" aliados comandados pelos EUA). Por outro lado, esta "tática" esconde uma das conseqüências políticas mais importantes que se abriram com a decadência do capitalismo: a época dos inimigos comuns terminou desde a Iª Guerra mundial, o proletariado e a burguesia encarnam desde então a alternativa histórica da humanidade (comunismo ou barbárie) e, entre estas duas alternativas não há aliança possível na época em que a revolução proletária mundial se pôs à ordem do dia.
Dizer agora que certas regiões do planeta seriam "semicoloniais" e que, portanto, o proletariado dessas regiões poderia aliar-se com "frações progressistas" da burguesia para depois poder lutar pelo comunismo é uma aberração histórica que esconde uma descarada política contra a classe operária. A decadência do capitalismo é um processo histórico mundial e nada tem a ver com visões absolutistas que pretendem ver esta manifestação até na última aldeia africana. A Iª Guerra Mundial foi a manifestação mais evidente desta decadência. Desde então tudo o que conduza à tomada de consciência da necessidade de uma revolução mundial para acabar com o capitalismo vai num sentido proletário. As "alianças", as "frentes" que escondem essa possibilidade situam-se num sentido contrário.
As "frentes" estão na moda. Toda a esquerda do capital e seus esquerdistas agitam o estandarte das "frentes". Tem para toda ocasião e com as mais variadas coberturas "teóricas", desde "evitar que a direita chegue ao poder", para enfrentar o "imperialismo americano", até os que se inclinam por opor-se "ao neoliberalismo" ou refundar uma "verdadeira esquerda". A "Sexta Declaração da Selva Lacandona" chama a conformar uma "Frente Nacional" onde "se integrem os miseráveis e explorados deste país (os de baixo)" e cuja meta seria lutar por "uma nova Constituição"; de forma similar a tradição stalinista-maoísta propõe a "aliança" de classes ("... incluída a pequena e média burguesia" como o diz o PCM mlm) mediante uma Frente Única de Massas, ainda que maquiem seu objetivo com linguagem radicaloide de pôr o proletariado como direção de tal frente. De maneira que tais "Frentes" não são senão argumentos enganosos destinados a golpear a consciência dos trabalhadores, engarrafando-os na defesa da nação (ou da economia), seja desde o chamado à libertação "nacional", ou mediante fraudes como o "combate" à globalização, contra o neoliberalismo, ou em apoio a forças imperialistas, como o Estado cubano ou venezuelano.
Como é evidente, estas "táticas" não vão num sentido proletário, todas, sem exceção, navegam no marco estreito da nação capitalista e pretendem afogar a classe operária no meio do interclassismo, que termina perdendo os trabalhadores numa "cidadania" amorfa. A independência de classe do proletariado é uma condição necessária para poder levar à cabo seu projeto histórico, nenhuma outra classe da sociedade tem a consciência clara da necessidade de abolir as relações capitalistas de produção e de instaurar o comunismo em nível mundial. Diluir sua força no meio das "massas" é completamente contra-revolucionário. Isto não significa, de nenhum modo, "isolar" à classe operária do resto das camadas não exploradoras e dos marginalizados do planeta, totalmente ao contrário, a sorte desses milhões de desamparados depende das capacidades revolucionárias do proletariado.Na medida em que a classe operária avança seu programa comunista, na medida em que propõe uma perspectiva de transformação ao conjunto da sociedade, só nessa medida as camadas não exploradoras encontrarão um programa com o qual se identificar. Essas massas excluídas pelo capitalismo não constituem uma classe revolucionária, mas serão capazes de apoiar ao proletariado quando identificarem que a emancipação que propõe a classe operária é a emancipação de todos[1] [3].
As acusações de "sectarios" que a esquerda do capital e seus próximos, e inclusive alguns "ingênuos de boa vontade", esgrimem contra todos aqueles que como a CCI denunciam o caráter contra-revolucionário do "frentismo" não têm fundamento. Por outro lado, introduzem uma série de confusões que só conduzem a levar água ao moinho do "frentismo".
O sectarismo foi uma expressão da imaturidade do movimento operário. "A primeira etapa da luta do proletariado contra a burguesia se desenvolveu sob o signo do movimento sectário. Este tem sua razão de ser numa época em que o proletariado não está ainda suficientemente desenvolvido para atuar como classe" (Marx e Engels, "As pretensas cisões da Internacional"). Em política as palavras não têm o sentido que cada qual quer, senão o que a história lhes deu. Os "sectários" que se opõem às "frentes" não negam as necessidades de uma luta unida, mas o conceito de unidade para o proletariado está unido indissoluvelmente à manutenção de sua independência de classe e a responsabilidade dos revolucionários não é alimentar as ilusões e a colaboração com os "falsos amigos". Ao contrário, o desenvolvimento da consciência avança através da destruição de mitos e do reconhecimento pleno do inimigo e suas armadilhas.
Embarcar na construção de frentes "amplas", quaisquer que sejam as intenções, não contribui para avançar na organização e na consciência para derrubar o capitalismo, ao contrário, são entraves que já introduzem confusão sobre as formas de organização do proletariado e conduzem este a sacrificar sua independência.
Dan. Fevereiro 2005.
1 [4] Por exemplo, as ilusões da propriedade da terra não permitem aos camponeses arruinados desenvolver uma consciência de acabar definitivamente com a propriedade privada.
A CCI teve a oportunidade de apresentar, em um auditório para uma platéia de 170 estudantes numa universidade brasileira, em setembro deste ano, sua análise da conjuntura mundial e suas alternativas. Publicamos o relatório das discussões[1] [6] e, junto, a apresentação que foi feita, intitulada "A conjuntura mundial e as eleições", articulada nos três eixos seguintes: A guerra, a luta de classes e o papel das eleições.
Antes de tudo, queríamos sublinhar como, globalmente, os participantes se situaram em relação à nossa apresentação. Apesar do nosso discurso não ser "habitual" por considerar o papel das eleições totalmente a serviço da burguesia, e colocar em evidência a perspectiva do desenvolvimento da luta de classe internacional, ele não suscitou hostilidade nem ceticismo. Muito pelo contrario, houve grande interesse considerando nossa postura geral, e às vezes um apoio explícito.
A apresentação tinha falado pouco sobre o papel e a natureza dos sindicatos Uma intervenção sobre esta questão foi particularmente bem-vinda, colocando em evidência que são apêndices dos partidos burgueses e constituem um trampolim para quem quer fazer parte da alta burocracia do Estado.
Foi-nos perguntado o que achamos do governa Lula, se era de direita ou esquerda. "De esquerda, sem dúvida", respondemos. O fato de se ter comportado no governo como inimigo dos proletários não muda em nada esta realidade, visto que a esquerda é eleita com a mesma missão que a direita: defender os interesses do capital nacional, o que só pode ser realizado em detrimento do proletariado.
Qualquer que seja o discurso, mais ou menos radical, Bachelet em Chile, Kirchner em Argentina, Chávez na Venezuela ou Morales em Bolívia, todos são os mesmos. O mais "radical" entre eles, Chávez, que se confronta com setores do capital nacional que governaram até 1998, e que não perde uma oportunidade para denunciar publicamente o imperialismo dos Estados-Unidos – e de fortalecer sua própria zona de influencia no Caribe – não deixa de organizar, com igual brutalidade, a exploração dos proletários venezuelanos.
Agora dizer que, esquerda e direita, ambas defendem os interesses do capital nacional contra o proletariado não significa que são idênticas. Com efeito, de maneira geral, os proletários não têm ilusões sobre as intenções da direita que, abertamente, defende os interesses da burguesia. Infelizmente, não é o conjunto do proletariado que chega à mesma clareza considerando o papel da esquerda. Isso significa que a esquerda, e ainda mais a extrema esquerda, tem maior capacidade de mistificar o proletariado. É a razão pela qual estas frações do aparelho político da burguesia constituem o inimigo mais perigoso para o proletariado.
Algumas intervenções voltaram a falar das eleições. "Será que realmente não há possibilidade de utilizá-las a favor de uma transformação social?", "Não há possibilidade de utilizar o voto nulo como instrumento da luta de classe?". Sobre esta questão, nossa postura nada tem de dogmática, mas reflete a realidade mundial desde o começo do século 20. A partir de então, não somente "O centro de gravidade da vida política saiu definitivamente do parlamento", como o dizia a Internacional comunista, mas o circo eleitoral só pode ser uma arma ideológica da burguesia contra o proletariado. É uma realidade que os elementos mais conscientes do proletariado se abstêm geralmente de participar do circo eleitoral. No caso do Brasil, por conta das punições em caso de abstenção, dentre as quais pagamento de multas, perda de direitos civis importantes e até mesmo a suspensão dos salários de servidores públicos, a mesma consciência se expressa no voto nulo. Será que isso valida a palavra de ordem "Vote nulo!". De maneira nenhuma. A explicação vem como resposta à questão seguinte: de onde provém essa consciência dos proletários que votam "nulo"? Da generalização dos ataques às condições de vida, da constatação do impasse total do capitalismo, da luta e do contato com a propaganda revolucionária e, em particular, a denuncia que esta última faz das instituições democráticas burguesas, do circo eleitoral. Existe uma contradição entre esta denúncia e chamar a votar nulo, que só pode enfraquecer a denúncia. Com efeito, chamar a votar nulo aparece assim como um chamamento a exprimir seu descontentamento desta forma, e confere assim uma aparência de utilidade ao circo eleitoral.
"Desde que as eleições não são mais um meio da luta de classe, como o proletariado vai fazer para lutar?"
As lutas que ele desenvolveu desde 1968, não foram lutas eleitorais. Apesar delas não terem a capacidade de destacar uma perspectiva revolucionária explícita, elas foram, entretanto, suficientemente potentes para impedir uma guerra mundial na época da Guerra fria, e depois uma confrontação central entre grandes potencias. O proletariado continua a ser um freio ao desencadeamento da guerra. Ele, e a população explorada em geral, não são arregimentados atrás das bandeiras das diferentes burguesias nacionais. A impossibilidade atual dos Estados-Unidos, para recrutar soldados destinados a servir de bucha de canhão nos conflitos do Iraque e do Afeganistão, ilustra tal situação.
Este proletariado mundial, que não se submete à lei da deterioração constante de suas condições de vida, resultado do agravamento da crise mundial, vai necessariamente ampliar suas lutas. Ora, desde dois anos, estas lutas, que são mundiais, apresentam de maneira crescente características necessárias ao desenvolvimento futuro de um processo revolucionário:
A propósito deste último movimento, houve uma insistência para que déssemos mais caracterizações. O que fizemos brevemente. Embora não fossem essencialmente os assalariados que se mobilizaram, aqueles que foram à luta já fazem parte do proletariado. Com efeito, uma proporção muito alta de estudantes tem que trabalhar para sobreviver, e uma mesma proporção vão integrar, no fim de seus estudos, as fileiras do proletariado. Os estudantes lutaram para a revogação de uma lei que, por piorar a precariedade, considera o conjunto do proletariado. E foi com plena consciência que a grande maioria do movimento se comprometeu com a procura da solidariedade do conjunto do proletariado e também com tentativas de mobilizá-la para a luta. Houve manifestações massivas mobilizando até 3 milhões de pessoas no mesmo dia na França, em diferentes cidades. Tiveram regularmente lugar, na maioria das universidades em greve, assembléias gerais soberanas que constituíram o pulmão da luta. A solidariedade ficou no centro da mobilização enquanto se expressava na população, e dentro do proletariado em particular, uma enorme corrente de simpatia a favor desta luta. Tudo isso obrigou o governo a recuar diante da mobilização para evitar que ela se ampliasse mais ainda.
Algumas intervenções expressaram preocupações acerca de dificuldades objetivas do desenvolvimento da luta de classe: "Será que a dissolução das unidades de produção não vai constituir um obstáculo a tal desenvolvimento?". De maneira geral, assistimos a uma diminuição do proletariado industrial como resultado de mutações no processo de produção (das quais também resulta o aumento de proletários trabalhando no setor dito terciário), da crise econômica e dos deslocamentos de setores de produção para países nos quais a mão-de-obra é mais barata, como a China que conheceu, nestes últimos anos, um desenvolvimento importante. Este fenômeno constitui uma dificuldade para o proletariado, mas ele já demonstrou sua capacidade em superá-la. Com efeito, o proletariado não se limita à classe operária industrial. O proletariado inclui todos que, sendo explorados, só possuem sua força de trabalho para vender enquanto fonte de sobrevivência. Ele existe em todos os lugares e seu lugar privilegiado para se agrupar e se unificar é a rua, como foi demonstrado no movimento dos estudantes na França contra a precariedade.
O deslocamento de setores de atividade para países tais como a China cria uma divisão entre o proletariado chinês, hiper-explorado em condições terríveis, e o proletariado dos países centrais que, por conta do desaparecimento de centros de produção, sofre as conseqüências de um desemprego acentuado. Mas isso não é uma situação excepcional. Com efeito, desde o começo de sua existência, os proletários foram colocados em concorrência entre eles pela dominação do capital. E, desde o começo, a necessidade de resistir coletivamente a esta concorrência lhes permitiu superá-la pela luta coletiva. Em particular, vale a pena assinalar que a formação da Primeira Internacional respondeu à necessidade de impedir a burguesia inglesa de utilizar operários na França, Bélgica ou Alemanha para furar as greves dos operários ingleses. Hoje, apesar de lutas importantes do proletariado chinês, ele não é capaz, por si só, de romper seu isolamento. Isso coloca em evidência a responsabilidade do proletariado dos países mais potentes para impulsionar, através suas lutas, a solidariedade internacional.
O desenvolvimento da luta de classe será marcado pela capacidade crescente do proletariado de controlar suas lutas e desenvolver sua capacidade de auto-organização. É por isso que a prática de assembléias gerais soberanas, elegendo delegados revocáveis por elas, tende a se generalizar. Essa prática antecede surgimento dos conselhos operários, futuros órgãos do exercício do poder pelo proletariado. Este tipo de organização é a única que permite aos proletários possuírem coletivamente o controle crescente sobre a sociedade, sua existência e o futuro.
Um tal objetivo não pode ser alcançado por meio de formas organizativas que não saem do marco da organização burguesa da sociedade, como par exemplo a dita democracia participativa, supostamente visando corrigir os defeitos da democracia representativa clássica. Uma intervenção pediu a nossa opinião sobre esta questão. A democracia participativa não é nada mais que o meio de fazer com que os explorados e os excluídos gerenciem sua própria miséria, e enganá-los sobre um pretendido poder que eles teriam adquirido na sociedade. No final das contas, ela não é nada mais que uma mera mistificação.
É necessário apoiar as perspectivas de desenvolvimento da luta de classes sobre a experiência histórica do proletariado. A propósito disso, a questão seguinte nos foi colocada: "Porque a comuna de Paris e a revolução russa foram derrotadas? E porque a revolução russa degenerou?"
A Comuna de paris não constitui realmente uma revolução, foi uma insurreição vitoriosa do proletariado limitada a uma cidade. Suas limitações resultaram essencialmente da imaturidade das condições objetivas. Com efeito, nessa época, de um lado, o proletariado não tinha se desenvolvido a ponto de ter a capacidade de enfrentar, nos principais países industrializados, o capitalismo para derrubá-lo e, por outro lado, o capitalismo não tinha acabado de constituir um sistema progressista, capaz de desenvolver as forças produtivas sem que as suas contradições se manifestassem de maneira crônica e mais brutal ainda. A situação mudou no começo do século XX, com o surgimento dos primeiros conselhos operários em 1905 na Rússia, órgãos de poder da classe revolucionária. E pouco depois, a deflagração da Primeira Guerra Mundial foi a primeira manifestação brutal da entrada do sistema na sua fase de decadência, na sua "fase de guerras e revoluções" como a tinha caracterizada a Internacional comunista. Em reação ao desencadeamento da barbárie a um grau desconhecido até então, uma onda revolucionaria se desenvolveu em escala mundial e, de novo, os conselhos operários fizeram sua aparição. O proletariado conseguiu tomar o poder político na Rússia, mas uma tentativa revolucionaria foi derrotada na Alemanha em 1919, graças à capacidade da social-democracia de enganar os proletários, o que enfraqueceu consideravelmente a dinâmica revolucionaria mundial que, já em 1923, estava quase acabada. Isolado, o poder do proletariado na Rússia só podia degenerar. A contra-revolução se manifestou pela ascensão do stalinismo e através da formação de uma nova classe burguesa personificada pela burocracia do estado. Mas, ao contrario da Comuna de Paris, que não pôde se estender por conta da insuficiência das condições materiais, a onda revolucionaria mundial foi derrotada por falta de consciência considerando a alternativa em jogo. Por incapacidade também de desmascarar as manobras do inimigo de classe e de entender realmente que a social-democracia tinha definitivamente traído o internacionalismo proletário e o proletariado na Guerra mundial, através do seu posicionamento a favor dos diferentes campos imperialistas.
Menos de um ano depois de ter feito uma apresentação na universidade de Vitória Conquista, diante mais de 250 estudantes, sobre o tema "A esquerda comunista e a continuidade do marxismo", esta última reunião nos permitiu verificar com muita satisfação um interesse crescente das novas gerações para um futuro de luta de classe que recusa a miséria material, moral e intelectual deste mundo em decomposição. Convidamos a todos que estiveram presentes à reunião ou que tiverem a oportunidade de ler o presente artigo a dar continuidade ao debate iniciado manifestando por escrito acerca das questões aqui apresentadas.
CCI (12 de outubro)
[1] [7] Com objetivo de facilitar a leitura deste relatório, alteramos a ordem dos assuntos abordados na discussão para agrupá-los por temas gerais.
A burguesia é uma classe hipócrita. Uma vez que desalojou a nobreza feudal no plano econômico e político, e se consolidou como a nova classe dominante, teve que lançar ao insucesso da história todas as ilusões que tinha criado de que com o advento do sistema capitalista iam ser superadas as calamidades que a humanidade tinha vivido nas sociedades do passado. As palavras de ordem de "liberdade,igualdade e fraternidade" da Revolução Francesa de 1789, que estão escritas com letras de ouro na maioria das constituições nacionais, na realidade passaram a conformar junto com as instituições da democracia burguesa, todo o aparato jurídico-ideológico para justificar e manter a dominação do capital sobre o trabalho.
Já o proletariado no século XIX se encarregou de despir a hipocrisia da classe burguesa, ao iniciar suas lutas contra as brutais condições de exploração que impunha o capital em plena expansão em nível mundial, o que deu origem a suas primeiras organizações unitárias (as trade-unions) e políticas (A Liga dos Comunistas), e principalmente ao primeiro programa do proletariado: O Manifesto Comunista.
Todo o século XX desnudou a hipocrisia, a mentira e o cinismo da burguesia. Em nome do "bem-estar da humanidade" e da democracia, desataram-se duas guerras mundiais e uma infinidade de guerras localizadas, que causaram os maiores desastres vividos pela humanidade em toda a sua história, clara expressão da decadência do modo de produção capitalista. Mas há uma mentira maior no século XX: "A idéia de que os regimes stalinistas do antigo bloco dos países do Leste, ou países como China, Cuba e Coréia do Norte hoje, sejam expressões do comunismo ou marxismo é na realidade a Grande Mentira do século XX, uma mentira perpetuada deliberadamente por todas as facções da classe dominante, desde a extrema direita à extrema esquerda".[1] [9]
Finalizamos o século XX e iniciamos o XXI com "novas" mentiras dos líderes das principais potências, com os EUA à cabeça: o prosseguimento das agressões imperialistas, como as guerras do Afeganistão e do Iraque, justificadas sob o manto das "ajudas humanitárias".
Mas ao lado desta grande mentira do imperialismo norte-americano, existem outras "novas" como a do "Socialismo do século XXI" promovida por Chávez e pela esquerda, a qual é complementada com uma das campanhas que utiliza o chavismo para vender em nível interno e externo seu projeto "revolucionário": a campanha contra "o imperialismo de Bush". Mediante esta campanha ensurdecedora, acusando Bush de todos os males da humanidade e da própria miséria que se vive na Venezuela, tenta ocultar que seu governo perto de cumprir 7 anos, é um continuador dos planos de fome dos governos do passado, mas desta vez massificando a pobreza através da ideologia do "socialismo do século XXI", quase copiado do "socialismo real" que implantaram as burguesias do ex-bloco russo.
Toda esta verborragia contra "o imperialismo norte-americano", persegue posicionar melhor a burguesia venezuelana na geopolítica da região, aproveitando as dificuldades e impopularidade da política imperialista dos Estados Unidos. Da mesma maneira que os EUA utilizam seu poderio econômico e militar para submeter os países nos quais intervêm e às outras potências imperialistas, Chávez utiliza a arma do petróleo para impor "acordos" às burguesias mais débeis da região, principalmente na área do Caribe. Da mesma maneira que os USA justificam sua intervenção por razões "humanitárias", a Venezuela justifica a sua como ajuda "ao progresso" dos povos e para "superar a pobreza", obviamente desde que não se oponham a sua estratégia de se fixar como uma potência de respeito na região. Isto não tem outro nome, senão imperialismo.
Tanto Bush como Chávez são um par de cínicos e hipócritas, que não têm o menor escrúpulo pela humanidade.
Da mesma maneira que os USA investem vultosos recursos para desenvolver sua política imperialista, proporcionalmente, assim o faz o chavismo: promove e financia eventos internacionais em nível interno e externo, como o "XVI Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes" celebrado em Caracas em agosto passado (uma velha celebração do stalinismo), onde um "Tribunal Internacional Anti-imperialista" fez um julgamento de Bush; brinda apoio material a líderes e movimentos sociais na América Latina, como Evo Morales na Bolívia, os piqueteros na Argentina e o Movimento dos Camponeses Sem Terra no Brasil, para só mencionar alguns; e desenvolveu uma rede de meios de comunicação em nível interno e externo.[2] [10] Todos estes recursos geridos por grupos, partidos, organizações e intelectuais de esquerda e altermundialistas.
Todos eles cumprem a função de ser caixa de ressonância do chavismo, e contribuem para ocultar e manipular a terrível miséria de que padecem o proletariado e a população venezuelana no seu conjunto. Damos só dois exemplos disso:
-para tentar ridicularizar Bush ante seus seguidores, Chávez o acusa de desumano, racista e incompetente pelos devastadores efeitos do furacão Katrina em Nova Orleans. Mas o que não diz o chavismo é que a maioria dos flagelados das enchentes de 1999 no litoral central venezuelano (afetado novamente por inundações em fevereiro de 2005[3] [11]) ainda continuam perambulando pelo país e vivendo em condições miseráveis.
-Caracas é uma das cidades mais violentas e inseguras de América Latina: ocupa o 24° lugar de 34 cidades principais da região. Em nível nacional[4] [12] a cada 2 dias é assassinado um taxista ou motorista de transporte público, o que ocasiona freqüentes manifestações de indignação com bloqueios das principais rotas da capital e de outras cidades.
A pauperização da população é crescente, o que o governo tenta ocultar, como dissemos, através de suas campanhas midiáticas. Com o conto de que se trata de um governo "revolucionário", deslocaram do poder parte da velha burguesia para dar continuidade a um sistema desumano, sustentado na exploração e submissão do proletariado.
Ante as calamidades que sofre a população, os setores da burguesia que se opõem ao chavismo catalogam-no de incapaz. Ante esta proposta hipócrita da burguesia opositora devemos dizer: não se trata de que Chávez, Bush ou tal ou qual governante ou governo seja incapaz, é a classe burguesa em seu conjunto, seja de esquerda ou de direita, que é incapaz de solucionar a barbárie que vive a sociedade já que defendem o sistema capitalista, que desde inícios do século passado deixou de ser um sistema progressivo para a humanidade. Os proletarios devemos dizer: Basta de mentiras! Basta de hipocrisia!
O proletariado venezuelano e mundial não só deve deixar a descoberto as mentiras dos Bush ou dos Chávez, mas deve fazer e defender sua verdade: a revolução proletária.
Internacionalismo, Outubro de 2005.
[1] [13] "A esquerda comunista e a continuidade do marxismo [14]" texto que se pode ler no site da CCI na Internet.
[2] [15] O governo de Chávez financia: 16 meios impressos em Caracas, mais 72 em nível nacional; 13 emissoras ou cadeias de rádio e TV, entre elas a Telesur. Fonte: semanário "Descifrado en la Calle".
[3] [16] A respeito disto, ler o artigo "Inundaciones en Venezuela - Detrás de las 'catástrofes naturales' está la responsabilidad del Capitalismo [17]" em Internacionalismo Nº54.
[4] [18] Revista América Economia, maio de 2005.
Queremos, em primeiro lugar, saudar a atitude destes leitores, que manifestam hoje uma vontade de implicação militante. Esta dinâmica muito positiva de indivíduos em busca de uma perspectiva e de uma atividade revolucionária é expressão de uma reflexão que se acentua em profundidade no seio da classe operária. Apesar das campanhas da burguesia, apesar de seus ataques contra a corrente da Esquerda Comunista, apesar das calúnias lançadas contra a CCI pelos grupos parasitas, estes leitores não se deixaram impressionar e mostraram sua capacidade para reconhecer a seriedade de nossa organização.
O processo de integração de novos militantes em uma organização política depende antes de tudo da natureza de classe dessa organização. Nos partidos burgueses (por exemplo, os partidos stalinistas), basta ter o carnê do partido e pagar as cotas para ser membro da organização. Os militantes deste tipo de organizações não têm como vocação levar uma atividade para desenvolver a consciência da classe operária, mas, pelo contrário, para adormecê-la e desviá-la ao terreno burguês, particularmente para as eleições e as grandes missas democráticas.
Para uma organização revolucionária, isto é, uma organização que defende realmente a perspectiva do proletariado (a destruição do capitalismo e a instauração da sociedade comunista mundial), a função dos militantes é radicalmente diferente. Seu objetivo não é fazer carreira como representantes de tal ou qual fração do capital ou pegar pôsteres para as campanhas eleitorais, mas contribuir ao desenvolvimento da consciência na classe operária. Como afirmaram Marx e Engels no Manifesto Comunista, "os comunistas têm sobre o resto do proletariado a vantagem de sua clara visão das condições da marcha e dos resultados gerais do movimento proletário". Por isso, os militantes de uma organização revolucionária têm que elevar seu próprio nível de consciência.
Neste sentido, a primeira condição para integrar-se na CCI é que os camaradas, que se candidatam para tornarem membros de nossa organização, manifestem sua compreensão e seu pleno acordo com nossos princípios programáticos.
Entretanto, seu grau de acordo e de convicção sobre nossas posições políticas não é uma condição suficiente para ser militante da CCI. Os candidatos devem manifestar igualmente sua vontade de defender as posições da organização, cada um em função de suas próprias capacidades pessoais. Não exigimos a nossos militantes que sejam todos bons oradores ou que saibam redigir um panfleto ou artigos para a imprensa. O que importa é que a CCI como um tudo possa assumir suas responsabilidades e que cada militante esteja disposto a dar o melhor que possa para permitir à organização assumir a função para a qual a classe operária a fez surgir.
Os militantes da CCI não são espectadores passivos, nem cordeiros que balem depois de uma "burocracia de chefes" como pretendem nossos caluniadores. Os militantes têm deveres com a organização, que têm que cumprir, para permiti-la existir. Em princípio, pagar suas cotas (visto que sem dinheiro a organização não poderia pagar os gastos de impressão da imprensa, do aluguel de salas, das viagens, etc.). Também têm o dever de participar das reuniões, nas intervenções, na difusão da imprensa, na vida e nos debates internos, defendendo seus desacordos com relação às regras de funcionamento estabelecidas por nossos estatutos.
Estas exigências não são novas. Já em 1903 no debate sobre o primeiro parágrafo dos estatutos do POSDR (Partido Operário Social-democrata da Rússia), esta questão de "Quem é membro do Partido?" havia oposto os bolcheviques aos mencheviques. Para os bolcheviques, só quem são parte ativa do conjunto da vida da organização podiam considerar-se membros do partido, enquanto os mencheviques defendiam que era suficiente estar de acordo com as posições da organização e lhe emprestar apoio para ser considerado como militante. A posição dos mencheviques foi firmemente combatida por Lênin em seu livro Um passo adiante dois passos atrás, como uma visão puramente oportunista, marcada por concepções pequeno-burguesas. Os caluniadores de Lênin diziam freqüentemente que sua posição era "autoritária" e que atribuía uma grande importância ao "poder de uma pequena minoria". Mas o certo é justamente o contrário: é a visão oportunista defendida pelos mencheviques a que encerra um perigo. Com efeito, militantes "de base", pouco convencidos e pouco formados, serão mais propensos a deixar aos "líderes" pensar e decidir em seu lugar que os militantes que adquiriram uma compreensão profunda das posições da organização e que se implicam ativamente em sua defesa. É a concepção dos mencheviques a que melhor permite que uma pequena minoria possa levar sua própria política pessoal aventureira de costas e contra a organização.
Sobre esta questão de "Quem é membro da partido? ", a CCI se reivindica da concepção dos bolcheviques. Essa é a razão pela qual fazemos uma distinção muito clara entre os militantes e os simpatizantes que compartilham nossas posições e nos dão seu apoio.
Bom número de camaradas que participam a nosso lado nas intervenções públicas, na difusão da imprensa e contribuem conosco com apoio financeiro não estão dispostos, entretanto, a comprometer-se plenamente numa atividade militante, que necessita muita energia e perseverança num trabalho regular que se inscreve a longo prazo. Comprometer-se na CCI como militante significa ser capaz de pôr esta atividade no centro da vida. O compromisso em uma organização revolucionária não pode considerar-se como um hobby. Exige uma tenacidade e uma capacidade de manter o rumo contra o vento e a maré por parte de cada militante, de não se deixar desmoralizar pelos altos e baixos da luta de classes, ou seja, uma profunda confiança nas potencialidades e na perspectiva histórica do proletariado. A militância revolucionária exige igualmente uma entrega leal e desinteressada à causa do proletariado, uma vontade de defender esse precioso bem que é a organização cada vez que é atacada, denegrida, caluniada pelas forças da burguesia e seus cúmplices do meio parasita.
Para ser militante da CCI tem que ter igualmente a capacidade de integrar-se num quadro coletivo, fazer viver a solidariedade entre camaradas afastando o individualismo pequeno-burguês que se expressa particularmente no espírito de concorrência, de ciúmes ou de rivalidade com os camaradas de combate e que não é outra coisa que o peso dos estigmas da ideologia da classe burguesa.
Para ser militante de uma organização revolucionária, como dizia Bordiga, tem que ter uma força de convicção e uma vontade de ação, incluindo o combate permanente contra o peso da ideologia capitalista nas filas da organização.
Concretamente, os camaradas que querem integrar-se na CCI têm que se preparar desde agora para assumir suas responsabilidades, o que consiste em:
Ao término deste processo de discussões sobre nossas posições programáticas, os camaradas que queiram integrar-se na CCI têm que manifestar também seu acordo com a concepção da CCI sobre a questão do funcionamento da organização e sobre seus estatutos, cujo espírito está contido em nosso artigo da Revista Internacional nº 33 ("Estrutura e funcionamento da organização de revolucionários")
A CCI acolheu sempre com entusiasmo aos novos elementos que querem integrar-se em suas filas. Por isso, investe muito tempo e energia no processo de integração dos candidatos a fim de permitir que esses futuros militantes estejam armados o melhor possível para poder ser imediatamente parte integrante do conjunto das atividades da organização. Entretanto, este entusiasmo não significa que tenhamos uma política de recrutamento por recrutamento como as organizações trotskistas.
Nossa política tampouco é a de integrações prematuras sobre bases oportunistas, sem claridade prévia. Não estamos interessados em que os camaradas se unam a CCI, para nos deixar alguns meses ou alguns anos depois, porque se deram conta de que a atividade militante é muito exigente e exige muitos "sacrifícios" ou porque se deram conta posteriormente que não tinham assimilado realmente os princípios organizacionais da CCI (em geral estes camaradas apresentam freqüentemente muitas dificuldades para reconhecê-los e preferem abandonar o combate com recriminações contra a CCI que podem lhes conduzir a justificar sua deserção por uma atividade parasita).
A concepção dos bolcheviques sobre as questões de organização mostrou toda a validade desta posição. A CCI não é um "albergue espanhol". Não está interessada no proselitismo.
Tampouco somos mercadores de ilusões. Por isso nossos leitores que se colocam a questão: "O que tem que fazer para ser da CCI? " têm que compreender que se integrar na CCI leva tempo. Todo camarada que propõe sua candidatura tem que se armar de paciência para empreender um processo de integração em nossa organização. É primeiro um meio para que o candidato verifique por ele mesmo a profundidade de sua convicção para que a decisão de ser militante não se tome às pressas, por um momento de "inspiração". É também, e sobretudo, a melhor garantia que podemos oferecer para que sua vontade de compromisso militante não se salde por um fracasso ou uma desmoralização.
Uma vez que a atividade dos revolucionários inscreve-se numa perspectiva histórica, os militantes têm que poder manter o rumo a longo prazo sem desmoralizar-se. Por isso, os camaradas que queiram integrar-se na CCI têm que se precaver de todo imediatismo, de toda impaciência em seu processo de integração a nossa organização. O imediatismo é justamente a base de recrutamento dos esquerdistas, que não param de reprovar a CCI "o que vocês fazem na prática?" "Quais resultados imediatos obtêm? ".
Mais que nunca a classe operária necessita de novas forças revolucionárias. Mas o crescimento numérico das organizações da Esquerda Comunista poderá ser um verdadeiro reforço somente se for constituído como o resultado de todo um processo de clarificação que tem por objetivo formar novos militantes, dar bases sólidas para lhes permitir assumir suas responsabilidades no seio da organização.
18 de fevereiro 2003
A «outra campanha» que se sustenta na 6ª declaração do EZLN, é uma perigosa armadilha para o proletariado, enquanto pretende trapaceá-lo com uma ideologia reacionária que complementa o trabalho de confusão que a burguesia leva com o processo eleitoral em marcha. Em RM 88 (Revolução Mundial, publicação da CCI em espanhol) já denunciamos a forma em que o chamado de Marcos se torna um ataque contra a consciência dos trabalhadores. O círculo «Comunismo ou Barbárie» aprofunda a reflexão sobre isso, fazendo uma clara defesa das posições marxistas frente aos ataques ideológicos da burguesia. Reproduzimos o texto, eliminando, só por problemas de espaço, alguns extratos, ainda que o documento completo possa ser solicitado escrevendo à nossa caixa postal, ou ao correio eletrônico.
«A nacionalidade do operário não é francesa, nem inglesa, nem alemã; é o trabalho, a escravatura em liberdade, a venda voluntária de si mesmo. Seu governo não é francês, nem inglês nem alemão; é o capital. Seu céu pátrio não é o francês, nem o inglês, nem o alemão; é a atmosfera da fábrica. O solo que lhe pertence não está na França, nem na Inglaterra, nem na Alemanha; está sob a terra, a uns tantos palmos de profundidade» Karl Marx (1845)
(...) Hoje como ontem, os discursos da burguesia e da pequena burguesia se dirigem aos sentimentos e emoções do proletariado para pôr obstáculos à reflexão e para fazer uma defesa encoberta do capitalismo, do capitalismo numa de suas formas. Castro, Lula, Chávez, Kirchner, mas também Obrador e o EZLN dizem oferecer uma «alternativa ao capitalismo» (...)
Desde suas origens, o EZLN foi um paladino do Estado nacional: «As autonomias não são separação, são integração das minorias mais humilhadas e esquecidas no México contemporâneo. [...] Hoje repetimos: NOSSA LUTA É NACIONAL»[1] [21]
(...) Será dito que o EZLN corrigiu seus erros, que vê agora as coisas com os olhos do proletariado, que deu uma viragem (repentinamente!) para a esquerda, que somente há «algumas coisas» que fazem falta à Sexta declaração, que não há que se ver a forma dos termos senão seu conteúdo, que «pátria» deveria ser entendida como «os interesses dos explorados», etc. (...)
A longa e difícil experiência do proletariado pôs muito em claro que não tem nenhum interesse em comum com a burguesia, que o benefício do capital se sustenta no prejuízo dos trabalhadores; no entanto, o EZLN equipara a ruína da burguesia e da pequena burguesia à miséria do proletariado do campo e da cidade: «...os governantes que temos [e que] estão destruindo o que é nossa Nação, nossa Pátria mexicana ... fazem leis como as do Tratado de Livre Comércio, que passam a deixar na miséria a muitos mexicanos, tanto camponeses e pequenos produtores, porque são «comidos» pelas grandes empresas agro-industriais; como os operários e pequenos empresários porque não podem competir com as grandes multinacionais que se metem sem que ninguém lhes diga nada e até lhes dão graças, e põem seus baixos salários e seus altos preços.»
Desta maneira, o EZLN «esquece» que a relação fundamental do capitalismo, a oposição capital-trabalho, se reproduz a uma escala geral. Não importa o tamanho desta relação antagônica entre os trabalhadores e capitalistas; ali onde um indivíduo possui meios de produção e compra força de trabalho de um ou vários proletarios, já está gerando uma relação de exploração dos capitalistas sobre os assalariados, está comprando por parte do capital uma mercadoria capaz de gerar um valor maior que o que se está pagando; está gerando a partir desta relação um mais-valor que é arrebatado ao proletariado. Deve então o proletariado basear seu programa numa aliança com os «pequenos produtores» ou os pequenos empresários que reproduzem esta relação; ali onde o proletariado não tem futuro nem perspectiva alguma de solução real à sua miséria e sofrimento?
(...) O proletariado é uma classe explorada pelo capital, grande ou pequeno; explorada independentemente de sua cor de pele, de seu sexo ou da região que habite. A burguesia só pode obter vantagens ao remarcar as diferenças (...) pois isto permite que o proletariado não possa reconhecer-se como classe e se dilua nas frentes interclasistas, isto é, sob programas e causas que lhe são alheios, mas sobretudo, porque através deste recurso se impede ao proletariado que veja o que lhe faz ser a única classe revolucionária capaz de destruir o capitalismo: que está privada de todo meio de produção e de vida, que não tem mais do que sua força de trabalho e do que, à diferença da burguesia e do resto das classes que enfrentam a ela, o proletariado não tem pátria a defender.
«Algumas das bases econômicas de nosso México que eram o campo e a indústria e o comércio nacionais, estão bem destruídas e mal restam uns poucos entulhos que é seguro que também vão vender.»[2] [22]
Cabe perguntar se essas bases econômicas às quais se refere o zapatismo como a indústria e o comércio eram menos capitalistas do que as atuais. Tal afirmação é bem mais uma apologia desse esquema do «Estado benfeitor», já caduco para o capitalismo atual, e que foi produto da adaptação do capital às circunstâncias geradas pelo fim da segunda guerra mundial, onde partindo de teorias burguesas como o keynesianismo, pretendeu dar oxigênio ao capitalismo de pós-guerra.
Para o EZLN, o problema estaria em «umas empresas estrangeiras... que têm bem ferrado ao camponês» e nas maquiladoras «que são do estrangeiro e que pagam uma miséria por muitas horas de trabalho.»[3] [23]
(...) A partir da lógica do zapatismo, as empresas estrangeiras seriam as únicas que geram pobreza, desemprego, miséria e deterioração das condições de vida dos trabalhadores no México. Mas, talvez Vitro, Cemex, Bimbo, Telmex, e demais empresas «orgulhosamente mexicanas» não cumprem o mesmo papel contra o proletariado que aquelas que «são do estrangeiro»? (...)
Que o sistema de «segurança social», ou a capacitação da força de trabalho e o doutrinamento ideológico que os acompanham (o processo conhecido como «educação»), necessários para o processo de produção capitalista, recebam a categoria jurídica de «público» ou que os recursos como a água, denominem-se «propriedade da nação»,no mínimo não significa que não sejam mercadorias.(...) O que se deve ver é que apesar da forma jurídica que o capital adota, nos fatos, o proletariado encontra-se privado de meios de produção: «[...] a transformação do capital em sociedades por ações (ou trusts) ou em propriedade estatal, não muda a natureza capitalista das forças produtivas [...] O Estado moderno, independentemente das formas que assume, é essencialmente o Estado dos capitalistas, uma máquina a serviço dos capitalistas, a personificação ideal de todo o capital nacional. Assim, quanto mais forças produtivas ficam sob sua posse mais se converte num capitalista nacional real e mais explora aos cidadãos. Os proletários permanecem em sua condição de assalariados e as relações sociais típicas do capitalismo não se decompõem.»[4] [24]
Os serviços de saúde, inclusive no antigo esquema, são mercadorias, e seu custo segue recaindo sobre o salário que os trabalhadores recebem socialmente (...) Por isso afirmamos que o chamado do EZLN a defender «a soberania nacional com a oposição intransigente às tentativas de privatização da energia elétrica, do petróleo, da água e dos recursos naturais»,[5] [25] não é senão um chamado a defender o capitalismo numa de suas formas, pois, como Marx o propunha acertadamente, «ali onde o Estado é o próprio produtor capitalista, como ocorre na exploração das minas, dos bosques, etc., seus produtos têm o caráter de «mercadorias» e possuem, portanto, o caráter específico de toda outra mercadoria.»[6] [26] (...)
Basta um exemplo para ver o que o EZLN opina sobre a legalidade burguesa na «Sexta declaração»: «...a Constituição já está toda manuseada e mudada. Já não é a que teria os direitos do povo trabalhador, senão que agora estão os direitos e as liberdades dos neoliberai para ter seus grandes lucros.»[7] [27]
A defesa da legislação torna-se um mecanismo cada vez mais eficaz na garantia do controle do capital sobre os trabalhadores. O que a lei considera lícito é aquilo que tenha por objeto «harmonizar os direitos do trabalho com os do capital» (...) O proletariado deve defender suas necessidades, seus interesses, frente aos do capital, não as leis da burguesia.
(...Nesse sentido, é que) O capitalismo nunca representou o bem-estar para os trabalhadores, no entanto, durante sua fase ascendente, o capitalismo permitia em ocasiões a realização de algumas reformas que os trabalhadores obtinham depois de duras batalhas e nas quais podiam ver uma melhora relativa de suas condições de existência. O capitalismo é já um sistema decadente, já não pode realizar tais reformas nem melhorar as condições de vida dos trabalhadores. (...) O que está posto à ordem do dia nesta época do capitalismo em decomposição é a revolução proletária e não um programa de reformas.Para os defensores do capital (vestidos sob qualquer disfarce), o proletariado «não está apto para um programa radical», pelo que tem que se contentar com o «programa mínimo» de reformas, com «programas democráticos», com «projetos de nação» ou «programas nacionais». (... Mas) a burguesia é a única classe que tem um interesse nacional. O proletariado, seja no campo, seja na cidade, deve romper com todo programa que inclusive sendo apresentado como «anticapitalista» não signifique mais do que a defesa do Estado nacional, isto é, do Estado burguês. A tarefa do proletariado é organizar-se sob seu próprio programa, defendendo seus interesses de classe.
(...) Em março de 2001, Marcos fazia chacota do marxismo perante milhares de universitários a quem dizia não querer aborrecê-los com a revolução mundial, senão falar-lhes de um menino «indígena». Para nós o proletariado não é nem «mexicano», nem «francês», nem «indígena», nem «negro» ou «branco», nem «estrangeiro». Não somos nem uma «nação», nem uma «raça», nem uma «etnia»; somos uma classe explorada mundialmente. Para nós os proletários, as únicas fronteiras que existem são as que a burguesia criou e é ela e só ela, quem tem interesse em perpetuar sua existência.
Ao proletariado não corresponde defender as fronteiras nacionais, senão abolí-las.
O proletariado tem um só programa que não é nacional senão internacional: destruir a sociedade burguesa, abolir a propriedade privada.
Para nós, como membros do proletariado, a Revolução não é uma nem uma brincadeira nem uma idéia inatingível, é uma necessidade e uma possibilidade que se sustenta em condições materiais que hoje existem.
A revolução mundial para o EZLN pode ser questão de brincadeira ou uma aspiração abstrata, para nós é a única bandeira onde a vitória está assegurada.
Comunismo ou Barbárie, dezembro de 2005.
No final de outubro, uma conferência de organizações internacionalistas, grupos e militantes foi convocada pela SPA (Aliança Política Socialista) nas cidades da Coréia do Sul de Seul e Ulsan. Apesar do modesto número de membros presentes, a SPA é a primeira expressão organizada no Extremo Oriente dentro dos princípios da Esquerda Comunista (pelo menos no que conhecemos) e esta conferência foi provavelmente a primeira desse tipo. Como tal, ela tem uma significação histórica e a CCI a tinha apoiado o máximo possível, enviando uma delegação para participar de seus trabalhos[1] [35].
Entretanto, durante os dias que antecederam a conferência, a importância a longo prazo dos seus objetivos, foi obscurecida pela acentuação dramática das tensões imperialistas na região causada pela explosão da primeira bomba nuclear da Coréia do Norte e por todas as manobras que se seguiram por parte das diferentes potências presentes na região (Estados Unidos, Japão, China, Rússia, Coréia do Sul). Conseqüentemente, esta questão foi amplamente debatida durante o curso da Conferência e deu lugar à adoção por parte dos participantes – cujos nomes figuram abaixo do texto - da Declaração seguinte:
Diante da notícia de provas nucleares na Coréia do Norte, nós, comunistas internacionalistas reunidos em Seul e Ulsan:
1. Denunciamos o desenvolvimento de novas armas nucleares em mãos de um outro Estado Capitalista: a bomba nuclear é a expressão máxima da guerra inter imperialista, sua única função é o extermínio massivo da população civil em geral e da classe operária em particular.
2. Denunciamos sem reservas este novo passo para a guerra assumido pelo estado capitalista da Coréia do Norte que demonstra desse modo uma vez mais (se isso fosse necessário) que não tem absolutamente nada a ver com a classe operária e o comunismo e que não é outra coisa que uma das mais extremas e grotescas versões da tendência geral do capitalismo decadente rumo a barbárie militarista.
3. Denunciamos sem reservas a campanha hipócrita dos Estados Unidos e seus aliados contra seu inimigo norte-coreano, o que não é outra coisa que a sua preparação ideológica para lançar – quando tiver capacidade para isso – suas próprias ações preventivas das quais a classe trabalhadora será a principal vítima, como está sendo agora no Iraque. Não devemos esquecer que os Estados Unidos foram a única potência que utilizou armas nucleares na guerra, quando aniquilaram as populações de Hiroshima e Nagasaki.
4. Denunciamos sem reservas as supostas "iniciativas de paz" que aparecem sob o patrocínio de gangsteres imperialistas como a China. Sua preocupação não é a paz e sim a defesa dos seus próprios interesses na região. Nós, trabalhadores, não devemos ter nenhuma confiança na "intenção de paz" de nenhum Estado Capitalista.
5. Denunciamos sem reservas todo intento da burguesia da Coréia do Sul de tomar medidas repressivas contra a classe operária ou contra militantes em sua defesa dos princípios internacionalistas, sob o pretexto de proteger a liberdade nacional ou a democracia.
6. Declaramos nossa completa solidariedade com os trabalhadores da Coréia do Sul e Coréia do Norte, China, Japão ou Rússia, que serão os primeiros a sofrer as conseqüências caso ocorram ações militares.
7. Declaramos que só a luta dos trabalhadores em escala mundial pode colocar um termo final à constante ameaça da barbárie, da guerra imperialista e da destruição nuclear que pesa sobre a humanidade sob o capitalismo.
Esta declaração foi assinada pelas organizações e grupos seguintes:
- Aliança Política
Socialista (Coréia), reunião do grupo de Seul de 26 de
Outubro 2006
- Corrente Comunista Internacional
- Perspectiva
Internacionalista
Alguns camaradas presentes na Conferência também assinaram em nome individual:
- SJ (Grupo de Seul pelos Conselhos
Operários)
- MS (Grupo de Seul para os Conselhos
Operários)
- LG
- JT
- JW (Ulsan)
- SC (Ulsan)
-
BM
Todo mês traz uma quantidade de acontecimentos que alimenta o horror da sociedade atual :
Não se deve também esquecer da acumulação das conseqüências de décadas de uma atividade industrial desenfreada, sem nenhum controle geral. Disso resultam poluições de todo tipo, o crescente desastre do meio-ambiente, desordem climática, etc
O século 20 foi o mais bárbaro que a humanidade conheceu. O século 21 é a continuidade do precedente, mas em edição piorada.
Para provar a barbaridade do século 20, não há necessidade de uma descrição completa. Para isso, basta lembrar o peso que tomou a guerra na sociedade através do desenvolvimento do militarismo e do desencadeamento das matanças.
Duas guerras mundiais com 15 e 50 milhões de mortos respectivamente, mas o número de mortos não basta para exprimir a barbaridade destas.
A barbaridade dos nazistas é certamente a mais conhecida, mas tem que ver que a propaganda da burguesia democrática - que foi a vencedora do segundo conflito mundial - fez questão de exibi-la com intenção de tirar da memória coletiva seus próprios crimes que são tão abomináveis quanto os crimes nazistas: cidades inteiras alemães e japonesas, sem nenhum objetivo militar, devastadas por incêndios causados de propósito pelos bombardeios. Unicamente para matar e aterrorizar a população. Quanto à burguesia stalinista, ela também participou plenamente da orgia macabra capitalista, pelo massacre totalmente gratuito de milhares de mulheres e crianças alemães cometidos pelo exército dito vermelho nos territórios da Europa do leste.
Desde a segunda guerra mundial, a guerra nunca parou. Ela permaneceu através de conflitos locais, como o do Vietnam, que foram a expressão do antagonismo entre os dois grandes blocos imperialistas: o do Leste e o do Oeste.
Depois do desencadeamento do bloco do leste, longe de se acalmar, as tensões imperialistas se amplificaram e se expressaram numa proliferação de conflitos em todo o planeta.
O que tudo isso ilustra é nada mais nada menos que a crise histórica do capitalismo.
A barbaridade não se exprime somente pela acumulação das perdas humanas pelas quais o sistema é responsável. Ela se exprime, também na enorme desproporção que existe entre a realidade da vida na sociedade atual e o que poderia ser a vida numa outra sociedade para a qual as riquezas criadas na historia estariam disponíveis.
Foi o capitalismo que permitiu a eclosão destas riquezas graças a uma exploração feroz da classe operária.
Assim ele criou condições para ser ultrapassado e substituído por uma sociedade que não seja conduzida pela procura do lucro, mas pela satisfação das necessidades humanas.
Estas condições existem desde o começo do século 20, ou seja :
Mas o capitalismo não podia desaparecer por si só. Era responsabilidade da classe revolucionária da sociedade assumir a sentença de morte pronunciada pela história contra a sociedade burguesa.
Depois de ter chagado a seu apogeu, o capitalismo entrou numa época de agonia, a de sua decadência, desencadeando uma barbaridade crescente sobre a sociedade.
A lição de um século de barbaridade é que, enquanto o capitalismo existir, apresentará uma ameaça crescente para humanidade. Na verdade, ele não pode resolver as contradições que o agridem.
O centro destas contradições reside no objetivo da produção capitalista : como já dissemos, não produzir para satisfazer as necessidades humanas mas produzir cegamente com intenção de fazer lucro para alimentar a acumulação capitalista.
Enquanto o capitalismo é capaz de produzir cada vez mais, a sociedade é cada vez menos capaz de constituir um mercado solvável para sua produção. Assim, as crises de superprodução do século 20 se tornaram uma crise permanente.
Uma tal contradição não tem solução no seio do sistema. Ela implica a destruição crescente das forças produtivas e em primeiro lugar o trabalho humano.
Ela implica também uma tendência que todo capital nacional tem de fugir para o militarismo e a guerra, com intenção de se impor frente a seus rivais por meio da potência militar.
O único meio encontrado pelo capitalismo para escapar momentaneamente das contradições econômicas, é o endividamento sem fim, mas isso só faz adiar o problema, com consequências ainda piores para o futuro.
Uma expressão caricatural da falência do modo de produção capitalista é constituída pela existência de um desemprego massivo e crescente. Na verdade, a situação atual não tem nada ver com o que era chamado o “exército industrial de reserva” do século 19. Este último, constituído também por desempregados, servia de reserva de mão-de-obra para satisfazer as necessidades crescentes de um modo de produção em pleno desenvolvimento e manter baixo o preço da força de trabalho. Hoje em dia, a existência de uma massa de desempregados ainda maior, mostra a incapacidade crescente do sistema para integrar no seu seio uma quantidade de novos operários. Na realidade, o sistema só é capaz de explorar um numero cada vez mais limitado de operários. O problema para ele é que a exploração da classe operaria constitui fundamentalmente sua fonte de riquezas. Assim este fenômeno de desemprego massivo é bem uma ilustração das contradições insuperáveis do sistema. Mas não é por isso que ele vai dar pacificamente seu lugar a uma outra sociedade. A burguesia iria até correr o risco de exterminar a raça humana para não perder seu poder sobre a sociedade.
Também tem gente que confunde classe explorada com classe revolucionária.
Para o marxismo, o antagonismo entre exploradores e explorados, é um motor da historia, mas não é o único nem o mais importante.
As lutas dos explorados nas sociedades feudal e escravista, se expressaram algumas vezes através de combates de grande importância. Basta se lembrar da luta heróica de Espartacus no império romano, mas, nunca tais combates, chegaram à uma transformação radical da sociedade.
Na realidade, a sociedade escravista não foi abolida pelos escravos, mas, pela nobreza que se tornou assim a nova classe dominante que reinou no Ocidente cristão durante mais de um milênio.
Da mesma maneira, o antagonismo de classe que resultou da derrubada da nobreza pela burguesia, e aboliu seus privilégios, não era entre a nobreza e os camponeses que ela explorava, mas opunha a nobreza a uma outra classe exploradora, a burguesia.
Nas sociedades do passado, escravista e feudal, as classes revolucionárias nunca foram as classes exploradas, mas, novas classes exploradoras.A razão é a seguinte : enquanto o desenvolvimento das forças produtivas, não era suficiente para permitir uma abundância de bens na sociedade, não era possível abolir as desigualdades, e conseqüentemente as relações de exploração. Assim, só uma classe exploradora era capaz de se impor no comando do corpo social.
Não é mais o caso no capitalismo. Como identificar no seio dele, a classe revolucionaria ? É ela que pode instaurar uma nova ordem social, capaz de resolver e ultrapassar as contradições insuperáveis do edifício social em declino.
O modo de produção capitalista pôde se impor diante do feudalismo, generalizando a produção de mercadorias. A principal delas sendo a força de trabalho. O advento de uma sociedade baseada na satisfação das necessidades humanas - permitida pela abundância - e não baseada no lucro, passa pela abolição de toda mercadoria, incluindo a primeira delas, o trabalho assalariado.
A classe operária é a única classe na sociedade que tem como único meio de subsistência a venda de sua força de trabalho.
Assim, não existe outra classe na sociedade que, como a classe operária, por excelência a classe do trabalho assalariado, tem interesse na abolição do mesmo e da mercadoria.
Além disso, só uma classe realmente internacional, que não tenha nenhum interesse especial em defender tal ou tal país, é capaz de quebrar os entraves à produção social mundial que constitui a divisão deste mundo em nações antagonistas.
Só uma classe implicada no trabalho coletivo da produção capitalista é capaz de dar espontaneamente um caráter coletivo a sua luta.
A primeira onda revolucionaria mundial de 17-23 que aconteceu em reação ao horror da primeira guerra mundial, ilustrou grandiosamente o papel revolucionário que o proletariado é capaz de assumir. Esta reação do proletariado mundial obrigou a burguesia a parar a matança mundial para não favorecer o desenvolvimento da revolução. Ela constitui até hoje o ponto mais alto do combate histórico do proletariado.
Pela primeira vez na historia, a classe operaria tinha conseguido derrubar a burguesia e tomar o poder político num país : a Rússia. Assim, o proletariado russo, se tornava a fração mais avançada da revolução mundial: sua luta decisiva contra o capitalismo na Rússia constituía a ponta de lança da luta assumida pelo proletariado dos outros países. Pela primeira vez na historia, o proletariado tinha conseguido ameaçar a dominação da ordem burguesa mundial.
Mas, depois de uma série de derrotas maiores, na Alemanha especialmente, a onda revolucionaria foi vencida, e o poder político do bastão proletário na Rússia degenerou. A contra-revolução se impôs com a vitória do stalinismo, infligiu danos consideráveis à classe operaria internacional, através de uma repressão feroz pela social-democracia alemã, pelo stalinismo e pelo fascismo. Mas o mais pernicioso de todos estes danos considera a consciência. Em todos os países era propagada a mentira, segundo a qual existia socialismo no Leste.
Todas as facções da burguesia mundial participaram na propagação desta mentira : da extrema-direita até os partidos chamados “operários” e recentemente passados para o campo burguês depois de ter abandonado o internacionalismo proletário : os partidos socialistas na primeira guerra mundial, os partidos comunistas nos anos trinta e os trotskistas na segunda guerra mundial.
Finalmente, era necessária a retomada histórica dos combates de classe para que o proletariado começasse a livrar-se do peso ideológico da contra-revolução.
Nas condições atuais da vida do capitalismo, a luta dos explorados não pode mais trazer qualquer melhora durável às condições de vida. Diante de ataques massivos e brutais que não poupam nem uma fração do proletariado mundial, a classe operaria está se engajando no caminho da luta de classe internacional.
Temos diante de nós um caminho ainda longo antes desta luta se exprimir em confrontações decisivas com a burguesia. Neste caminho o proletariado vai se confrontar com dificuldades enormes. Estas resultam de vários fatores :
Mas as razões mais profundas das dificuldades do proletariado resultam da amplidão da tarefa que ele tem que assumir :
Atualmente os grandes movimentos massivos da classe operária como o da Polônia em 80 ficaram para trás e uma tal perspectiva pode até parecer utópica.
Ela é não somente cientificamente fundada, mas também existem na situação atual, sinais anunciando este futuro :
Vamos ilustrar isso. Começamos esta introdução com a evocação dos atentados de Londres que simbolizam o futuro que nos prepara o capitalismo. Vamos terminá-la com a evocação da luta que paralisou o principal aeroporto de Londres do 11 ao 14 de agosto. Mil operários do aeroporto entraram espontaneamente numa greve de solidariedade com 670 operários de uma empresa de restauração norte americana que tinha acabado de demití-los.
Esta luta coloca em evidência a natureza real do proletariado exprimindo os valores mais essenciais da espécie humana, como a solidariedade e o senso da dignidade em rejeitar o inaceitável diante da infâmia da burguesia.
A CCI – Corrente Comunista Internacional e a OPOP – Oposição Operária em conjunto realizaram duas reuniões públicas no fim de maio de 2006, uma no dia 27 em Salvador e a outra no dia 31 em Vitória da Conquista. Nesta oportunidade o tema tratado nas reuniões foi: “O Movimento dos Estudantes Contra a Precariedade”, onde os companheiros da OPOP (só em Salvador) apresentaram as mobilizações de 2003 lideradas pelos estudantes de Salvador contra o aumento da passagem (a chamada “Revolta do Buzu”, em alusão no nome que os habitantes de Salvador dão aos ônibus de transporte coletivo); a CCI apresentou o movimento dos estudantes na França na primavera européia de 2006 contra o Contrato de Primeiro Emprego (CPE).
Estas reuniões públicas, como as realizadas em novembro de 2005 (ver em nosso site o artigo “Quatro Intervenções Públicas da CCI no Brasil”) foram organizadas de maneira conjunta entre o OPOP e a CCI. Entretanto, nesta oportunidade as apresentações de ambas as organizações foram decididas em comum e cada uma esteve de acordo com seu conteúdo e orientações. Embora na organização destas reuniões tenham participado alguns contatos da CCI no Brasil, é indubitável que sem o importante trabalho dos companheiros da OPOP, as mesmas não seriam possíveis, já que os companheiros: colocaram cartazes em diversos locais tanto de Salvador como em Vitória da Conquista, distribuíram convocatórias convidando às reuniões, além de fazer convites verbalmente. É uma mostra inegável de como, duas organizações do campo proletário podem unir suas forças para realizar intervenções em comum, apesar de algumas diferenças políticas que temos sobre algumas questões. O aspecto central que nos une é o internacionalismo proletário, que nos leva a desenvolver intervenções em comum como as aqui resenhadas, que se orientam na direção de fortalecer o debate no seio da classe operária e o desenvolvimento de sua consciência.
Apesar da intensa chuva em Salvador, que prejudicou em grande medida a participação de muitos convidados, ainda assim considerando o tipo de reunião – fora de mobilizações importantes – um número razoável de pessoas compareceu. Em Vitória da Conquista a assistência foi bastante mais numerosa. Em ambas as reuniões foi notória a assistência de jovens (majoritária no caso de Vitória da Conquista), embora também as velhas gerações tenham tido presença significativa; principalmente dentre os elementos que fizeram parte do «movimento» que esteve na origem da formação / ruptura com o PT, e que parecem ter realizado uma ruptura, mais ou menos completa com esse partido., inclusive um participante do grupo “Refundação Comunista” (que nada tem a ver com o grupo de nome similar da Itália). No caso de Conquista, a participação se viu beneficiada pelo fato de no mesmo dia da reunião estar ocorrendo uma greve de professores da rede municipal e também dos professores da universidade estadual. Desta maneira, estiveram presentes na reunião professores que se mobilizaram em uma manifestação durante a tarde, assim como estudantes da universidade que não tiveram aulas devido à greve de professores.
As reuniões celebradas foram uma oportunidade para que os assistentes conhecessem as análises de duas organizações marxistas, das mobilizações que realizam as novas gerações de proletários contra a precariedade que a todo custo o capital tenta impor contra a classe operária e o conjunto da sociedade, na França, Brasil e em o todo mundo. Essas reuniões são o melhor meio com que contam os grupos políticos proletários para rebater o “black out” e a tergiversação que faz a burguesia das lutas que a classe realiza contra o capital.
Experiências que embora aparentemente diferentes, distantes na geografia mundial e no tempo, têm muitos elementos em comum que as situam de maneira inequívoca como movimentos no terreno de lutas do proletariado:
Neste contexto, os companheiros da OPOP expuseram a análise e ensinamentos das mobilizações de setembro de 2003 em Salvador contra o aumento da passagem do transporte coletivo. Essas mobilizações, foram lideradas por jovens alunos dessa cidade, secundaristas em sua maioria e não tiveram a participação de estudantes universitários. Embora este movimento tenha sido pouco divulgado fora do Brasil, teve repercussões importantes em outras cidades do país: Fortaleza, Florianópolis, Rio do Janeiro e São Paulo. Este movimento foi descrito e analisado pela OPOP em seu artigo “Quando “novos” personagens entram em cena”.[1] [39]
Desde seu início, o movimento situou-se como um movimento das massas trabalhadoras em seu conjunto, já que o aumento de passagens decretado pelo governo local afetava por igual trabalhadores ativos ou desempregados. O movimento expressava uma luta das novas gerações, a maioria deles filhos de proletários e eles mesmos futuros proletários, contra a precariedade em que vivem milhões de brasileiros. Em sua apresentação, os companheiros da OPOP, mencionaram o dramático feito de que, segundo declarações das próprias autoridades locais, aproximadamente 55 milhões de brasileiros têm que transitar largas distâncias a pé devido a que não têm ganhos suficientes para pagar o custo da passagem do transporte coletivo!!. Nesse sentido, é perfeitamente compreensível que na medida em que o movimento se estendia e radicalizava, eram maiores as expressões de simpatia do conjunto da população e dos trabalhadores, que viram identificados seus interesses com os dos jovens protagonistas do movimento.
Outra característica deste movimento foi que ele mesmo gerou de maneira espontânea suas próprias lideranças e meios de luta. Os jovens utilizaram como método de pressão as manifestações de rua, o bloqueio das principais vias de Salvador (uma das cidades mais importantes do Brasil.) e as estações de transferência dos ônibus. Os jovens se organizaram em piquetes, que rumavam das instituições educativas para os diferentes locais da cidade; estes piquetes decidiam a duração dos bloqueios e de quais veículos seria permitida a circulação durante as ações. É indubitável que no movimento estiveram presentes os dirigentes dos grêmios estudantis, principalmente das grandes escolas, mas os verdadeiros líderes do movimento emanavam do próprio movimento.
Obviamente, a burguesia teve que tomar medidas ante um movimento que se prolongava no tempo. Em um primeiro momento tentou utilizar as organizações estudantis, que convocaram uma assembléia no ginásio de esportes dos trabalhadores bancários para expor os acordos a que tinham chegado com o governo, com a intenção de fazer abortar o movimento. A assembléia foi pouco concorrida, e os oradores adversários sabotados; enquanto que o movimento continuou nas ruas. Imediatamente, o governo negociou certas “concessões” com os grêmios estudantis e proprietários de empresas de transporte público, mas sem revogar o aumento da passagem, o que permitiu à burguesia criar uma matriz de opinião contrária ao movimento, o que foi debilitando-o. Isso permitiu ao governo recorrer ao expediente da repressão, que não pôde utilizar quando o movimento estava em plena efervescência.
Embora o movimento não tenha conseguido revogar o aumento do preço da passagem, a “Revolta do Buzu” de 2003 ficou como referência de um movimento liderado pelos jovens, em sua maioria estudantes secundaristas, futuros proletários e inclusive “proletários de meio período”, que segue vivo para o conjunto da classe operária de Salvador e de todo o Brasil.
O recente movimento dos estudantes na França contra o CPE, o qual, tendo uma amplitude maior que a do Buzu e se localizando em um país do chamado “primeiro mundo”, expressa que as novas gerações de atuais e futuros proletários, não estão dispostas a aceitar sem resistir as medidas de precarização que a burguesia tenta impor em todos os países para descarregar os efeitos da crise capitalista sobre as costas das velhas, novas e futuras gerações de proletários. Mencionamos, a seguir, os principais eixos da apresentação “Movimento dos estudantes na França da primavera de 2006: Uma rica experiência para a luta de classes internacional”, a qual pode ser lida na sua totalidade em nosso site na internet.
Em primeiro lugar denunciamos o trabalho de desinformação e tergiversação que desenvolveram as “mídias” burguesas tanto na França como no resto do mundo, para ocultar as verdadeiras características de um movimento, que representa a expressão mais importante dos últimos 15 anos de confrontação entre explorados e exploradores nesse país. Um movimento que gerou manifestações de até 3 milhões de pessoas em um mesmo dia em todo o país, e que forçou a burguesia francesa a retroceder devido às crescentes manifestações de simpatia e solidariedade que se desenvolveram com os jovens em luta, o que abria possibilidades reais de que os trabalhadores ativos também entrassem em luta.
As mobilizações dos estudantes na França se inscrevem de maneira inequívoca nas lutas do proletariado, já que os estudantes lutaram contra medidas que tentavam acentuar a precariedade sobre as novas gerações de proletários. Nesse sentido, não se tratam de meras lutas estudantis, tal como as quis apresentar a burguesia através de suas mídias, mas sim expressam a reflexão que está se dando dentro das novas gerações de que o que nos oferece o capitalismo como perspectiva é um maior empobrecimento.
A apresentação mostrou como a força deste movimento esteve na sua capacidade de organizar Assembléias Gerais (AG) onde se tomavam as decisões transcendentais, às quais se convidou o conjunto dos trabalhadores, de dentro e de fora das universidades e liceus. As AG foram o verdadeiro “pulmão” do movimento: escolhendo delegados responsáveis ante a ela e revogáveis, promovendo e organizando o mais amplo debate das idéias, nomeando comissões para estender o movimento a outros setores de estudantes e aos trabalhadores ativos. O controle da luta pelos próprios atores, é um dos aspectos chave que localiza da maneira mas clara este movimento no campo proletário.
A apresentação também analisou como o movimento tratou a questão da violência, tanto a gerada pelos corpos de repressão, como a violência até certo ponto permitida de alguns grupos (ultraminoritários) de jovens dos bairros contra o movimento. O tratamento desta questão foi de primeira ordem para o movimento, pois tratou conscientemente de não cair nas provocações de violência dos corpos de repressão.
Os dois últimos aspectos desenvolvidos na apresentação estiveram relacionados com as perspectivas que se abrem para a luta do proletariado depois deste importante movimento dos jovens filhos da classe operária. Por uma parte, não se trata de um movimento isolado das mobilizações que a classe realizou do 2003 contra os ataques às condições de aposentadoria e de lutas mas recentes, onde se desenvolveram elementos importantes da solidariedade de classe. Por outra, o movimento dos estudantes na França mostra um passo importante das novas gerações proletárias no desenvolvimento da consciência de classe, colocando em questão, embora de maneira incipiente, a capacidade do sistema capitalista para dar uma saída para os crescentes barbárie e empobrecimento.
As discussões foram muito ricas; em ambas as reuniões o tempo foi curto para desenvolver a quantidade de questões que os participantes expuseram. Um aspecto que surpreendeu agradavelmente aos participantes foi que através da apresentação que fez a CCI, perceberam que o movimento na França tinha uma dimensão que a mídia no Brasil (assim como no resto do mundo) tinha tergiversado completamente ao apresentá-los virtualmente como uma continuação das revoltas que aconteceram no país no final de 2005, quando mostravam as cenas de violência e os destroços ocasionados nos bairros periféricos de Paris e outras cidades importantes da França. Vários participantes disseram que os movimentos dos estudantes contra o CPE, foram apresentados pela mídia dando mais ênfase nas ações de violência e de confrontação contra a polícia.
Outro aspecto que chamou positivamente a atenção dos assistentes foi que o marco que deram ambas as organizações para analisar os movimentos do Buzu e contra o CPE, que lhes permitiu perceber que estes movimentos, onde as novas gerações de proletários foram a vanguarda, não eram acontecimentos isolados no espaço e no tempo, mas sim formam parte de um despertar lento porém persistente dessa “velha toupeira” do qual falava Marx para referir-se ao movimento subterrâneo que realiza o proletariado, muitas vezes imperceptível, na busca da superação revolucionária do sistema capitalista .
Nesse sentido, ambos os movimentos, inscrevem-se dentro dos que desde 2003 iniciou o proletariado na França e Áustria contra os ataques aos sistemas de aposentadoria social, e as lutas dos trabalhadores do setor público no Brasil contra o mesmo tipo de ataque desferido pelo governo de esquerda de Lula. Assim como as greves da Mercedes em 2004 na Alemanha, as do metrô de Nova Iorque em 2005 e a dos metalúrgicos de Vigo em maio de 2006 na Espanha, nas quais se destacaram as expressões de solidariedade de classe.
Nas discussões foram expostas diversas questões de interesse, as quais foram respondidas por membros tanto do OPOP como da CCI. Fazemos um resumo das discussões principais que desde nosso ponto de vista se apresentaram:
A espontaneidade do movimento, é algo novo frente aos sindicatos?
Com efeito, uma das características que teve o movimento tanto do Buzu como o das mobilizações contra o CPE foi seu caráter espontâneo; tanto do ponto de vista da forma como surgem, como das formas organizativas que se dá o próprio movimento. Este surge de maneira espontânea como resposta das jovens gerações de futuros proletários ante a precariedade que tenta impor a burguesia através de suas medidas para enfrentar a crise econômica. Também de maneira espontânea, o movimento tende a organizar-se, construindo seus próprios meios de luta. No caso do movimento dos estudantes na França, puderam constituir AG (assembléias gerais) soberanas com delegados eleitos e revogáveis por esta; comitês de greve; etc, devido à própria dinâmica do movimento e à debilidade das forças de enquadramento sindical nestes setores, a qual obviamente é mais forte nos locais de trabalho. Desta maneira o movimento pôde rebater a ação dos sindicatos e das organizações estudantis, que tendem a manter o movimento dentro dos canais da legalidade burguesa e a controlá-lo para asfixiá-lo.
A espontaneidade não é uma novidade nas lutas do movimento operário. O proletariado desde que começou a constituir-se como classe, luta de maneira espontânea contra as condições de exploração que impõe o capital. Como toda classe revolucionária na história, tende a organizar-se para a defesa de seus interesses; é assim que surgem os sindicatos no século XIX. Entretanto, quando estes órgãos integraram-se ao estado capitalista no século XX (principalmente mediante o recrutamento do proletariado para as frentes de guerra durante a Primeira Guerra mundial), o proletariado tende a dar-se espontaneamente os meios organizativos para defender seus interesses de classe, cuja máxima expressão em períodos de luta revolucionária são os conselhos operários, formados pela primeira vez na Rússia em 1905. As AG autônomas (quer dizer, controladas pelos próprios operários) que tendem a formar os trabalhadores em sua luta cotidiana contra o capital, são a prefiguração desses conselhos operários que a classe faz surgir quando sua luta revolucionária a leve a um enfrentamento mas decidido contra o estado capitalista. Neste sentido, os estudantes na França, certamente sem conhecer esta experiência organizativa da classe, de maneira espontânea assumiram formas organizativas de luta genuinamente proletárias.
Agora bem, o fato de que as lutas sejam espontâneas, não quer dizer que são lutas improvisadas, nem fáceis. O surgimento das lutas é o resultado de condições históricas, que se relaciona com o nível da crise capitalista e com o grau de “maturação subterrânea” da consciência que se dá no seio da classe operária, de que o sistema capitalista não é capaz de oferecer saída alguma à humanidade. Por exemplo, por trás das reações dos estudantes contra o CPE, não deixam de estar presentes os ataques que há anos recebe o conjunto do proletariado francês (e mundial) contra a seguridade social, os salários, as pensões, etc. que incide sobre o conjunto das famílias proletárias. Por outra parte, ante o surgimento de lutas com estas características, que tendem a ficar fora do controle de partidos e sindicatos, a burguesia utiliza todo seu arsenal ideológico e político para tentar controlar o movimento, tal como colocar à cabeça do movimento os partidos, grupos e sindicatos mais “radicais”; tais como os grupos trotskistas ou tendências de sindicalismo de base. Também fazem seu trabalho as “mídias”, sindicatos e partidos tanto de direita como de esquerda; que não duvidam em desconsiderar toda luta que ouse ficar fora de seu controle, e inclusive chegam a estimular ações violentas para desvirtuar o movimento e justificar a repressão. Situação que esteve presente por exemplo no movimento da França do 2006.
Como pode ter continuidade um movimento dessas características?, Qual é o saldo organizativo do movimento na França?
Questão muito importante que esteve presente em ambas reuniões, que de alguma maneira expressa uma genuína preocupação de classe por conhecer os avanços organizativos que se possam obter de um movimento de uma envergadura e características como o da França, que gerou manifestações de milhões de pessoas, nas quais participaram trabalhadores de várias gerações e inclusive futuros proletários. Possivelmente “estragamos a festa” de alguns participantes, ao lhes dizer que apesar do movimento ter sido capaz de fazer a burguesia francesa recuar, não deixou “como saldo” nenhuma nova organização, nem dentro nem fora dos sindicatos ou organizações estudantis.
Em primeiro lugar é preciso deixar claro que este movimento não se colocou como objetivo “a revolução”, e sim derrotar o CPE, o que se obteve pelo menos temporariamente.
Do ponto de vista organizativo, o movimento, no calor das lutas, gerou diversos meios e formas. Como dissemos, as AG foram “o pulmão” do movimento e em seus debates e decisões expressava sua vitalidade. Mas estas formas organizativas permaneceram enquanto o movimento se manteve com vida e pôde rebater as manobras do governo, partidos e sindicatos (de trabalhadores e de estudantes), em suas tentativas por desbaratá-lo. Ante a envergadura das mobilizações e diante da possibilidade real de que os trabalhadores ativos se juntassem ao movimento, a burguesia revogou o CPE, com o qual o movimento entrou em baixa até desaparecer e com ele as AG e os líderes naturais do movimento.
Possivelmente a expectativa que há por trás de quem formula estas perguntas, seja que de algum jeito o movimento tenha podido gerar novas organizações de defesa de seus interesses de classe, diferentes aos sindicatos, que sejam capazes de permanecer no tempo; já que muitos dos pressente compartilham nossa posição de que os sindicatos são órgãos do capital dentro da classe. Da mesma maneira que os proletários em luta tendem a gerar suas organizações autônomas, estas desaparecem com o refluxo das lutas, tal como aconteceu com o movimento contra o CPE. Isto se deve em parte pela própria dinâmica do movimento, e à pressão que exercem os sindicatos oficiais e não oficiais já estabelecidos. Por outra parte, a experiência do movimento operário mostra que as organizações de poder da classe são capazes de permanecer no tempo, só em períodos pré-revolucionários, quando o proletariado tem a força e consciência capaz de desafiar o poder do estado burguês, tal como o fizeram os conselhos operários na Rússia em 1905 e 1917, e os operários na Alemanha e outros países europeus durante o surgimento da onda revolucionária que se seguiu à Revolução Russa. Fora destes momentos, qualquer organização de classe que permaneça no tempo, é inevitavelmente integrada ao estado burguês.
Um exemplo significativo desta realidade foi o dos "Cobas" na Itália em 1987. "Cobas" significa comitê de base. A luta dos professores na Itália, em 1987, por fora e contra os sindicatos, levou à constituição dos Cobas que foram os reais órgãos de luta, constituídos de delegados eleitos pelas assembléias de luta. Sob a influencia de organizações de extrema esquerda (como trotskistas), uma parte deles se mantiveram como órgãos representativos dos professores depois da mobilização ter acabado. O que aconteceu é que eles passaram a cumprir a função de novo sindicato, mais radical, ao serviço do estado capitalista
Isto não quer dizer que as lutas do proletariado, e em particular um movimento desta envergadura, não deixem nenhum rastro no seio da classe. O “saldo” que deixou o movimento é fundamentalmente político: como se organizar melhor para futuras lutas; como rebater as manobras do estado, principalmente através de seus sindicatos e partidos, tanto de direita como de esquerda. Mas o principal saldo positivo está ao nível da consciência de classe: de como um movimento que se apóia em suas próprias forças, que desde o começo se esforça por desenvolver a solidariedade de classe entre proletários de diferentes setores (ativos, desempregados e futuros proletários) e de várias gerações, é capaz de desenvolver uma força tal que pode chegar a desafiar ao estado burguês. O grande ensinamento do movimento dos jovens na França é que as novas gerações de proletários não estão dispostas a suportar passivamente a precariedade e o empobrecimento que lhes impõe o capital.
Também um saldo positivo deste movimento são os círculos de discussão e as redes de elementos que se constituíram para tirar as lições do movimento, cujas repercussões possivelmente não sejam percebidas de imediato tanto na França como a nível mundial. As organizações, grupos e elementos que lutamos por uma perspectiva proletária, devemos também desenvolver a reflexão e o debate sobre estes movimentos; tarefa a que a CCI se dedicou com o maior entusiasmo, promovendo, entre outras atividades, reuniões públicas em vários países, tal como as realizadas no Brasil.
Qual é a comparação entre o movimento dos estudantes contra o CPE e as revoltas dos jovens dos bairros a finais de 2005?
Esta questão também foi colocada por vários participantes, e se reveste de muita importância porque tem relação com quais são os métodos de luta do proletariado. Na base de ambos os movimento se encontram a crise do capitalismo, que lança ao desemprego, a precariedade e a exclusão social milhões de jovens; a desesperança que o sistema capitalista oferece aos filhos da classe operária; e a indignação que esta situação gera neles.
Entretanto, há dois aspectos que mostram uma diferença fundamental entre os dois movimentos: a questão dos métodos de luta e a questão da solidariedade. Neste sentido, dissemos na apresentação:
"Entretanto, as revoltas dos subúrbios, devido a que expressam fundamentalmente um desespero total diante dessa situação, não podem ser consideradas como uma forma, embora aproximada, da luta de classes. Em particular, os componentes essenciais dos movimentos do proletariado – a solidariedade, a organização, o controle coletivo e consciente da luta em suas próprias mãos – não só estiveram totalmente ausentes nas revoltas, mas também foram negados."
O movimento dos estudantes foi viva lição de como um movimento que utiliza métodos proletários de luta pode apontar uma perspectiva aos jovens e camadas desesperadas da população, que utilizam a revolta para expressar sua indignação. Assim, os jovens dos subúrbios que participaram nas manifestações assumiram métodos de luta totalmente contrários aos das revoltas de 2005.
Foram alguns grupos de jovens dos bairros, provavelmente manipulados pelo estado, que participaram em ações violentas de enfrentamento contra a polícia e que em algumas oportunidades chegaram a atacar aos manifestantes. Entretanto, perante eles a resposta do movimento não foi recorrer ao “olho por olho; dente por dente”, mas sim o movimento, em alguns lugares, decidiu enviar delegações aos subúrbios para explicar aos jovens que a luta contra o CPE era também uma luta a seu favor, pois atacava as medidas impostas pelo estado que aumentam o desemprego e a exclusão social.
A discussão permitiu esclarecer que o proletariado em sua luta não pode recorrer a qualquer método de luta, que a revolução proletária é sobretudo construtiva e que não pode utilizar o ressentimento social e o espírito de vingança como motivações para a luta. Insistiu-se em que todo movimento de classe é identificado pela solidariedade e a não pela violência no seio da própria classe operária.
Como se compara este movimento dos estudantes de 2006 com o de maio de 1968?
Também esta questão foi levantada, em particular por alguns dos participantes que conheceram e foram influenciados pelos movimentos de maio de 1968 na França.
Ambos movimentos são expressão de movimentos sociais que de algum jeito anunciam uma mudança importante ao nível da luta de classes. Maio de 68 abriu uma dinâmica de luta de classes que se estendeu até os anos 80, através de numerosas e importantes lutas em vários países: o outono quente da Itália em 1969, o Cordobazo na Argentina no mesmo ano, as lutas na Espanha e outros países da Europa nos anos 70; a muito importante e significativa greve de massas dos operários poloneses de 1980, etc. Nesse sentido as repercussões das mobilizações contra o CPE transcendem as fronteiras da França (a apresentação mencionou que como uma conseqüência das mobilizações dos estudantes na França, a burguesia alemã tinha decidido propor a aplicação de medidas similares).
A base de ambos movimentos está na crise inexorável do capitalismo. Entretanto, há uma diferença importante entre um e outro: em maio de 68 a crise capitalista apenas fazia de novo sua aparição depois das décadas de “bonança” que se seguiram à II Guerra Mundial, enquanto que o movimento do 2006 se dá em um contexto de várias décadas de crise do capitalismo, que golpeou sem cessar as condições de vida das famílias proletárias e fez crescer de maneira exponencial as camadas de setores excluídos sociais. Nesse sentido, os jovens que protestavam em 1968 não sentiam o peso da crise tal como os jovens que hoje protestam contra o CPE; por isso não se consignam neste último palavras de ordens um tanto fantasiosas, como “abaixo a sociedade de consumo” ou “parem o mundo que eu quero descer”, que tiveram muita ressonância em 68.
Movimentos como o dos estudantes contra o CPE expressam um maior grau de maturidade das novas gerações de proletários, que se questionam acerca do futuro que lhes oferece esta sociedade. O fato de que os jovens decidam “entrar em cena” e opor-se à precariedade é uma característica significativa do período atual comparado com 1968. É por isso que o movimento dos estudantes da França, igual ao do Buzu, rompe com os esquemas dos “movimentos estudantis” tradicionais que na maioria dos casos defendem reivindicações meramente corporativas, imersos em um meio interclassista e inclusive nacionalista. Movimentos como os do 2006, apesar de suas limitações, expressam um inequívoco caráter de classe que deve ser saudado.
Não existiu uma semelhança na atitude dos sindicatos na luta contra o CPE e nas lutas de 1936 na França que foram concluídas pelos acordos Matignon?
Para poder comparar a atitude dos sindicatos nestes dois momentos particulares, é necessário analisar o contexto em que se deram tais acontecimentos. Para isso teremos que voltar ao significado de maio de 68. Aquele acontecimento expressou uma ruptura na dinâmica mundial da luta de classe. Como já dissemos, 68 abriu um período de desenvolvimento da luta de classe. O que significa isso ? Que antes de 68 não havia lutas dos operários? De maneira nenhuma. A realidade demonstrou o contrario. O que foi diferente antes e depois de 68, foi a dinâmica de desenvolvimento da consciência na classe operária. Depois de 68, o desenvolvimento da luta de classe a nível mundial contribuiu para aprofundar a consciência de classe sobre varias questões essenciais como a natureza capitalista do regimes ditos socialistas, o papel dos sindicatos contra a luta de classe, a natureza burguesa dos partidos socialistas e comunistas, a função das eleições, etc. Era uma dinâmica de marcha para confrontações massivas entre as classes.
Ao contrario disso, a derrota da onda revolucionaria mundial de 1917-23 provocou um recuo geral na consciência da classe operária sobre questões essenciais, o que demonstrou o alistamento dos operários na Guerra mundial e sua adesão aos discursos nacionalistas de cada burguesia nacional. Ao contrario da Primeira guerra mundial, a classe operaria não foi capaz, através de sua luta revolucionaria, de colocar um termo final à Segunda ; e depois desta última, ela continuou sofrendo uma exploração acentuada, sem ter a capacidade de questionar , mesmo embrionariamente , a exploração capitalista através das suas lutas.
Era uma dinâmica de submissão crescente dos operários à ordem capitalista.
Em ambos casos, o papel dos sindicatos foi de atuar a favor da ordem capitalista : durante a contra-revolução para enfraquecer mais ainda a luta e a consciência da classe operária ; depois de 68 para tentar impedir seu desenvolvimento. Nas lutas de maio de 36, os sindicatos conseguiram fazer o que teria perecido inimaginável menos de 20 anos antes : que as manifestações operárias desfilassem atrás das bandeiras vermelha e da França! Os sindicatos celebraram os acordos de Grenelle como se fosse uma grande vitória da classe operária enquanto esta semelhança de vitória (pouco tempo depois, as concessões já foram anuladas pelo capital) só serviu para levar os operários a se identificarem com o interesse nacional, inclusive para defendê-lo na Guerra mundial. Os sindicatos tiveram um controle perfeito das lutas de maio de 36, enquanto o movimento contra o CPE conseguiu em muitos aspectos importantes manter-se fora do seu controle direito. Mas em ambos casos, os sindicatos atuaram como inimigos da classe operaria, que realmente são.
Quais foram as tentativas da esquerda na França para retomar o movimento?
Aguda e interessante pergunta que foi colocada por um dos participantes. É indubitável que um movimento destas dimensões, que surpreendeu à própria burguesia francesa e pôs a nu sua estupidez e suas contradições, não podia ser deixado a seu livre desenvolvimento. Por isso, a burguesia através de seus meios e seus órgãos de controle (sindicatos e partidos de direita e esquerda) tratou de explorar as debilidades de um movimento, cuja maioria participava de uma luta pela primeira vez.
O movimento teve muitas ilusões a respeito do verdadeiro papel dos sindicatos. Em sua busca de solidariedade dos trabalhadores ativos, várias decisões das AG neste sentido foram desvirtuadas em chamados aos sindicatos para que estes convocassem os trabalhadores à luta. Também foram desvirtuadas as aspirações dos estudantes, através de chamadas dos sindicatos à “greve geral”. Estas ilusões foram alimentadas por grupos supostamente “radicais” aos olhos dos estudantes, tais como os grupos trotskistas como a “Liga Comunista Revolucionária”. Estes grupos, de maneira bastante inteligente controlaram progressivamente os órgãos de coordenação do movimento, onde “filtravam” e manipulavam os acordos das AG; situação que o movimento não controlava.
Também os partidos da esquerda tradicional francesa (PS, PCF, etc.), a quem não restou outro caminho que “apoiar” o movimento, além de mobilizar a sua máquina sindical para tentar controlar o movimento, introduziram o veneno da ideologia da democracia burguesa, fazendo colocações alusivas à incapacidade de Chirac e da direita, propondo-se como a melhor opção para assumir o governo nas eleições presidenciais de 2007.
Também nas universidades estiveram presentes as ideologias dos grupos altermundialistas, tais como ATTAC, denunciando a globalização e as políticas neoliberais como as causadoras da pobreza no mundo, abrindo as portas à ilusão de que pode existir um capitalismo “bom” com políticas econômicas “mais humanas”. Tampouco deixaram de estar presentes intervenções de quem mostrava seu apoio a Chávez, Evo Morales e Lula, precisamente os responsáveis por levar adiante os planos que empobrecem os trabalhadores e o conjunto da população de seus respectivos países.
Estas ilusões deverão ser submetidas à crítica, como resultado da reflexão e discussão de quem participou no movimento e se propõe fazer um balanço deste movimento. Também devem fazer parte da reflexão dos elementos e grupos mais politizados da classe.
Também nas discussões foram apresentados outros aspectos não diretamente ligados ao tema de discussão:
Representam projetos como o do chavismo uma saída para a crise atual?
De maneira nenhuma. A crise atual tem sua gênese nas próprias contradições do modo de produção capitalista, e o chavismo é um governo burguês, tal como o são os governos de Chirac na França, de Lula no Brasil ou de Bush no EUA. Todos eles são governos que se sustentam na exploração da classe operária. O projeto chavista surgiu como uma necessidade da burguesia venezuelana, depois do esgotamento e decomposição dos partidos social-democratas e social-cristãos que governaram a Venezuela durante as 4 últimas décadas do século passado. O esgotamento dos partidos tradicionais da burguesia, é o que está na base da ascensão de governos de esquerda a nível mundial, tais como o de Lula, Kirchner, etc., para só mencionar casos da América Latina.
A particularidade da "revolução bolivariana" de Chávez reside em que é tal o grau de decomposição e debilidade da burguesia venezuelana, que não teve a capacidade de impedir o surgimento de um governo populista de esquerda de corte “radical”, que conseguiu colocar no poder a uma “nova” burguesia, que tenta excluir os setores burgueses que governaram no passado, sustentada no apoio das camadas mais excluídas da sociedade. Embora o populismo seja um recurso ao qual recorre qualquer burguesia, seja de direita ou esquerda em momentos de crise política e econômica, os setores mais conscientes da burguesia tendem a contestar suas expressões mais “radicais”, já que uma burguesia nacional dividida fica debilitada para enfrentar a crise capitalista. Na medida em que uma burguesia é mais forte, existem menos possibilidades de que emirjam governos de corte populista radical. Observa-se, por exemplo, nos governos de Lula e Kirchner, que embora flertem com o populismo, mantenham a coesão no seio da burguesia. Neste sentido, há menos possibilidades de que surjam governos deste corte em países como a França ou em outros países industrializados, onde as classes burguesas são historicamente mais fortes.
Outra particularidade do chavismo é seu frenético “antiimperialismo”, fonte de admiração a nível mundial de setores da esquerda, esquerdistas e altermundialistas. A burguesia chavista no poder soube explorar a seu favor as debilidades e dificuldades do EUA em sua política imperialista a nível mundial, para desenvolver sua própria política imperialista para seu “pátio de trás” (O Caribe, América Central e alguns países Sul-Americanos) sustentada nos altos ganhos petroleiros. Não nos surpreende este apoio de esquerdistas e altermundialistas à burguesia chavista, pois para eles existe um único imperialismo, o do EUA. Por isso estão dispostos a apoiar a qualquer governo ou setor que se oponha a Bush, ainda que este tenha as mãos cheias de sangue tal como a burguesia americana. A eles terá que lhes dizer que o governo “antiBush” de Chávez nunca deixou de fornecer petróleo ao EUA nem de pagar a dívida externa, da qual os bancos americanos são os principais credores. O “antiamericanismo” de Chávez é uma armadilha “caça bobos” para tentar confundir os elementos e grupos que de maneira honesta se opõem à política imperialista dos EUA, para tentar ocultar que no capitalismo decadente, todo país em maior ou menor grau, tende a desenvolver sua própria política imperialista.
Outro ponto “a favor” da “revolução bolivariana” de Chávez são suas supostas tentativas a favor da eliminação da pobreza. Mediante uma política sustentada na promoção e financiamento pelo estado do cooperativismo, da co-gestão e da autogestão, o chavismo desenvolve a precariedade e flexibilização trabalhista, pois estes modelos de gestão tão apreciados por anarquistas e altermundialistas, servem para camuflar relações de exploração apoiadas em salários de fome sem que os trabalhadores tenham os benefícios que prevê a própria legalidade trabalhista. Neste sentido, o governo do Chávez desenvolve uma política tão exploradora e “neoliberal” como a que realiza a burguesia norte-americana e as outras burguesias do mundo.
Não é correto ficar dentro do PT para assumir a responsabilidade de defendê-lo contra a influencia crescente da burguesia no seu seio ?
A atitude a adotar diante da degenerescência de uma organização do proletariado é uma questão muito séria. Com efeito, a responsabilidade dos revolucionários é de levar o combate até o fim contra a influência crescente da ideologia burguesa dentro de uma organização realmente proletária. "Até o fim" pode significar até a vitória contra o oportunismo, ou pelo contrario, até não existir mais nenhuma vida operária dentro do partido, melhor dizendo nenhuma possibilidade de levar ao bom caminho o partido definitivamente passado para o campo do inimigo de classe. Esse combate é o que foi assumido pelas frações de esquerda dentro dos partidos degenerescentes social-democratas e depois comunistas.
Será que isso se aplica também ao PT? De jeito nenhum por uma razão muito simples; ele nunca foi um partido da classe operária. Ele nasceu burguês e continuará burguês. Ele não surgiu como instrumento da luta do proletariado, como os partidos social-democratas ou comunistas antes de trair, mas como uma mera criação do estado burguês no intento de institucionalizar a luta de classe para enfraquecê-la.
Estas foram as palavras de um dos participantes na reunião pública; mas, era o espírito que se sentia entre os participantes depois de finalizadas as reuniões. Tanto a CCI como a OPOP compartilhamos este espírito e nos sentimos altamente motivados a seguir trabalhando em conjunto para que estes “espaços proletários” se mantenham e se desenvolvam. Apesar dos aspectos pendentes por discutir entre ambas organizações, no fundamental se mostrou um acordo com as respostas que se deram aos diversos pontos expressos pelos assistentes.
Uma vez mais a CCI agradece aos companheiros da OPOP a sua dedicação e entusiasmo na organização destas reuniões, sem os quais elas não poderiam ser realizadas. Mas, sobretudo, agradecemos aos companheiros que responderam ao nosso chamado, que mediante suas intervenções contribuem para a construção de uma perspectiva proletária mundial. Convidamo-lhes a que participem das próximas reuniões que iremos realizar (no mês de setembro) e que enviem seus comentários acerca do balanço que fizemos deste importante encontro do proletariado que se realizou no Brasil em maio de 2006.
CCI (08-07-06)
[1] [40] Este artigo será publicado brevemente no site da CCI, junto com outros artigos da OPOP. Para conhecer vários de seus artigos, visitar seu site: https://sites.uol.com.br/opop [41].
Quando os intelectuais ditos marxistas e as organizações pretendidas marxistas (trotskistas, stalinistas, ...), todos a serviço da burguesia, pretendem defender a visão de Marx das contradições mortais do capitalismo agindo no plano econômico, na maioria dos casos se referem exclusivamente à queda tendêncial da taxa de lucro descoberta por Marx. De maneira geral, todos relativizam, quando não o consideram como insignificante - apesar de ser muito presente na obra de Marx - este fator de crise constituído pela superprodução devido à insuficiência dos marcados solváveis. O problema é que o mesmo procedimento se encontra, com vários graus, por parte de algumas correntes ou elementos politizados que defendem posições revolucionarias. Um tal método de análise das contradições econômicas do capitalismo constitui, do nosso ponto de vista, um erro que colocamos em evidência no texto em seguida com intento de fortalecer o campo do proletariado no plano teórico, e evidentemente não o de esclarecer os diferentes tipos de defensores do capitalismo.
Através deste texto, baseado sobre um pleno reconhecimento da realidade da contradição "queda tendêncial da taxa de lucro", queremos demonstrar, pelo uso exclusivo da obra de Marx, o caráter central e determinante da contradição que resulta da insuficiência dos marcados solváveis à produção capitalista, e também a relação que existe entre estas duas contradições que se potencializam.
Por fim, julgamos necessário de lembrar neste texto a posição clássica do marxismo ortodoxo que prevaleceu até o inicio do século 20, posicionamento que colocava a questão dos mercados no coração das contradições do capitalismo. Explicamos também porque depois aconteceu uma mudança.
Para facilitar a exposição de nossa postura, cada vez que for necessário, lembraremos a definição de alguns conceitos clássicos pelo meio de citações amplas de Marx (Quando não há indicação contaria, toda acentuação dentro das citações é nossa), toda vez que for necessário ([1] [42]). Isto vale também para facilitar o acesso ao debate pelos companheiros que não são muito acostumados com o assunto.
Em que consiste, segundo Marx, a lei da queda da taxa de lucro ? Com o desenvolvimento da industria a da produtividade do trabalho, uma proporção crescente das despesas do capitalista é dedicada às matérias-primas e às maquinas mais sofisticadas. No sentido contrario, o trabalho vivo diminui na mesma proporção. O problema para o capitalista é que é unicamente o trabalho vivo (o capital variável) que produz um valor adicional que constitui o lucro capitalista. Este fenômeno é diretamente perceptível em cada mercadoria que gera assim um lucro decrescente:
"Com o desenvolvimento da força produtiva e a composição superior do capital, que lhe corresponde, põem um quantum cada vez maior de meios de produção em alimento por um quantum cada vez menor de trabalho, cada parte alíquota do produto global, cada mercadoria individual ou cada medida individual de determinada mercadoria da massa global produzida absorve menos trabalho vivo e, além disso, contém menos trabalho objetivado, tanto na depreciação do capital fixo empregado quanto nas matérias-primas e auxiliares utilizadas. Cada mercadoria individual contém, portanto, uma soma menor de trabalho objetivado nos meios de produção e de trabalho novo agregado durante a produção. Por isso cai o preço da mercadoria individual (...) Com a diminuição absoluta enormemente incrementada no curso do desenvolvimento da produção, da soma de trabalho vivo, recém-agregado à mercadoria individual, também diminuirá absolutamente a massa de trabalho não-pago nela contido, por mais que tenha crescido relativamente, a saber, em proporção à parte paga. A massa de lucro sobre cada mercadoria individual irá diminuir muito com o desenvolvimento da força produtiva de trabalho, apesar do crescimento da taxa de mais-valia (...)" (Livro III, seção III)
Entretanto, Marx fica atento para nunca separar ambos lados desta lei ; quando diminui a taxa de lucro, a massa de lucro aumenta porque uma quantidade maior de mercadorias é produzida :
Assim, fazendo abstração das condições nas quais uma tal contradição poderia constituir um obstáculo decisivo à acumulação capitalista, era estabelecida a prova que o capitalismo, longe de constituir um modo de produção eterno, era necessariamente condenado a desaparecer por conta de suas contradições internas próprias, como os modos de produção que o precederam.
Ela se reflita na emoção que provoca nas economistas burgueses (como Ricardo):
"O importante, porém, em seu horror ante a taxa de lucro em queda, é a sensação de que o modo de produção capitalista encontra no desenvolvimento das forças produtivas uma barreira que nada tem a ver com a produção da riqueza enquanto tal; e essa barreira popular testemunha a limitação e o caráter tão-somente histórico e transitório do modo de produção capitalista; testemunha que ele não é um modo de produção absoluto para a produção da riqueza, mas que antes entra em conflito com seu desenvolvimento, em certo estágio" (Livro III, seção III).
Como, segundo Marx, age esta contradição do modo de produção capitalista ?
Em que pode realmente consistir esta contradição quando a queda da taxa de lucro é acompanhada com um aumento da massa do lucro sobre o conjunto dos produtos ? Marx coloca em evidência que a competitividade no mercado mundial de cada mercadoria que produz o capitalista, depende da sua capacidade de investir cada vez mais capital para conseguir em retorno, sobre cada mercadoria, um lucro menor relativamente ao capital investido, e que o único meio que ele tem de escapar desta lei é de acrescentar consideravelmente o tempo de trabalho excedente dos operários que ele explora, o que tem obviamente um limite.
Marx identifica este fenômeno como sendo na origem das crises que pontuam o desenvolvimento do capitalismo no século XIX : "No fato de que o desenvolvimento da força produtiva de trabalho gera, na queda da taxa de lucro, uma lei que em certo ponto se opõe com a maior hostilidade a seu próprio desenvolvimento, tendo de ser portanto constantemente superada por meio de crises".
Entretanto, as condições de desenvolvimento e de fim das crises numerosas ligadas com um conjunto de fatores cuja queda da taxa de lucro constitui um elemento, mas que, considerado em si, não é determinante
Uma analise do sistema considerada por si mesmo, como uma totalidade, in vitro, era uma necessidade para entender melhor suas próprias leis e, como veremos mais para frente, um tal método é empregado no Livro I. É também empregado parcialmente para estudar a queda da taxa de lucro no livro III. Mas um tal procedimento, embora seja necessário, não pode em si, ser suficiente.
Com efeito, o que dizer de um método que, de propósito, se limitaria a uma etapa necessária mas não suficiente do estudo de um fenômeno considerado em si, isolado de seu meio histórico e dos fatores externos com os quais ele interage ? Que suas conclusões só poderiam ser parciais e com certeza não operantes quando se trata de entender como agem as contradições na realidade, e não dentro dum laboratório.
É justamente o ponto de vista de Marx pois, já no livro III do Capital, existe uma tentativa da sua parte para fazer uma síntese entre as contradições inerentes do modo de produção capitalista e aquelas contradições resultando do desenvolvimento deste sistema no seio do seu meio econômico-social, o mundo em que se desenvolveu. Quanto a estas contradições exteriores, Marx já tinha começado a colocá-las em evidencia no Manifesto e continuou depois, em particular com as Teorias sobre a Mais-valia.
Na realidade, foi Marx o primeiro que criticou um tal método consistindo em considerar o capitalismo de maneira absoluta, em si, sem se preocupar das condições nas quais ele se move :
"Quando se diz que a superprodução é apenas relativa, isso está inteiramente correto; mas todo o modo de produção capitalista é apenas um modo de produção relativo, cujas barreiras não são absolutas, mas que, para ele, em sua base, são absolutas(...)A contradição desse modo de produção capitalista consiste, porém, exatamente em sua tendência ao desenvolvimento absoluto das forças produtivas, que entra constantemente em conflito com as condições específicas da produção, em que o capital se move e em que unicamente se pode mover." (Esta passagem do Livro III - seção III – é citada mais amplamente numa parte seguinte deste texto na qual se trata das insistências contraditórias existindo no Livro III)
O Capital, e a obra inteira de Marx só podem ser entendidos como o estudo dos processos que conduzem à derrubada e ao desaparecimento deste sistema. O volume I anuncia uma época em que :
"o monopólio do capital se torna um obstáculo para o modo de produção que cresceu e prosperou com ele e sob seus auspícios. A socialização do trabalho e a centralização de seus recursos materiais chegam a um ponto tal que não podem mais caber na concha capitalista. Esta concha se parte em pedaços. A hora do fim da propriedade capitalista já chegou. Os expropriadores serão por sua vez expropriados" (Livro I, seção I) (traduzido por nós)
O primeiro Livro do capital é, principalmente, um estudo crítico do processo de produção capitalista. Seu principal objetivo é o de desmascarar a exploração capitalista e se limita essencialmente, por conta disso, à análise das relações diretas entre o proletariado e a classe capitalista, utilizando, para isso, um modelo abstrato no qual as outras classes e formas de produção não têm importância significativa. É nos livros seguintes, em particular no Livro III e nas Teorias sobre a Mais-valia (segunda parte) como nos Grundrisse que Marx desenvolve a fase seguinte de seu ataque contra a sociedade burguesa : a demonstração de que a derrubada do capital será o resultado das contradições enraizadas no âmago do sistema, na própria produção da mais-valia.
Marx coloca em evidência um conjunto de contradições do capitalismo, as duas seguintes em particular :
O Capital é necessariamente um trabalho inacabado, por duas razoes:
Este caráter necessariamente inacabado do Capital tem a ver com a fato de que, quando ele define o elemento fundamental da crise capitalista, Marx insiste ora sobre o problema da superprodução, ora sobre a tendência para a queda da taxa de lucro mas nunca estabelece uma separação mecânica e rígida entre os dois : por exemplo, o capitulo do terceiro Livro dedicado às conseqüências da queda da taxa de lucro, contém também algumas das passagens mais claras sobre o problema do mercado. Estas passagens não são, entretanto, exceções, porque também na polêmica com Ricardo, nas Teorias sobre a Mais-valia (Livro Quatro do Capital ([2] [43])), Marx considera a superprodução de mercadorias como o "fenômeno fundamental das crises" : "... o modo de produção burguês constitui um limite para o livre desenvolvimento das forças produtivas, limite que se manifesta nas crises, e em particular na superproduçao – fenomeno a base das crises". (traduzido por nós)
É este caráter inacabado do Capital que favoreceu a controversa no seio do movimento operário sobre os fundamentos econômicos do declino do capitalismo.
Para terminar, queremos insistir sobre a unidade do conjunto da obra de Marx que não pode ser dividida entre, dum lado, os escritos políticos e filosóficos e, por outro lado, os escritos econômicos. É para ilustrar esta mesma insistência que o aviso à publicação pela coleção La Plêiade dos escritos econômicos reproduz a citação seguinte, de Marx, no fim de sua vida : "A leitura de Miséria da filosofia e do Manifesto comunista poderão servir de introdução ao estudo do Capital" (tradução é nossa).
A problemática da queda da taxa de lucro exposta por Marx, que fala de "influências contrariantes ... que cruzam e superam os efeitos da lei geral" assinala:
"Se se considera o enorme desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social, ainda que somente nos últimos 30 anos, em comparação com todos os períodos anteriores, se se considera a saber a enorme massa de capital fixo que, além da maquinaria propriamente dita, entra no conjunto do processo de produção social, então, no lugar da dificuldade que até agora ocupou os economistas, isto é, explicar a queda da taxa de lucro, aparece a dificuldade inversa, ou seja, explicar por que essa queda não é maior ou mais rápida. Deve haver influências contrariantes em jogo, que cruzam e superam os efeitos da lei geral, dando-lhe apenas o caráter de uma tendência, motivo pelo qual também designamos a queda da taxa geral de lucro como uma queda tendencial."
Marx invoca os cinco fatores seguintes que ele estima ser os mais importantes :
O fator "ampliação da escala da produção", considerado como influência contrariante à queda da taxa de lucro é essencial para nos, por duas razoes :
A problemática implicando simultaneamente as contradições essenciais do modo de produção capitalista se resume assim:
A citação seguinte Marx traduz exatamente esta problemática:
"A obtenção dessa mais-valia constitui o processo direto de produção que, como foi dito, tem apenas as barreiras indicadas acima. Assim gue o quantum de mais-trabalho extraível está objetivado em mercadorias, a mais-valia está produzida. Mas com essa produção de mais-valia está concluído apenas o primeiro ato do processo de produção capitalista, o processo direto de produção. O capital absorveu tanto e tanto de trabalho não-pego. Com o desenvolvimento do processo, que se expressa na queda da taxa de lucro, a massa de mais-valia assim produzida se infla enormemente. Agora vem o segundo ato do processo. O conjunto da massa de mercadorias, o produto global, tanto a parte que substitui o capital constante e o variável, quanto a que representa a mais-valia, precisa ser vendido. Se isso não acontece ou só acontece em parte ou só a preços que estão abaixo dos preços de produção, então o trabalhador é certamente explorado, mas sua exploração não se realiza enquanto tal para o capitalista, podendo estar ligada a uma realização nula ou parcial da mais-valia extorquida, e mesmo a uma perda parcial ou total de seu capital.
As condições de exploração direta e as de sua realização não são idênticas. Divergem não só no tempo e no espaço, mas também conceitualmente. Umas estão limitadas pela força produtiva da sociedade, outras pela proporcionalidade dos diferentes ramos da produção e pela capacidade de consumo da sociedade. Esta última não é, porém, determinada pela força absoluta de produção nem pela capacidade absoluta de consumo; mas pela capacidade de consumo com base nas relações antagônicas de distribuição, que reduzem o consumo da grande massa da sociedade a um mínimo só modifìcável dentro de limites mais ou menos estreitos. Além disso, ela está limitada pelo impulso à acumulação, pelo impulso à ampliação do capital e à produção de mais-valia em escala mais ampla. Isso é lei para a produção capitalista, dada pelas contínuas revoluções nos próprios métodos de produção, pela desvalorização sempse vinculada a elas do capital disponível, pela luta concorrencial geral e pela necessidade de melhorar a produção e de ampliar sua escala, meramente como meio de manutenção e sob pena de ruína. Por isso, o mercado precisa ser constantemente ampliado, de forma que suas conexões e as condições que as regulam assumam sempre mais a figura de uma lei natural independente dos produtores, tornando-se sempre mais incontroláveis. A contradição interna procura compensar-se pela expansão do campó externo da produção. Quanto mais, porem, se desenvolve a força produtiva, tanto mais ela entra em conflito com a estreita base sobre a qual repousam as relações de consumo. Sobre essa base contraditória não há, de modo algum, nenhuma contradição no fato de que excesso de capital esteja ligado com crescente excesso de população; pois mesmo que se juntassem ambos, a massa de mais-valia produzida iria aumentar, aumentando com isso a contradição entre as condições em que essa mais-valia é produzida e as condições em que é realizada" (Livro III, seção III)
Para o capitalista, a capacidade de aumentar sua produtividade como também a massa de lucro se chocam com sua capacidade de vender uma produção sempre mais ampla. A queda tendêncial da taxa de lucro, deixa de ser tendêncial para se tornar efetiva e destruidora de capital quando as forças que a contrariam e a compensam "em tempo normal" se enfraquecem, o que acontece essencialmente quando a ampliação da produção se torna impossível por conta da insuficiência dos mercados solváveis permitindo a realização da mais-valia.
Marx não privilegia uma contradição a favor duma outra (queda da taxa de lucro ou superprodução) mas ele fornece entretanto os elementos de análise permitindo de estabelecer claramente que existe uma contradição (a saturação dos mercados) que catalisa as outras (em particular a queda da taxa de lucro).
Assim, "As crises do mercado mundial devem ser compreendidas como a síntese real e a aplanação violenta de todas as contradições desta economia cuja cada esfera expressa os diversos aspetos reunidos nestas crises" (Materiais para a economia – 1861 / 1865 – "As crises") (traduzido por nós)
Para o que nos considera, pensamos de acordo com Marx que a classe operária no seu conjunto não pode constituir um mercado suficiente para a produção capitalista :
"Mas a ilusão de cada capitalista privada, considerado em oposição a todos os demais, que fora de seus próprios operários a classe operaria é feita somente de consumidores e de gente que troca, de gente que dispensa dinheiro e não de operários, provem deste fato que o capitalista esquece o que diz Malthus : "A existência dum lucro realizado sobre uma mercadoria qualquer implica uma demanda outra que a do trabalhador que produziu a mercadoria" e por conseqüente, "a demanda provindo do próprio trabalhador produtivo nunca pode absorver a demanda inteira". Pelo fato que um ramo da produção ativa um outro e ganha assim consumidores no conjunto dos operários empregados pelos demais capitalistas, cada capitalista pensa de maneira errada que toda a classe operaria, criada pela própria produção, basta para tudo. Esta demanda criada pela própria produção incita a não fazer caso da proporção justa entre o que é preciso produzir para os operários ; ela tende a ultrapassar a demanda dos operários enquanto, no mesmo tempo, a demanda das classes não operarias desaparece ou se reduz consideravelmente ; É asim que o desabamento se prepara." (Grundrisse, Capitulo do capital) (traduzido por nós)
A razão disso provém de que o capitalismo vive da exploração do operário:
"O que os operários produzem na realidade é a mais-valia. A condição de eles poderem consumir é de produzir mais-valia. Assim que não produzem mais mais-valia, seu consumo para. Não é porque eles produzem ume equivalente a seu consumo que têm o que consumir (...) Quando a relação entre o operário e o capitalista é reduzida a uma relação de consumidor e produtor, se esquece que o trabalhador assalariado que produz e o capitalista que produz são produtores dum tipo totalmente diferente (com exceção dos consumidores que não produzem nada). De novo é negada a existência desta oposição, fazendo abstração duma oposição que existe realmente dentro da produção. A relação sola entre o trabalhador assalariado e o capitalista implica :
1) Será que a esfera da produção é capaz ou não de criar o mercado que ela precisa para absorver suas mercadorias ?
No Livro III (e também nas Grundrisse), se encontram afirmações que parecem contrariar o fato que a produção, quaisquer que sejam suas condições, não é capaz de criar seu próprio mercado no seio das relações de produção capitalista[3] [44]. Elas parecem assim contradizer esta outra passagem do Livro III : "Como não é a satisfação das necessidades, mas a produção de lucro, a finalidade do capital, e como ele só atinge essa finalidade por métodos que organizam a massa da produção de acordo com a escala da produção, e não vice-versa, então tem de surgir constantemente um conflito entre as dimensões limitadas do consumo em base capitalista e uma produção que constantemente tende a superar essa barreira imanente. De resto, o capital consiste em mercadorias e, por isso, a superprodução de capital implica a de mercadorias" (Livro III, seção III).
Alguns exemplos de tais passagens
a) "Por outro lado, à medida que a taxa de valorização do capital global, a taxa de lucro, é o aguilhão da produção capitalista (assim como a valorização do capital é sua única finalidade), sua queda retarda a formação de novos capitais autônomos, e assim aparece como ameaça para o desenvolvimento do processo de produção capitalista; ela promove superprodução, especulação, crises, capital supérfluo, ao lado de população supérflua." (Livro III, seção III)
b) "Mas periodicamente são produzidos meios de trabalho e meios de subsistência em demasia para fazê-los funcionar como meios de exploração dos trabalhadores a certa taxa de lucro" (Livro III, seção III)
Qual é a realidade desta contradição ?
Como interpretar esta afirmação (a) e qual implicação deduzir. Não existe, antes ou depois, uma argumentação relativa a estas palavras e que poderia ajudar o entendimento. A única explicação que poderia ser dada resulta deste fato enunciado por Marx que o capitalista procura compensar a queda da taxa de lucro por um aumento da escala da produção, o que necessariamente favorece a superprodução.
A segunda citação (b) parece na sua vez confirmar esta idéia segundo a qual o nível de superprodução depende de uma "certa taxa de lucro" que o capitalista precisa conseguir. Mas, sendo exprimida com uma outra formulação e também mais argumentada, a citação (b) permite entender melhor do que se trata em realidade.
De fato, ela continua assim : "São produzidas mercadorias em demasia para poder realizar o valor nelas contido e a mais-valia encerrada nele, sob as condições de distribuição e de consumo dadas pela produção capitalista, e poder retransformá-la em novo capital, isto é, levar a cabo esse processo sem explosões sempre recorrentes. Não se produz demasiada riqueza. Mas periodicamente se produz demasiada riqueza em suas formas capitalistas, antitéticas.
A barreira ao modo de produção capitalista se manifesta:
Assim, a argumentação ilustra o fato que uma sobre-abundancia da produção resulta na impossibilidade de vendê-la em totalidade, isto é "o valor contido e a mais-valia encerrada nele não podem ser realizados". A produção não vendida é geralmente perdida, o que implica crises numerosas. Disso resulta a impossibilidade de realizar um lucro suficiente e dai uma taxa de lucro suficiente que, deste jeito, não pode ser "a certa taxa de lucro" que o capitalista queria.
Assim, esta citação só faz ilustrar de novo que a queda da taxa de lucro vai a par com uma produção mais massiva que é mais difícil de vender.
2) Será que a solução às crises de superprodução se encontra no seio da esfera da produção ?
Depois das passagens citados por cima, se encontram, ainda no Livro III, insistências parecendo induzir a idéia que o capitalismo poderia superar, no seu seio, suas crises de superprodução.
A propósito da crise, Marx coloca a questão seguinte:
"Como se resolveria novamente esse conflito e se restabeleceriam as condições correspondentes ao movimento "sadio" da produção capitalista? A forma da resolução já está contida na mera formulação do conflito de cuja resolução se trata. Ela implica uma colocação em alqueive e até mesmo um aniquilamento parcial de capital, num montante de valor de todo o capital adicional DC ou então de parte dele. Embora, como já se verifica na apresentação do conflito, a distribuição desse prejuízo não se estende, de modo algum, de maneira uniforme aos diferentes capitais particulares, mas se decide numa luta concorrencial em que, conforme as vantagens especiais ou as posições já conquistas, o prejuízo de reparte de forma muito desigual e muito diferenciada, de modo que um capital é colocado em alqueive, outro é aniquilado, um terceiro apenas sofre prejuízo relativo ou desvalorização transitória.
Mas, sob quaisquer circunstâncias, o equilíbrio se estabeleceria por colocação em alqueive ou mesmo aniquilamento de capital em maior ou menor volume. Isso se estenderia em parte à substância material do capital; isto é, parte dos meios de produção, capital fixo e circulante, não funcionaria, não atuaria como capital: parte dos empreendimentos iniciados seria desativada. Embora, por este lado, o tempo ataque e deteriore todos os meios de produção (excetuado o solo), aqui ocorreria, devido à paralisação, uma destruição real muito maior de meios de produção. (…)
Além disso, a desvalorização dos elementos do capital constante seria em si um elemento que implicaria a elevação da taxa de lucro. A massa de capital constante empregado em relação ao variável teria crescido mas o valor dessa massa poderia ter caído. A paralisação da produção ocorrida teria preparado uma ampliação posterior da produção dentro dos limites capitalistas.
E assim o ciclo seria novamente percorrido. Parte do capital que pela paralisação funcional foi desvalorizada recobraria seu antigo valor. Ademais, com condições de produção ampliada, com um mercado ampliado e com força produtiva mais elevada, o mesmo círculo vicioso seria novamente percorrido." (Livro III, seção III)
Nesta citação, o "mercado ampliado" não aparece explicitamente como um fator da retoma econômica. Assim desaparece esta idéia do Manifesto segundo a qual a crise, quando se produz, se resolve pela abertura de novos mercados : "As relações burguesas tornaram-se demasiado estreitas para conterem a riqueza por elas gerada. — E como triunfa a burguesia das crises? Por um lado, pela aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais profunda de antigos mercados. De que modo, então? Preparando crises mais omnilaterais e mais poderosas, e diminuindo os meios de prevenir as crises".(Livro III, seção III)
Será que se trata de uma evolução do pensamento de Marx sobre este ponto ? Absolutamente não pois a proximidade deste passagem existe um outro que reafirma claramente :
"Quando se diz que a superprodução é apenas relativa, isso está inteiramente correto; mas todo o modo de produção capitalista é apenas um modo de produção relativo, cujas barreiras não são absolutas, mas que, para ele, em sua base, são absolutas. Como poderia, se assim não fosse, faltar demanda das mesmas mercadorias das quais a massa do povo carece e como seria possível ter de procurar essa demanda no exterior, em mercados distantes, para poder pagar aos trabalhadores em casa a média dos meios de subsistência necessários? Porque apenas nesse contexto específico, capitalista, o produto excedente ganha uma forma em que seu possuidor só pode colocálo à disposição do consumo assim que se retransforma em capital para ele. Finalmente, quando se diz que os capitalistas só teriam de intercambiar entre si e comer suas mercadorias todo o caráter da produção capitalista é esquecido e se esquece de que se trata da valorização do capital, não de seu consumo. Em suma, todas as objeções contra as manifestações palpáveis da superprodução (manifestações que não se preocupam com essas objeções) se resumem na idéia de que as barreiras à produção capitalista não são barreiras à produção em geral, e portanto também não são barreiras a esse modo especifico de produção, o modo capitalista. A contradição desse modo de produção capitalista consiste, porém, exatamente em sua tendência ao desenvolvimento absoluto das forças produtivas, que entra constantemente em conflito com as condições específicas da produção, em que o capital se move e em que unicamente se pode mover." (Livro III, seção III)
Neste texto, já reproduzimos citações de Marx ilustrando o lugar central que ele da à contradição que constitui a superprodução. Continuamos ilustrando isso com outras citações que convergem para esta idéia que a conquista do mercado mundial significaria, para o capitalismo, a permanência de contradições que antes deste momento se exprimiam somente ciclicamente. Aquelas que provêm do Manifesto, mesmo se não são ainda as mais explicitas considerando esta perspectiva esboçada pelo próprio Marx, têm entretanto uma grande importância porque ele considerava, como o assinalamos, que O Manifesto ou a Miséria da filosofia poderiam constituir uma introdução para o estudo do capital.
"Nas crises comerciais é regularmente aniquilada uma grande parte não só dos produtos fabricados como das forças produtivas já criadas. Nas crises irrompe uma epidemia social que teria parecido um contra-senso a todas as épocas anteriores — a epidemia da sobreprodução. A sociedade vê-se de repente retransportada a um estado de momentânea barbárie; parece-lhe que uma fome, uma guerra de aniquilação universal lhe cortaram todos os meios de subsistência; a indústria, o comércio, parecem aniquilados. E porquê? Porque ela possui demasiada civilização, demasiados meios de vida, demasiada indústria, demasiado comércio. (...) E como triunfa a burguesia das crises? Por um lado, pela aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais profunda de antigos mercados. De que modo, então? Preparando crises mais omnilaterais e mais poderosas, e diminuindo os meios de prevenir as crises". (Marx, O Manifesto Comunista)
"A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização. Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro. Compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada civilização, i. é, a tornarem-se burguesas. Numa palavra, ela cria para si um mundo à sua própria imagem." (Marx, O Manifesto Comunista)
O capitalismo na pode encontrar dendro de suas relaçoes de produção, os mercados solváveis necessários para seu desenvolvimento ; é a razão pela cual ele é obrigado a conquistar mercado mundial
"O mais a produção capitalista se desenvolve, o mais ela tem que produzir numa escala que não tem nada ver com a demanda imediata mas que depende duma expansão constante do mercado mundial. Ricardo utiliza a afirmação de Say segundo a qual as capitalistas não produzem para o lucro, a mais-valia, mas que produzem valores de uso diretamente para o consumo – para seu próprio consumo. Ele não toma em conta o fato que as mercadorias devem ser convertidas em dinheiro. O consumo dos operários não basta, porque o lucro provem precisamente do fato que o consumo dos operários é inferior ao valor do seu produto e que ele (o lucro) é tão grande como o consumo é relativamente pequeno. O consumo dos próprios capitalistas também é insuficiente." (Teorias sobre a Mais-valia; a teoria de Ricardo sobre o lucro) (traduzido por nós)
Esta dinâmica de conquista do mercado mundial resulta na crises cada vez mais agudas
"As crises viram mais freqüentes e violentas. É porque a massa dos produtos e daí a necessidade de desembocados crescem enquanto o mercado mundial vira mais estreito ; acontece que cada crise tem para conseqüência a submissão ao mundo comercial um mercado ainda não conquistado ou pouco explorado e diminui assim os desembocados." (Marx, Trabalho assalariado e Capital)
É de propósito que, até agora neste texto, considerando a análise dos fundamentos econômicos da crise do capitalismo, limitamo-nos aos escritos de Marx e ao seu período contemporâneo. Pensamos que isso constitui a base necessária para o estudo dos problemas.
Colocamos em evidência que a força da contradição "queda tendêncial da taxa de lucro" não pode ser avaliada na esfera só da produção na medida em que ela é estreitamente ligada à existência de mercados em quantidade suficiente para absorver a produção capitalista. Será que disso resulta na nossa compreensão, no caso da hipótese abstrata que possa existir permanentemente tais mercados, a impossibilidade de desta contradição ser mortal para o modo de produção capitalista ? De jeito nenhum, mas tal hipótese abstrata não toma em conta precisamente este aspecto da realidade segundo o qual a insuficiência dos mercados solváveis constitui, em si e independentemente da queda da taxa de lucro, um fator de crise que já se manifestou bem antes uma hipotética crise mortal do capitalismo provocada pela queda da taxa de lucro. É o que ilustrou a existência das crises cíclicas que pontuaram o desenvolvimento do capitalismo durante o século XIX, crises que tinham como causa a insuficiência momentânea de mercados solváveis e que foram superadas, toda vez, pela abertura de novos mercados extracapitalistes.
Alem disso, assim que as relações de produção capitalista acabaram de conquistar o mundo, a contradição resultando da insuficiência dos mercados extracapitalistes (relativamente às necessidades do capitalismo) tende a se tornar permanente e constitui o fundamento da crise mortal do capitalismo. Será que isso significa que a queda da taxa de lucro nunca se expressou na realidade como fator de crise ? De jeito nenhum e ela se expressa deste jeito com tanta força quanto os mercados são saturados, mas o que determina a crise é a ausência de mercados e não a queda da taxa de lucro.
Durante a maior parte deste texto refutamos os diferentes tipos de argumentos segundo os quais a queda da taxa de lucro constitui o âmago das contradições do capitalismo. É a razão pela qual esta refutação se apóia muitas vezes sobre argumentos do livro III, centrado no estudo da contradição "queda da taxa de lucro", que relativizam esta contradição, a ligando com a contradição central dos mercados solváveis. Estes argumentos e nosso método podem entretanto deixar pensar que a questão dos mercados é um "fator exterior" ao capitalismo. Não é a realidade nem a visão que Marx dá desta realidade através de sua obra pois, embora seja uma contradição exteriora à esfera da produção, não é uma contradição exteriora ao modo de produção capitalista.
O que caracteriza em primeiro lugar o capitalismo, como modo de produção, é a produção de mercadorias. É o que ilustra a frase seguinte do capital : "A riqueza das sociedades em que domina o modo-de-produção capitalista apresenta-se como uma "imensa acumulação de mercadorias"". Por isso, mais de que quaisquer outros modos de produção que o precederam, o capitalismo é estreitamente dependente de outros modos de produção que constituem seu "alimento", os conquistando com "o preço baixo de suas mercadorias", como diz o Manifesto comunista. Esta necessidade de "submeter" mercados extracapitalistes faz parte de sua natureza própria (da mesma maneira que a existência da força de trabalho sob a forma de mercadoria) e tudo o que impede a realização desta necessidade constitui para ele uma contradição fundamental. Assim não é por acaso, se Marx acorda tal importância no conjunto de sua obra à questão dos mercados quando se trata de entender a crise do capitalismo. Alem disso, como já o assinalamos neste texto, não é também por acaso se as únicas explicações das causas da crise publicadas por Marx quando era vivo são relativas à superprodução e não à queda da taxa de lucro. Na realidade, a análise desta última contradição conserva na obra de Marx um caráter exploratório, que ainda não chegou a maturidade e não vem, de jeito nenhum, suplantar a sua tese central da superprodução que continua sendo invocada com força, inclusive nos textos experimentais próprios nos quais se trata da queda da taxa de lucro (Grundrisse, Livro III), mesmo quando tais textos, como As teorias sobre a mais-valia, foram escritos mais o menos na mesma época, talvez mais tarde, que as notas reunidas por Engels para elaborar o Livro III. É também significativo que quando ele revisou a edição de 1891 de Trabalho assalariado e capital, Engels pensou necessário corrigir alguns aspetos mas sem alterar de nenhuma maneira a importância da questão dos mercados (a queda da taxa de lucro sendo ausente desta obra), o que significa que, na idéia que ele tinha da compreensão de Marx e também de sua compreensão própria, esta questão permanecia central. Tal ponto de vista era também o de Kautsky que, antes de trair, era considerado, inclusive por Lênin, como o teórico mais capaz de defender a ortodoxia do marxismo. É por conta disso que ele era considerado como a "papa" do Marxismo. Eis a análise que ele desenvolvia na sua polêmica contra Tougan-Baranovsky que defendia a idéia que as crises do capitalismo não resultam duma insuficiência do consumo solvável em relação à capacidade de expansão da produção capitalista mas duma simples desproporção entre os diferentes setores e que esta última poderia ser evitada pelo meio de intervenções adequadas dos governos (idéia derivada a partir duma tese da economia burguesa formulada por JB Say segundo a qual o capitalismo nunca pode conhecer reais problemas de mercados) :
"Os capitalistas e os operários que eles empregam constituem um mercado para os meios de produção produtos pela industria, mercado que cresce com o crescimento da riqueza dos primeiros e o número dos segundos, menos rápido entretanto que a acumulação do capital e a produtividade do trabalho, mas só este mercado não basta para absorver os meios de consumo produtos pela grande industria capitalista. A industria deve procurar mercados suplementares no exterior de sua esfera dentro das profissões e nações que não produzem ainda segundo o modo capitalista. Ela os encontra e os amplia sem parar, mas lentamente demais. Pois estes mercados suplementares são longe de ter a elasticidade e a capacidade de expansão da produção capitalista.
Desde o momento em que a produção capitalista se desenvolveu e se tornou grande industria, como foi o caso na Inglaterra no século XIX, ela teve essa capacidade de avançar por grandes saltos para frente, até dobrar em pouco tempo a expansão do mercado. Assim, cada período de prosperidade seguindo ume expansão brusca do mercado é condenado a uma vida breve, a crise acabando inevitavelmente com ele. Assim é, em ouças palavras, a teoria das crises adotada geralmente, segundo o que sabemos, pelos "marxistas ortodoxos" e fundada por Marx." (Um artigo publicado na Neue Zeit em 1902)
A questão que não se pode evitar colocar é porque foi somente bem depois da morte de Marx que, no começo do século XX, teorias colocando a queda da taxa de lucro no centro das contradições do capitalismo em lugar da questão dos mercados, nasceram e se desenvolveram até ter o sucesso que sabemos por seguinte dentro do "marxismo oficial" defendido pelas varias correntes da burguesia (stalinistas e trotskistas em particular) mas também no seio de grupos revolucionários.
Antes de tentar interpretar o fenômeno – o que faremos só em parte nesta conclusão – é necessário, em primeiro lugar, lembrar a realidade segundo a qual não foi a esquerda da social-democracia que adotou uma explicação da crise baseada de maneira central (até exclusiva) sobre a contradição da queda da taxa de lucro mas as correntes oportunistas no seio dos quais se encontravam personagens como Hilferding. E porque estes correntes adotaram preferencialmente esta explicação em lugar da outra ligada à questão dos mercados ? Nada mais que, ao contrario desta última, a teoria da queda de lucro permitia adiar para um futuro longínquo a questão do desabamento catastrófico do capitalismo e, assim, da luta revolucionaria.
E é pelas mesmas razões, mas a partir de uma postura de classe oposta que, muito cedo, foi no seio da esquerda da social-democracia através da pessoa de Rosa Luxemburgo, que se expressou de vez o combate contra o oportunismo da social-democracia e o combate para a continuidade e o desenvolvimento da teoria marxista considerando as contradições do capitalismo. Porque, em seguida, foi a teoria que prestava mais para se acomodar do oportunismo que superou a teoria que prestava menos para isso[4] [45], no campo revolucionário ? Pode-se dizer que a teoria da queda da taxa de lucro foi impulsionada pela notoriedade adquirida por Lênin com a revolução de outubro na medida em que seu texto O imperialismo estagio supremo se refere amplamente a esta teoria e ao trabalho de Hilferding. Sabemos que nenhum revolucionário é capaz por si só de fazer uma contribuição sobre todas as questões colocadas diante do movimento operário. O internacionalismo inabalável de Lênin era apoiado sobre uma fidelidade sem falha aos princípios do marxismo, o que o levou, assim como Rosa Luxemburgo, a combater Kautsky. O fato de se ter inspirado dos escritos dos reformistas (Hilferding) para desenvolver sua teoria do imperialismo não conseguiu enfraquecer o vigor se seu combate para a revolução. Na realidade, apesar desta fraqueza de seu estudo, ele analisa corretamente o estouro do primeiro conflito mundial como o resultado do acabamento da partilha do mundo entre as principais potencias mundiais. Entretanto, desta fraqueza resultou um enfraquecimento da teoria revolucionária considerando a análise do imperialismo[5] [46] : de fato, o movimento operário adotou as posições de Lênin, várias vezes de maneira dogmática na exceção da corrente ligada à Esquerda comunista italiana (entretanto de tradição leninista) cujos grupos como a Fração da esquerda italiana (Bilan) durante o período entre as duas guerras ou Internationalisme durante a Segunda guerra mundial, debateram da teoria de Rosa Luxemburgo que coexistia, no seio da mesma organização com outras analises (Lênin, Boukharine, Grossmann).
Quanto ao sucesso que encontram ainda hoje, nas frações da burguesia ligadas ao stalinismo e ao trotskismo, as teorias de Lênin sobre o imperialismo (geralmente deliberadamente deformadas pela acentuação de seus erros originais), ele é ligado ao fato que, quando a burguesia se apodera de grandes figuras do movimento operário é, seja para "transformá-las em ícones inofensivos", seja para explorar contra a classe operária posições erradas ou insuficientes que defenderam e sobre as quais a história já deu seu veredicto.
[1] [47] A vantagem é dupla : fornecer o contexto das passagens utilizadas na argumentação e ajudar a relativizar as diferenças que existem às vezes entre uma edição e uma outra do Capital, diferenças que não são ligadas necessariamente à língua da edição mas podem ser relacionadas a coloração política do editor.
[2] [48] O Livro IV foi compilado por Kautsky com base das notas de Marx. Exatamente do mesmo modo que fez Engels com os livros II e III. Entretanto, este apelido "Livro IV" não significa necessariamente que os documentos que ele contem tivessem sido escritos depois dos do Livro III.
[3] [49] Esta afirmação não é mais verdade considerando as relações de produção extracapitalistas no seio das quais o preço barato das mercadorias constitui um fator – mas não o único – de abertura de novos mercados pelo capitalismo.
[4] [50] Isso não significa, longe disso, que a análise da contradição relativa à queda da taxa de lucro tenha sido rejeitada por Luxemburgo.
[5] [51] Mas não é sobre este aspeto particular que seus erros foram as mais graves porque "o direito das nações a dispor de si" teve conseqüências catastróficas, já durante a onda revolucionária, quando o proletariado de nações como a Finlândia foi massacrado depois que a burguesia deste país se autodeterminou ... a escolher o campo da reação mundial contra a revolução.
Tudo foi feito para esconder as características e a força de um movimento realmente proletário:
É óbvio que o movimento contra o Contrato Primeiro Emprego (CPE) constitui-se num episódio maior da confrontação entre exploradores e explorados na França nos últimos 15 anos. Ele alcançou uma vitória por ter feito o governo e os patrões recuarem.
Esta vitória até "ultrapassou a fronteira da França" porque. Na Alemanha, o governo desistiu de adotar uma medida similar ao CPE. No mesmo sentido, o movimento já inspirou os estudantes alemães que recentemente se juntaram às centenas em manifestações de trabalhadores da limpeza pública em Hamburgo. Mais recentemente ainda, a luta dos metalúrgicos de Vigo na Espanha constituiu uma réplica ampliada da luta contra o CPE. Voltaremos a falar disso na apresentação.
Mas não devemos nos iludir. O governo, este ou um outro, assim como a classe dos exploradores, voltará a atacar assim que puder. É por conta disso que a maior vitória do movimento consiste na experiência preciosa que representou para o conjunto da classe operária. Esta permitirá às lutas futuras serem ainda mais fortes.
Para isso, é preciso tirar plenamente as lições desta experiência. É o objetivo desta apresentação e da discussão desta reunião pública.
Uma primeira questão a ser colocada é a seguinte: por que o governo recuou finalmente? Será que a paralisação das universidades e de uma parte dos liceus constituiu uma ameaça para a ordem capitalista? Não foi o caso. No plano econômico, ou mesmo no político, estes que se mobilizaram não constituem, em si mesmos, uma ameaça direta contra a classe dominante.
Na realidade, a causa principal do recuo do governo se encontra na evolução da situação durante as duas semanas que precederam este recuo:
Uma segunda questão vem depois da primeira: como é possível que um movimento que se iniciou nas universidades, e que mobilizou essencialmente a juventude universitária ou dos liceus, pudesse constituir um exemplo e até um fator de mobilização dos assalariados? De forma mais geral: em quê tal movimento, essencialmente levado por estudantes pode transmitir ensinamentos para as lutas futuras da classe operária?
Porque na realidade tratou-se de um movimento real da classe operária.
É verdade que os que estiveram mobilizados não são essencialmente assalariados. Mas, de uma maneira ou da outra, aqueles que foram à luta já fazem parte da classe operária :
Além disso, foi com plena consciência que a grande maioria do movimento se comprometeu com a procura da solidariedade do conjunto da classe operária. Ela se comprometeu também em mobilizá-la para a luta.
Também se pôde perceber no movimento a marca do altruísmo dos movimentos realmente proletários. Assim, muitos estudantes tinham consciência de não ser ameaçados pela precariedade tanto quanto os jovens sem diploma. Isso não os levou a adotar uma atitude corporativista, tendo por único objetivo seus próprios interesses. Muito pelo contrário, isso os levou a se solidarizar com a causa dos jovens dos bairros desfavorecidos, notadamente os que moram nos bairros que "queimaram" no último outono.
Outra questão importante a ser colocada
O que deu sua força ao movimento?Resposta: Sua organização e sua abertura ao conjunto
da classe operária,
sua solidariedade com o conjunto de seus setores
Isso pode ser explicado pelo meio de outras questões
As assembléias de que se dotou o movimento constituíram um lugar de vida real.
Nada a ver com as "assembléias gerais" convocadas habitualmente pelos sindicatos nas empresas!
As assembléias soberanas constituíram o verdadeiro lugar de organização do movimento, de decisão e especialmente de discussão das questões que estavam colocadas.
No começo do movimento, algumas AG (Assembléias Gerias) pareciam ainda muito com as assembléias sindicais. Mas durante as duas primeiras semanas do movimento, a tendência dominante nas assembléias gerais foi uma presença cada vez mais numerosa dos estudantes, uma participação cada vez mais ampla destes últimos. Graças a esta implicação de todos nas assembléias, os estudantes puderam controlar seu movimento. Dificultaram assim as tentativas de sabotagem e de infiltração pelos sindicatos e organizações políticas de esquerda e extrema-esquerda.
Este controle direto da luta pelos estudantes já constituiu um elemento fundamental da força do movimento. Especialmente porque impediu o trabalho clássico de sabotagem por parte dos sindicatos.
Devemos atribuir uma importância muito grande a esta questão das assembléias gerais. Com efeito, sem assembléias gerais, a luta da classe operária não pode se desenvolver. A grande dificuldade dos operários é justamente conseguir impor suas assembléias gerais soberanas diante da ação dos sindicatos que fazem tudo para impedi-las e controlá-las.
Para outros estudantes. A participação de delegações de estudantes de algumas universidades nas assembléias de outras universidades constituiu um elemento importante desta capacidade crescente de controle do movimento pelos estudantes. É claro que isso permitiu o fortalecimento do sentimento de força e de solidariedade entre as diferentes AG. Sobretudo, foi um meio para as mais "atrasadas" inspirar-se no bom exemplo das mais adiantadas.
Para o pessoal das universidades. As AG também chamaram o pessoal das universidades (professores, técnicos ou funcionários administrativos) para participar dos debates e também para se juntar na luta.
Para outros trabalhadores. Elas acolheram muito calorosa e atentamente as intervenções de trabalhadores ou aposentados.Isso permitiu que a ligação entre as gerações de combatentes se estabelecesse espontaneamente nas assembléias estudantis. Trabalhadores mais antigos foram incitados a fazer uso da palavra nas AG. Suas intervenções, relatando sua experiência da luta, foram acolhidas com muita atenção e entusiasmo pela nova geração. Às vezes, esses trabalhadores eram pais ou avós de estudantes ou de alunos dos liceus em luta, que vinham apoiar o fortalecimento e a extensão do movimento, notadamente em direção dos assalariados.
É por isso que, o fechamento das assembléias constitui, para estas organizações, um meio excelente para manter seu controle sobre os trabalhadores, em detrimento da dinâmica de luta. Este tipo de atitude sempre esteve a serviço, evidentemente, dos interesses da classe exploradora.
Ao contrário disso, a abertura das assembléias permite que os elementos mais avançados da classe operária, e especialmente as organizações revolucionárias, contribuam para a tomada de consciência dos trabalhadores em luta. Neste sentido, a abertura das assembléias constituiu uma linha de clivagem, na história dos combates da classe operária, entre as correntes que defendem uma orientação proletária e as que defendem a ordem capitalista.
Assim, é significativo que as maiores resistências para a abertura das assembléias tenham vindo do sindicato dos estudantes, a UNEF (União Nacional dos Estudantes de França, dirigida pelo Partido Socialista).
Esta capacidade de controle da luta constitui a melhor garantia da classe operária poder desenvolver seu combate. As expressões desta experiência prefiguram as assembléias das lutas massivas de amanhã (de um nível como as da Polônia em 1980), e o surgimento dos conselhos operários quando entrarmos num período revolucionário.
As reportagens na televisão foram cheias de cenas de violência. Daí vem uma outra questão.
A questão da violência constitui um dos elementos essenciais que permite sublinhar a diferença fundamental entre os tumultos nos subúrbios no outono de 2005 e o movimento dos estudantes na primavera 2006.
Na origem dos dois movimentos, há obviamente uma causa comum:
Entretanto, os tumultos dos subúrbios, porque expressaram fundamentalmente um desespero total diante desta situação, não podem ser considerados como uma forma, mesmo aproximativa, da luta de classe. Em particular, os componentes essenciais dos movimentos do proletariado – a solidariedade, a organização, o controle coletivo e consciente da luta em suas próprias mãos – não somente estiveram totalmente ausentes destes tumultos, mas também foram negados.
Uma primeira resposta à esta questão da violência foi dada pela juventude própria dos subúrbios. Virando as costas ao método do outono de 2005, ela participou em grande número do movimento contra o CPE, através de sua presença nos cortejos de alunos nas manifestações. Foi somente uma pequena minoria destes jovens que se juntou com bandos de bairros que vimos agir nas manifestações, tanto contra as forças de repressão quanto contra os próprios manifestantes.
Uma segunda resposta do movimento considerando a questão da violência foi dada diante das provocações policiais da burguesia. Globalmente, o movimento soube evitar com muita maturidade a armadilha da violência armada pela burguesia com intento de arrastar o movimento na escalada da violência cega.
Uma terceira resposta, ainda sobre a questão da violência, foi dada diante da violência dos bandos dos subúrbios contra os manifestantes. Os estudantes não optaram por organizar ações violentas contra estes jovens "arruaceiros", como fizeram os serviços de ordem sindicais com o pretexto de proteger os estudantes.
Em lugar confrontar com os jovens das periferias, os estudantes decidiram, em várias ocasiões, constituir delegações com intenção de discutir com os jovens dos bairros desfavorecidos. Tratou-se notadamente de explicar a eles que a luta dos estudantes e dos liceus estava também a favor destes jovens mergulhados no desespero do desemprego massivo e da exclusão.
Assim, foi intuitivamente, sem conhecer as experiências da história do movimento operário, que a maioria dos estudantes colocou em prática um dos ensinamentos essenciais que se destacam destas experiências: não violência no seio da classe operária.
Durante o movimento, várias vezes foram feitas referências ao Maio de 68. É importante referir-se aos acontecimentos de Maio de 68 na França, pois aqueles constituíram um evento maior da situação internacional depois da Segunda Guerra Mundial.
Como o Maio de 68, este movimento constitui uma expressão da retomada das lutas e do desenvolvimento da consciência da classe operária. Assim, a luta contra o CPE na França não é um fenômeno isolado e nem "francês".
Entretanto, estamos ainda muito longe de uma situação feita de lutas massivas em todos os lugares. Mas já dá para perceber expressões significativas de uma modificação no estado de espírito da classe operária, em favor de uma reflexão mais profunda.
Esta luta na França acontece no seio de uma simultaneidade crescente de lutas em escala internacional:
Assim, como é possível perceber, o movimento estudante tem características da retomada geral atual da luta de classe. Ele assumiu de maneira magnífica uma questão chave: a solidariedade, notadamente entre gerações, mas também entre diferentes setores da classe operária.
Por que e como este movimento participará na tomada de consciência da necessidade da revolução?
Na origem do Maio de 68, como da mobilização contra o CPE, há a crise econômica. Mas o Maio de 68 situou-se no começo da crise aberta mundial da economia capitalista. Hoje esta crise já tem quase quatro décadas, com agravantes muito fortes particularmente considerando o desemprego.
E por conta disso que não prevalecem mais fantasias grotescas como "Abaixo a sociedade de consumo!", "Nunca trabalhem!" como em 68. Também não são mais considerados como revolucionários dignos representantes da classe burguesa como Ho Chi Min, Mao e outros.
As preocupações e perspectivas deste movimento consideram a questão do futuro que o capitalismo reserva à sociedade. Preocupação que é igualmente partilhada com vários trabalhadores mais velhos que se perguntam: "qual sociedade vamos deixar para nossos filhos?"
Apesar das preocupações "revolucionárias" não estarem presentes ainda de maneira significativa no movimento, este é muito mais profundo e maduro do que o Maio de 68.
Sua natureza de classe é incontestável. Além disso, a recusa de um futuro de submissão às exigências da exploração capitalista (o desemprego, a precariedade, a arbitrariedade dos patrões, etc.) levam a uma dinâmica que, necessariamente, provocará, dentro de uma margem de participantes dos combates atuais, uma tomada de consciência da necessidade de derrubar do capitalismo.
Esta tomada de consciência se desenvolverá a partir da compreensão das condições fundamentais, das quais resultam a possibilidade e a necessidade da revolução proletária:
Em particular, é esta tomada de consciência que lhe permitirá ultrapassar as dificuldades reais que enfrentou. Dificuldades que expressam a marca inevitável de uma primeira experiência das jovens gerações da classe operária.
Não falamos ainda muito destas dificuldades, mas elas realmente existem.
Havia muitas ilusões entre os estudantes acerca do verdadeiro papel dos sindicatos. Estas ilusões foram alimentadas e reforçadas por grupos que se pretendem revolucionários, tais como a "Liga Comunista Revolucionária" ou "Luta Operária" (trotskistas). A vontade expressa pela maioria das AG, em chamar diretamente os assalariados a entrar na luta, foi desvirtuada por estes grupos. Preconizavam chamar os sindicatos para que, por sua vez, estes últimos chamassem os operários à luta.Existiram outras ilusões segundo as quais a luta de classes poderia se desenvolver no respeito das instituições burguesas, utilizando-as a serviço da luta. Também uma grande maioria dos estudantes acha, ainda hoje, que a economia mundial pode ser mais bem gerida, se for levado a efeito um combate pacifico e democrático ao "ultraliberalismo".
Para poder ultrapassar estas ilusões, os que participaram ao movimento têm a responsabilidade de animar lugares de discussão e reflexão, círculos, sobre estas questões essenciais. Na realidade isso é uma responsabilidade de todo elemento avançado da classe operária.
A formidável mobilização de 9 milhões de operários em greve, paralisando o país durante várias semanas, traduziu a retomada histórica do proletariado mundial após mais de quatro décadas de contra-revolução. Para entender realmente o que significou o Maio de 68, é necessário dar alguns elementos sobre a contra-revolução a que esta mobilização pôs fim.
A partir do fim da Primeira Guerra Mundial, o mundo capitalista foi abalado pelo movimento revolucionário da classe operária. Este movimento havia resultado na tomada do poder pelos operários na Rússia, mas havia também afetado outros países como Alemanha, Hungria, Itália, Canadá e até a China em 1927. Infelizmente, a classe operária foi derrotada nestes demais países. Por conta de ter ficado isolada, a revolução foi derrotada na própria Rússia. O regime de Stálin havia assumido o papel de carrasco da revolução, na Rússia e nos outros países nos quais os partidos "comunistas" haviam se convertido em inimigos da classe operária e em defensores da ordem capitalista.
Nestas condições a classe operária mundial não pôde evitar sofrer uma Segunda Guerra Mundial, ainda pior de que a primeira. E, ao contrário do que havia acontecido a partir de 1917, ela não teve a força de levantar-se contra a guerra para lhe pôr fim. A vitória da democracia não foi uma vitória da classe operária. Foi uma vitória de seu inimigo mais perigoso e hipócrita, a burguesia democrática que domina os países capitalistas mais avançados.
Toda a importância do Maio de 68 vem justamente da ruptura que ele constituiu com esta situação: doravante a classe operária voltou a ser um ator da arena social. O Maio de 68 abriu uma dinâmica de luta de classes que se manifestou até nos ano 80, através de numerosas e importantes lutas em vários países, especialmente a greve de massa dos operários poloneses em 1980.
Ora, esta dinâmica de luta aberta pelo Maio de 68 foi quebrada pela onda de choque constituída pelo desmoronamento do bloco do Leste, assimilado pelas campanhas da burguesia com "o fim do comunismo", "o desaparecimento da luta de classe". O movimento recente dos estudantes na França constitui uma expressão de primeiro plano da nova vitalidade do proletariado mundial que se manifesta há 3 anos e de uma capacidade aumentada da tomada de consciência.
Além disso, a retomada da luta de classe é assumida pelas gerações jovens dessa vez de novo,. Não é por acaso, pois estas não sofreram os fatores que haviam determinado os refluxos profundos da luta de classe.
Estas teses foram adotadas pela CCI no dia 4 de abril quando os estudantes ainda estavam no movimento de luta. Em particular, a grande manifestação do dia 4 de abril, que o governo esperava fosse menos vigorosa que a precedente (a de 28 de março), acabou sendo mais massiva. Notadamente, pôde se constatar nesta manifestação uma participação ainda mais ampla dos trabalhadores do setor privado. No seu discurso do dia 31 de março, o presidente Chirac havia tentado uma manobra ridícula: anunciou a promulgação da lei "Igualdade das chances" e ao mesmo tempo pediu que seu artigo 8 (que define o Contrato Primeiro Emprego, o principal motivo da cólera dos estudantes) não fosse aplicado. Em lugar de enfraquecer a mobilização, esta contorção lastimável a fortaleceu. Alem disso, o risco de um estouro espontâneo de greves no setor diretamente produtivo, assim como aconteceu em 1968, estava mais e mais presente. O governo não teve outra solução de que reconhecer a evidência de que as suas pequenas manobras não podiam quebrar o movimento; foi assim que, depois das últimas contorções, acabou retirando o CPE no dia 10 de abril. Na realidade, as teses deixavam ainda aberta a possibilidade para que o governo não recuasse. Dito isso, o epílogo da crise com um tal recuo do governo constitui uma confirmação e um reforço da idéia central das teses: a importância e a profundidade da mobilização das novas gerações da classe operária durante estes dias da primavera 2006.
Agora, depois do recuo do governo sobre o CPE, cuja revogação constituiu a bandeira central da mobilização, esta última perdeu toda a sua dinâmica. Será que isso significa que as coisas vão voltar a ser como eram antes, o que a burguesia - todas suas tendências aí incluídas - gostaria evidentemente? De jeito nenhum. Como as teses dizem: "esta classe [a burguesia] nunca conseguirá aniquilar toda experiência acumulada durante semanas por dezenas de milhares de futuros trabalhadores, seu despertar político e sua tomada de consciência. Isso constitui um verdadeiro tesouro para as lutas futuras do proletariado, um fator de primeiro plano na sua capacidade de prosseguir no caminho para a revolução comunista." Este tesouro, é importante que os atores deste combate magnífico o façam frutificar, tirando todos os ensinamentos da sua experiência, que identifiquem claramente quais foram as a forças reais e também as fraquezas da luta. E além de tudo, importa que eles destaquem a perspectiva que se apresenta à sociedade, uma perspectiva que já estava inscrita na sua luta: diante dos ataques mais e mais violentos que o capitalismo em crise mortal vai desenvolver contra a classe explorada, a única resposta possível por parte desta última é a intensificação de seu combate de resistência e assim se preparar para a derrubada deste sistema. Da mesma maneira que esta luta que termina, esta reflexão deve ser assumida de maneira coletiva, através de debates, de novas assembléias, de círculos de discussão abertos a todos - como foram as assembléias gerais - querendo associar-se nesta reflexão, e notadamente às organizações políticas que apóiam o combate da classe operaria.
Esta reflexão coletiva só poderá ser assumida se permanecer no seio dos atores da luta o estado de espírito fraternal, a unidade e a solidariedade que haviam se expressado na luta. Neste sentido, quando a grande maioria dos que participaram na luta se deram conta que esta última havia acabado na sua forma prévia, que a hora não era mais dos combates de retaguarda, das blocagens ultraminoritárias "até o fim" que, de toda maneira, estão condenadas à derrota e que arriscam provocar divisões e tensões entre os que, durantes semanas, levaram um combate de classe exemplar. (18 de abril de 2003)
1) A mobilização atual dos estudantes na França já aparece como um dos maiores episódios da luta de classe neste país nos quinze últimos anos, um episódio duma importância pelo menos comparável às lutas no outono de 1995, contra a reforma da Seguridade Social e da função pública; e na primavera de 2003, contra a reforma das pensões. Esta afirmação pode parecer paradoxal na medida em os que estão mobilizados hoje não são assalariados (com exceção da participação de assalariados nas manifestações dos dias 7 de fevereiro, 7 de março e 18 de março) mas um setor da sociedade que ainda não entrou no mundo do trabalho, o setor da juventude estudantil. Entretanto, isso não permite questionar o caráter profundamente proletário deste movimento.
E é assim porque :
A natureza proletária do movimento confirmou-se desde o início, pelo fato que a maioria das assembléias gerais tiraram da sua lista de reivindicações as que tinham um caráter exclusivamente "estudantil" (como o pedido de revogação do LMD – o sistema europeu de diplomas que foi recentemente instaurado na França e que penaliza uma parte dos estudantes deste país). Esta decisão correspondia não apenas à vontade de procurar a solidariedade do conjunto da classe operária (o termo geralmente utilizado nas assembléias gerais era "assalariados"), mas também de arrastá-la para a luta.
2) O caráter fundamentalmente proletário do movimento ilustrou-se, também, nas formas que ele adotou, notadamente a das assembléias gerais soberanas nas quais se expressava uma vida real e que não tinham nada a ver com as caricaturas de "assembléias gerais" convocadas habitualmente pelos sindicatos nas empresas. Existe, evidentemente, uma grande heterogeneidade entre as diversas Universidades sobre isso. Enquanto algumas AG (Assembléias Gerais) são ainda muito parecidas com assembléias sindicais, outras constituem o lugar de uma vida e de uma reflexão intensas, exprimindo um alto grau de comprometimento e de maturidade dos participantes. Entretanto, além desta heterogeneidade, é notável que muitas assembléias conseguiram superar os obstáculos dos primeiros dias nos quais rodavam em círculo ao redor de questões como "deve-se votar sobre o fato de votar ou não sobre tal ou qual questão?" (por exemplo a presença ou não dentro da AG de pessoas externas à Universidade, ou sobre a possibilidade dessas pessoas ter acesso à palavra), o que tinha como conseqüência a saída de um grande número de estudantes e que as últimas decisões foram tomadas pelos membros dos sindicatos de estudantes ou de organizações políticas. Durante as duas primeiras semanas do movimento, a tendência dominante nas assembléias gerais foi uma presença cada vez mais numerosa dos estudantes, uma participação destes últimos cada vez mais ampla para tomar a palavra e, ao mesmo tempo, uma redução da proporção das intervenções provenientes dos membros de sindicatos ou das organizações políticas.
O comprometimento crescente do conjunto das assembléias para encarregar-se de sua própria vida expressou-se notadamente pelo fato de que a presença de membros de sindicatos ou organizações políticas tendeu a se reduzir na tribuna (cuja responsabilidade é de organizar os debates) a favor de participantes sem nenhuma filiação ou mesmo experiência particular antes do movimento. Do mesmo modo, nas assembléias, as mais bem organizadas, podia-se assistir à renovação quotidiana das equipes (geralmente de três pessoas) que tinham a responsabilidade de organizar e animar a vida das assembléias; ao contrário das assembléias menos vivas e organizadas, onde geralmente a mesma equipe todos os dias "conduzia" os debates e, muitas vezes, esta equipe era mais numerosa que nas assembléias do primeiro tipo. Mais uma vez é importante assinalar esta tendência das assembléias de substituir este segundo modo de organização pelo primeiro. Um elemento entre os mais importantes desta evolução foi a participação de delegados de estudantes de certas universidades nas assembléias de outras universidades, o que, além do fortalecimento do sentimento de força e de solidariedade entre as diferentes AG, permitiu às mais "atrasadas" inspirar-se no bom exemplo das mas adiantadas [1] [54]. Isso também é uma característica da dinâmica das assembléias operárias nos movimentos de classe que chegaram a um certo nível de consciência e organização.
3) Uma maior expressão do caráter proletário das assembléias que tiveram lugar nas Universidades durante este período é o fato de que, rapidamente, elas se abriram para o exterior, não unicamente para os estudantes das outras universidades, mas também para que os que não são estudantes pudessem participar dos debates. De imediato, as AG chamaram o pessoal das universidades (professores, técnicos ou funcionários administrativos) para participar dos debates e também para se juntar na luta, mas fizeram ainda muito mais do que isso. Em particular, trabalhadores ou aposentados, pais ou avós de estudantes ou de alunos dos liceus (ensino médio) em luta, receberam geralmente uma acolhida muito boa e atenta por parte das assembléias quando suas intervenções eram em favor do fortalecimento e da extensão do movimento, notadamente dirigindo-se aos assalariados.
A abertura das assembléias para pessoas que não são da empresa ou do setor em questão, não apenas como observadores mas como participantes ativos, é uma característica muito importante do movimento da classe operária. É bem claro que, quando tomadas de decisão necessitam de votações, há que se tomar medidas que permitam que só votem as pessoas da unidade produtiva ou geográfica sobre a qual se baseia a assembléia, isto para evitar que os profissionais da política burguesa ou elementos a seu serviço "imponham" sua política. Para isso, um dos meios utilizados por muitas assembléias de estudantes consiste em contar as carteiras de estudantes (que são diferentes duma universidade para a outra) exibidas através de mãos levantadas. Esta questão da abertura das assembléias é uma questão crucial para a luta da classe operária. Na medida em que, em tempo "normal", quer dizer, fora dos períodos de luta intensa, os elementos que têm a audiência maior nas fileiras operárias pertencem às organizações da classe capitalista (sindicatos ou partidos políticos de "esquerda"), a interdição da participação de elementos exteriores nessas assembléias constitui um meio excelente na mão destas organizações para guardar seu controle sobre os trabalhadores, em detrimento da dinâmica de luta a serviço, evidentemente, dos interesses da burguesia. A abertura das assembléias, que permite aos elementos mais avançados da classe operária, e notadamente às organizações revolucionárias, contribuir para a tomada de consciência dos trabalhadores em luta, sempre constituiu uma linha de clivagem na história dos combates da classe operária entre as correntes que defendem uma orientação proletária e as que defendem a ordem capitalista. Os exemplos são numerosos. Entre os mais significativos se pode assinalar o do congresso dos conselhos operários que teve lugar em meados de dezembro de 1918 em Berlin, depois da insurreição dos soldados e dos operários contra a guerra, no início de novembro, que obrigou a burguesia alemã, não somente a terminar a guerra, mas também a se livrar do Kaiser para entregar o poder ao partido social-democrata. Por conta da imaturidade da consciência na classe operária e também das medidas para a eleição dos delegados, este congresso foi dominado pelos social-democratas que proibiram a participação tanto dos representantes dos soviets revolucionários da Rússia como de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, as duas figuras mais eminentes do movimento revolucionário, sob o pretexto de que não eram operários. Este congresso decidiu finalmente entregar todo seu poder ao governo dirigido pela Social-democracia, um governo que assassinou Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht um mês mais tarde. Um outro exemplo significativo, no seio da Associação internacional dos Trabalhadores (AIT – Primeira Internacional), durante seu primeiro congresso de 1886, é constituído pela tentativa por parte de alguns dirigentes franceses, como Tolain, um operário cinzelador de bronze, para impor que "só os operários possam votar no congresso", uma disposição principalmente dirigida contra Karl Marx e seus companheiros mais próximos. Marx era um dos mais ardentes defensores da Comuna de Paris de 1871 enquanto, nessa época, Tolain estava em Versailles, nas fileiras dos que organizaram o esmagamento da Comuna, com trinta mil mortos nas fileiras operárias.
Considerando o movimento atual dos estudantes, é significativo que as maiores resistências para a abertura das assembléias tenham vindo do sindicato dos estudantes, a UNEF (dirigido pelo Partido Socialista) e que essas assembléias tenham se aberto mais na medida em que diminuía a influência da UNEF no seu seio.
4) Uma das características mais importantes do episódio atual da luta de classes na França é que ele surpreendeu quase totalmente o conjunto dos setores da burguesia e de seu aparelho político (partidos de direita, de esquerda e organizações sindicais). É um dos elementos que permite entender tanto a vitalidade e a profundidade do movimento, como a situação muito delicada na qual se encontra a classe dominante neste país hoje. Assim, deve-se fazer uma distinção muito clara entre este movimento e as lutas massivas do outono de 1995 e da primavera 2003.
A mobilização dos trabalhadores de 1995 contra o "plano Juppé" de reforma da Seguridade Social, na realidade havia sido orquestrada graças a uma partilha do trabalho muito esperta entre o governo e os sindicatos. O primeiro, com a arrogância do primeiro ministro da época, Alain Juppé, havia acrescentado os ataques contra a seguridade social (dirigidas contra todos os assalariados do setor público e do setor privado) com ataques específicos contra o regime das pensões dos trabalhadores da SNCF (funcionários da empresa estatal do transporte por trem de ferro) e de outras empresas públicas de transporte. Por conta disso, os trabalhadores destas empresas haviam se constituído como ponta de lança da mobilização. Poucos dias antes de Natal, enquanto as greves já duravam algumas semanas, o governo havia recuado sobre a questão dos regimes especiais de pensão, o que havia implicado na retomada do trabalho nos setores em questão depois do chamamento dos sindicatos para parar a greve. Esta retomada do trabalho nos setores que se haviam postado na frente da mobilização significou evidentemente o fim do movimento em todos os setores. Por seu lado, quase todos os sindicatos (fora da CFDT) haviam parecido muito "combativos" conclamando pela ampliação do movimento e a organização de assembléias gerais freqüentemente. Apesar de sua amplitude , a mobilização dos trabalhadores não havia resultado numa vitória, mas fundamentalmente num fracasso, porque a principal reivindicação, a revogação do "plano Juppé" de reforma da Seguridade Social não havia sido contemplada. Entretanto, por conta da renúncia do governo sobre a questão dos regimes especiais de pensão, os sindicatos haviam conseguido mascarar esta defesa como uma "vitória", o que lhes permitiu restaurar sua "imagem operária" depois de terem sido razoavelmente desconsiderados pela sabotagem das lutas durante os anos 1980.
A mobilização de 2003 no setor público resultou da decisão de prolongar o tempo mínimo de trabalho, para se poder conseguir uma aposentadoria integral. Todos os funcionários estatais foram atingidos por esta medida, mas os que manifestaram a maior combatividade foram os professores e funcionários dos estabelecimentos escolares que, além do ataque sobre as pensões, sofreram mais um ataque sob o pretexto de descentralização administrativa. Os professores geralmente não eram prejudicados por esta última medida, mas eles se sentiam particularmente atingidos por um ataque contra colegas de trabalho e pela mobilização destes. Além disso, a decisão de aumentar em até 40 anuidades (e até mais) o número mínimo necessário de anos de trabalho, significava para os setores da classe operária que não começam a trabalhar antes de 23 ou 25 anos (por conta da duração da sua formação) que doravante eles deveriam trabalhar bem além da idade legal de 60 anos para se aposentar, isso dentro de condições cada vez mais fatigantes e desgastantes. Com um estilo diferente de Juppé em 1995, o primeiro ministro Jean-Pierre Raffarin propagou uma mensagem do mesmo tipo quando declarou que "Não é a rua que governa". Finalmente, apesar da combatividade e da tenacidade dos trabalhadores da educação (alguns fizeram até 6 semanas de greve), apesar das manifestações que ficaram entre as mais massivas desde maio de 68, o movimento não conseguiu obrigar o governo a recuar. Este último decidiu, quando a mobilização começava a se enfraquecer, conceder certas medidas para o pessoal fora do corpo docente dos estabelecimentos escolares, com o objetivo de destruir a unidade que havia se desenvolvido entre as várias categorias profissionais, para assim quebrar a dinâmica da mobilização. A inevitável retomada do trabalho pelo pessoal das escolas significou o fim do movimento que, como em 1995, não havia conseguido rechaçar o principal ataque do governo contra as pensões. Entretanto, enquanto o episódio de 1995 pôde ser apresentado pelos sindicatos como uma "vitória", o que permitiu fortalecer sua influência sobre o conjunto dos trabalhadores, o episódio de 2003 foi assimilado essencialmente como um fracasso (notadamente por uma boa parte dos professores que perderam quase seis semanas de salário) o que afetou sensivelmente a confiança dos trabalhadores nos sindicatos.
5) As grandes características dos ataques contra a classe operária em 1995 e 2003 podem ser resumidas desta maneira :
Considerando a mobilização atual, várias evidências se impõem :
6) O caráter provocativo do método do governo se revelou também na tentativa de fazer passar a lei "autoritariamente", utilizando para isso os dispositivos da Constituição que permitem a sua adoção sem votação do Parlamento, planejando que esta proposta fosse enviada ao legislativo durante o período das férias dos estudantes e dos alunos do secundário. Entretanto esta “colossal sutileza” do governo e de seu chefe, Villepin, virou contra o próprio governo. Longe de antecipar toda possibilidade de mobilização, esta manobra bastante grosseira só conseguiu aumentar ainda mais a cólera dos estudantes e dos alunos do segundo grau e radicalizar sua mobilização. Em 1995, o caráter provocativo das declarações e da atitude arrogante do primeiro ministro Juppé havia sido também um elemento da radicalização do movimento de greve. Mas, nesta época, esta atitude correspondia totalmente aos objetivos da burguesia, que havia previsto a reação dos trabalhadores e que, dentro dum contexto em que a classe operária sofria ainda plenamente os efeitos das campanhas ideológicas consecutivas ao desmoronamento dos regimes ditos "socialistas" (o que limitava necessariamente as potencialidades de luta) havia orquestrado uma campanha destinada a restaurar a "imagem operária" dos sindicatos. Hoje, pelo contrário, foi sem querer que o Primeiro Ministro conseguiu polarizar a cólera da juventude escolarizada e também da maior parte da classe operária contra sua política. No verão de 2005, Villepin havia conseguido adotar sem dificuldade o CNE (Contrato Novo Trabalho) que permite às empresas de menos de 20 funcionários demitir um funcionário durante os dois primeiros anos de trabalho, qualquer que seja sua idade, sem a necessidade de uma justificativa. No começo do inverno, ele achou que aconteceria o mesmo com o CPE que generaliza estas medidas do CNE a todas as empresas públicas ou privadas, para os funcionários de menos de 26 anos. O que aconteceu depois demonstrou que foi um grande erro de apreciação. pois como todas as mídias e forças políticas da burguesia o admitem, o governo se colocou numa posição muito delicada. Na realidade não é somente o governo que ficou muito desconcertado; o mesmo ocorreu com o conjunto dos partidos políticos burgueses (tanto de direita como de esquerda) e também os sindicatos, que culpam Villepin, cada um à sua maneira, por seu "método". O próprio Villepin reconheceu em parte seus erros quando disse que lamentava o método que havia utilizado.
Não há dúvida que houve falta de habilidade de parte do governo e especialmente de seu chefe. Este último é apresentado como um "autista"[2] [55] pela maioria das formações políticas de esquerda ou sindicais, um personagem arrogante incapaz de entender as verdadeiras aspirações do "povo". Seus "amigos" de direita (especialmente os íntimos de seu grande rival para as próximas eleições presidenciais, Nicolas Sarkozy) insistem neste aspecto que, por nunca ter sido eleito (ao contrário de Sarkozy que foi deputado e prefeito de uma cidade importante[3] [56] durante anos), ele tem dificuldade para tecer laços com a base "popular". Neste contexto, pode-se ouvir que seu gosto para a poesia e as belas-artes expressa que ele é um tipo de "diletante", de amador em política. Entretanto a crítica mais unânime que lhe é feita (inclusive por parte do patronato) é de não ter iniciado sua proposta de lei por uma consulta dos "atores sociais" ou "corpos intermediários" (segundo os termos dos sociólogos mediáticos), na realidade os sindicatos. É uma crítica que lhe é feita notadamente com muita virulência pelo sindicato mais "moderado", a CFDT, que em 1995 e em 2003 havia apoiado os ataques do governo.
Pode-se dizer, por conseguinte, que, nas circunstâncias atuais, a direita francesa se esforçou por merecer sua reputação de "direita mais estúpida do mundo". Mas é conveniente assinalar que a burguesia francesa, de uma certa maneira, expressa mais uma vez (e também paga) sua deficiência de domínio do jogo político que já a levou a acidentes eleitorais como o de 1981 ou de 2002. No primeiro caso, por conta das divisões da direita, a esquerda havia chegado ao governo na contra-tendência da orientação da burguesia dos outros grandes países avançados diante da situação social (em particular na Grã-Bretanha, na Itália ou nos Estados-Unidos). No segundo caso, a esquerda (devido também a suas divisões) esteve ausente do segundo turno da eleição presidencial que opunha Lê Pen, chefe da extrema-direita, e Chirac cuja reeleição era "carregada" de todos os votos de esquerda que haviam se dirigido para ele, em nome do “mal menor” Com efeito, eleito com estes votos da esquerda, Chirac tinha as mãos muito menos livres do que se tivesse ganho a eleição diante do campeão da esquerda, Lionel Jospin. Esta falta de legitimidade de Chirac faz parte dos ingredientes que explicam a fraqueza do governo de direita diante da classe operária e sua dificuldade para atacá-la.
Dito isso, esta fraqueza política da direita (e do aparelho político da burguesia francesa em geral) não a impediu de ter êxito em 2003 num ataque massivo contra a classe operária sobre a questão das pensões. Em particular, ela não explica a amplitude da luta atual, notadamente a muito importante mobilização de centenas de milhares de futuros jovens trabalhadores, a dinâmica do movimento, as formas de luta realmente proletárias.
7) Em 1968, a mobilização dos estudantes e depois a formidável greve dos trabalhadores (9 milhões de grevistas durante várias semanas – mais de 150 milhões de jornadas de greve), resultava também em parte por conta dos erros cometidos pelo regime de De Gaulle no fim de seu reino. A atitude provocadora das autoridades contra os estudantes (entrada da polícia dentro da Sorbonne dia 3 de maio, pela primeira vez desde centenas de anos; detenção e encarceramento de alguns estudantes que haviam se oposto à sua evacuação através da força) constituiu um fator de mobilização massiva destes últimos durante a semana do dia 3 a 10 de maio. Depois da repressão feroz da noite do dia 10 e 11 de maio e da emoção que havia provocado na opinião pública, o governo decidiu recuar sobre as duas reivindicações estudantis, a reabertura da Sorbonne e a libertação dos estudantes presos na semana precedente. Este recuo do governo e o enorme sucesso da manifestação chamada pelos sindicatos no dia 13[4] [57] de maio haviam estimulado uma série de greves espontâneas de curta duração nas grandes fábricas como Renault em Cléon e Sud-Aviation em Nantes. Uma das motivações destas greves, presente principalmente nos operários jovens era a seguinte: se a determinação dos estudantes havia conseguido fazer recuar o governo, este último seria também obrigado a recuar diante da determinação dos operários que dispõem de um meio de pressão muito mais importante, a greve. O exemplo dos operários de Nantes e de Cléon se propagou como um rastilho ultrapassando os sindicatos. Por medo de serem completamente ultrapassados, estes últimos foram obrigados a "pegar carona com o bonde andando" após dois dias e chamaram à greve que se desenvolveu, envolvendo 9 milhões de operários e paralisando a economia do país inteiro durante várias semanas. Entretanto, a partir deste momento era necessário ser míope para pensar que tal movimento só podia ter causas circunstanciais ou "nacionais". Correspondia necessariamente a uma modificação muito sensível na escala nacional da relação de força entre burguesia e proletariado em favor deste último[5] [58]. É o que se confirmou um ano mais tarde pelo "Cordobazo" do dia 29 de maio 1969 na Argentina, pelo outono quente italiano de 1969 (chamado ”Arrastão de Maio”), depois pelas grandes greves do "inverno polonês" de 1970-71 e muitos outros movimentos menos espetaculares que confirmavam que Maio de 1968 não havia sido um "relâmpago num céu azul", mas expressava plenamente a retomada histórica do proletariado mundial depois mais de quatro décadas de contra-revolução.
8) O movimento atual na França não pode inclusive ser explicado com simples considerações particulares (os "erros" do governo Villepin) ou nacionais. Na realidade, ele constitui uma confirmação resplandecente do que a CCI colocou em evidência desde 2003: uma tendência à retomada das lutas da classe operária internacional e a um desenvolvimento da consciência no seu seio:
"As mobilizações em grande escala da primavera de 2003 na França e na Áustria expressam um giro na luta de classe desde 1989. Elas constituem um primeiro passo significativo na recuperação da combatividade operária depois do período de refluxo mais longo desde 1968." (Revista internacional n° 117, Relatório sobre a luta de classe)
"Apesar de todas essas dificuldades, o período de refluxo não significou de jeito nenhum "o fim da luta de classe". Os anos 1990 foram pontuados por alguns movimentos demonstrando que o proletariado tinha ainda reservas de combatividade intactas (por exemplo em 1992 e 1997). Entretanto, nenhum destes movimentos representou uma real mudança ao nível da consciência. Disso resulta a importância dos movimentos mais recentes que, apesar de não terem o impacto espetacular como o movimento de 1968 na França, expressam no entanto um giro na relação de forças entre as classes. As lutas de 2003-2005 apresentaram as características seguintes:
Estas características que destacamos em nosso 16e congresso expressaram-se plenamente no movimento atual dos estudantes na França :
É assim que a ligação entre as gerações de combatentes se estabeleceu espontaneamente nas assembléias gerais: não somente os trabalhadores mais antigos (incluídos os aposentados) foram autorizados a fazer uso da palavra nas AG, mas também foram incitados a isso e as suas intervenções, relatando sua experiência da luta, foram acolhidas com muita atenção e entusiasmo pela nova geração.[6] [59]
Quanto à preocupação com o futuro (e não unicamente com uma situação imediata), ela está presente no próprio coração da mobilização, que inclui jovens que serão confrontados com o CPE somente daqui a alguns anos (às vezes mais de cinco anos considerando muitos alunos do segundo grau). Esta preocupação com o futuro já havia se manifestado em 2005 sobre a questão das pensões quando já muitos jovens estavam presentes nas manifestações, o que por si constitui um indicativo desta solidariedade entre gerações da classe operária. No movimento atual, a mobilização contra a precariedade, e por conseguinte contra o desemprego, coloca de maneira implícita, e explícita para um numero crescente de estudantes e de trabalhadores jovens, a questão do futuro que o capitalismo reserva à sociedade; preocupação que é igualmente partilhada com vários trabalhadores mais velhos que se perguntam : "qual sociedade vamos deixar para nossos filhos ?"
A questão da solidariedade (notadamente entre gerações, mas também entre setores diferentes da classe operária) foi uma das questões nodais do movimento:
9) Uma das características mais marcantes do movimento atual é de ser animado pelas gerações jovens. Não é por acaso. Desde alguns anos, a CCI havia colocado em evidência, no seio das gerações jovens, a existência dum processo de reflexão profunda que, apesar de não ser espetacular, expressava-se principalmente pelo surgimento do interesse por uma política comunista por parte dum número de jovens elementos muito maior de que antes (alguns destes elementos já se integraram na nossa organização). Este fenômeno é a "ponta do iceberg" dum processo de tomada de consciência abarcando setores importantes das novas gerações proletárias que, cedo ou tarde, iam se envolver dentro de vastos combates:
"A nova geração de "elementos à procura", a minoria em aproximação das posições de classe, terá um papel duma importância sem precedente nos futuros combates de classe. Ela será confrontada às implicações políticas destes combates muito mais rápida e profundamente do que nas lutas de 1968-1989. Estes elementos, que já expressam um desenvolvimento lento mas significativo da consciência em profundidade, terão uma contribuição a cumprir para participar na extensão massiva da consciência no conjunto da classe." (Revista Internacional n° 113, Resolução sobre a situação internacional do 15e congresso da CCI).
O movimento atual dos estudantes na França expressa a emergência deste processo subterrâneo que havia começado já há alguns anos. Significa que já passou o impacto maior das campanhas ideológicas orquestradas pela burguesia desde 1989 sobre "o fim do comunismo", "o desaparecimento da luta de classe" (inclusive a classe operária).
Depois da retomada histórica do proletariado mundial, a partir de 1968, constatamos que : "O proletariado atual é diferente daquele entre as duas guerras mundiais. Por um lado, da mesma maneira que os pilares da ideologia burguesa se esgotaram progressivamente, em parte as mistificações que no passado esmagaram a consciência proletária: o nacionalismo, as ilusões democráticas, o antifascismo, que foram utilizadas intensamente durante a metade de um século, já não têm o impacto do passado. Por outro lado, as novas gerações operárias não sofreram as derrotas das gerações passadas . Os proletários que hoje enfrentam a crise, não têm a experiência de seus antecessores,, mas tampouco estão imersos na desmoralização. A formidável reação, que desde 1968-69 há oposto a classe operária às primeiras manifestações da crise significa que a burguesia não está em condições para impor a única saída que é capaz de dar à crise, quer dizer, um novo holocausto mundial. Previamente, para chegar lá, teria que conseguir vencer a classe operária; a perspectiva atual não é pois a de guerra imperialista, mas é a da guerra de classes generalizada" (Manifesto da CCI, adotado em seu primeiro Congresso, em janeiro de 1976).
Durante nosso 8e Congresso, treze anos mais tarde, o relatório sobre a situação internacional havia completado esta análise da maneira seguinte:
"Era preciso que as gerações que haviam sido marcadas pela contra-revolução dos anos trinta e sessenta cedessem o lugar àquelas que não a conheceram, para que o proletariado mundial encontrasse a força de superar esta derrota. Do mesmo modo, a geração que fará a revolução não poderá ser essa que cumpriu a tarefa histórica de abrir uma nova perspectiva ao proletariado mundial depois da mais profunda contra-revolução de sua história (embora seja necessário moderar uma tal comparação porque entre a geração de 68 e as gerações que antecederam aconteceu uma ruptura histórica, enquanto houve uma continuidade entre a gerações que vieram a posteriori)"
Alguns meses mais tarde, o desmoronamento dos regimes ditos "socialistas" e o refluxo importante que este evento provocou na classe operária concretizaram esta previsão. Na realidade, embora seja duma importância menor, pode-se comparar a retomada atual da luta de classe com a retomada histórica de 1968, depois de 40 anos de contra-revolução: as gerações que sofreram a derrota e sobretudo a terrível pressão das mistificações burguesas não podiam mais animar um novo episodio de confrontação entre as classes. Por conta disso, é uma geração que estava ainda no primeiro grau no momento destas campanhas, e que não foi diretamente afetada por estas, que é a primeira hoje retomando de novo a chama da luta.
10) A comparação entre a mobilização estudantil de hoje na França e os acontecimentos de maio de 68 permite evidenciar algumas características importantes do movimento atual. A maioria dos estudantes atualmente em luta está afirmando muito claramente: "nossa luta é diferente da de Maio de 68". É muito certo, mas é preciso entender porque.
A primeira diferença, fundamental, consiste no fato que o movimento de 68 se situa no marco inicial da crise aberta da economia capitalista mundial, enquanto agora esta última já tem perto de quatro décadas (com um forte agravante a partir de 1974). A partir de 1967, podia-se perceber em alguns países, notadamente na Alemanha e na França, um aumento do número de desempregados, o que constituía uma das bases da inquietude que começava a se expressar no seio dos estudantes e do descontentamento que levou a classe operária a iniciar a luta. Dito isso, o número de desempregados na França é hoje dez vezes maior do que era em 1968 e este desemprego massivo (aproximadamente 10% da população ativa, segundo os números oficiais) já existe há várias décadas. Disso resulta ume série de diferenças.
Assim, mesmo se os primeiros efeitos da crise constituíram um dos elementos constituintes da revolta dos estudantes em 1968, não é da mesma maneira de que hoje. Naquela época, não havia uma grande ameaça de desemprego ou de precariedade no fim dos estudos. A maior inquietude que afetava a juventude estudantil era que daí em diante não havia mais a possibilidade de chegar ao um estágio social tão elevado como o da geração precedente de diplomados na universidade. Na realidade, a geração de 68 era a primeira que enfrentava com uma certa violência o fenômeno de "proletarização dos quadros", que foi amplamente estudado pelos sociólogos da época. Este fenômeno havia começado alguns anos antes da crise aberta se revelar, como conseqüência de um aumento sensível do número dos estudantes na universidade. Este aumento resultava das necessidades da economia, mas também da vontade e da possibilidade da geração de seus pais, que havia sofrido com a Segunda Guerra Mundial um período de privações consideráveis, de prover seus filhos com uma situação econômica e social superior à sua. Esta "massificação" da população estudantil havia provocado, desde alguns anos, um crescente mal-estar resultado da permanência no seio da universidade de estruturas e práticas herdadas de uma época na qual só uma elite podia freqüentá-la (notadamente um autoritarismo muito forte). Um outro fator de mal-estar no mundo estudantil, que se expressou principalmente a partir de 1964 nos Estados-Unidos, foi a guerra do Vietnam, que derrubava o mito do papel "civilizador" das grandes democracias ocidentais e que favoreceu no seio de setores significativos da juventude das universidades uma admiração para os temas terceiro-mundistas (guevaristas ou maoístas). Estes temas foram alimentados pelas teorias de "pensadores" “pseudo-revolucionários", tal como Herbert Marcuse, que haviam anunciado "a integração da classe operária" e a emergência de novas forças "revolucionárias" como as minorias oprimidas (os pretos, as mulheres, etc.), os camponeses do terceiro-mundo, até ... os estudantes. Um monte de estudantes dessa época considerava-se revolucionário, como considerava revolucionários personagens como Che Guevara, Ho Chi Min ou Mao. Por fim, uma determinação da situação nessa época foi a ruptura muito importante entre a nova geração e a de seus pais, que recebiam criticas por parte da primeira. Em particular, por ter trabalhado duro para sair da situação de miséria, até da fome, resultante da Segunda Guerra Mundial, esta geração era criticada por se preocupar só com o bem-estar material. Disso veio o sucesso das fantasias sobre a "sociedade de consumo" e de slogans como "nunca trabalhem". Filha de uma geração que havia sofrido diretamente a contra-revolução, a juventude dos anos 60 culpava esta geração pelo seu conformismo e a sua submissão às exigências do capitalismo. Reciprocamente, muitos pais não entendiam e tinham dificuldades para aceitar que seus filhos tratassem com desprezo os sacrifícios que haviam feito para provê-los com uma situação econômica melhor de que a sua.
11) O mundo de hoje é muito diferente do de 1968 e a situação da juventude estudantil atual tem pouco a ver com aquela dos anos sessenta :
12) É por isso também que, paradoxalmente, os temas radicais ou revolucionários estão muito pouco presentes nas preocupações ou discussões dos estudantes de hoje. Enquanto os estudantes de 68 haviam transformado, em vários lugares, as faculdades em foros permanentes onde se discutia a questão da revolução, dos conselhos operários, etc., a maioria das discussões que têm lugar hoje nas universidades considera questões muito mais "terra a terra" como o CPE e suas implicações, a precariedade, os meios de luta (bloqueio das universidades) assembléias gerais, coordenações, manifestações, etc.). Entretanto, a polarização sobre a revogação do CPE, que aparentemente expressa uma ambição bem menos "radical" do que a dos estudantes de 1968, não significa de jeito nenhum que o movimento atual tenha uma menor profundidade em comparação ao de 38 anos atrás. Muito pelo contrário. As preocupações "revolucionárias" dos estudantes de 1968 (na realidade a minoria daqueles que constituía a "vanguarda do movimento") foram sem dúvida sinceras, mas foram fortemente marcadas pela ideologia terceiro-mundista (guevarista ou maoísta). Quando não, era antifascista. Na melhor das hipóteses (se é que se pode falar assim), eram de tipo anarquista (na esteira de Cohn-Bendit) ou situacionista. Elas tinham uma visão romântica pequeno-burguesa da revolução, quando não eram simplesmente as emanações de apêndices “radicais” do stalinismo. Mas, quaisquer que sejam as correntes que ostentavam idéias revolucionárias, sejam de natureza burguesa ou pequeno-burguesa, nenhuma delas tinha a menor idéia do processo real de desenvolvimento da classe operária para a revolução. E ainda menos idéia do significado das greves operárias massivas como primeira expressão da saída do período de contra-revolução[7] [60]. Hoje, as preocupações "revolucionárias" não estão presentes ainda de maneira significativa no movimento, mas sua natureza de classe e o terreno de sua mobilização é incontestável: a recusa de um futuro de submissão às exigências da exploração capitalista (o desemprego, a precariedade, a arbitrariedade dos patrões, etc.) levam a uma dinâmica que, necessariamente, provocará, dentro de uma margem de participantes dos combates atuais, uma tomada de consciência da necessidade da derrubada do capitalismo. E esta tomada de consciência não será em nada baseada sobre quimeras como as que prevaleceram em 1968 e que permitiram uma "reciclagem" dos lideres do movimento no aparelho político oficial da burguesia (os ministros Bernard Kouchner e Joshka Fischer, o senador Henri Weber, o porta-voz dos "verdes" no parlamento europeu Daniel Cohn-Bendit, o patrão de imprensa Serge July, etc.), quando não levaram ao impasse trágico do terrorismo ("brigadas vermelhas" na Itália, "fração exercito vermelho" na Alemanha, "ação direta" na França). Muito pelo contrário. Esta tomada de consciência desenvolver-se-á a partir da compreensão das condições fundamentais, das quais resultam a possibilidade e a necessidade da revolução proletária: a crise econômica mundial insuperável, o impasse histórico deste sistema, a necessidade de conceber as lutas proletárias de resistência contra os ataques crescentes da burguesia como preparativos para a derrubada final do capitalismo. Em 1968, a rapidez da eclosão das preocupações "revolucionárias" era em grande parte o signo da sua superficialidade e da sua falta de consistência teórica-política correspondente à sua natureza fundamentalmente pequeno-burguesa. O processo de radicalização das lutas da classe operária, mesmo que se possa conhecer em certos momentos acelerações surpreendentes, é um fenômeno muito mais longo, justamente porque é incomparavelmente mais profundo. Como dizia Marx, "ser radical, é chegar até a raiz das coisas", e é um processo que necessariamente toma tempo e se apóia sobre a capitalização de toda uma experiência de lutas.
13) Na realidade, não é no "radicalismo" dos objetivos do movimento dos estudantes, nem nas discussões que ele provoca, que se expressa sua profundidade. Esta profundidade é dada pelas questões fundamentais que coloca implicitamente a reivindicação da revogação do CPE: o futuro de precariedade e de desemprego que o capitalismo em crise reserva às gerações jovens e que marca a falência histórica deste sistema. Mais ainda, esta profundidade se expressa pelos métodos e pela organização da luta que foram sublinhadas nos pontos 2 e 3: as assembléias gerais animadas, abertas, disciplinadas, expressando uma preocupação de reflexão e de responsabilidade coletiva na conduta da greve, a eleição de comissões, comitês, delegações responsáveis diante das AG, a vontade de extensão da luta na direção do conjunto dos setores da classe operária. Em A guerra civil na França, Marx assinala que o caráter realmente proletário da Comuna de Paris não se expressa apenas pelas medidas econômicas que adotou (a supressão do trabalho noturno dos meninos e a moratória sobre os aluguéis), mas pelos meios e o modo de organização que se deu. Esta análise de Marx se aplica totalmente à situação atual. O mais importante nas lutas que desenvolve a classe sobre seu terreno não reside tanto nos objetivos contingentes que pode se dar em tal ou tal momento, e que serão ultrapassados nas etapas ulteriores do movimento, mas na sua capacidade de assumir o controle destas lutas em suas próprias mãos e nos meios que ela se dá para este controle.Os meios e métodos de sua luta constituem as melhores garantias da dinâmica e da capacidade da classe de poder avançar no futuro. É uma das insistências maiores do livro de Rosa Luxemburgo Greve de massa, partido e sindicato, quando ela tira as lições da revolução de 1905 na Rússia. Na realidade, além do fato que o movimento atual ficou bem aquém do de 1905 do ponto de vista de seus desafios políticos, deve-se sublinhar que os meios que se deu são, de maneira embrionária, os da greve de massa, tal como se expressou notadamente em agosto de 1980 na Polônia.
14) A profundidade do movimento dos estudantes se expressa também na sua capacidade de não cair na armadilha da violência que a burguesia armou várias vezes, inclusive utilizando e manipulando os autores de "quebra-quebra": ocupação policial da Sorbonne, assaltos no fim da manifestação do dia 16 de março, violência policial no fim daquela de 18 de março, violência dos arruaceiros contra os manifestantes de 23 de março. Mesmo se uma pequena minoria de estudantes, notadamente os que influenciados pelas ideologias anarquistas, deixou-se tentar pela confrontação com as forças policiais, a grande maioria entre eles tomou a responsabilidade de não estragar o movimento com enfrentamentos repetidos com as forças de repressão. Neste sentido, o movimento atual dos estudantes provou uma maturidade bem maior de que o de 68. A violência – enfrentamentos com os CRS (Companhias Republicanas de Seguridade, que são corpos especiais de repressão) e as barricadas – haviam constituído, entre os dias 3 e 10 de maio de 1968, um componente do movimento que, por conseqüência da repressão da noite do 10 a 11, e das tergiversações do governo, abriu as portas da imensa greve da classe operária. Dito isso, em seguida, as barricadas e as violências passaram a ser um elemento da retomada do controle da situação pelas várias forças da burguesia, o governo e os sindicatos, principalmente através da perda muito grande da simpatia que os estudantes tinham angariado num primeiro momento no conjunto da população e notadamente na classe operária. Assim, passou a ser fácil, por parte dos partidos de esquerda e dos sindicatos, colocar no mesmo plano os que falavam da necessidade da revolução e os que queimavam carros e não deixavam de enfrentar os CRS. Tanto mais que, efetivamente, várias vezes foram os mesmos. Para os estudantes que se achavam "revolucionários", o movimento de Maio 68 já era a revolução, e as barricadas que se ergueram dia após dia foram apresentadas como as herdeiras das de 1848 e da Comuna. Hoje, mesmo quando se colocam a questão das perspectivas gerais do movimento, e portanto da necessidade da revolução, os estudantes estão bem conscientes que não são os enfrentamentos com a forças da polícia que fazem a força do movimento. Na realidade, mesmo se ainda está longe de ser colocada a questão da revolução, e por conseguinte de pensar no problema da violência de classe na sua luta para o derrubamento do capitalismo, o movimento foi confrontado implicitamente com este problema e soube lhe dar uma resposta no sentido da luta e do ser do proletariado. Este último foi confrontado desde o começo com a violência extrema da classe exploradora, a repressão quando tentava defender seus interesses, a guerra imperialista, mas também a violência quotidiana da exploração. Ao contrário das classes exploradoras, a classe portadora do comunismo não carrega com ela a violência, e mesmo se não pode se poupar de sua utilização, não está nunca identificando com ela. Em particular, a violência que deverá empregar o proletariado para derrubar o capitalismo, e que deverá utilizar com determinação, é necessariamente uma violência consciente e organizada que deve ser precedida por todo um processo de desenvolvimento de sua consciência e de sua organização, através de várias lutas contra a exploração. A mobilização atual dos estudantes, notadamente pelo fato de sua capacidade de se organizar e apreender de maneira refletida os problemas que se colocam na sua frente, notadamente o da violência, situa-se por conta, disso muito mais perto da revolução, da derrubada violenta da ordem burguesa do que as barricadas de Maio de 1968.
15) É justamente a questão da violência que constitui um dos elementos essenciais que permite sublinhar a diferença fundamental entre os tumultos nos subúrbios no outono de 2005 e o movimento dos estudantes na primavera 2006. Na origem dos dois movimentos há uma causa comum: a crise insuperável do modo de produção capitalista, o futuro de desemprego e precariedade que este sistema reserva para os filhos da classe operária. Entretanto, os tumultos dos subúrbios, porque expressaram fundamentalmente um desespero total diante desta situação, não podem ser considerados como uma forma, mesmo aproximativa, da luta de classe. Em particular, os componentes essenciais dos movimentos do proletariado, a solidariedade, a organização, o controle coletivo e consciente da luta em suas próprias mãos, estiveram totalmente ausentes destes tumultos. Nenhuma solidariedade dos jovens desesperados para com os proprietários dos caros que queimaram, que também são proletários vítimas do desemprego e da precariedade. Muito pouca consciência por parte destes arruaceiros, muitas vezes muito jovens, cuja violência expressou-se cegamente, várias vezes sob a forma de jogo. Quanto à organização e à ação coletivas, tomaram a forma de bandos de bairros dirigidos por um pequeno chefe (sua autoridade provindo várias vezes do fato que ser o mais violento do bando), bandos em concorrência entre eles para ganhar o concurso do maior número de carros queimados. Na realidade, o processo dos jovens arruaceiros de outubro / novembro de 2005 não somente os expõe à manipulação policial, mas expressa até que ponto os efeitos da decomposição capitalista podem constituir um obstáculo para o desenvolvimento da luta e da consciência do proletariado.
16) Durante o movimento atual, foi dito repetidamente que bandos de "indivíduos vagabundos" se aproveitaram das manifestações para chegar no centro das cidades e praticar seu esporte favorito "quebrar vitrinas e derrubar policiais", isso dando uma grande satisfação às mídias estrangeiras que já se haviam distinguindo no fim de 2005 por suas imagens chocantes de primeira página nos jornais impressos e na televisão. É óbvio que as imagens das violências que, durante todo um período, foram as únicas apresentadas aos proletários fora da França, constituíram um excelente meio para reforçar o silêncio sobre o que estava realmente acontecendo neste país e privar a classe operária mundial dos elementos que podiam participar a sua tomada de consciência. Mas não é unicamente diante do proletariado dos outros países que foram exploradas as imagens da violência dos bandos de "indivíduos vagabundos". Na França, foram utilizadas num primeiro momento para tentar apresentar a luta dos estudantes como uma espécie de "remake" das violências do último outono. Não funcionou: ninguém acreditou numa tal fábula e é por conta disso que o Ministro do Interior, Sarkosy, mudou rapidamente de estratégia declarando que havia uma diferença clara entre os estudantes e os "malvados". A partir daí, a realidade das violências foi exagerada para tentar dissuadir máximo de trabalhadores, e mesmo de estudantes, de participar nas manifestações, notadamente a do dia 18 de março. A participação excepcional nesta manifestação provou que esta manobra não funcionou. Finalmente, em 23 de março, foi com a bênção da forças policiais que os "arruaceiros" assaltaram os manifestantes para roubá-los ou muito simplesmente para espancá-los sem motivo. Muitos estudantes ficaram desmoralizados por estas violências: "Quando são os CRS que nos matraqueiam, isso dá força, mas quando são os meninos dos subúrbios, isso dá um golpe no moral". Entretanto, mais uma vez, os estudantes deram a prova de sua maturidade e de sua consciência. Em lugar de tentar organizar ações violentas contra estes jovens "arruaceiros", como fizeram os serviços de ordem sindicais que, durante a manifestação de 28 de março, dirigiram-nos na direção das forças policias armadas com cassetetes, os estudantes decidiram em vários lugares constituir delegações com mandato de discutir com os jovens dos bairros desfavorecidos, notadamente para explicar que a luta dos estudantes e dos alunos está também a favor destes jovens mergulhados no desespero do desemprego massivo e da exclusão. É intuitivamente, sem conhecer as experiências da história do movimento operário, que a maioria dos estudantes colocou em prática um dos ensinamentos essenciais que se destacam destas experiências: não violência no seio da classe operária. Diante de setores do proletariado que podem se deixar arrastar por ações contrárias ao interesse geral da classe, a persuasão e a chamada da consciência constituem o meio essencial da ação, uma vez que estes setores não são meros apêndices do estado burguês (como os grupos de comandos de fura-greves).
17) Uma causa da grande maturidade do movimento atual, notadamente diante da questão da violência, reside na participação muito expressiva das estudantes em geral e dos liceus em particular na mobilização. Sabe-se que nesta idade, as moças geralmente têm mais maturidade de que seus camaradas masculinos. Além disso, considerando a questão da violência é óbvio que as mulheres se deixam arrastar menos facilmente para este terreno do que os homens. Em 1968, as estudantes também participaram no movimento, mas quando a barricada tornou-se o seu símbolo, foi-lhes atribuído várias vezes um papel secundário ao dos "heróis" munidos de capacete que se pavoneavam no cimo de um monte de pedras; em enfermeiras para os feridos e em fornecedoras de sanduíches para alimentá-los entre os enfrentamentos com os CRS. Nada disso ocorreu no movimento de hoje. Nos "bloqueios" às portas das universidades, as estudantes eram numerosas e sua atitude é importante para a função que o movimento atribuiu até agora a estes piquetes: não a confrontação contra os que querem assistir às aulas, mas para a explicação, os argumentos e a persuasão. Nas assembléias gerais e várias comissões, mesmo se geralmente as estudantes "falam menos alto" e são menos comprometidas nas organizações políticas que os estudantes, elas constituem um elemento essencial na organização, na disciplina e na eficácia e também de reflexão coletiva. A história das lutas do proletariado colocou em evidência que a profundidade de um movimento podia ser avaliada, em parte, pela proporção de operárias que participavam dele. Em "tempo normal" as mulheres proletárias, pelo fato de sofrerem uma opressão ainda mais sufocante do que os homens proletários, são geralmente menos comprometidas do que eles nos conflitos sociais. É somente quando os conflitos chegam a uma grande profundidade que as camadas mais oprimidas do proletariado, notadamente as operárias, lançam-se no combate e na reflexão de classe. A participação muito importante das estudantes e liceus no movimento atual, o papel de primeiro plano que elas jogam nele, constituem um indicativo suplementar não somente de sua natureza autenticamente proletária como também de sua profundidade.
18) Como o vimos, o movimento atual dos estudantes na França constitui uma expressão de primeira importância da nova vitalidade do proletariado mundial há 3 anos, uma nova vitalidade e uma capacidade acrescentada da tomada de consciência. A burguesia fará evidentemente tudo que ela puder para limitar ao máximo o impacto deste movimento para o futuro. Se ela tiver a possibilidade, recusará ceder na suas reivindicações principais para manter na classe operária da França o sentimento de impotência que haviam conseguido impor em 2003. De toda maneira, ela fará tudo que estiver a seu alcance para que a classe operária não tire as lições preciosas deste movimento, notadamente provocando um estrago na luta (que constitui um fator de desmoralização) ou uma recuperação pelos sindicatos e partidos de esquerda. Entretanto, quaisquer que sejam as manobras da burguesia, esta classe nunca conseguirá aniquilar toda a experiência acumulada durante semanas por dezenas de milhares de futuros trabalhadores, seu despertar para a política e sua tomada de consciência. Isso constitui um verdadeiro tesouro para as lutas futuras do proletariado, um fator de primeiro plano na sua capacidade de prosseguir no caminho para a revolução comunista. É responsabilidade dos revolucionários participar plenamente, tanto na capitalização da experiência presente quanto na utilização desta experiência nos combates futuros.
CCI (3 de abril 2004)
[1] [61] A fim de permitir dar a maior potência e unidade possíveis à luta, os estudantes sentiram a necessidade de constituir uma "coordenação nacional" de delegados de todas as assembléias. Em si, esta maneira de proceder é absolutamente correta. Entretanto, na medida em que uma grande proporção dos delegados são membros de organizações políticas burguesas (como a "Liga Comunista Revolucionária", trotskista) que estão presentes no movimento estudantil, as reuniões semanais da coordenação foram várias vezes o teatro de manobras astutas por parte destas organizações que tentaram, sem êxito até agora, constituir um "comitê da coordenação" que teria sido um instrumento de sua política. Assim como já o assinalamos várias vezes nos artigos da nossa imprensa (notadamente durante as greves na Itália de 1987 e durante a greve dos hospitais na França de 1988), a centralização, que é uma necessidade para uma luta ampla, só pode realmente contribuir no desenvolvimento do movimento se é baseada num alto grau de auto-organização e caso exista uma grande vigilância na base, nas assembléias gerais.
[2] [62] Autismo é um transtorno que afeta a comunicação, e o convívio social. Ouviu-se na televisão um "especialista" da psicologia dos homens políticos declarar que fazia parte da categoria dos "obstinados narcisistas".
[3] [63] Deve-se precisar que se trata da cidade de Neuilly-sur-Seine, o exemplo mais simbólico das cidades com uma população burguesa. Não é certamente com seus eleitores que Sarkozy aprendeu a "falar ao povo".
[4] [64] Era uma data simbólica porque marcava o décimo aniversário do golpe de estado do dia 13 de maio 1958 que resultou na volta de De Gaulle no poder. Um dos maiores slogans da manifestação era "Dez anos, basta".
[5] [65] Assim, em janeiro de 1968, nossa publicação Internacionalismo na Venezuela (a única publicação de nossa corrente que existia nessa época) havia anunciado a abertura de uma nova época de confrontações de classe em escala internacional: "Não somos profetas e não pretendemos adivinhar quando e como os eventos futuros vão acontecer. Mas do que temos certeza e somos conscientes, considerando o processo atual do capitalismo, é que não é possível pará-lo com reformas, desvalorização nem com outro tipo de medida econômica capitalista e que ele desembocará diretamente na crise. E também temos certeza que o processo inverso de desenvolvimento da combatividade de classe vai levar a classe operária a uma luta ensangüentada e reta em direção da destruição do estado burguês."
[6] [66] Estamos longe aqui da atitude de muitos estudantes de 1968 que consideravam os mais velhos como "velhos estúpidos" (enquanto estes últimos os chamavam de "pequenos estúpidos").
[7] [67] Vale a pena assinalar que esta cegueira sobre o verdadeiro significado de maio de 68 não prejudicou somente as correntes provenientes do stalinismo ou do trotskismo para os quais, obviamente, não tinha acontecido uma contra-revolução, mas uma progressão da "revolução" com o surgimento de toda uma série de Estados "socialistas" ou "operários deformados", depois da Segunda Guerra Mundial, bem como com as "lutas de independência nacional" que começaram na mesma época e se prolongaram durante várias décadas. Na realidade, a maior parte das correntes e elementos da esquerda comunista, e notadamente a esquerda italiana, não entenderam o que aconteceu em 1968 porque, ainda hoje, tanto as "bordiguistas" como a “battaglia comunista” pensam que a contra-revolução ainda não acabou.
As novas gerações, universitários e estudantes de institutos, estão sendo
atacadas em massa pelo Governo Chirac/Villepin/Sarkozy que quer impor pela
força e com violência o Contrato Primeiro Emprego (CPE) para generalizar de
forma brutal a eventualidade no trabalho. Os estudantes que protestaram sem
violência nas manifestações de 7 e 14 de Março não estão lutando só
por eles mesmos. Estão se manifestando em massa para lutar pelo futuro de TODA
a sociedade, de todas as gerações, dos operários desempregados e dos operários
com empregos precários, tentando dar uma perspectiva de luta aos jovens dos
bairros mais pobres numa tentativa de ajudar-lhes a superar o desespero que
lhes empurrou, em Novembro passado, a desenvolver uma violência cega e sem
perspectiva. Lutam contra a decomposição do tecido social, contra a
concorrência de todos contra todos, contra a criminosa idéia de "cada um
que ganhe sua vida"!.
A única resposta que receberam foi a repressão do Estado policial do Ministro do Interior Sr.Sarkozy!. A "ordem republicana" que o Estado preserva é na realidade a "desordem" de uma sociedade que condena ao desemprego, à precariedade e ao desespero a um número cada vez maior de jovens que vêem cada vez mais impossível poder ter uma vida em condições. É, igualmente, a "ordem" da intimidação e do cassetete! Com a ajuda inestimável da provocação dos bandos de extrema direita e da ingenuidade de alguns pequenos grupos de inconscientes pretendem fazer-nos crer que se pode debilitar ao Estado "bombardeando" aos Corpos Especiais de Segurança Republicanos (CRS) com latas vazias ou cercas metálicas para assim, justificar o incremento da repressão sobre os estudantes em luta. Uma "ordem" que encontra um aliado, fiel e potente, na manipulação, no silêncio ou na falsificação organizada pelos meios de "comunicação", em especial a televisão. Uma "ordem" que apóia os sindicatos que não aceitam denunciar as mentiras e a manipulação dos telejornais, apesar de suas declarações oficiais de "solidariedade" com os jovens e que, se negam a convocar assembléias gerais em massa nos centros de trabalho para dizer a verdade do que está ocorrendo aos trabalhadores. Bloqueando e falsificando a informação, os sindicatos impedem que os trabalhadores possam contribuir imediatamente com sua solidariedade ativa e de luta contra os ataques, impedem que os operários possam expressar sua solidariedade ativa contra a repressão dos filhos da classe operária!.
Contra as armadilhas e a sabotagem da extensão da solidariedade a todos os setores da classe operária, nós, trabalhadores e militantes da classe operária internacional, chamamos a todos os trabalhadores a mobilizar-se imediatamente para defender o futuro de nossos filhos ameaçados pela miséria e, a lutar contra a barbárie e as mentiras do Governo e de todos os seus cúmplices!
A solidariedade e a coragem que estão mostrando os estudantes em luta são exemplares. A liberdade de expressão e a cultura de debate que se viram nas assembléias gerais de estudantes, as decisões e moções adotadas à mão erguida depois de intensos debates com o objetivo de aprofundar e organizar o movimento, junto com a eleição de delegados responsáveis ante as assembléias, foram uma demonstração do que é a verdadeira "democracia", isto é, tomar a cargo de forma direta e responsável o desenvolvimento da luta ! Isto nada tem que ver com o que nos oferece a classe dominante: ficarmos isolados em nosso rincão para votar com intervalos regulares numa dissimulação que nos "permita" eleger a seus "especialistas", os políticos, para que defendam no Parlamento ou outras instituições seus privilégios contra os interesses de todos os explorados. A mobilização e as assembléias dos estudantes nos mostram o caminho da luta! Se nós trabalhadores ficamos passivos, deixamo-nos intimidar, paralisar ou intoxicar pelos meios de "comunicação" às ordens do Governo e todos seus cúmplices, estaremos deixando as mãos livres à classe dirigente para golpear ainda bem mais forte aos filhos da classe operária!.
A "ordem democrática" imposta por uma minoria que dirige a sociedade, a classe burguesa, é na realidade a desordem social e o desencadeante do caos num país situado no coração da Europa "civilizada". É a ameaça do afundamento da moral e da civilização humana que a classe dirigente, e totalmente irresponsável, está ocupada em sacrificar no altar de seus miseráveis privilégios nos quais a única "lógica" que impera é a do lucro capitalista.
Os estudantes mais conscientes e decididos não ocuparam as faculdades ou institutos para dedicar-se a "enfrentar a polícia" ou aos "fascistas"! O senhor Robien (diretor da Sorbonne) mente! Não foram os estudantes os que destruíram seus utensílios de trabalho (os livros), nem também saquearam o "monumento histórico" da Sorbonne já que sabem melhor do que ninguém que pertence ao patrimônio cultural da humanidade.
Os estudantes não são nem vândalos, nem
terroristas! A televisão e todos os meios de comunicação mentem!
Denunciamos a duplicidade e a falsidade de todos esses profissionais do engano
e da mentira, dos cúmplices do Governo Chirac/Villepin/Sarkozy! São todos eles
os que tomaram como refém com suas mentiras a palavra dos estudantes!
Denunciamos a hipocrisia de todos aqueles que nos apresentam o CPE como uma "medida social" para os jovens e, em particular, para os dos bairros mais pobres. Depois da repressão e do cassetete, agora tentam utilizar a cenoura para tentar opor aos jovens mais desfavorecidos os universitários e estudantes de institutos em luta!
Denunciamos os apelos para ir "à caça dos estudantes" lançados por políticos e meios de "comunicação" argumentando falazmente que estamos ante uma luta de vândalos "excitados", ou de irresponsáveis "manipulados por perigosos extremistas".
Chamamos a todos os trabalhadores, operários, precarizados, desempregados, aposentados a se somar imediatamente ao movimento de protesto geral contra esta "ordem" que nos explora, lança-nos ao desemprego e à miséria crescentes e, reprime cada vez mais aos trabalhadores, especialmente aos mais jovens, mas também a seus maiores.
Chamamos a levantar a voz, a participar em massa e em calma na manifestação do Sábado, 18 de Março contra o trabalho precário e o desemprego, contra a repressão, contra as limitações ao direito de greve. O direito de greve e a liberdade de expressão são aquisições da luta da classe operária desde o século 19 que devemos defender.
Nós, trabalhadores e militantes da corrente da Esquerda Comunista ( que lutou contra os matadouros das duas Guerras Mundiais), chamamos os trabalhadores de todos os países a expressar sua solidariedade com os filhos da classe explorada vítimas da brutalidade do Governo francês e de todos seus cúmplices!
Não à falsificação da verdade!,Não à liquidação das aquisições das lutas da classe operária!, Não à repressão contra os estudantes e os filhos dos trabalhadores!.
Solidariedade e unidade de todos os assalariados com os universitários, estudantes de institutos, desempregados e trabalhadores precários selvagemente atacados pelo Governo de Villepin, Chirac e Sarkozy!.
Os trabalhadores militantes ou simpatizantes
das seções da Corrente Comunista Internacional (Alemanha, Bélgica, Espanha,
Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Itália, Holanda, México, Suécia,
Suíça, Venezuela) chamam a todos os operários e assalariados da república
"francesa" a manifestar-se unidos, sem violência mas com
determinação, no sábado 18 de Março, por detrás de uma única palavra
de ordem: retirada do CPE, contra a precariedade e as demissões, contra a
escalada da violência cega e a repressão provocada por Sarkozy e seus amigos!
Igualmente chamamos aos jovens dos bairros mais pobres a confiar em seus
camaradas de luta, universitários e estudantes. Os estudantes mais conscientes
sabem do que a "raiva" cega não leva a nenhuma parte. Os estudantes
não lutam para "vingar" as revoltas nos bairros, lutam para oferecer
e conseguir uma perspectiva de futuro, contra a exclusão do sistema escolar e
do mundo do trabalho.
Corrente Comunista Internacional ( 16 Março 2006 )
Recebemos a seguinte declaração de solidariedade com os jovens e operários em luta contra o CPE –que reproduzimos a seguir- por parte de um Grupo de Discussão Comunista de Bengala (Índia).
Esta declaração testemunha que o significado das lutas contra o CPE ultrapassa de longe os limites das fronteiras francesas. Esta luta não é um movimento nacional mas uma parte da recuperação internacional das lutas operárias contra –como diz o texto- "o apodrecimento do capitalismo".
Nós, participantes de um Grupo de Discussão em Bengala (Índia) tomamos conhecimento dos acontecimentos na França a partir dos documentos publicados em vosso Sitio Web em inglês.Consideramos que o movimento na França é um momento significativo da luta da classe operária, sobretudo nesta fase em que os ataques capitalistas tomam um caráter cada vez mais generalizado que chamam a uma resposta da classe operária cada vez mais generalizada. Esperamos com impaciência seu desenvolvimento sobre um terreno inteiramente proletário. Pensamos que é nosso dever, enquanto parte do movimento operário internacional, enviar nossa solidariedade ao movimento. Esta carta deve ser considerada como uma declaração de solidariedade, por parte dos membros do Grupo de Discussão, a todos os camaradas que lutam contra o CPE e contra o apodrecimento do capitalismo em geral. Seremos muito felizes se puderem dar a conhecer esta declaração de solidariedade aos camaradas em luta.
Enviado por ccionline 12 de Abril de 2006 - 1:23amNos últimos tempos o Estado e os patrões têm acelerado os ataques à classe trabalhadora no Brasil. Vários ramos de trabalhadores são atingidos pelo desemprego, pelo arrocho salarial, pela retirada de conquistas, sofrem enfim a ofensiva de um sistema que, para sobreviver, busca a exploração da mão-de-obra até o seu limite.
Depois da demissão em massa dos trabalhadores da Varig, a “bola da vez” são os operários da indústria automobilística, que estão sofrendo com as demissões não apenas no Brasil, mas em todo o planeta. Contribui decisivamente para ceifar empregos os sindicatos de trabalhadores, essas entidades que se tornaram despudoradamente defensores do Estado e correias de transmissão de suas políticas.
Nos últimos tempos o Estado e os patrões têm acelerado os ataques à classe trabalhadora no Brasil. Vários ramos de trabalhadores são atingidos pelo desemprego, pelo arrocho salarial, pela retirada de conquistas, sofrem enfim a ofensiva de um sistema que, para sobreviver, busca a exploração da mão-de-obra até o seu limite.
Depois da demissão em massa dos trabalhadores da Varig, a “bola da vez” são os operários da indústria automobilística, que estão sofrendo com as demissões não apenas no Brasil, mas em todo o planeta. Contribui decisivamente para ceifar empregos os sindicatos de trabalhadores, essas entidades que se tornaram despudoradamente defensores do Estado e correias de transmissão de suas políticas.
Foi o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que, junto com a Volkswagen, costurou o desemprego de 3600 operários até o ano de 2008. Nas assembléias o clima era o de amedrontamento, com a direção do sindicato propagando o terror, a ameaça de que se os trabalhadores não aceitassem os termos de demissão voluntária da empresa, as demissões viriam de qualquer jeito, o que seria pior. Na assembléia que definiu o acordo, sindicalistas eram vaiados, chamados de “vendidos” e acusados de terem “rifado os trabalhadores”.
O acordo para manter a empresa visava, segundo nota do presidente da Volksvagen no Brasil, permitir que a companhia “entre em uma nova fase, em que a retomada de sua rentabilidade por meio de operações mais competitivas se torne uma realidade”. É ou não a mão do sindicalismo ajudando a tornar a empresa mais rentável e competitiva, à custa do desemprego de milhares de operários? Mas isso não foi tudo, pois os operários que ficarem terão o desconto do salário para pagamento de plano de saúde aumentado de 1% para 2%, também com a conivência e colaboração do sindicato do ABC.
A General Motors planeja cortar 30 mil empregos e fechar 12 fábricas até o ano de 2008 nos Estados Unidos e no Canadá. Essa mesma companhia, no Brasil, nem fala em aumento este ano porque alega que pertence ao SINFAVEA, que teria negociado com a CUT no ano passado para que não houvesse campanha salarial em 2006. Pode?
A FORD, no mês de setembro, anunciou a demissão de 14 mil trabalhadores nos Estados Unidos, e não mais 4 mil como anunciara anteriormente. Alega que precisa reduzir seus custos operacionais e divulgou também um acordo com o UAW, principal sindicato da indústria automobilística nos EUA, visando cortar os empregos.
Os bancários no Brasil, categoria que já chegou a contabilizar quase um milhão de trabalhadores nos anos 80, não passam hoje de 400 mil. A greve agora vivenciada pelos bancários tem sido sistematicamente abafada pelo Comando Nacional. Apesar disso, em vários estados, os bancários de base têm conseguido atropelar as orientações do Comando e de seus sindicatos e levado os trabalhadores para o caminho da luta.
A política burguesa dos tempos de Lula é ainda mais esfomeada que em outros tempos. Todos esses ataques acontecem e o que fazem e o que propõem os chamados “partidos de trabalhadores”, os partidos ditos “comunistas”? Além de se encastelarem nos seus apodrecidos aparelhos sindicais, que cheiram a conciliação e gangsterismo, sinalizam para os seus “liderados” com o caminho do voto, como se esse mudasse a realidade de trabalhador no Brasil ou em qualquer lugar do mundo.
Mais um motivo para o boicote das campanhas salariais pelo país é que a camarilha sindical não queria e não quer ocupar sua força-tarefa com interesses de segunda mão, como salários, direitos e empregos da classe trabalhadora. Querem sim, eleger seus candidatos para as eleições majoritárias e as proporcionais. Querem ocupar a direção das empresas estatais, para ajudar essas no seu processo de exploração, demissão e mais penúria salarial. Ou não é isso que tem feito os dirigentes dos partidos de “esquerda” para justificar seus cargos?
A ilusão do voto não deve povoar a cabeça de trabalhadores conscientes. Nenhuma transformação séria ou significativa foi ou pode ser realizada pela viciada via eleitoral, uma arma mistificadora nas mãos da burguesia. A única perspectiva que temos para fazer frente a esses ataques é o desenvolvimento da luta de classes, o exercício da solidariedade ativa dos trabalhadores de diferentes setores, diferentes idades, diferentes locais, empregados ou desempregados. Temos que lutar contra o isolamento dessas campanhas segmentadas e chamar os trabalhadores para se unirem em torno de seus propósitos.
Devemos também perceber que esse ataque a operários e trabalhadores não é algo fortuito, mas um ataque orquestrado pelo Estado, pelos patrões, pelo governo e sindicatos. E tudo isso é produto do aprofundamento da crise capitalista, produto da degradação de um sistema que se mete em contradições mais e mais insolúveis e que, por isso, coloca-nos como perspectiva a precarização, o desemprego e a miséria. Daí porque a única saída é a solidariedade e a luta dos trabalhadores.
Há muito que estamos dizendo que o sistema capitalista está em crise. Dizemos também que esta é uma crise aberta iniciada há mais de 30 anos e até agora não solucionada. As contradições avolumam-se no interior do Modo de Produção Capitalista a cada dia que passa.
Tudo isso acontece porque o sistema tem dado sérios sinais de decadência, tais como: já não consegue auferir os lucros a que se acostumou e de que necessita para se reproduzir; já não consegue incorporar um crescente número de trabalhadores, fonte de apropriação de sobretrabalho; já não consegue aumentar significativamente, com um dado número de trabalhadores, a produtividade destes sobre o trabalho; devido à concorrência entre os capitais e o processo de autofagia entre estes, promove demissões em escala mundial e, à medida que demite trabalhadores, constrange ainda mais a possibilidade de realização das mercadorias produzidas, uma vez que reduz mercado.
Quando a crise se instala, a queda da rentabilidade da classe dominante impõe aos patrões a necessidade de exploração da mão-de-obra até o limite do seu esgotamento. Por outro lado, a impossibilidade de incorporação de novos trabalhadores obriga a sociedade a sustentar uma quantidade cada vez maior de inativos, responsabilidade esta jogada sobre as costas dos próprios trabalhadores. Não é por acaso que se fala tanto em “Reforma na Previdência”, “Universitária” e “Trabalhista” e tantas outras reformas do mundo do capital. O que é certo é que todas elas vêm no sentido da regressão social dos trabalhadores. A sustentação de programas populistas como o “Bolsa Família”, capitalizada pelo governo dito “dos trabalhadores” é pago com o salário e impostos do trabalhador ainda empregado, com o seu dinheiro, com o arrocho salarial que sofremos, com a extensão da jornada de trabalho, com as horas não pagas a todos nós.
Oposição Operária
Corrente Comunista Internacional
Publicamos recentemente em nossa página na web um artigo acerca da intervenção do GCI (Grupo Comunista Internacionalista) na luta dos estudantes na França. O GCI é um grupo que muitos consideram parte da tradição da Esquerda Comunista, porém como colocávamos em evidência no nosso artigo, trata-se de uma fraude total. Sob sua bandeira aparentemente radical, o panfleto do GCI reivindicava métodos de luta que se assemelham ao sindicalismo, ao tempo em que expressava um total desprezo pelos esforços dos jovens proletários na França para se encarregarem da sua organização, à margem dos sindicatos, chamando a "Romper o demo-cretinismo das AG (assembléias gerais, NdR) "soberanas massivas cuspamos nos "delegados eleitos e revocáveis em permanência".
Do mesmo modo, diante da extensão dos massacres imperialistas por todo o mundo, o GCI, que se intitula de inimigo de qualquer nacionalismo, escarra desta vez sobre o internacionalismo proletário.
Já demonstramos isso em outro artigo, "Para que serve o CGC?", na Revista Internacional nº124. Ali assinalávamos que para o GCI, que há tempos está fascinado pelos métodos do terrorismo e da luta de guerrilhas, a maioria das ações armadas da "Resistência" no Iraque são de fato expressões da luta proletária. Citamos em particular essa passagem:
De fato, segundo o GCI, o nível da luta de classes e da consciência de classe no Iraque é tao alto, que o objetivo principal da invasão do Iraque era reprimir o movimento da classe. A invasão teria sido principalmente uma "intervenção policial" desencadeada pelo que chamam " "O Estado mundial" contra uma fração particularmente combativa do proletariado, e no caos e na carnificina que gerou após a ocupação, o GCI continua vendo um movimento de classe, tão avançado, que havia chegado ao terreno da luta armada.
Parece que esta delirante distorção do autêntico pesadelo que vive o Iraque tem produzido algumas reações inclusive dos simpatizantes do GCI. No nº53 da sua revista Comunismo, em espanhol, dão o passo, até agora sem precedentes, de publicar um debate entre o GCI e os seus simpatizantes: "Discussão internacional acerca da luta do proletariado no Iraque". O artigo começa com uma carta que expressa sérias reservas sobre a reivindicação do GCI da luta armada e os atentados no Iraque como expressões de luta proletária:
Acompanha um extenso texto –não está claro se da mesma origem ou outra, embora se trate aparentemente do trabalho de um grupo– que expressa igualmente dúvidas sobre algumas das afirmações do GCI sobre o avançado nível da luta de classes no Iraque. O texto questiona os argumentos do GCI que defendem que a onda de saques que se estendeu por todo o país durante a invasão foi um movimento proletário, assinalando, por exemplo, que não só se saquearam os estabelecimentos do governo e os palácios de Saddan, como também muitos hospitais que ficaram desabastecidos de provisões vitais. Também cita uma lista de outras ações que estão mais claramente em um terreno de classe, como as manifestações de desempregados ou as que reivindicavam o pagamento atrasado. Embora pareça concordar com o GCI que "as ações armadas estão bastante arraigadas entre a classe operária no Iraque", afirma, entretanto que é um tremendo erro cair na homogeneização que os meios burgueses aplaudem alegremente:
Diante dessa crítica, o GCI não volta atrás; pelo contrário, expõe seu horrível amálgama ainda mais vergonhosamente. Por exemplo, diante das reservas a respeito do atentado ao quartel general da ONU, descrito como expressão do combate proletário, responde:
De fato, muito provavelmente, o atentado foi obra do grupo de Al Zarquawi, dele que muitas ações tem sido condenadas por grande número de organizações da "resistência". Em todo caso, o GCI está mais disposto a aplaudir este tipo de ataques ao "Estado mundial", mesmo quando os proletários que os levam a efeito estejam "enganados por forças burguesas" - ou seja, quando são obras do Al Quaeda ou outros bandos terroristas. De fato, o GCI justifica seu deleite ao contemplar a derrubada das Torres Gêmeas com o mesmo argumento:
Assim, embora os revolucionários em todo o mundo denunciassem o massacre de 11 de Setembro como um ato de guerra imperialista (que provavelmente o Estado americano "deixou acontecer" para justificar seus planos de guerra); embora expressemos nossa solidariedade com os milhares de proletários imolados por esse crime de bárbaro, o GCI só podia sentir uma "gande simpatia" pelas ações de Bin Laden e Al Quaeda, estranhamente definidos como "centristas" (termo que tradicionalmente define uma fração confusa ou indecisa do movimento político proletário), e que em qualquer caso estariam acometendo um ato – a destruição de centros de repressão e do comércio mundial – "no interesse" do proletariado.
"Considerar que um atentado é correto, ou como dizem vocês aplaudi-lo, porque se golpeia o estado burgês internacional, não implica, para nós, apoiar a organização que o realiza". A lógica é tipicamente trotskista. Igual a que os trotskistas empregam para apoiar proto-Estados nacionalistas como a OLP, Hezbollah, O Exercito de Libertação de Kosovo, o GCI tem empregado antes para justificar o seu apoio às ações do Sendero Luminoso no Peru, o Bloco Revolucionário Popular em El Salvador.
E realmente para o GCI, para quem o significado da ação proletária é o trabalho de grupos violentos minoritários e clandestinos, não cabe nenhuma distinção entre os métodos do proletariado e os do terrorismo burguês. Não é de estranhar que os simpatizantes críticos do GCI estejam confusos. Estão querendo ver que atos de sabotagem, que atentados contra as forças de coalizão, são cometidos por islamitas reacionários ou forças obscuras estatais, e quais são levados a efeito por "grupos de proletários associados". Porém do que não se dão conta é que as "iniciativas" armadas minoritárias, sem conexão com a luta de classe por suas próprias reivindicações e mediante suas próprias formas de organização, só podem ser recuperadas pela burguesia para voltarem contra os interesses da classe operária; inclusive quando inicialmente haviam sido obra de grupos que atuam mais ou menos espontaneamente.
Junto ao amálgama do GCI entre a violência de classe e o terrorismo, seu apoio a Resitência no Iraque se fundamenta em uma atroz distorção do internacionalismo proletário. A resposta do GCI a seus críticos, é salpicada de citações do anarquista mexicano Ricardo Flores Magón. Magón foi certamente um militante do proletariado no começo do século XX, que foi assassinado pelo Estado norte-americano em 1921. Porém algumas citações de Magón que põe o GCI sobre a Iª Guerra mundial, mostra uma grande confusão que o separa dos internacionalistas mais claros da sua época. Assim se recolhe o que disse Magón em 1914:
Para deixar claro que o GCI está de acordo com esta terrível passagem, na sua resposta repetem: "Ricardo Flores Magón não tinha papas na língua para alegrar-se dos milhares de militares que arrebentavam na frente da guerra imperialista de 14 a 19...porque sabia que morriam como forças do estado mundial do capital, porque quem arrebentava não eram companheiros e sim nossos inimigos, quer dizer os submissos soldados que aceitavam morrer e matar na frente de batalha como agente das suas "próprias" burguesias"
A atitude de revolucionários como Lênin ou Rosa Luxemburg nunca foi a de tratar os soldados enviados à frente como estúpidos escravos, inimigos do proletariado. Ao contrário, Luxemburg se refere a eles como a flor do proletariado europeu, arrancada nos campos de batalha. Esses proletários, ainda quando caíram "no campo da desonra, do fratricídio, da autodestruição" (Folheto de Junius), continuavam sendo nossos irmãos de classe, e sobre essa base os revolucionários chamaram a confraternização nas trincheiras, aos motins, e a transformar a "guerra imperialista em guerra civil". Os revolucionários denunciaram a carnificina em ambos os bandos; não se deleitavam com o convencimento de que levaria a revolução. Ao contrário, quanto mais dura a carnificina, maior seria o sinal de que a classe operária não seria de fazer a revolução socialista e seria arrastada pela barbárie.
O GCI toma essa atitude em relação aos soldados de "nosso" campo como modelo para sua versão de "derrotismo revolucionário" - que se parece com duas gotas d’água a atitude dos trotskistas, para quem o "derrotismo" se aplica invariavelmente só a um dos campos da guerra imperialista. Embora argumentem que Magón não cometeu na guerra imperialista de 1914 o erro de contar como aliado do exército oposto, isto está mais que implícito na atitude do GCI, quando diz: "Nossa posição é o derrotismo revolucionário, por isso todo golpe que acelere a derrota do nosso estado, que está hoje mesmo reprimindo no Iraque, é bem vindo, embora muitas vezes esse golpe seja dado por proletários enquadrados por forças burguesas.". Esta é a lógica clássica do antiimperialismo: apoiamos tudo que debilita nossa própria potência imperialista. Porém não se toma em conta que, neste terreno, o debilitamento de uma potência imperialista significa o fortalecimento da contrária. Assim, o GCI se faz cúmplice direto da guerra imperialista no Iraque.
O GCI tem enganado muitos elementos a procura de posições políticas, particularmente os que estão influenciados pelo anarquismo, com suas frases ultra-radicais e sua exaltação da violência. Da nossa parte faz tempos que afirmamos que o GCI é uma clara expressão do parasitismo político (ver "Tesis sobre el parasitismo" na Revista Internacional nº94), um grupo cuja verdadeira razão de ser é jogar um papel destrutivo a respeito das autênticas organizações revolucionárias – no caso do GCI, chega ao extremo de chamar ataques violentos inclusive assassinatos contra nossos militantes. A posição do GCI sobre o movimento das lutas na França e na guerra do Iraque, deveria levar aos elementos influenciados pelas suas posições a refletir sobre a verdadeira natureza desse grupo. Para nós não cabe dúvida de que, cada vez mais claras, está fazendo o trabalho da burguesia, seja ou não manipulado por forças do Estado.
Na França, o proletariado dá um passo adiante na organização da sua luta em assembléias e aí chega um grupo "internacionalista" e "comunista", a dizer-lhe que abandone as assembléias, lançar cuspe sobre o princípio dos delegados eleitos e revogáveis e a chamar ações típicas do comando sindicalista. Que outra atitude senão esta poderia estar mais bem calculada para bloquear a união das minorias comunistas e o movimento de massas?
No Iraque, esse grupo "internacionalista" e "comunista" canta os louvores dos tiroteios sem fim, os atentados y os atos de sabotagem, que longe de expressar o movimento de classe do proletariado são uma manifestação da guerra imperialista em uma fase de crescente caos e decomposição; são obra de gagsters que, cada vez mais, se orientam, não a combater as forças de ocupação, e sim a massacres sectários indiscriminados. E o que é mais, ao fazer essa repulsiva amálgama, o GCI estabelece uma clara relação, nos registros das forças de segurança do Estado, entre os que se apresentam como comunistas internacionalistas e os que se identificam com o terrorismo internacional. Que melhor desculpa para levar a cabo a vigilância, investigações ou outros ataques repressivos contra os grupos revolucionários?
Se acrescentarmos a isso os exemplos de ameaças violentas do GCI contra as organizações proletárias, deveria estar mais do que suficientemente claro que esse grupo, quaisquer que sejam os seus motivos, é um perigo real para o movimento revolucionário. Os que querem discutir as posições políticas da classe operária e o internacionalismo proletário terão de romper toda a relação com esse grupo o mais depressa possível.[1] [69] Arde é um grupo da Espanha, próximo do GCI (ver na nossa página da web: ap/2005/180_Arde.html). A passagem continua criticando a CCI de fazer "meras transcrições da imprensa burguesa" e falar só de Sunitas e Xiitas no Iraque; porém não de classe. Isto é completamente falso. Temos falado da situação do proletariado no Iraque e temos escrito sobre alguns dos seus esforços para lutar; porém temos reconhecido que enfrenta terríveis dificuldades em afirmar seus interesses de classe e que realmente corre o perigo de ser mobilizado para uma "guerra civil" burguesa.
Juntamente com correntes burguesas estabelecidas (como os partidos tradicionais de direita) ou "gestores" da sociedade burguesa com linguagem "proletária" (tais como os partidos de esquerdas "social-democratas" e também comunistas"), a ordem capitalista pode apoiar-se também sobre organizações de extrema esquerda que não vacilam em ostentar uma "perspectiva revolucionária". Assim são as variantes da corrente trotskista cuja linguagem "radical" não tem outro objetivo do que trazer para o terreno burguês (seja através das eleições ou do sindicalismo) os elementos mais combativos do proletariado que conseguem compreender o papel anti-proletário desses partidos de esquerda. Igualmente, juntos com os argumentos da burguesia "oficial" para justificar a participação na guerra imperialista ("guerra contra o terrorismo", guerra para "a defesa dos direitos do homem", para o "respeito do direito internacional"), estão os argumentos que defendem os grupos trotskistas com o mesmo objetivo: alistar aos proletários em um ou outro dos campos imperialistas ou levar para o beco sem saída do pacifismo aclassista que os paralisa frente às manobras guerreiras da classe dominante. No seio dessas organizações, certos elementos começam a entrever o papel obstaculizador que elas vão desempenhando frente ao desenvolvimento das lutas do proletariado e a sua tomada de consciência. Entretanto, muitos desses elementos são incapazes de entender que não é reivindicando-se de um "verdadeiro trotskismo" que poderão juntar-se ao campo do proletariado. É assim porque a corrente trotskista, como um todo, passou para o campo burguês durante a Segunda Guerra mundial ao participar nela em nome da "luta contra o fascismo" ou da "defesa da URSS" apresentada como "Estado operário".
Desde então, o conjunto das variantes da corrente trotskista tem chamado regularmente aos proletários a alistar-se (seja de forma "incondicional" ou "crítica") nas fileiras de tal ou qual campo nas guerras imperialistas, principalmente em nome do apoio das "lutas de libertação nacional" contra o "imperialismo", que é apresentado como uma aplicação das posições dos bolcheviques e de Lênin sobre a questão nacional. Assim foi notadamente quando da guerra do Vietnam nos anos 1960-1970 e durante o conflito do Oriente Próximo. Mas recentemente, a guerra no Iraque, tem sido uma oportunidade a mais para a maior parte dos grupos trotskistas de demonstrar seu caráter burguês, chamando a apoiar a "resistência" contra a intervenção norte-americana nesse país. O Texto que segue se baseia sobre um documento polêmico redigido contra um grupo em ruptura, em nome do "verdadeiro trotskismo" e da "tradição leninista", com uma organização trotskista na França1 [70]. Nesse texto, evidenciamos, apoiando-nos em várias citações do próprio Lênin, que as posições defendidas hoje em dia pelo trotskismo (seja "verdadeiro" ou "falso") não têm nada a ver com as de Lênin: Os erros que pôde cometer Lênin sobre a questão nacional, não o impediram de defender uma posição internacionalista intransigente durante a Primeira Guerra Mundial. E além do mais, sentenciou mais adiante todos os "argumentos" dos trotskistas atuais que tentam apoiar-se em suas posições errôneas para fazer contrabandear suas mercadorias burguesas. E se Lênin pôde antecipar o que o que diriam um dia os trotskistas, é simplesmente porque os argumentos que utilizam são do mesmo tipo que os social-patriotas da Primeira Guerra Mundial, o seja aqueles setores da social-democracia "socialistas em palavras e patrioteiros em seus atos" que tanto ajudaram a burguesia alistando o proletariado na matança mundial.
A história do século XX demonstrou com clareza que o critério primordial que define a identidade de classe de uma verdadeira organização que se reivindica do proletariado é o internacionalismo. Não foi por casualidade se foram as mesmas correntes que haviam pronunciado claramente contra a guerra imperialista em 1914 e que haviam impulsionado as conferências de Zimmerwald e Khiental (os bolcheviques e os espartaquistas, sobretudo) as que voltamos a encontrar depois à frente da revolução, enquanto as correntes social-chauvinistas e incluídas centristas (Ebert-Scheidemann, ou os mencheviques) constituíram a linha avançada da contra-revolução. Não é tão pouco casual se a consigna "Proletários de todos os países! Uni-vos!" a que conclui não só o Manifesto comunista de 1848, senão também ao chamamento inaugural da AIT em 1864.
Hoje, quando as guerras não param de fazer estragos por todas as partes do planeta, a defesa do internacionalismo continua sendo o critério decisivo de pertencimento de uma organização ao campo da classe proletária. Diante dessas guerras, a única atitude em conformidade com os interesses de nossa classe é a de rechaçar toda participação em um ou outro dos campos antagônicos, denunciar todas as forças burguesas que chamam aos proletários seja sob qual pretexto, a que entreguem as suas vidas a um ou outro campo capitalista, apontar como fizeram os bolcheviques em 1914, á única perspectiva: a da luta de classes intransigente pela derrubada do capitalismo.
Adotar qualquer outra atitude, em particular que leve aos proletários que se alistem em um ou outro campo militar antagônico, significa transformar-se em recrutadores da guerra capitalista, em cúmplices da burguesia e, portanto, em traidor. E do mesmo modo que Lênin e os bolcheviques consideraram os social-democratas, quem em nome da luta contra o "militarismo prussiano" uns, e contra a "pressão tzarista" outros, chamaram os proletários a matarem-se mutuamente em 1914. É precisamente essa política nacionalista denunciada por Lênin a que adota o trotskismo em geral frente à guerra no Iraque, apesar de todas as boas intenções que podem ostentar certas de seus correntes.
A consigna de apoio "incondicional a resistência armada do povo iraquiano diante do invasor", é chamar os proletários do Iraque a converter-se em bucha de canhão a serviço dos setores da sua burguesia nacional que concebem hoje a defesa de seus interesses imperialistas fora e contra da aliança com os Estados Unidos (embora outros setores burgueses considerem preferível aliar-se aos Estados Unidos, na defesa de seus interesses). Cabe destacar que os setores dominantes da burguesia iraquiana (que durante décadas estiveram em apoio a Saddam Hussein) puderam ser, segundo as circunstâncias, os melhores aliados dos Estados Unidos, (especialmente na guerra contra o Iran durante os anos 1980) ou pertencer ao "eixo do mal" que supostamente desejaria acabar com a potência estadunidense.
Para justificar sua política de apoio a um dos setores da burguesia iraquiana, correntes no seio do trotskismo invocam a posição defendida por Lênin durante a Primeira Guerra Mundial quando em O socialismo e a guerra, escrevia, por exemplo, "...se amanhã Marrocos declara a guerra à França, Índia à Inglaterra, Pérsia ou China à Rússia, etc.(...) todo socialista desejaria a vitória dos estados oprimidos, dependentes, amputados em seus direitos, sobre as `grandes` potências opressoras, escravistas, espoliadoras" (Cap.I, Os princípios do socialismo e a guerra de 1914-1915)
O que esquecem constantemente, entretanto (quando não o ocultam deliberadamente) é precisamente que um dos eixos essenciais desse texto fundamental de Lênin (como, em outras partes dos demais textos escritos nessa época) é o de denunciar ferozmente os pretextos utilizados pelas correntes social-chauvinistas para justificar seu apoio à guerra imperialista, pretextos esses baseados na "independência nacional" de tal ou qual país ou nacionalidade.
Assim Lênin afirma por um lado que: "Na realidade, a burguesia alemã empreendeu uma guerra de rapina contra a Sérvia para submeter y subjugar a revolução nacional dos Eslavos do Sul...." (A guerra e a social-democracia russa). Escreve também que: "O elemento nacional na guerra atual só está representado pela guerra da Sérvia contra Áustria (...) Só na Sérvia e entre os sérvios existe um movimento de liberação nacional velho já desde muitos anos, que aglutina milhões de indivíduos entre as "massas populares" e cuja "prolongação" é a guerra da Sérvia contra Áustria. Se esta guerra estivesse isolada, o seja, se não estivesse vinculada à guerra européia em geral, as pretensões egoístas e espoliadoras da Inglaterra, da Rússia e demais, todos os socialistas estariam obrigados a desejar a vitória da burguesia sérvia - isto é a única conclusão justa e totalmente necessária que possa extrair-se do fator nacional na guerra atual". E, não obstante, prossegue: "A dialética de Marx, que é a expressão mais acabada do método evolucionista científico, exclui precisamente o exame isolado, ou seja, unilateral e deformado, do objeto estudado. O fator nacional na guerra Sérvio-austríaca não tem nem pode ter a menor importância séria na guerra européia geral. Se vencer Alemanha, esta tragará a Bélgica, uma parte da Polônia outra vez, quem sabe uma parte da França, etc. Se a Rússia for vitoriosa tragará a Galícia , parte da Polônia outra vez, Armênia etc. Se a partida acaba "na mesa" permanecerá a antiga opressão nacional. Para a Sérvia, ou seja, para mais ou para menos uma centésima parte dos beligerantes na guerra atual, esta é a "continuação da política" do movimento de libertação nacional burguês. Para 99%, a guerra é a continuação da política da burguesia imperialista, quer dizer, algo caduco, capaz de corromper as nações, e nem muito menos redimi-las. A Entente, ao "liberar" a Sérvia, vende os interesses da liberdade Sérvia ao imperialismo italiano em troca do seu apoio ao saque da Áustria. Tudo isso, de notoriedade pública, tem sido deformado sem escrúpulos por Kautsky para justificar aos oportunistas" (Falência da II Internacional, Cap.6 – tradução nossa).
Recordemos a propósito da Sérvia de 1914 que o partido socialista desse país (e por isso foi saudado por todos os internacionalistas de ontem) se negou por completo e denunciou a "resistência do povo sérvio contra o invasor austríaco" e isso que este estava naquele momento bombardeando a população civil de Belgrado.
Voltando para a atualidade, "é de notoriedade pública" (e podemos acrescentar que os que não o reconhecem não fazem nada além do que "deformar sem escrúpulos a realidade") que a guerra levada a cabo pelos Estados Unidos e Inglaterra contra o Iraque em 2003 (igualmente a guerra desencadeada em agosto de 1914 pela Áustria e Alemanha contra a "pequena Sérvia") tem repercussões imperialistas que superam em muito ao Iraque. Concretamente, frente aos países da "coalizão", tem um grupo de países como França e Alemanha cujos interesses são antagônicos daqueles. Por isso, esses dois países fizeram tudo para impedir a intervenção norte-americana no Iraque e, desde então negaram a enviar qualquer tipo de tropas ao Iraque. E o fato de votarem na ONU em 2004 a favor de uma resolução apresentada pelos Estados Unidos e Inglaterra, não significa outra coisa que os acordos diplomáticos, com as discórdias, não são senão outros momentos da guerra disfarçada que travam as grandes potências.
Por maiores que sejam o número de declarações de amizade que façam, tão alardeadas, sobretudo por ocasião do aniversário do desembarque de junho de 1944, o imperialismo francês tira vantagens diante das dificuldades que possam encontrar os Estados Unidos, no Iraque. Em resumo, no que desemboca o apoio a "resistência do povo iraquiano" é fazer o jogo da burguesia dos países cujos interesses são antagônicos ao dos Estados Unidos . Aqui já se torna impossível a um trotskista francês ou alemão invocar Lênin para justificar essa política, pois ele conclamava para "....combater em primeiro lugar o chauvinismo de "sua própria" burguesia" (A situação e as tarefas da internacional socialista, 1/11/1914 - Tradução nossa)
Qualquer um que deseje seguir o exemplo de Lênin na defesa do internacionalismo tem de aceitar a evidência e deixar de contar estórias de fadas: o apoio a "resistência do povo iraquiano contra o invasor" é pura e simplesmente uma traição ao internacionalismo e é, portanto, uma política chauvinista antiproletária. Foi contra semelhante política, que Lênin escreveu: "Os social-chauvinistas fazem sua a mistificação do povo por parte da burguesia, segundo a qual a guerra seria feita pela defesa da liberdade e da existência de nações, colocando-se assim ao lado da burguesia contra o proletariado" (O socialismo e a guerra, cap.1 - tradução nossa)
Isso dito, o apoio à "resistência do povo iraquiano", seja aos setores antiamericanos da burguesia iraquiana, não é só uma traição ao internacionalismo proletário desde o enfoque do que representa o Iraque nos antagonismos entre grandes potências imperialistas. Ou seja, que não só é uma traição ao internacionalismo a respeito aos proletários dessas potências. O é também para com os proletários iraquianos a que se quer vender gato por lebre, chamando-lhes a deixar-se matar em defesa dos interesses imperialistas da sua burguesia. Tem que deixar de contar novelas: o Estado iraquiano é imperialista. Na realidade, no mundo atual, todos os Estados são imperialistas, desde o mais poderoso até o menor deles. Assim a "pequena Sérvia", cuja história lhe havia transformado em uma das presas favoritas dos apetites imperialistas de potências maiores como a Alemanha ou Rússia (passando pela França) tinha se comportado, durante os anos 90, em Estado imperialista modelo, a base de matanças e "limpezas étnicas" para construir a "Grande Sérvia" a expensas de outras nacionalidades da antiga Iugoslávia. Tudo isso está claro, em um contexto dominado pelo antagonismo entre as diferentes potências que defendiam seja a Croácia (Alemanha e Áustria), seja a Bósnia (Estados Unidos) ou seja Sérvia (França e Inglaterra).
O Estado Iraquiano não é uma exceção na realidade do mundo atual. Nem muito menos. É pelo contrário, uma ilustração das mais significativas.
Com efeito, desde a sua independência da esfera britânica, depois da Segunda Guerra Mundial, o estado Iraquiano, pelo lugar que ocupa e pelos seus recursos petrolíferos, não tem deixado nunca de ser um ponto central nas rivalidades entre as grandes potências. "Cliente" durante certo tempo da URSS, se voltou para a aliança ocidental (particularmente com uma aproximação espetacular com Alemanha e, sobretudo com a França) durante os anos 70 quando a influência soviética retrocedeu no Oriente Médio. Entre 1980 e 1988, em uma das guerras mais longas e mortíferas (1.200.000 mortos) desde 1945, o Iraque foi a frente avançada da ofensiva dos países ocidentais contra o Iran de Komeini, o qual havia chamado a guerra santa contra o "Grande Satã" norte-americano. As potências ocidentais, especialmente os Estados Unidos, deram apoio irrestrito ao Iraque, a partir do verão de 1987, sobretudo, mandando ao Golfo Pérsico uma importante frota que enfrentou cotidianamente as forças do Iran, obrigando este país a aceitar cessar as hostilidades durante o verão de 1988, enquanto, antes disso havia infligido pungentes derrotas ao Iraque.
Está claro que não foi por amor aos Estados Unidos, que Saddam Hussein mandou centenas de milhares de proletários e campesinos uniformizados deixar-se matar na frente iraniana a partir de 1980 (e que de passagem exterminou com utilização de gás 5.000 civis curdos em um só dia, em 16 de março de 1988 em Halabia). Na realidade a burguesia iraquiana tinha seus próprios objetivos na guerra ao lançar-se no conflito. Além do mais de submeter pelo terror a população curda e xiita, queria apoderar-se do Chat Al Arab (estuário dos rios Eufrates e Tigre) que o Iran controlava. Ademais, a guerra devia permitir ao Iraque e Saddam Hussein ocupar a liderança do mundo árabe. Em resumo, uma guerra plenamente imperialista.
A guerra de 1990/91 foi, por sua parte, da mesma índole. Temos colocado constantemente em evidência e temos denunciado amplamente os objetivos imperialistas dos Estados Unidos e seus aliados de então na operação "Tempestade no deserto". Porém o acontecimento que serviu de pretexto para a cruzada contra o Iraque foi a invasão do Kuwait por esse país durante em julho de 1990. Evidentemente, não se trata para os marxistas de entrar em considerações de saber quem era o "agressor" e quem era o "agredido", nem passar a defender o xeique Yaber e a sua conta bancária ou suas reservas petrolíferas. Isso dito, a operação militar de agosto de 1990 do Iraque contra Kuwait foi a de um bandido imperialista contra outro bandido imperialista (empregando a terminologia que tanto gostava Lênin). Embora fossem bandidos não muda em nada a natureza profunda da sua política nem da que deve ter o proletariado a respeito deste tipo de conflitos.
Um último comentário a respeito da natureza imperialista dos Estados do mundo atual.
Um dos argumentos apresentados constantemente para apoiar a idéia de um Estado como o Iraque que não seria imperialista, é que não exporta capitais. Este argumento pretende estar em conformidade com a análise desenvolvida por Lênin em sua obra O imperialismo, fase suprior do capitalismo, que insiste muito especialmente a esse respeito de política imperialista. Na realidade, a exploração que fazem os epígonos dessa visão unilateral do imperialismo para justificar suas traições ao internacionalismo é do mesmo tipo que fazem os estalinistas de uma frase (totalmente isolada de seu contexto por demais) de um artigo de Lênin escrito durante a Primeira Guerra mundial.
"A desigualdade do desenvolvimento econômico e político é uma lei absoluta do capitalismo. Daqui se deduz que é possível que o socialismo seja vitorioso primeiramente em uns quantos países capitalistas e inclusive um só país capitalista. O proletariado triunfante desse país depois de expropriar os capitalistas e organizar a produção socialista dentro de suas fronteiras, se enfrentaria com o resto do mundo, com o mundo capitalista atraindo para o seu lado as classes oprimidas dos demais países, levantando com eles a insurreição contra os capitalistas, empregando, caso necessário, inclusive a força das armas contra as classes exploradoras e seus estados" (A propósito da consigna dos Estados Unidos de Europa. Obras escolhidas I - tradução nossa).
Para os estalinistas (que em geral "se esquecem" de la última frase desta mesma citação), "Foi este o maior descobrimento da época e passou a ser o princípio diretor de toda atividade do Partido Comunista, de toda sua luta pela vitória da revolução socialista e da edificação do socialismo em nosso país. A doutrina de Lênin acerca da possibilidade da vitória do socialismo em um só país ofereceu ao proletariado uma clara perspectiva de luta, liberou a energia e a iniciativa dos proletários de cada país para o embate contra sua burguesia nacional y dotou o partido e a classe operária de uma segurança, cientificamente fundamentada, na vitória." (Instituto de marxismo-leninismo del C.C. del P.C.U.S;, Prefacio das obras escogidas de Lênin, Moscú, 1961 - tradução nossa)
O Método não é novo. Sempre foi empregado pelos falsificadores do marxismo, e pelos renegados. Os social-democratas alemães se apoiaram em tal ou qual fórmula errônea ou ambígua do marxismo para justificar sua política reformista e sua traição ao socialismo. Em especial abusaram sem cessar da citação de Engels retirada de seu prefácio de 1895 do folheto de Marx, A luta de classes na França:
"Como Marx previu, a guerra de 1870-1871 e a derrota da Comuna desprezaram no momento, da França para Alemanha, o centro de gravidade do movimento operário europeu. Na França, naturalmente, necessitava anos para recomporse da sangria de maio de 1871. Em troca, na Alemanha, onde a indústria – impulsionada como uma planta de estufa pelos milhares e milhões pagos pela França – se desenvolvia cada vez mais rapidamente, a social-democracia crescia mais depressa e com mais persistência. Graças a inteligência com que os operários alemães souberam utilizar o sufrágio universal, implantando em 1866, o crescimento assombroso do partido aparece em cifras indiscutíveis aos olhos do mundo inteiro, (...) Porém com este eficaz emprego do sufrágio universal entrava em ação um método de luta do proletariado totalmente novo, método de luta que se seguiu desenvolvendo rapidamente. Se viu que as instituições estatais nas quais se organizava a dominação da burguesia ofereciam novas possibilidades à classe operária para lutar contra essas mesmas instituições. E se tomou parte nas eleições às dietas provinciais, nos organismos municipais, e os tribunais de artesãos, se disputou a burguesia cada posto, e na distribuição das funções, uma parte suficiente do proletariado mesclava com sua voz. E assim se deu o caso de que a burguesia e o Governo chegassem a temer muito mais a atuação legal que a atuação ilegal do partido operário, mas os êxitos eleitorais que os êxitos insurreicionais" (tradução nossa).
E foi esta utilização de uma citação errônea de Engels, que Rosa Luxemburgo denunciou na tribuna do Congresso de fundação do Partido Comunista Alemão:
"Engels não viveu o tempo suficiente para ver os resultados, as conseqüências políticas do uso que se fez de seu prefácio, da sua teoria. Porém estou segura de uma coisa: quando se conhece as obras de Marx e de Engels, quando se conhece o espírito revolucionário vivo, autêntico, inalterado que emana de todos os seus escritos, de todos seus ensinamentos, estou convencida de que Engels teria sido o primeiro a protestar contra os excessos resultantes do parlamentarismo puro e simples; o movimento operário na Alemanha cedeu a corrupção e a degradação muito antes do 4 de agosto, pois o 4 de agosto não caiu dos céus, não foi uma viragem inesperada, senão a continuação lógica das experiências que havíamos feito anteriormente, dia após dia, ano após ano. Engels e inclusive Marx – se tivessem vivido haveriam de ser os primeiros a erguer-se violentamente contra isso, para deter, freiar brutalmente o veículo no sentido de impedir que se metessem no lamaçal. Porém Engels faleceu no mesmo ano em que escreveu o prefácio" (Rosa Luxemburgo, "Nosso programa e a situação política", Relatório para o congresso de fundação do P.C.A. - tradução nossa).
Voltando a idéia de que a única manifestação de uma política imperialista seria a exportação de capitais, temos que precisar que essa idéia não está no livro de Lênin, O imperialismo fase superior do capitalismo. Muito pelo contrário, já que escreve: "Aos numerosos "antigos" móbiles da política colonial, o capital financeiro (que é segundo Lênin o motor principal do imperialismo) tem acrescentado a luta pelos recursos em matérias primas, pela exportação de capitais por "zonas de influência" - quer dizer pelas zonas de transações vantajosas, de concessões, de obtenções de monopólio, etc., - e por fim, pelo território econômico em geral" (O imperialismo, fase suprema do capitalismo, cap. X. – tradução nossa)
Na realidade, esta deformação unilateral da análise do imperialismo de Lênin tinha um objetivo da mesma ordem que a interpretação feita pelos estalinistas da curta passagem citada acima, sobre a "edificação do socialismo em um só país": tentar fazer acreditar que o sistema que se instaurou na URSS depois da revolução de outubro de 1917, uma vez fracassada a onda revolucionária mundial que a seguiu, não tinha nada de capitalista nem imperialista. Como a URSS não possuía os meios financeiros de exportar capital (já que ocupava uma posição ridícula comparada com a a das potências ocidentais), a política que levava a cabo não podia ser imperialista, segundo tal concepção. E isso incluiu quando essa política consistia na conquista territorial, na ampliação das suas "zonas de influência", no saque das matérias primas e de recursos agrícolas, e até a desmontagem pura e simples das instalações dos paises ocupados. Na realidade, a política da URSS foi muito parecida a da Alemanha naziista na Europa ocupada (de onde houve muito pouco capital exportado e sim muitos saques, pura e simplesmente). Evidentemente, tal análise do imperialismo era o “pão bendito" para a propaganda estalinista contra quem denunciava as ações imperialistas do Estado soviético. Porém cabe recordar que os estalinistas não eram os únicos a rechaçar qualquer idéia que a URSS fosse capitalista ou imperialista. Em sua mentirosa montagem receberam o idefectível apoio do movimento trotskista com a análise desenvolvida por Trotsky que apresentava a URSS como um "Estado operário degenerado" no qual haviam desaparecido as relações de produção capitalistas.
Não é a intenção deste texto tentar demonstrar a inconsistência da análise de trotsky sobre as relações de produção na URSS. Recomendamos a respeito diferentes artigos publicados na nossa Revista internacional, especialmente "La classe não identificada, a burocracia soviétiva vista por Trotsky" (Revista internacional nº92). É importante, entretanto, sublinhar que foi, sobretudo, em nome da "defesa da URSS y das suas conquistas operárias" que o movimento trotskista apoiou o campo dos aliados durante a Segunda Guerra Mundial, participando, em particular, nos movimentos de "resistência", ou seja adotando a mesma política dos sociais chauvinistas de 1914. Em outras palavras, traiu o campo da classe operária aliando-se ao da burguesia.
E que os "argumentos" empregados pela corrente trotskista para apoiar a participação na guerra imperialista não foram idênticos a dos sociais chauvinistas da Primeira Guerra, não muda em nada o fundo do problema. Na realidade, eram da mesma natureza posto que ambos chamassem a fazer uma diferença fundamental entre duas formas de capitalismo e apoiar a uma delas em nome do "mal menor". Na Primeira Guerra Mundial, os chauvinistas comprovados chamavam a defender a pátria. Os social-chauvinistas chamavam, uns a defender a "civilização alemã" contra o "despotismo do Tzar", e outros a "França da Grande Revolução" contra o "militarismo prussiano", Na segunda Guerra Mundial, junto com De Gaulle que defendia a "França eterna", os estalinistas (que também se referiam, por certo, a essa "França eterna") conclamavam para defender a democracia contra o fascismo e a defender a "pátria do socialismo". Por sua parte, os trotskistas seguiram os passos dos estalinistas conclamando participar da "Resistência" em nome da "defesa das conquistas operárias da URSS". Desse modo, como os estalinistas, se converteram em recrutadores para o campo anglo-norteamericano na guerra imperialista.
Foi dando o seu apoio à união sagrada na Primeira Guerra Mundial que os partidos socialistas acertaram seu passo para o campo da burguesia. Foi adotando a teoria da "edificação do socialismo em um só país" que os partidos estalinistas deram o passo decisivo a caminho para o campo do capital nacional, passo que foi arrematado com o seu apoio aos esforços de rearmamento das suas burguesias nacionais respectivas e a preparação ativa para a guerra que se anunciava. Foi a sua participação na 2ª. Guerra mundial que assinalou a passagem da corrente trotskista para o campo do capital. Por isso não pode haver outra alternativa, se pretende retornar ao terreno de classe do proletariado, senão a de romper com o trotskismo e desde já não pretendendo voltar ao "trotskismo verdadeiro". Isso foi o que compreenderam as correntes no seio da IV Internacional que quiseram manter-se em uma oposição internacionalista, correntes como a de Munis (representante oficial do trotskismo na Espanha), a de Scheuer na Austria, de Stinas na Grécia, Socialismo ou Barbárie na França. Também foi o caso da própria viúva de Trotsky, Natália Sedova, que rompeu com a IV Internacional depois da Segunda Guerra mundial sobre a questão da defesa da URSS e da participação, em nome desta defesa, na guerra imperialista.
Qualquer um que deseje sinceramente levar a cabo um combate junto ao proletariado, não poderá evitar a ruptura clara com a corrente trotskista e não só com esta ou aquela organização da dita corrente.
Uma vez mais, o problema seja quais voltas queiram dar, se pode invocar a Trotsky, a Lênin, inclusive Marx, recitar de memória tal passagem de O imperialismo, fase superior do capitalismo; pode ou não tapar os olhos ou os ouvidos, ou ambos ao mesmo tempo; pode ou não enfiar a cabeça na areia ou em outra parte, nada poderá mudar a dura realidade: um grupo que hoje na França, apóia a "resistência Iraquiana", não só é recrutador para transformar em bucha de canhão os proletários iraquianos a serviço de um dos setores (seja xiitas ou sunitas) entre os mais retógrados da burguesia iraquiana, além do mais aporta um apoio garantindo aos interesses imperialistas da sua própria burguesia nacional quando esta se opõe como hoje é o caso da Alemanha, França ou Espanha, às aspirações norte americanas.. Inclusive quando o setor dominante da burguesia de um país apóia essas aspirações, como é o caso da Itália atualmente, semelhante grupo não faz senão cultivar os sentimentos nacionalistas anti-americanos dos proletários desse país. Em todo caso, este grupo está usurpando o qualificativo comunista ou de internacionalista. No que é diferente dos que Lênin intitulava de social-chauvinistas: socialistas em palavras, patrioteiros e burgueses nas atitudes.
E quanto aos argumentos de cores "marxista" enfeitados com tal ou qual frase de Lênin ou inclusive de Marx para justificar a participação na guerra imperialista, Lênin já respondeu de antemão:
"De libertador de nações que foi o capitalismo na luta contra o regime feudal, o capitalismo imperialista se converteu no maior opressor de nações. Antigo fator de progresso, o capitalismo se tornou reacionário: tendo desenvolvido.lia Sedova que rompeu com a IVa.omo a de Munis(representante oficial do trotskismo na Espanha) a de Scheuer na Austria,m o seu a um tal grau as forças produtivas que a humanidade já não resta senão passar ao socialismo, ou se não, sofrer durante anos, décadas inclusive, a luta armada das "grandes" potências pela manutenção artificial do capitalismo graças às colônias, aos monopólios, aos privilégios e opressões nacionais de todo tipo" (Os princípios do socialismo e a guerra de 1914-1915 – "A guerra atual é uma guerra imperialista"– tradução nossa).
"Os social chauvinistas russos (Plejánov a cabeça) invocam a tática de Marx na guerra de 1870; os social-chauvinistas alemães (estilo Lensch, David y cia.) invocam as declarações de Engels em 1891 sobre a necessidade, para os socialistas, de defender a pátria em caso de guerra contra a Rússia e a França reunidas; por fim os social-chauvinistas estilo Kautsky, desejosos de transigir com o chauvinismo internacional e dar-lhe legitimidade, invocam que o fato que Marx e Engels, ainda condenando as guerras, se colocaram cada vez, entretanto, desde 1854-1855 a 1870-1871 e em 1876-1877, do lado de tal ou qual Estado beligerante, uma vez iniciado o conflito. Todas essas referências deformam de uma maneira revoltante as idéias de Marx e de Engel por sua complacência diante da burguesia e dos oportunistas (...) invocar hoje a atitude de Marx diante das guerras da época da burguesia progressista y esquecer das palavras das palavras de Marx: "Os proletários não tem pátria", palavras que se referem precisamente à época da burguesia reacionária cujo tempo havia caducado, à época da revolução socialista, é deformar cinicamente o pensamento de Marx, substituindo o enfoque socialista pelo burguês" (O socialismo e a guerra, cap.1– tradução nossa).
CCI (junho de 2004)
[1] [71] Groupe communiste révolutionnaire internationaliste [72], ruptura do partido trotskista francês Parti des travailleurs.
(A partir do artigo O comunismo: a entrada da humanidade em sua verdadeira história (IV), da Revista Internacional n° 126)
Na primeira parte deste resumo do segundo volume (ver Revista Internacional nº 125) analisamos como um programa comunista se enriqueceu com o enorme avanço realizado pelo proletariado no seu crescimento revolucionário provocado pela Primeira Guerra mundial.
Nesta segunda parte veremos o combate que levaram os revolucionários para compreender o retrocesso e a posterior derrota desta onda revolucionária, e como esse combate também nos legou lições de importância inestimável para as futuras revoluções.
Como assinalou Rosa Luxemburgo, a revolução russa foi "a primeira experiência da ditadura do proletariado na história mundial" (A revolução russa), se deve deduzir que qualquer revolução futura deverá tomar em conta esta primeira experiência e as lições que ela proporcionou.Visto que o movimento operário não tem o menor interesse em evitar a realidade dos acontecimentos, o esforço para entender essas lições deverá abraçar o conjunto do movimento revolucionário desde o seu início, para assimilar completamente o legado deixado pela revolução, que foi o resultado de anos de experiências penosas e de reflexões não menos caras.
O folheto de Rosa Luxemburg, A Revolução russa, foi escrito no cárcere em 1918, e constitui um autentico exemplo de como fazer a crítica dos erros da revolução, posto que o primeiro que faz é manifestar sua completa solidariedade com o poder dos soviets e o Partido bolcheviques e deduz que as dificuldades a que estes enfrentaram resultaram, antes de tudo, do isolamento do baluarte revolucionário russo. Concluí assim que só a intervenção do proletariado mundial – e especialmente do proletariado alemão – ao executar a sentença histórica do capitalismo e acabar com ele, permitiria superar essas dificuldades.
A partir daí. Rosa Luxemburgo ressalta três críticas aos bolcheviques:
* Sobre a questão agrária. Embora Rosa reconhecesse que a consigna dos bolcheviques, “a terra para os camponeses", estivesse plenamente justificada desde um ponto de vista tático para ganhar a simpatia das massas camponesas para a revolução, via também que atuando assim os bolcheviques estavam criando um problema a mais ao estabelecer formalmente a divisão da propriedade agrária. Rosa tinha razão ao afirmar que esse processo conduziria a formação de uma camada conservadora de camponeses proprietários, porém a verdade é que tão pouco a coletivização da terra houvesse colocado, por si mesma, garantia algum avanço ao socialismo, se a revolução continuasse isolada
*Sobre a questão nacional. A validade das críticas de Luxemburgo à consigna da "autodeterminação das nações" (críticas que também surgiam nas fileiras bolcheviques, como foi o caso de Piatakov), foi completamente confirmada pelos acontecimentos. Efetivamente a "auto determinação das nações" só podia significar a "autodeterminação" para a burguesia. E por isso na época já do imperialismo e das revoluções proletárias, os países (ou seja as burguesias) aos quais o poder soviético concedeu a "independência", caíram na realidade subordinados às grandes potências imperialistas em seu combate contra a revolução russa. É verdade que o proletariado não podia ignorar os sentimentos nacionais dos proletários das "nações oprimidas", porém para ganha-los para a causa da revolução haveria de apelar por seus interesses comuns de classe, e não às suas ilusões nacionalistas.
*Sobre a "democracia" e a "ditadura". A posição de Rosa, a esse aspecto, era muito contraditória. Por um lado julgava que a supressão da Assembléia constituinte pelos bolcheviques havia produzido um efeito negativo sobre a revolução. Aqui Luxemburgo parece mostrar uma estranha nostalgia pelas formas já superadas da democracia burguesa. Entretanto poucos meses mais tarde, na redação do programa da Liga espartaquista, reivindica a substituição das caducas assembléias parlamentares pelos congressos de conselhos operários. Isso demonstra que, sobre essa questão, Rosa evoluiu muito rapidamente. Em qualquer caso, estão plenamente justificadas suas críticas a tendência dos bolcheviques em suprimir a liberdade de expressão no seio do movimento proletário, pois as medidas que estes tomaram contra outros partidos e agrupamentos proletários, assim como a transformação dos soviets em meros cartórios de registro do Partido-Estado bolcheviques, tiveram um efeito altamente negativo para a sobrevivência e a integridade da ditadura do proletariado.
Porém também na mesma Rússia, e também desde 1918, começaram a surgir reações contra o progressivo descarrilamento do partido. O principal foco dessa resposta (pelo menos no seio da corrente revolucionária marxista) foi a tendência da Esquerda comunista que existia dentro do próprio Partido bolcheviques. A essa tendência se conhece, especialmente, por sua oposição ao tratado de paz de Brest-Litovsk, dele se temia que significasse a perda não só de importantes territórios, como também sobre tudo, dos princípios mesmo da revolução. No que é relativo aos princípios temos que dizer que não há qualquer comparação possível entre este tratado e o que, quatro anos depois, se firmou em Rapallo. O primeiro se expôs abertamente sem ocultar suas graves conseqüências, enquanto o segundo se pactuou secretamente e significou, de fato, uma aliança entre o imperialismo alemão e o Estado soviético. Também é verdade que a posição defendida por Bukarin y outros comunistas de esquerda a favor de uma "guerra revolucionária" se baseava como mais tarde demonstrou Bilan, em uma grave confusão: a crença na possibilidade de estender a revolução mediante ações militares, quando, na realidade , a única forma de ganhar para a sua causa o restante dos trabalhadores do mundo era através de meios essencialmente políticos (como a formação da Internacional comunista em 1919).
Entretanto, os primeiros debates entre Lênin e as Esquerdas sobre a questão do capitalismo de estado permitiram tirar liçoes mais proveitosas da revolução. Se Lênin defendeu a aceitação dos termos da paz impostos pela Alemanha em Brest-Litovsky, pois era necessário que o poder dos soviets possa dispor de "um espaço vital" que fizesse possível reconstruir um mínimo de vida social e econômica.
Os desacordos se centravam em duas questões:
É verdade que essas críticas das Esquerdas ao capitalismo de estado, ainda muito embrionárias, não estavam isentas de confusões, como por exemplo: crer que a principal ameaça vinha da pequena burguesia e não ver que a própria burocracia estatal poderia desempenhar, por si mesma, o papel de uma nova burguesia. Mantinham, igualmente, ilusões nas possibilidades de uma autentica transformação socialista dentro das fronteiras da Rússia. Porém Lênin, se equivocava ao não ver que o capitalismo de estado era a antítese do comunismo. As advertências lançadas pela Esquerda contra os riscos do desenvolvimento do capitalismo de estado na Rússia demonstraram ser verdadeiras e premonitórias.
Apesar das importantes diferenças que existiam no seio do Partido Bolcheviques a propósito da direção tomada pela revolução e mais ainda sobre a orientação que tomava o Estado soviético, a ameaça iminente da contra-revolução fez que esses desacordos tornassem, de alguma forma, contidos. O mesmo cabe dizer das tensões que vivia na sociedade russa em geral. Trabalhadores e camponeses sofreram terríveis condições de vida durante a guerra civil, porém a prioridade da luta contra os Brancos (reação internacional ligada contra a revolução proletária, aos Vermelhos) relegou a um segundo plano os conflitos daqueles contra o recém criado aparato de estado. Porém depois da vitória na guerra civil se apresentaram abertamente. Além disso, o isolamento da revolução, que se acentuou ainda mais após uma série de derrotas cruciais do proletariado na Europa, colocou mais em evidência esses conflitos e os converteu na contradição central do regime de transição.
No seio do Partido Bolcheviques, esses problemas de fundo foram abordados através do debate sobre a questão sindical, que ocupou um lugar proeminente nas secções do Xº. Congresso do Partido (março de 1921). Nesse debate se confrontaram, essencialmente, três posições distintas, se bem temos de dizer que dentro delas se manifestavam também diferenças e matizes:
* A posição de Trotsky. Tendo conduzido o Exército Vermelho à vitória sobre os Brancos (embora muitas vezes de maneira inesperada), Trotsky tinha se convertido em um ardoroso partidário dos métodos militares e desejava que elas fossem aplicadas em todos os âmbitos da vida social e, sobretudo à esfera do trabalho. Trotsky pensava que não podia existir conflito de interesses entre o proletariado e as necessidades do dito estado já que quem aplicava tais mecanismos era um estado "proletário". Chegou inclusive a teorizar a hipótese do seu suposto caráter historicamente progressista do trabalho forçado. Ao mesmo tempo, Trotsky defendeu que os sindicatos deviam atuar, pura e simplesmente como órgãos da disciplina do trabalho em nome do estado proletário. Ao mesmo tempo, começou a desenvolver uma justificativa teórica explicita da noção da ditadura do partido comunista e do terror vermelho.
*A posição da Oposição Operária reunida em torno de A. Kollontai, Shliapnikoy e outros. Para Kollontai, o Estado Soviético tinha um caráter bem mais heterogêneo e era extremamente vulnerável à influência de forças não proletárias tais como o campesinato ou a burocracia. O que eles propugnavam era que os órgãos específicos da classe operária, que para a Oposição Operária eram os sindicatos, se encarregassem da atividade criativa de reconstrução da economia russa. Postulavam que através dos sindicatos industriais, a classe operária poderia manter o controle da produção e empreender um decisivo avanço até o socialismo. Embora esta corrente tenha representado uma sincera reação proletária contra a crescente burocratização do estado dos soviets, também era vítima de importantes equívocos como, por exemplo, suas alegações em favor dos sindicatos industriais como melhor forma de expressão dos interesses do proletariado. Essa idéia suponha uma regressão a respeito da compreensão de que os verdadeiros instrumentos proletários para fazer-se direção não só da vida econômica, como também da política, eram os conselhos operários surgidos na nova época revolucionária. Igualmente, as ilusões da Oposição Operária sobre a possibilidade de construir as novas relações comunistas na Rússia, expressavam uma profunda subestimação dos estragos do isolamento da revolução nesse momento, 1921, que já era praticamente completo.
* A posição de Lênin que se opôs firmemente aos excessos de Trotsky nesse debate, e criticou o sofisma de que já que o estado era um estado "proletário" não poderiam existir divergências de interesses imediatos entre este e o proletariado. De fato Lênin afirmou em um momento dado, que o Estado dos Soviets era em realidade um estado "operário e camponês", porém que, em qualquer caso, se tratava de um Estado profundamente marcado por deformações burocráticas e que por tanto em uma situação assim, a classe operária devia defender seus interesses materiais inclusive contra o próprio Estado se fosse necessário. Por tanto os sindicatos não poderiam ser relegados a meros instrumentos da disciplina do trabalho, senão que deviam atuar como órgãos de autodefesa dos trabalhadores. Lênin rechaçou igualmente a posição da Oposição Operária ao considerá-la uma concessão ao anarco-sindicalismo.
Com a vantagem que hoje há distância dos acontecimentos, podemos assinalar que as premissas mesmas desse debate se manifestavam muitas debilidades. Em primeiro lugar, o fato de que os sindicatos tenham aparecido como os órgãos mais apropriados para impor a disciplina do trabalho não é uma casualidade, e sim que sua trajetória era ditada pelas novas condições do capitalismo decadente. Não podiam ser os sindicatos, senão os organismos criados pela classe operária em resposta e essas novas condições – quer dizer os comitês de fábrica, os Conselhos Operários, – os que haviam de encarregar-se da defesa da autonomia operária. Por outra parte todas as posições que se confrontaram nesse debate compartiam, em maior ou menor medida, a idéia de que a ditadura do proletariado devia ser exercida pelo partido comunista.
Este debate representava, isso sim, um intento de compreensão, dentro de uma situação marcada por uma grande confusão, dos problemas que surgem quando o poder de um Estado criado pela revolução começa a escapar das mãos do proletariado e se voltar na realidade contra os interesses destes. Este problema adquiriu dimensões dramáticas quando, após uma série de greves em Petrogrado, desembocou no levante de Cronstadt no mesmo momento em que se celebrava o Xº Congresso.
A direção bolcheviques denunciou em um primeiro momento, que este levante era uma nova conspiração dos Guardas Brancos. Mais tarde insistiu muito mais no seu caráter pequeno burguês, porém sempre justificou o esmagamento da revolta assinalando que se esta triunfasse abriria as portas tanto geográficas como políticas para a erupção da contra-revolução. Entretanto, Lênin particularmente, se viu obrigado a reconhecer que a revolta era um aviso de que os métodos de trabalho forçado, instaurados na etapa do comunismo de guerra não poderiam continuar sendo mantidos, e que, pelo contrário a situação exigia uma espécie de "normalidade" de ralações sociais capitalistas. Porém em momento se pôs em questão que só a dominação exclusiva por parte do Partido Bolcheviques poderia garantir a defesa do poder do proletariado na Rússia. Esta posição era compartida por muitos comunistas de esquerda. Por exemplo, os membros dos grupos de oposição presentes no Xº. Congresso foram os primeiros em apresentar-se voluntariamente para participar no assalto a guarnição de Cronstadt. Nem sequer o KAPD na Alemanha apoiou aos rebeldes, inclusive Victor Serge defendeu, com muita do no coração, que o esmagamento da revolta era um mal menor comparado com a queda dos Bolcheviques e a submissão a uma nova tirania dos Brancos.
Ouviram-se, entretanto, muitas vozes do campo revolucionário se elevaram contra a repressão de Cronstadt. Os anarquistas que já haviam criticado acertadamente os excessos da Checa e as supressões de organizações do proletariado se opuseram evidentemente a isso. Porém o anarquismo não tem muito para contribuir com lições desta importante experiência visto que, segundo ele, a resposta dos bolcheviques à revolta estava inscrita, desde as suas origens, na natureza mesma de todo partido marxista.
Tem de ser dito que em Cronstadt mesmo, muitos bolcheviques participaram da revolta invocando os ideais iniciais de outubro de 1917: para o poder dos soviets e para a revolução mundial. O comunista de esquerda, Miasnikov, se negou a somar-se aos que participaram no assalto contra a guarnição de Cronstadt pois previa os resultados catastróficos que produziria o esmagamento de uma rebelião operária por parte de um Estado "proletário". Nessa época, isso era so intuições. Tiveram de esperar os anos de 1930, quando o trabalho da Esquerda comunista italiana permitiu tirar mais claramente as lições. Reconhecendo o caráter proletário da revolta de Cronstadt, rechaçou, por uma questão de princípios, o emprego da violência entre os proletários. A Esquerda italiana compreendeu também que a classe operária deve continuar conservando os meios para defender-se diante do Estado de transição, dado que este, por sua própria natureza, é propenso a ser o ponto de concentração das forças da contra-revolução. Viu também que o partido comunista não podia implicar-se no aparato do estado, que devia manter-se independente dele. Com esta análise que colocava os princípios acima das contingências imediatas, pôde afirmar que teria mais valia perder Cronstadt que manter-se no poder e solapar os objetivos fundamentais da revolução.
Em 1921 o partido enfrentou um dilema histórico: ou conservar o poder e converter-se em um agente da contra revolução, ou bem entrar em oposição e militar nas filas da classe operária. Na realidade, a fusão entre o partido e o estado já estava tão avançada que o conjunto do partido podia dificilmente reivindicar esta segunda opção. Havia chegado pois o momento do desenvolvimento do trabalho das frações de esquerda para, atuando tanto dentro como fora do partido, opor-se a sua inclinação degenerativa. O fato de que o Xº. Congresso do partido proibira as frações fez que estas se viram cada vez mais obrigadas a trabalhar fora do partido e definitivamente, contra ele.
As concessões ao campesinato – que Lênin via como uma necessidade inexorável que o levantamento de Cronstadt havia colocado a luz – permaneceram acolhidas na Nova política econômica (NEP). A esta NEP se considerou como um retrocesso momentâneo que permitiria ao poder soviético devastado pela guerra poder reconstruir uma economia arrasada e poder dar prosseguimento mantendo-se como estandarte da revolução mundial. Porém na prática o esforço para superar o isolamento do estado soviético conduziu a concessões cada vez maiores sobre os princípios da revolução. Não nos referimos com isso ao comércio com potências capitalistas, que em si mesmo não supõe nenhum atentado a esses princípios, porém ao estabelecimento de alianças militares secretas como a estabelecida com a Alemanha no tratado de Rapallo. Essas alianças militares tinham seu corolário em alianças políticas "contra natureza" com forças como a social-democracia a qual, poucos anos antes, era denunciada como ala esquerda da burguesia. Esta foi a política de "Frente Única" adotada pelo IIIº.Congresso da Internacional Comunista.
Na própria Rússia, Lênin que em 1918 afirmava que o capitalismo de estado constituía um passo adiante para um país tão atrasado, continuou afirmando em 1922, que esse capitalismo de estado poderia ser útil ao proletariado, sempre e quando estivesse regido por o "Estado Proletário", o que cada vez mais equivalia dizer pelo partido do proletariado. Entretanto, o próprio Lênin teve que admitir que, em vez de o proletariado e partido do proletariado dirigir o estado herdado da revolução, o que acontecia era muito ao contrário; era o estado que os dirigia cada dia mais, não na perspectiva que queriam, mas para a restauração da burguesia.
Lênin se deu conta de que o próprio partido comunista se encontrava profundamente afetado por esse processo de involução. Começou por atribuir a origem do problema aos estratos inferiores de burocratas sem preparação que haviam conseguido afluir ao partido. Porém já nos últimos anos da sua vida, começou a tomar dolorosamente consciência de que essa podridão alcançava os níveis mais elevados do partido:Como Trotsky o tinha evidenciado o último combate de Lênin foi contra Stálin e contra o crescente stalinismo. Porém, entranhado na engrenagem infernal do estado, Lênin se viu incapaz de fazer propostas que não fossem puras medidas administrativas para conter o avanço da maré burocrática. Se tivesse vivido alguns anos a mais, provavelmente, haveria de acentuar mais ainda essa oposição, porém o certo é que a luta contra uma contra-revolução ascendente devia passar já a outras mãos.
Em 1923 estourou a primeira crise econômica da NEP que necessitou reduções dos salários e supressões de empregos que motivaram uma onda de greves espontâneas. Isto provocou, no seio do partido, debates e conflitos que deram lugar a novos agrupamentos da oposição. A primeira expressão aberta disto foi a "Plataforma dos 46" em que se encontravam elementos próximos de Trotsky (este já muito afastado do poder pelo triunvirato: Stálin, Kamenev e Zinoviev), assim como membros do grupo Centralismo Democrático. Esta plataforma criticava a tendência a considerar a NEP como se fosse a melhor via para o socialismo, e exigia, em troca, que a prioridade fosse uma maior planificação centralizada. Alertava também, e isto era o mais importante, da asfixia progressiva da vida interna do partido.
Essa plataforma, entretanto, quis manter as distâncias com os grupos de oposição mais radicais. Destes o mais importante era o Grupo Operário de Miasnikov, que tinha certa presença nos movimentos grevistas que aconteceram nos centros industriais. Embora fosse etiquetado como uma reação compreensível, porém "pessimista" frente ao progresso da burocratização, o Manifesto do Grupo Operário, foi, de fato uma expressão da seriedade e do rigor da Esquerda Comunista russa, pois:
Os comunistas de esquerda foram pois a vanguarda teórica da luta contra a contra-revolução na Rússia. O fato de que Trotsky passara, em 1923, abertamente para a oposição teve grande importância por conta do seu imenso prestígio como líder da insurreição de Outubro. Porém se compararmos as posições intransigentes do Grupo Operário e a posição de Trotsky diante do estalinismo, comprovaremos de que este esteve muito marcado por uma atitude centrista e vacilante:
Esses erros resultam em parte, de traços de personalidade. Trotsky não era um renomado conspirador como Stálin, não tinha a desmesurada ânsia de poder deste. Mas havia motivações políticas mais transcendentais que explicam por que Trotsky não pode levar até o final suas críticas ao estalinismo e chegar assim ás mesmas conclusões as que chegaram a Esquerda Comunista:
Em 1927 Trotsky aceitou a idéia de um possível perigo de restauração da burguesia na Rússia através de uma espécie de contra-revolução se desenvolvendo insidiosamente, sem necessidade de que o regime bolchevique fosse formalmente derrubado. E ainda subestimava enormemente a magnitude de já havia alcançado essa contra-revolução, já que:
As teorias econômicas da Oposição de esquerda organizada em volta de Trotsky, constituíam além disso, um obstáculo importante para a compreensão de que o mesmíssimo "Estado Soviético" estava se convertendo em agente direto da contra-revolução sem necessidade de retornariam as formas clássicas da propriedade "privada". Até o significado da declaração de Stálin, proclamando o socialismo em um só país, passou despercebido até depois de algum tempo, e nem assim compreendida em profundidade considerando o que verdadeiramente significava. Com efeito Stálin, cheio de valentia pela morte de Lênin e pelo estancamento evidente da revolução mundial, proclamou tal aberração que representava uma clara ruptura com o internacionalismo proletário e, em troca, um compromisso de fazer da Rússia uma potência imperialista. Tal declaração se situava no sentido contrário da posição dos bolcheviques em 1917, que viam que só no triunfo da revolução mundial poderia chegar ao socialismo. Porém quanto mais implicados estavam os bolcheviques na gestão do Estado e da economia Russa, mais desenvolviam teorias sobre o avanço até o socialismo que supostamente poderia realizar-se inclusive nas condições de um país isolado e atrasado. O debate sobre a NEP, por exemplo, se pôs em grande medida nesses termos. E se a ala direita do partido defendia que poderia alcançar o socialismo através das leis do mercado, a esquerda postulava, em troca, a planificação e o desenvolvimento da indústria pesada. Preobrazhenky, que era o principal teórico em matéria econômica da esquerda opositora, preconizava a superação da lei do valor capitalista mediante o monopólio sobre o comércio exterior e a acumulação no setor estatizado, o que chegou inclusive a batizar como "acumulação socialista primitiva".
Esta teoria da acumulação socialista primitiva identificava erroneamente o crescimento da indústria com os interesses da classe operária e o socialismo. O certo e que o crescimento industrial na Rússia só poderia fazer-se acentuando a exploração da classe operária. Em definitivo essa "acumulação socialista primitiva" era, pura e simplesmente, acumulação de capital. Por isso mais tarde, a Esquerda Comunista italiana, por exemplo, colocou-se em defesa contra qualquer crença de que o desenvolvimento de uma indústria estatizada, constituiria uma medida de avanço até o socialismo.
De fato quem tomou a iniciativa na luta contra a teoria do socialismo em um só país foi, uma vez rachado o triunvirato governante, o próprio setor "zinovievista". Isto estabeleceu a formação em 1926, da Oposição Unificada que, em primeiro momento, incluía também os Centristas Democráticos. Embora tivesse se manifestado formalmente de acordo com a proibição das frações, esta nova oposição se viu cada vez mais obrigada a desenvolver suas críticas ao regime nas organizações de base do partido e inclusive diretamente entre os trabalhadores. Por isso ela teve que enfrentar ameaças, insultos e difamações de todo tipo, a repressão y a expulsão. Apesar de tudo isso, não compreendia bem ainda a natureza do que estava combatendo. Stálin se aproveitou do desejo desses opositores de reconciliar-se com o partido para obrigar a si retirarem de qualquer atividade considerada "fracional". Os "zinovievistas" e alguns seguidores de Trotsky capitularam imediatamente. De fato, quando Stálin anunciou em 1928, seu famoso "giro à esquerda", que consistia em uma industrialização a marcha forçada, muitos trotskistas, incluindo o próprio Preobrazhensky, acreditaram que finalmente Stálin havia feito suas propostas.
Ao mesmo tempo, entretanto, alguns elementos da oposição se viam influenciados cada vez mais pelos comunistas de esquerda, que eram muito mais conscientes da realidade da contra-revolução. Os Centralistas Democráticos, por exemplo, apesar de ainda não se iludirem sobre as possibilidades de uma reforma radical do regime dos soviets, tinham mais claro que a indústria estatizada não equivalia a socialismo, que a fusão do partido e do estado conduzia a liquidação do partido e que a política exterior do regime soviético estava cada vez mais contra os interesses internacionalistas da classe operária. Após as expulsões massivas dos membros da oposição em 1927, os comunistas de esquerda compreenderam que nem o regime nem o partido podiam ser reformados. Os elementos que permaneciam no grupo de Maisnikov desempenharam um papel chave nesse processo de radicalização. Mais nos anos seguintes, foi essencialemente nas masmorras de Stálin que intensos debates sobre a natureza do regime iam desenvolvendo.
Por conta da magnitude da derrota na Rússia, o centro da gravidade dos esforços para compreender a natureza do regime estalinista se deslocou para a Europa ocidental. E posto que os partidos comunistas estivessem "bolchevizados" – quer dizer, convertidos em instrumentos ao serviço da política exterior russa-, uma série de grupos de oposição que surgiam deles se viam rapidamente colocados em dissidência ou a expulsão.
Na Alemanha esses grupos alcançaram, em ocasiões, milhares de membros, porém em seguida esse número se viu reduzido rapidamente. O KAPD, que ainda seguia existindo, desenvolveu uma intensa atividade diante desses agrupamentos. Um dos mais conhecidos foi o grupo ao redor de Karl Korsch. A Correspondência mantida entre este e Bordiga em 1926 coloca a luz os imensos problemas enfrentados pelos revolucionários daquela época.
Uma das características da Esquerda alemã – e um dos fatores que contribuíram para a sua debilidade organizativa – era sua tendência a precipitar-se em tirar conclusões sobre a natureza do novo sistema existente na Rússia. Mesmo chegando a entender que se tratava de um regime capitalista se mostrou muitas vezes incapaz de responder a questão chave: como é possível que um poder proletário houvesse conseguido transformar-se no seu contrário? Muito frequentemente a única resposta que alcançavam dar era de dizer que esse regime nunca tivera um caráter proletário, que a revolução de Outubro não havia sido mais que uma revolução burguesa, e que os bolcheviques não eram outra coisa que um partido da "intelligentsia". A resposta de Bordiga era característica do método mais paciente da Esquerda italiana. Bordiga, que se opunha a construção precipitada de novas organizações sem uma base programática séria, preconizava, em troca, a necessidade de um amplo e profundo debate sobre uma situação que colocava numerosas e muito novas questões. Esse debate seria a única base possível de um agrupamento revolucionário conseqüente. Ao mesmo tempo, Bordiga se negava a capitular sobre a natureza proletária da revolução de Outubro, e insistia em que a questão que o movimento revolucionário devia abordar era compreender como um poder proletário isolado em um só país poderia sofrer um processo de degeneração interna.
Após o triunfo do nazismo na Alemanha, o centro dessas discussões se deslocou novamente, desta vez para a França, onde alguns desses grupos de oposição se reuniram em uma Conferência em Paris em 1933, com objetivo de discutir a natureza do regime russo. A essa Conferência assistiram partidários "oficiais" de Trotsky participaram tabém, mas a maioria dos grupos participantes se situava mais à esquerda e, entre eles, estava a Esquerda italiana no exílio. Nessa Conferência se expuseram numerosas teorias sobre a natureza do regime russo, muitas delas extremamente contraditórias. Para alguns se tratava de um sistema de classe de novo tipo ao que não deveria dar apoio. Outros reivindicavam que era efetivamente um sistema de classes de novo tipo mas que havia de ser defendido. Houve também quem defendeu que se tratava de um regime proletário mas que não haveria de apoiar... Tudo isto põe manifestadamente em evidência as imensas dificuldades que tinham os revolucionários para compreender verdadeiramente o significado e a perspectiva dos acontecimentos na União Soviética. Também pode ver-se tambem que a posição dos trotskistas "ortodoxos" – segundo a qual a URSS continuava sendo, apesar da sua degeneração, um Estado operário, o qual havia de defender contra o imperialismo – era combatida desde os diferentes ângulos.
Essas posições da Esquerda foram em grande parte a causa de que Trotsky escrevera em 1936, sua famosa análise da revolução russa: A Revolução Traída.
Este livro é a demonstração palpável de que apesar dos seus deslizes oportunistas, Trotsky continuava sendo, todavia um marxista. Assim, por exemplo, fustigava de forma eloqüente as mentiras de Stálin que apresentava a URSS como um paraíso dos trabalhadores. Igualmente e baseando-se na tomada de posição de Lênin de que o Estado de transição era "um estado burguês, porém sem a burguesia", expões através de pontos de vista completamente válidos, a natureza desse Estado, e os riscos que representava para o proletariado. Trotsky concluía também que o velho Partido Bolchevique havia morrido e que não haveria possibilidade de reformar a burocracia, e sim que deveria ser derrubada pela força. Entretanto, esse livro é fundamentalmente incoerente: com argumentos explícitos contra a visão de que a URSS era uma forma de capitalismo de estado, Trotsky aferrava-se na tese de que a existência de formas de propriedade nacionalizadas provava o caráter proletário do estado. E embora chegue a admitir, teoricamente, que no período de declínio do capitalismo se manifesta uma tendência ao capitalismo de estado, rechaça, entretanto a idéia de que a burocracia estalinista possa ser uma nova classe dirigente por conta do fato que nao tinha títulos de propriedades ou ações, e que não podia transmitir propriedade alguma aos seus herdeiros. Quer dizer que em vez de ver a essência do capital como uma relação social impessoal, Trotsky o reduz a uma forma jurídica.
A idéia mesma de que a URSS podia ser ainda um Estado operário expressava as profundas incompreensões de Trotsky sobre a natureza da revolução proletária, embora admitisse que a classe operária, como tal, estava completamente excluída do poder político. A revolução proletária é em efeito a primeira na história que é obra de uma classe sem propriedade alguma, de uma classe que não possui sua própria forma de economia e que não pode alcançar sua emancipação senão utilizando-se do poder político como alavanca para submeter às leis "naturais" da economia ao controle consciente pelo homem.
O mais grave entretanto, é que essa caracterização por parte de Trotsky da URSS como um Estado "operário", obrigava os seus seguidores a converter-se em apologistas do estalinismo em todo o mundo. Por exemplo, Trotsky assinalava que o rápido crescimento industrial da Rússia sob Stálin demonstrava a superioridade do socialismo sobre o capitalismo, quando na realidade tal industrialização se fazia graças a uma exploração feroz da classe operária, e constituía um aspecto essencial do desenvolvimento de uma economia de guerra na preparação de uma nova repartição imperialista do planeta. Outro exemplo do que dizemos foi o apoio sem restrições dos trotskistas à política exterior russa e a sua defesa incondicional da URSS contra os ataques imperialistas, quando já o próprio Estado russo estava se convertendo em protagonista ativo do cenário imperialista mundial. Estas análises continham os germes da traição definitiva desta corrente ao internacionalismo proletário durante a Segunda Guerra Mundial.
No mencionado livro de Trotsky se deixa entrever que a questão da natureza da URSS ainda não havia sido resolvida definitivamente, e que, por conseguinte, haveria de esperar que acontecimentos históricos decisivos, como a guerra mundial, pudessem fazê-lo. Em seus últimos escritos, talvez consciente da inconsistência da sua teoria do "Estado Operário", mas mantendo-se ainda reticente a aceitar a natureza capitalista de Estado da URSS, Trotski começou a especular com o fato de que se confirmasse que o estalinismo era uma forma de sociedade de classe, nem capitalista, nem socialista, isso significaria que o marxismo acabaria desacreditado. Trotsky morreu assassinado antes que pudesse pronunciar sobre se o "enigma russo" havia finalmente sido elucidado pela guerra. Mas, dos seus camaradas mais antigos, sós aqueles (nos referimos a Stinas na Grécia, Munis na Espanha, e sua própria mulher, Natalia) que descobriram os aportes da Esquerda comunista e caracterizaram a URSS como capitalismo de estado, foram capazes de manterem-se leais ao internacionalismo proletário, tanto, durante a Segunda Guerra mundial, como depois.
A Esquerda comunista teve suas expressões mais avançadas nas frações do proletariado mundial nos países que, além da Rússia, haviam desafiado com maior força o capitalismo durante a grande onda revolucionária mundial de 1917-1923, ou seja, o proletariado alemão e o italiano. Por isso, as Esquerdas comunistas da Alemanha e da Itália, foram a vanguarda teórica da Esquerda comunista em geral, fora da Rússia.
A Esquerda alemã foi, muitas vezes, a que mais longe chegou à compreensão da natureza do regime surgido das cinzas da derrota na Rússia. Não só compreendeu que o sistema estalinista era uma forma de capitalismo de estado, e também foi capaz de elaborar de maneira perspicaz que o capitalismo de estado era uma tendência universal do capitalismo em crise. E, entretanto, também muito frequentemente, essas análises eram acompanhadas de uma tendência em renegar a revolução de Outubro e a ver o bolchevismo como a ponta de lança da contra-revolução. Esta visão foi acompanhada de uma tendência precipitada em abandonar a idéia mesma de um partido proletário e a subestimar o papel da organização revolucionária.
A esquerda italiana, ao contrario, dedicou mais tempo para chegar a uma compreensão clara da natureza da URSS, porém sua atitude, mais paciente e mais e mais rigorosa, se apoiava em premissas fundamentais:
Porém, apesar da firmeza destas premissas, a visão de que a Esquerda italiana tinha nos anos 30 sobre a natureza da URSS era, todavia muito contraditória. Aparentemente coincidia com Trotsky em que a manutenção de formas nacionalizadas de propriedade permitia falar de Estado proletário. Por outra parte, definia a burocracia estalinista mais como uma casta parasitária que como uma classe exploradora no pleno sentido do termo.
Entretanto, o apurado internacionalismo da Esquerda italiana o destingia nitidamente dos trotskistas cuja posição de defesa do Estado operário degenerado acabou fazendo-os cair na armadilha de preparação da guerra imperialista. A publicação teórica da Esquerda italiana (Bilan) começou a ser editada em 1933. Os acontecimentos que foram se sucedendo nos anos seguintes (o ascensão de Hitler ao poder, o apoio ao rearmamento francês, à adesão da URSS à Sociedade das Nações, a guerra da Espanha), a convenceram que, ainda quando a URSS continuava possuindo um Estado proletário, desempenhava, entretanto, um papel contra-revolucionário em escala mundial. E, por conseguinte, o interesse internacional da classe operária exigia que os revolucionários rechaçassem qualquer solidariedade com o dito Estado.
Esta análise de Bilan guardava uma estreita relação com seu reconhecimento de que a classe operária tinha sofrido uma derrota histórica e que o mundo caminhava para uma nova guerra imperialista. Bilan previu, com uma impressionante clarividência, que a URSS acabaria inevitavelmente aliando-se a um dos campos que estavam se formando para preparar o massacre. Rechaçou igualmente a análise de Trotsky segundo qual, já que a URSS eram fundamentalmente hostis ao capital mundial, as potências imperialistas mundiais se viriam forçadas a aliar-se contra ela.
Pelo contrário, Bilan, demonstrou que apesar da sobrevivência de formas de propriedades "coletivizadas", a classe operária sofreria na Rússia um nível desapiedado de exploração, e que a industrialização acelerada batizada como "construção do socialismo" não edificava na realidade mais que uma economia de guerra que permitiria a URSS defender seus interesses na nova ordem imperialista. A Esquerda italiana rechaçava totalmente louvores que Trotsky dedicava a industrialização da URSS.
Bilan estava também consciente de que existia uma tendência crescente ao capitalismo de estado nos países ocidentais, seja com a forma do fascismo ou com a do "New Deal" democrático. Entretanto, Bilan vacilava ainda em levar essas análises até o final, quer dizer: reconhecer que a burocracia estalinista era de fato uma burguesia de estado. Inclinava-se mais por apresentá-la como "agente do capital mundial" que como uma nova representação da classe capitalista.
Não obstante os argumentos a favor do "Estado proletário" caiam cada vez mais em contradição com a evolução dos acontecimentos no cenário mundial. Por isso umas minorias de camaradas dessa Fração da Esquerda comunista, começaram questionar toda essa teoria. Não é casualidade que foram os ditos camaradas que estiveram mais bem armados para resistir diante do desconcerto que a deflagração da guerra provocou na Fração, em um primeiro momento. A expressão maior deste desconcerto se concretizou na teoria revisionista da "economia de guerra" que previa que a Guerra Mundial finalmente não seria deflagrada, o que havia levado a Fração a um verdadeiro impasse.
Sempre se pensou que a deflagração da guerra resolveria, em um ou outro sentido, a questão russa. Os militantes mais claros da Esquerda italiana pensavam que a participação da URSS em uma guerra imperialista de rapina constituiria a prova definitiva. Os que primeiro expuseram uma argumentação mais coerente para definir a URSS como imperialista e capitalista foram os militantes que faziam o trabalho de Bilan da Fração na França da Esquerda comunista e, após a guerra, a Esquerda comunista da França. Esta corrente integrou as melhores análises da Esquerda alemã, sem por isso cair na desqualificação conselhista de Outubro, podendo assim demonstrar porque o capitalismo de estado era a forma essencial que adotava o sistema na sua etapa de declínio. Considerando a Rússia, abandonaram os últimos resíduos de uma visão "jurídica" do capitalismo, e reafirmaram a visão marxista que define o capitalismo como uma relação social que pode ser administrada tanto por um estado centralizado, como por um conglomerado de capitalistas privados. Esta corrente deduziu pois as conclusões para obordar, desde um ponto de vista proletário, os problemas do período de transição: o progresso em direção ao comunismo não pode medir-se pelo crescimento do setor centralizado – na realidade este contém os maiores perigos de uma volta ao capitalismo - senão pela tendência ao domínio do trabalho vivo sobre o trabalho morto, pela substituição da produção de mais-valia por uma produção orientada à satisfação das necessidades humanas.
CDW
Todo o descontentamento real presente entre os trabalhadores de Oxaca (principalmente professores) e demais setores oprimidos(como os camponeses arrasados), tem sido desviado. Desde o começo das mobilizações, em maio deste ano, era notória a intromissão de interesses alheios aos trabalhadores, introduzidos a partir da estrutura sindical (em todas as suas vertentes, o mesmo a partir da Seção 22, o mesmo que a partir dos grupos "dissidentes" como o Conselho Central de Luta). Através do sindicato diversas forças da burguesia, como as representadas por E. Gordillo, ou os caciques J. Murat e o atual governador U. Ruiz, buscam desviar o descontentamento dos trabalhadores, não só para sufocar a combatividade demonstrada, como para usar essa força como carne de canhão na disputa presente no interior da burguesia.
Por desgraça, o movimento de Oxaca tende a se parecer, enquanto à manipulação das massas, ao realizado pelo setor da burguesia representado por Obrador: Fazem com que o descontentamento e a disposição de luta presente em muitos setores que participaram nas mobilizações "pela defesa do voto" fosse sufocado, enquanto se comprometem em uma falsa luta e provoca uma falsa reflexão, que terminou (ou continuará ainda em outra dimensão através da atividade da CND e seu "governo paralelo") numa anulação total do descontentamento, se aproveitaram do descontentamento para colocar as massas no apoio de um conluio burguês, além do mais estendeu e ampliou a confusão. No caso de Oxaca, o descontentamento presente entre os trabalhadores da educação que convocam a mobilização, também está sendo utilizado e desviado na direção de uma falsa alternativa: a "desaparição dos poderes" e a reforma do Estado. Por isso o que sobressai nessas mobilizações não é o avanço da consciência e da combatividade das massas trabalhadoras (como presume o esquerdismo) e sim o uso que fazem desse descontentamento e a vantagem que uma das frações da classe dominante leva, que aproveita a mobilização para levar dificuldades ao terreno do seu oponente. Se não é assim, porque o governo federal individualizou o problema? Não é só a eficácia do governo, se trata de uma atuação política premeditada de uma fração da burguesia usada contra outra.
Entretanto ao disfarçar
os interesses das frações da burguesia envolvidas
no conflito, por trás das manifestações e da
atuação honesta de milhares de habitantes dessa região,
consegue que o descontentamento dos trabalhadores pela precarização
das suas condições de vida, seja mudada pelas
"demandas democráticas" de uma massa amorfa de
"cidadãos" ,alimentando assim uma vã
esperança de que o capitalismo pode mudar para bom, bastando
mudar um funcionário "sátrapa, ladrão e
corrupto" por outro "de bom coração"
As
mobilizações, que a APPO impulsionou, têm sido
efetivamente massivas e não deixam de mostrar a disposição
ao combate, inclusive se despertaram expressões solidárias
aos professores por parte de diversos setores explorados, não
obstante todo ele foi anulado quando os interesses dos
trabalhadores foram submetidos e orientados para a defesa da
democracia. Com grande habilidade, a estrutura sindical e os
diferentes agrupamentos do esquerdismo, através da APPO, têm
levado as massas até caminhos sem saída. É
evidente que a repressão, que a burguesia tem levado a efeito
(e que ameaça crescer) contra os manifestantes, expressa a
natureza brutal e sanguinária do sistema, porém ela não
lhe dá um caráter "revolucionário"
ou "insurrecional", como o faz acreditar o aparato da
esquerda do capital (ver neste mesmo número o artigo de
denúncia das mentiras ditas pelo trotskismo). O
caráter de classe de uma manifestação se
expressa nos objetivos de luta, na organização e
direção, assim como nos meios com os quais desenvolve o
combate. E o que têm imposto
como objetivo aos trabalhadores são palavras de ordem que não
fazem mais do que fortalecer o sistema. Os fins que persegue mostra
que os proletários não possuem o controle e a direção
das mobilizações. O que se pode ver é que a
organização dominante, embora possa ter surgido como
desejo para estender a solidariedade aos professores, muda de curso
imediatamente ao submeter as preocupações de classe
(representada nas demandas salariais) com os desejos cidadãos
que impulsionam os diversos núcleos sociais que formam a APPO
e que favorecem os grupos que formam o aparato da esquerda do capital
(dede o PRD até os grupos trotskistas e estalinistas).
De maneira que os
trabalhadores aglutinados na APPO foram despojados de sua força
como classe enquanto que são impedidos de demonstrar sua
coragem, ao serem descaracterizados e desviados de seus
objetivos, porém ainda mais a sua potencialidade de combate é
reduzida ao impedir a sua auto-organização. Isso faz
com que se transforme em uma força estéril, submetida
às decisões e métodos de lutas próprios
de uma classe sem fúturo, em que os interesses que resultam
são os da classe dominante, que não tem deixado de usar
seus "melhores" personagens para assegurar a sabotagem da
luta.
Em uma
entrevista com o advogado da APPO, Ochoa Lara, explica (querendo
justificar a espontaneidade da sua formação) o caráter
e natureza da APPO, assinalando que embora agrupe cerca de 200 grupos
e comunidades da região, muitos são simples "
títulos",
o grupo mais numeroso sendo o Movimiento de Unificación de
Lucha Triqui (MULT), representado na APPO por Rogelio Pensameno o
qual, segundo o mesmo representante, é conhecido por
"suas amarras com os governos
priístas". Outro dirigente
da APPO é Flávio Sosa, que foi deputado do PRD, "
que aderiu à campanha de Vicente
Fox e depois participou da fundação do partido estatal
Unidad Popular, que favoreceu o PRI nos comícios que defendiam
a eleição de para governador de Ulises Ruiz "
(processo 1560, 24/09/2006).
Apesar do espetáculo das
concentrações e da repressão que se desata
contra seus membros, as mobilizações encabeçadas
pela APPO não expressam a força do proletariado. Ao
invés disso, representam a reação desesperada de
classe e estamentos médios (que embora sejam explorados e
oprimidos também não contam com uma perspectiva
histórica), que é por certo, amplamente aproveitada
pela burguesia. Por isso, as especulações do aparato de
esquerda do capital, assinalando as mobilizações da
APPO como o início da "revolução",
estão muito longe de ser acertadas. Fizeram semelhantes
discursos quando apareceu o movimento piqueteiro na Argentina e a
realidade deixou claro que estava muito longe de sê-lo.
O fato de os revolucionários
deixarem às claras o significado destas mobilizações,
não é para agredir aos que participam delas, ou para
minimizar as expressões do proletariado nesta região.
É sim com o fim de impulsionar a reflexão sobre a
necessidade da organização autônoma, que
não permita que a classe dominante imponha seus objetivos, nem
que através dos sindicatos ou seu aparato de esquerda,
estabeleça meios de luta estéreis, que só
favorecem a repressão e conduzem a derrota.
Os
revolucionários têm a responsabilidade de definir de
forma clara quais são as forças e as limitações
das mobilizações em que participam os trabalhadores,
evidenciar, sem mentir, os perigos que o proletariado enfrenta no
momento em que as forças da burguesia se infiltram para
manipular, e assinalar quem são os seus aliados, e como devem
orientar os seus combates. Sabemos que esta tarefa é
complicada para os comunistas, porque temos de ir contra a corrente
do discurso pragmático da esquerda do capital que ganha
"simpatia" aplaudindo tudo o que "o que se move",
e inclusive alimentando a impaciência e o imediatismo. Porém
essa atuação não revela nada mais que uma ação
que visa sabotar e é, no "melhor dos casos", a
expressão pequeno-burguesa da falta de confiança
histórica no proletariado, por isso que se emocionam com as
revoltas interclassistas ... A exploração, a opressão
e a miséria não desaparecerão com uma simples
mudança de funcionários. O proletariado é a
única classe que pode eliminá-las e, nesse combate, não
conta com outras armas além da sua consciência e sua
organização.
Tradução
do artigo publicado no site [74]es.internationalism.org [74]
em 20/10/2006
Há 25 anos, no verão de 1980, a classe operária na Polônia colocava o mundo em suspense. Um gigantesco movimento de greves estendia-se pelo país: centenas de milhares de operários faziam greve selvagem em diferentes cidades, fazendo tremer à classe dominante na Polônia e em outros países. O que se passou?
Depois do anúncio do aumento dos preços da carne, os operários reagiram com greves espontâneas em numerosas fábricas. A primeiro de Julho, os operários de Tczew, perto de Gdansk, e de Ursus, nos arredores de Varsóvia, vão à greve. Em Ursus há assembléias gerais, elege-se um comitê de greve e se propõem reivindicações comuns. Nos dias seguintes, as greves continuam se estendendo: Varsóvia, Lodz, Gdansk, etc. O governo tenta impedir uma extensão maior do movimento fazendo concessões rapidamente, como o aumento de salários. Em meados de Julho vão à greve os operários de Lublin, uma importante encruzilhada ferroviária. Lublin está situada na linha de trem que unia a Rússia com a Alemanha Oriental. Em 1980 era uma linha vital para o abastecimento das tropas russas na Alemanha Oriental. As reivindicações operárias são as seguintes: nada de repressão contra os operários em greve, retirada da polícia das fábricas, aumento de salários e livre eleição sindical.
Os operários tinham extraído as lições das lutas de 1970 e de 1976.[1] [77] Viram claramente que o aparelho sindical oficial estava do lado do Estado stalinista e do governo cada vez que propunham suas reivindicações. Por isso tomaram diretamente a iniciativa nas greves de massas de 1980. Sem esperar instruções, marchavam juntos, organizavam assembléias para decidir por si mesmos o lugar e o momento de suas lutas. Isto se viu claramente em Gdansk, Gdynia e Sopot, isto é, no cinturão industrial do mar Báltico. Só nos estaleiros Lênin trabalhavam 20.000 operários.
Nas assembléias de massa eram propostas reivindicações comuns. Formou-se um comitê de greve. A princípio, eram as reivindicações econômicas as que estavam em primeiro plano.
Os operários mostravam uma grande determinação. Não queriam que se repetisse o esmagamento sangrento da luta como em 1970 e 1976. Num centro industrial como o de Gdansk-Gdynia-Sopot, era evidente que todos os operários tinham que se unir para que a relação de forças estivesse a seu favor. Constituiu-se um comitê de greve inter-fábricas (MKS); estava formado por 400 membros, dois delegados por empresa. Durante a segunda metade de Agosto, chegou a se reunir entre 800 e 1000 delegados. Ao formar um comitê de greve inter-fábricas, superou-se a habitual dispersão de forças. Agora os operários podiam unidos confrontar o capital.Nos estaleiros Lênin tinha assembléias gerais todos os dias. Instalaram-se alto-falantes para permitir que todos seguissem as discussões dos comitês de greve e as negociações com os representantes do governo. Pouco depois foram instalados microfones fora da sala de reunião do MKS para que os operários presentes nas assembléias gerais pudessem intervir diretamente nas discussões do MKS. Pela tarde, os delegados –a maior parte providos de cassetes com a gravação das discussões- voltavam a seus lugares de trabalho e apresentavam as discussões e a situação em "suas" assembléias gerais de fábrica, prestando assim, contas de seu mandato perante elas.
Graças a estes meios,o maior número de operários pôde participar da luta. Os delegados tinham que prestar contas do seu mandato e eram revogáveis a todo momento, e as assembléias gerais sempre eram soberanas. Todas estas práticas estavam em total oposição com a prática sindical.
Naquela ocasião, depois que se uniram os operários de Gdansk-Gdynia-Sopot, o movimento estendeu-se a outras cidades. Para sabotar a comunicação entre os operários, o governo cortou as linhas telefônicas a 16 de Agosto. Imediatamente, os operários ameaçaram estender ainda mais o movimento se o governo não as restabelecesse. Este último recuou.
A assembléia geral decidiu formar uma milícia operária. O consumo de álcool estava amplamente difundido e decidiu-se coletivamente proibí-lo. Os operários sabiam que tinham que ter a mente desperta para enfrentar o governo.
Uma delegação governamental se reuniu com os operários para negociar. Isto foi produzido perante toda a assembléia geral e não a portas fechadas. Os operários exigiram uma nova composição da delegação governamental porque esta era de uma categoria demasiado baixa.
Quando o governo ameaçou com a repressão em Gdansk, os ferroviários de Lublin declararam: «Se atacarem fisicamente os operários de Gdansk, se tocarem em um só deles, paralisaremos a linha ferroviária estrategicamente mais importante: entre a Rússia e a Alemanha Oriental». O governo captou o que se jogava: toda sua economia de guerra. Suas tropas poderiam ter sido atacadas no lugar mais frágil e, em tempos de guerra fria, isso teria sido fatal.
Em quase todas as principais cidades, os operários estavam mobilizados. Mais de meio milhão destes compreendiam que eram a única força decisiva no país capaz de se opor ao governo. Sentiam o que lhes dava esta força:
Em poucas palavras, a extensão do movimento foi a melhor arma da solidariedade; os operários não se conformaram em fazer declarações, mas tomaram a iniciativa das lutas por si mesmos. Isto é o que permitiu o desenvolvimento de uma relação de forças diferente. Enquanto a luta operária foi em massa e unida, o governo não pôde exercer a repressão. Durante as greves do verão, quando os operários enfrentaram unidos o governo, nem um só deles foi golpeado ou assassinado. A burguesia polonesa tinha compreendido que não podia se permitir semelhante erro, mas sim que tinha que debilitar à classe operária a partir de dentro.
Entretanto, os operários de Gdansk, aos quais o governo tinha feito concessões, exigiam que estas fossem igualmente garantidas aos operários do resto do país. Queriam se opor a qualquer divisão e manifestavam assim sua solidariedade com os outros operários.
A classe operária era o ponto de referência para toda a população. Junto a outros operários que iam a Gdansk para estabelecer um contato direto com os operários em greve, os camponeses e os estudantes se apresentavam à porta das fábricas para munir-se dos boletins de greve e diversas informações. A classe operária tinha se convertido no pólo de referência para toda a população e mostrava que constituía uma ameaça para a classe dominante.
O perigo que as lutas na Polônia constituíam podia ser percebido pelas reações dos países vizinhos.
As fronteiras da Polônia com a Alemanha Oriental, Tchecoslováquia e URSS foram imediatamente fechadas; enquanto antes os operários poloneses iam freqüentemente à Alemanha Oriental, sobretudo a Berlim, para fazer compras, porque nas lojas polonesas ainda tinha menos mercadorias que na Alemanha Oriental. A burguesia tentava isolar a classe operária. Tinha que evitar, custasse o que custasse, um contato direto entre os operários de diferentes países. E a burguesia tinha suas boas razões para tomar semelhante medida!Porque na vizinha região carvoeira de Ostrava, na Tchecoslováquia, os mineiros, seguindo o exemplo polonês, tinham começado igualmente uma greve. Nas regiões mineiras romenas e na Rússia, em Togliattigrado, os operários seguiam o mesmo caminho que seus irmãos de classe na Polônia. Ainda que nos países da Europa ocidental não tinham sido produzidas greves em solidariedade direta com as lutas dos operários poloneses, os operários de numerosos países retomavam as palavras de ordem de seus irmãos de classe na Polônia. Em Turim ouvia-se os operários gritar em setembro de 1980: «Gdansk nos mostra o caminho».
Por causa da sua perspectiva e de seus métodos de luta, a greve de massas na Polônia teve um enorme impacto sobre os operários de outros países. Através dela a classe operária mostrava, como tinha feito antes em 1953 na Alemanha Oriental, em 1956 na Polônia e na Hungria, e em 1970 e de novo em 1976 na Polônia, que nos supostos países "socialistas", há exploração capitalista igual ao Ocidente e que seus governos são inimigos da classe operária. Apesar do isolamento que se impôs nas fronteiras polonesas, apesar da cortina de aço, a classe operária da Polônia, enquanto esteve mobilizada, representou um pólo de referência em escala mundial.Precisamente na época da guerra fria, durante a guerra do Afeganistão, os combates dos operários da Polônia continham uma importante mensagem: opunham-se à corrida armamentista e à economia de guerra com a luta de classes. A questão da unificação entre os operários do Leste e Ocidente, que ainda não se tinha proposto concretamente, aparecia como perspectiva.
Se o movimento desenvolveu tal força foi porque se estendeu rapidamente e porque os operários tomaram a iniciativa por si mesmos. A extensão além do marco da fábrica, as assembléias gerais, a revogabilidade dos delegados – todas estas medidas contribuíram para a sua força. Enquanto a princípio não tinham influência sindical, os membros dos sindicatos "livres"[2] [78] se aplicaram a pôr entraves à luta.
Se inicialmente as negociações eram levadas de forma aberta, depois se pretendeu que precisariam de "experts" para pôr a ponto os detalhes das negociações com o governo. Pouco a pouco, os operários já não puderam seguir as negociações, e menos ainda participar. Os alto-falantes que as retransmitiam deixaram de funcionar por problemas "técnicos". Lech Walesa, membro dos sindicatos "livres", foi coroado líder do movimento graças à demissão com a qual a direção dos estaleiros de Gdansk o penalizou. O novo inimigo da classe operária, o "sindicato livre", tinha trabalhado para infiltrar o movimento e começou seu trabalho de sabotagem.Assim, comprometeu-se seriamente a distorcer por completo as reivindicações operárias. As reivindicações econômicas e políticas, que encabeçavam a lista, foram deslocadas a um segundo plano e substituídas pela demanda de reconhecimento de sindicatos "independentes" por Walesa e os "sindicatos livres". Seguiram a velha tática "democrática": defesa dos sindicatos em lugar dos interesses operários.
A assinatura dos acordos de Gdansk a 31 de Agosto marca o esgotamento do movimento (ainda que as greves continuassem durante alguns dias em outras partes). O primeiro ponto destes acordos autoriza a criação de um sindicato "independente e autogestionado" que se chamará "Solidarnosc". Os 15 membros do presidium do MKS (comitê de greve inter-empresas) constituirão a direção do novo sindicato.
Posto que os operários tinham sido claros sobre o fato de que os sindicatos oficiais iam de mãos dadas com o Estado, a maior parte pensava agora que o recém-formado sindicato Solidarnosc, com 10 milhões de operários filiados, não estava corrupto e defendia seus interesses. Não tinham passado pela experiência dos operários do Ocidente que durante décadas confrontaram os sindicatos "livres".
Walesa tinha já prometido então: «Nós queremos criar um segundo Japão e estabelecer a prosperidade para todos», e muitos operários, por causa de sua inexperiência com a realidade do capitalismo no Ocidente, tinham muitas ilusões; mas Solidarnosc e Walesa à frente, assumiram o papel de bombeiros do capitalismo para apagar a combatividade operária. Essas ilusões no seio da classe operária na Polônia não eram outra coisa que o peso do impacto da ideologia democrática nessa parte do proletariado mundial. O veneno democrático, já muito potente nos países ocidentais, tinha ainda maior efeito na Polônia, depois de 50 anos de stalinismo. A burguesia polonesa e mundial o tinha compreendido muito bem. As ilusões democráticas foram o terreno no qual a burguesia e seu sindicato Solidarnosc puderam levar sua política antioperária e desencadear a repressão.
No outono de 1980, quando os operários vão à greve de novo para protestar contra os acordos de Gdansk, depois de ter constatado que inclusive com um sindicato "livre" sua situação material tinha piorado, Solidarnosc já começou a mostrar seu verdadeiro rosto. Imediatamente depois das greves de massas, Walesa vai daqui para lá num helicóptero do exército para chamar aos operários a cessar suas greves urgentemente: «Não precisamos de outras greves porque impulsionam nosso país ao abismo, precisamos de calma».
Desde o princípio Solidarnosc começou a sabotar o movimento. Cada vez que era possível, apropriava-se das iniciativas operárias, impedindo que se desencadeassem novas greves.
Em Dezembro de 1981, a burguesia polonesa pôde ao final desencadear a repressão contra os operários. Solidarnosc tinha feito todo o possível para desarmar politicamente aos operários –preparando assim sua derrota. Enquanto no verão de 1980, nenhum operário tinha sido golpeado ou assassinado graças à auto-organização e à extensão das lutas, e porque não tinha nenhum sindicato que enquadrasse os operários, em dezembro de 1981, 1.200 operários são assassinados e dezenas de milhares encarcerados ou exilados. Esta repressão militar se organiza de maneira coordenada entre a classe dominante do Leste e de Ocidente.
Depois das greves de 1980, a burguesia ocidental ofereceu a Solidarnosc todo tipo de assistência a fim de reforçá-lo contra os operários. Eram lançadas campanhas como «pacotes de medicamentos para Polônia» e concediam-se créditos baratos no marco do FMI para evitar que aos operários do Ocidente ocorresse seguir o exemplo polonês e tomar as lutas a seu cargo. Antes de desencadear a repressão a 13 de Dezembro de 1981, coordenaram-se diretamente os planos entre os chefes de governo. A 13 de Dezembro, no mesmo dia da repressão, o chanceler social-democrata Helmut Schmidt e o líder da RDA, o stalinista por excelência Erick Honecker, reuniram-se perto de Berlim pretendendo «não saber nada dos acontecimentos». Mas na realidade, não só tinham dado seu aval à repressão, mas a burguesia polonesa pôde se beneficiar da experiência de seus colegas ocidentais em matéria de confronto à classe operária.
Um ano mais tarde, em Dezembro de 1981, Solidarnosc mostrou a terrível derrota que tinha imposto aos operários. Depois do fim das greves de 1980, antes inclusive de que começasse o inverno, Solidarnosc já tinha demonstrado até que ponto era um forte pilar do Estado. E se depois, o ex-dirigente de Solidarnosc, Lech Walesa foi eleito chefe do governo polonês, foi precisamente porque tinha mostrado que era um excelente defensor dos interesses do Estado polonês em suas funções de chefe sindical.
Ainda que tenham se passado mais de 20 anos, e muitos operários que participaram no movimento de greves de então estejam no desemprego ou na emigração forçada, sua experiência é de um valor inestimável para toda a classe operária. Como já propôs a CCI em 1980:«Em todos esses aspectos, os combates da Polônia significaram um grande passo adiante da luta mundial e por terem sido os combates mais importantes desde mais de meio século» (Resolução sobre a luta de classes, 4º Congresso da CCI, 1980, Revista Internacional nº 26). Foram o ponto mais alto de uma onda internacional de lutas. Como afirmamos em nosso relatório sobre a luta de classes em 1999 a nosso 13º Congresso: «Os fatos históricos de tal amplitude têm sempre conseqüências a longo prazo.A greve de massas na Polônia contribuiu a prova definitiva de que a luta de classe é a única força que pode obrigar à burguesia a deixar de lado suas rivalidades imperialistas. Demonstrou em particular, que o bloco russo (historicamente condenado, por sua posição de debilidade, a ser "o agressor" em qualquer guerra) era incapaz de contra-arrestar a crise econômica crescente mediante uma política de expansão militar. Ficava claro que era impossível que os operários do bloco do Leste (e, provavelmente, da própria Rússia) pudessem ser alistados como carne de canhão numa eventual guerra pela glória do "socialismo". Assim, a guerra de massas de Polônia foi um fator importante na implosão posterior do bloco imperialista russo.» (Revista Internacional nº99, 4º trimestre 1999)
Welt Revolution
nº101, publicação da CCI na Alemanha. Agosto-Setembro de 2000.
[1] [79] Durante o inverno de 1970-71, os operários dos estaleiros do Báltico começaram uma greve contra os aumentos de preços dos comestíveis de primeira necessidade. A princípio, o regime stalinista reagiu com uma repressão feroz das manifestações que causou centenas de mortos, particularmente em Gdansk. No entanto as greves não cessaram. Finalmente, se despediu o chefe do partido, Gomulka, substituindo-o com um personagem mais "simpático", Gierek. Este último teve que discutir durante 8 horas com os operários dos estaleiros de Szczecin antes de convencê-los que voltassem ao trabalho. Evidentemente,depois traiu rapidamente as promessas que lhes fez nesse momento. Foi assim que, em 1976, novos ataques econômicos brutais às condições de vida operárias provocaram outra vez greves em várias cidades, particularmente em Radom e Ursus. A repressão causou dezenas de mortos.
[2] [80] Não se tratava de um sindicato propriamente dito, senão de um pequeno grupo de operários em relação com o KOR (Comitê de defesa dos operários), constituídos por intelectuais da oposição democrática que, depois da repressão de 1976, militavam pela legalização de um sindicalismo independente.
Acabamos de receber esta tradução, feita espontaneamente por um contato no Brasil, de um panfleto que um grupo internacionalista turco tomou a iniciativa de fazer. O colocamos em nosso site assim que o recebemos, pouco antes do Primeiro de Maio.
O Primeiro de Maio é o dia da classe trabalhadora internacional.Este panfleto está sendo distribuído na Turquia, na Grã-Bretanha e na Alemanha. Na Grã-Bretanha e na Alemanha está sendo distribuído pela Corrente Comunista Internacional, que se associa com as visões internacionalistas que ele defende.
PRIMEIRO DE MAIO É O DIA DA CLASSE TRABALHADORA INTERNACIONAL
Por muito tempo o Primeiro de Maio tem sido um ritual sem significado para a classe trabalhadora. O Primeiro de Maio originalmente significava ser o dia da solidariedade internacional dos trabalhadores, mas hoje nas manifestações de Primeiro de Maio todos nós vemos os esquerdistas de várias cores convidando a classe trabalhadora a endossar diferentes grupos nacionalistas. Ou a esquerda nacionalista turca exigigindo uma "Turquia independente" e gritando contra os imperialistas, ao mesmo tempo ignorando o fato de que a Turquia é membro da OTAN, ou aqueles que repugnaram pela brutalidade do Estado no Sudeste com os nacionalistas curdos, e a sua horrível imagem refletida do nacionalismo turco, ou até o anti-Americanismo da esquerda que em voz alta grita "Yankees go home". Para quê? Então podemos ter os nossos próprios "bons" chefes capitalistas turcos. Tudo isso nos enoja. Entristece-nos que seja deixado a um pequeno grupo de internacionalistas defender os princípios da solidariedade da classe trabalhadora internacional.
Quando olhamos para a América, vemos não só Bush, mas também os 100.000 trabalhadores que marcharam contra as leis racistas de imigração no dia 10 de Março em Chicago.
Vemos não só a máquina de guerra imperialista, mas também mais de 6.000 soldados americanos que desertaram, e cruzaram a fronteira canadense e não vão lutar pelo 'seu' país no Iraque.
Quando vemos a Grã-Bretanha, vemos não só Blair, mas também 1.000.000 de pessoas que marcharam nas ruas de Londres contra a guerra no Iraque.
Vemos não só a obediência do Governo britânico à América, mas também Malcolm Kendall-Smith, o oficial da RAF que foi enviado à prisão no dia 14 de Abril por se recusar a ir ao Iraque.
Similarmente quando olhamos para o Iraque, não é só para a resistência nacionalista e Islâmica que vemos, mas também para os milhares de trabalhadores que se manifestaram em Kirkuk para protestar contra o alto custo de vida e a falta de eletricidade e combustível.
Quando olhamos para o Irã, ele não é somente para o Presidente Mahmoud Ahmadinejad, e para a pressão dos estados para obter armas nucleares que olhamos, mas também para a onda de greves de massas através de todo o Irã, que incluiu motoristas de ônibus, trabalhadores têxteis, mineiros, e trabalhadores automotivos.
Trabalhadores, olhem para as greves recentes na França: milhares de estudantes que se manifestam ao lado de trabalhadores grevistas para derrotar uma lei que facilita demitir os trabalhadores jovens. Olhem para a Grã-Bretanha, onde mais de 1.000.000 de trabalhadores pararam na maior greve em oitenta anos para defender os seus direitos de pensão. Olhem para os trabalhadores do Irã que lutam valentemente contra o capitalismo, e o estado a despeito da opressão do regime. Olhem para a classe trabalhadora, não para os nacionalistas com qualquer máscara.
OS TRABALHADORES NÃO TÊM PÁTRIA
PELO INTERNACIONALISMO E PELA LUTA DOS TRABALHADORES
Enternasyonalist Kömunist Sol
(Tradução de um artigo publicado nas páginas espanholas de nosso site, feita espontaneamente por um leitor)
Durante uma semana, a partir de 12 de maio de 2006, no estado de São Paulo e em particular na sua capital do mesmo nome, a maior cidade do Cone Sul e onde também existe uma das concentrações operárias mais importantes do continente americano, produziu-se um dos conflitos armados mais caóticos e violentos sem precedentes, protagonizado pelas máfias de delinqüentes que pululam ao interior da sociedade capitalista e cuja existência depende na maioria dos casos de uma simbiose com as estruturas do poder estatal, em particular com as forças policiais: amotinações de dezenas de milhares de presos, inumeráveis quadrilhas de delinqüentes tomaram de assalto a cidade numa voragem de fogo e ódio irracional disparando contra tudo, queimando bancos, atacando quartéis, matando a quase meia centena de policiais, incendiando dezenas de ônibus. Por sua vez, "as forças da ordem" não só se limitaram a reprimir às máfias mas também manifestaram com a maior ferocidade o terror estatal contra a população dos bairros pobres e marginalizados - as tristemente célebres favelas - perpetrando as mais bestiais matanças contra os trabalhadores e suas famílias inermes que nada tinham a ver com o sucedido. De novo a dança das cifras de mortos, dos trabalhadores, dos jovens executados às dezenas por mãos de policiais encapuzados - comandos da morte - enquanto as autoridades estatais e, em primeira fila, o muito progressista presidente de esquerda do Brasil, Lula da Silva (a quem há quatro anos se apresentou como uma "esperança" para os trabalhadores), começam a reconhecer depois de tantas evidências repugnantes que "pode ter havido abusos por parte das forças da ordem".
Paralelamente a esta barbárie os adoradores do capital, em todo mundo, saem em sua defesa exaltando a notória demanda de que "os governos federal e estadual têm, de imediato, a obrigação de esclarecer os atos criminosos cometidos pelas forças da ordem, compensar às vítimas e sancionar conforme as leis aos responsáveis materiais e intelectuais..." (La Jornada, quinta-feira 25 de maio do 2006). Besteira! Como sempre, as lamúrias impotentes clamando aos exploradores benevolência só procuram perpetuar a ordem existente mediante os hipócritas chamados a melhorar as estratégias de dominação da burguesia, a substituir a brutalidade por métodos mais refinados, os da democracia e a sacrossanta lei capitalistas.
Publicamos um material relativo a uma discussão entre a Oposição Operária e a CCI sobre o Materialismo histórico e, mais particularmente, sobre a caracterização da fase de decadência do capitalismo[1] [84].
Depois de uma primeira discussão sobre a decadência do capitalismo, que teve lugar entre nossas duas organizações no mês de fevereiro de 2006, foi decidido dar continuidade no seio de um âmbito teórico mais amplo, o da teoria do materialismo histórico. É com este objetivo que foram produzidos dois textos:
A discussão continuou, utilizando este material para a reflexão. A partir desta, pode-se concluir que existe uma convergência importante entre nossas organizações considerando a compreensão da teoria do materialismo histórico[3] [86]. O essencial da discussão se dedicou à caracterização da entrada do capitalismo na sua fase de decadência. Os pontos de vista que se expressaram de maneira contraditória correspondem, globalmente, respectivamente aos pontos de vista defendidos nas contribuições citadas acima. Houve uma discordância considerando o método para caracterizar a entrada do capitalismo em decadência, da qual resultam duas visões diferentes do momento em que se iniciou esta fase: começo do século XX para a CCI, década de 70 para companheiros da OPOP.
Após esta discussão, a CCI fez uma outra contribuição ("A Primeira Guerra mundial e a onda revolucionária mundial de 1917-23 abrem a época das guerras e das revoluções") em resposta a alguns argumentos dos "comentários sobre O materialismo histórico de Franz Mehring". Os argumentos desta contribuição correspondem, no essencial, aproximativamente aos argumentos orais desenvolvidos pela CCI na última discussão.
Concluímos a presente introdução com um chamamento aos leitores a participarem através do envio de apreciações, perguntas, contribuições escritas. Todas serão respondidas e eventualmente publicadas.
[1] [87] Esta discussão não se limita a este material. Infelizmente não temos as condições de produzir um relatório dos debates que tiveram lugar em diferentes cidades e momentos.
[2] [88] Franz Mehring (1846-1919): Um dos dirigentes e teóricos da ala esquerda da social-democracia
[3] [89] Falamos somente de uma convergência, não por conta de qualquer discordância que teria ocorrido, nem que houvesse qualquer dúvida a propósito disso. É só que não houve bastante tempo de discussão para poder falar de um acordo total.
No início da humanidade e durante centenas de milhares de anos, o comunismo primitivo constituiu o modo de organização da sociedade humana. Isso significa que, na maior parte de sua existência, os seres humanos viveram numa sociedade sem classes e sem Estado.
Depois apareceram outras sociedades, com outros modos de organização baseados na exploração do homem pelo homem, que se sucederam até o capitalismo atual.
A sucessão destas sociedades deu lugar a evoluções essenciais e evidentes como o crescimento dos meios da produção e aumento da produtividade do trabalho.
Para ilustrar este último ponto, é só comparar, por exemplo, o trabalho de um escravo de Roma, que pode sustentar um pouco mais de um homem, com o trabalho de um operário moderno, que pode sustentar mais de 70 homens. Isso significa que, pela primeira vez na sua existência, a humanidade está em situação de poder escapar do reino da penúria que afeta a grande maioria dos homens.
Questões legítimas nos são imediatamente colocadas: qual foi o motor desta evolução? Qual é seu termo? Será que se trata, como pretende o evolucionismo burguês trivial, de uma ascensão puramente linear, vindo da sombra e indo para a luz, ascensão que culmina no esplendor brilhante da civilização burguesa? Não será a nossa conclusão. Apoiar-nos-emos sobre o método marxista, o materialismo histórico, para explicar a lógica interna desta evolução. Para nós, as riquezas cujo sistema capitalista permitiu a eclosão, graças evidentemente a uma exploração feroz da classe operária, criaram as condições materiais de sua superação por uma nova sociedade. Uma sociedade que não seja mais orientada pelo lucro ou pela satisfação das necessidades de uma minoria, mas orientada para a satisfação da totalidade dos seres humanos.
Na Ideologia alemã, Marx e Engels desenvolveram uma visão coerente das bases práticas e objetivas do movimento da História, completada depois em O Capital e no Prefácio à introdução à contribuição para a crítica da economia política.
Esta visão pode ser resumida da maneira seguinte:
Mas também, segundo esta visão, e aparentemente de maneira contraditória com que acabamos de dizer, "a história de todas as sociedades até agora, é a história da luta de classes". Isso significa, na realidade, que são os homens que fazem conscientemente sua própria história, mas dentro de um âmbito social dado.
A necessidade material de uma mudança social se desenvolve com as forças produtivas, como um processo objetivo independente da vontade dos homens. Mas a própria mudança é a obra dos homens e mais precisamente de uma classe social.
Enfim, uma última idéia essencial considerando a dinâmica de toda sociedade: "Em certa fase de seu desenvolvimento as forças produtivas da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes"
Assim que se manifesta este conflito entre as forças materiais da sociedade e as relações de produção, acontece uma mudança na própria dinâmica da sociedade. As relações de produção que, até então, haviam constituído um contexto favorável para o desenvolvimento das forças produtivas, passam a ser obstáculos ao desenvolvimento destas forças. A partir deste momento, como Marx dizia: "Abre-se, então, uma era de revolução social. A transformação que se produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura."
Estas duas fases da vida da sociedade constituem o que o movimento operário chamará respectivamente, de um lado, a fase de ascendência, ou progressista e, por outro lado, a fase das revoluções sociais, de declínio ou de decadência. Assim, esta última é a fase na qual a revolução, permitindo a substituição das relações antigas de produção por novas relações, passa a ser uma possibilidade material real.
Marx distingue a base econômica da sociedade e sua superestrutura. "O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política".
Todas as manifestações da decadência de uma sociedade podem ser resumidas num estado de crise generalizada atingindo o conjunto da estrutura econômica e da superestrutura:
Assim, o método do materialismo histórico permite colocar em evidência os fatores que explicam a transição entre os diferentes modos de produção comunista primitivo, asiático, escravista, feudal e capitalista. Fazemos agora um salto na História até o capitalismo.
Aqui não é o lugar de desenvolver as características do modo de produção capitalista. Entretanto, tem que assinalar a grande mudança que se produziu: o trabalhador explorado passa a ser livre. Ele é liberto de toda relação de sujeição pessoal com seu explorador, como existia entre o escravo e seu dono o entre o servo e seu senhor. É a condição para que sua força de trabalho se tornasse a ser uma mercadoria que ele tem a liberdade de vender. É o regime do trabalho assalariado.
Quanto às condições de exploração no capitalismo, elas não são mais humanas de que no escravismo ou no feudalismo. Como diz Rosa Luxemburgo na Introdução à economia política, " Não se deixava um escravo morrer de inanição, assim como ninguém deixa morrer seu cavalo ou seu gado". Por enquanto, do ponto de vista dos mecanismos econômicos, nada impede de deixar morrer de fome o trabalhador privado de emprego. Se alguma coisa pode efetivamente se opor a isso, é o medo da luta de classes por parte da classe dominante.
Agora, vamos tratar da decadência do capitalismo à luz do que ensina a decadência das sociedades que precederam.
Um sistema em decadência é um sistema que se choca simultaneamente com dois limites:
O limite exterior do capitalismo é o produto de sua própria história, de sua conquista do planeta. Com efeito, seu desenvolvimento é ligado à história das suas trocas comerciais com as economias pré-capitalistas que ele integra no seio das relações de produção capitalistas.
A necessidade do capitalismo global, de desenvolver relações comerciais com o mundo pré-capitalista se repercute sobre cada potência capitalista, com mais ou menos força. Ela leva cada uma a desejar dispor de seu próprio império colonial para ter acesso a estes mercados e às fontes de matérias primas, sem depender, para isso, da boa vontade das outras potências. A Primeira Guerra Mundial resulta diretamente do fato que o acesso de um país a novas colônias só pode doravante ser efetuado em detrimento de seus rivais.
A catástrofe social constituída pela Primeira Guerra Mundial tem conseqüências sobre todos os aspetos da vida social das principais potências industriais diretamente implicadas. Estas conseqüências se expressam sob a forma de fenômenos que existiram na decadência das sociedades que examinamos:
A Primeira Guerra Mundial deu lugar a um fenômeno desconhecido na história do capitalismo, o surgimento de uma onda revolucionaria Mundial que, como nas fases de decadência precedentes, exprimia:
No momento da Primeira Guerra Mundial, o "limite interior" presente nas decadências passadas, a "queda da produtividade do trabalho" não se manifestou em si. Ao contrario do escravismo ou do feudalismo, a produtividade nunca deixará de crescer no seio da decadência do capitalismo. Entretanto, desde a Primeira Guerra Mundial, os aumentos da produtividade não puderam, na sua totalidade, alimentar a acumulação capitalista; isso porque tiveram que alimentar a carga exorbitante das despesas improdutivas, em particular as despesas ligadas ao desenvolvimento do militarismo.
A partir dos anos 1920, se manifestaram de maneira crônica outras expressões deste "limite interior":
Da mesma maneira que a decadência dos modos de produção anteriores, a decadência do capitalismo não significou a parada do desenvolvimento das forças produtivas, mas uma freada deste desenvolvimento. Da mesma forma, ela não constituiu um fenômeno contínuo de descida no abismo. Com efeito, a classe burguesa foi capaz de impulsionar, por meio de medidas voluntaristas de capitalismo de Estado, o período dita dos "30 anos de ouro", uma exceção no século e no período de decadência.
Entretanto, o afundamento na decadência do capitalismo é certamente o mais brutal que nunca existiu, a tal ponto que é sem equivoco nenhum que o século 20 mereceu seu título do século mais bárbaro que a humanidade nunca conheceu.
A história das sociedades humanas, desde o comunismo primitivo até o capitalismo, constitui certamente um assunto dos mais apaixonantes na medida em que a sociedade futura se vier a existir, será um produto e também a ultrapassagem de todas as fases históricas anteriores e herdeira de toda a sua evolução, desde os primórdios, sobre todos os planos da vida social.
Ao contrário da idéia partilhada e propagada por todos os defensores do capitalismo, este sistema não é eterno, não constitui a forma inultrapassável da organização econômica da sociedade. Tal como os modos de produção que o precederam, o capitalismo é somente uma etapa transitória dentro da sucessão dos modos de produção da história humana e, como seus predecessores, depois de uma fase de progresso, ele é condenado a confrontar-se com contradições insuperáveis, tornando necessária sua ultrapassagem.
Para o homem novo existir um dia, o da sociedade comunista libertada do reino da necessidade, será necessário que a classe revolucionária, o proletariado, seja capaz de derrubar o capitalismo. Isso só pode ser o produto de um ato consciente de vontade e de consciência da parte desta classe revolucionária, mas tem como precondição, que o capitalismo tenha deixado de constituir um sistema progressista para o desenvolvimento das forças produtivas. Será que estamos hoje numa fase decadente da vida do capitalismo? E desde quando? O estudo das fases de ascendência e de decadência que precederam o capitalismo nos ajuda evidentemente a responder esta questão. O assunto desta apresentação que será concluída pela análise da fase atual da via do capitalismo, é justamente de expor no âmbito marxista de análise a sucessão dos modos de produção.
A – Os fundamentos teóricos do materialismo histórico
1) Como Marx o demonstrou, o movimento da História não pode ser entendido a partir das idéias que os homens têm de si mesmos, mas pelo estudo do que serve de base a estas idéias, os processos e as relações sociais pelos quais os homens produzem e reproduzem sua vida material, quer dizer "as relações de produção" ou "a estrutura econômica da sociedade":
Assim, a consciência dos homens, da mesma maneira que as formas políticas, jurídicas, religiosas são o produto das relações sociais de produção:
2) As formações econômicas passam necessariamente por períodos de ascendência e por períodos de declínio ou de decadência:
"Em certa fase de seu desenvolvimento as forças produtivas da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma era de revolução social. A transformação que se produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura" (Prefácio à introdução à contribuição para a crítica da economia política).
3) Entretanto, dizer de acordo com marxismo que "não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas ao contrário que é seu ser social que determina sua consciência", isso não significa por essa razão que a consciência dos homens seja só o reflexo passivo das relações de produção. Ela é ao contrário uma força material de transformação da sociedade, a História sendo a história da luta das classes. Assim, são os homens que fazem sua própria História, mas dentro de um âmbito social dado. A necessidade material de uma mudança social se desenvolve com as forças produtivas, como um processo objetivo independente da vontade dos homens. Mas a própria mudança é obra dos homens e mais precisamente de uma classe social.
Assim, com Marx, deve-se distinguir dois "níveis" ligados, mais distintos:
4) Em particular, as manifestações diferentes da decadência de uma sociedade podem ser resumidas num estado de crise generalizada atingindo o conjunto dos domínios e das estruturas da vida social:
5) No famoso prefácio citado acima, Max distingue três principais tipos de sociedades que antecederam o capitalismo: "Esboçados, em largos traços, os modos de produção asiáticos, antigos, feudais e burgueses modernos, podem ser designados como outras tantas épocas progressivas da formação social econômica". Entretanto, em textos ulteriores, Marx e Engels acrescentaram a esta lista o comunismo primitivo que é estudado notadamente em A origem da família, da propriedade privada e do estado (livro publicado por Engels pouco depois da morte de Marx que, também, tinha participado na sua realização).
Geralmente, os modos de produção anteriormente descritos sucederam nesta ordem, mas não faltam exemplos nos quais uma destas etapas foi "saltada" (por exemplo, a passagem direta do comunismo primitivo à escravidão, até mesmo ao feudalismo).
Mais adiante examinaremos os diferentes modos de produção, sua ascendência e a sua decadência, aplicar-nos-emos em distinguir entre "a mudança material das condições de produção econômica" e a superestrutura, sem com isso perder de vista a ligação que os une.
6) Antes de examinarmos os diferentes modos de produção[1] [90], queríamos ressaltar alguns erros "clássicos" feitos na aplicação do método do materialismo histórico. Trata-se de visões reducionistas, esquemáticas manifestadas notadamente:
B – A mudança material das formas econômicas
A)
Instauração
A forma
de organização social no começo da humanidade era o comunismo primitivo. Apesar
de importantes diferenças locais relacionadas com elementos geográficos,
climáticos ou históricos, os traços essenciais das sociedades primitivas
consistiram na propriedade comum dos meios de produção (essencialmente a terra)
e a exploração coletiva dos recursos e territórios de caça, cujos produtos eram
repartidos de maneira eqüitativa entre a população. A idéia da propriedade
privada inerente à natureza humana é só um mito, popularizado amplamente pelos
economistas burgueses desde o século XVIII, com intento de apresentar o sistema
capitalista como se fosse o mais "natural", aquele que corresponderia
melhor aos "instintos profundos do homem".
Estas relações não eram a expressão de uma ideologia de fraternidade, nem a obra de um deus com vontade de igualdade entre suas criaturas. É a impotência dos homens diante de uma natureza hostil, quando o nível das técnicas era baixo, que resultou na necessidade de coesão e obrigou os homens a viver em comunidades sólidas utilizando coletivamente os poucos meios de produção. A ideologia coletivista que existia era em primeiro lugar uma conseqüência destas relações e não o contrário.
B) Decadência e ultrapassagem
Hoje, apesar de termos acesso a uma maior
quantidade de material sobre o comunismo primitivo do que na época de Marx, o
que ele dizia sobre isso tem ainda uma certa validade :
Não são fatores ideológicos que estão na origem do desaparecimento do comunismo primitivo, e sim as condições materiais. Quando examinamos a evolução pela qual estas sociedades se transformaram em sociedades de exploração, com as divisões entre classes e depois o aparecimento da propriedade privada, pode-se constatar que ela é o resultado do progresso das técnicas de produção.
Deixemos de lado o caso desta "evolução" resultado da obra "civilizadora" dos massacres coloniais europeus a partir do século XV.
Admite-se que, segundo as regiões do globo e as condições históricas globais, as sociedades de comunismo primitivo desagregaram-se para dar lugar seja ao modo de produção asiático, seja ao modo escravista, seja ao feudalismo.
Quando uma comunidade esgotava a fertilidade de suas terras, quando sua caça estava mudando de lugar ou quando sua população se tornava importante demais em relação a seus meios em geral, ela se encontrava na obrigação de estender sua dominação ou de estabelecê-la sobre novos territórios. Nas regiões com uma densidade de população relativamente alta – bacia mediterrânea por exemplo – este crescimento só podia acontecer em detrimento de outras comunidades.
No começo, as guerras resultantes desta situação só podiam se exprimir sob a forma de matanças, às vezes dando lugar à antropofagia, para tomar posse das terras do povo vencido. Quando o nível da produtividade só permitia a cada homem produzir o mínimo necessário para sua sobrevivência individual, o vencedor não tinha nenhum interesse em incorporar "novas bocas" no seio da comunidade esfomeada. Era necessário que a produtividade aumentasse, para o povo vencedor ter a possibilidade de se aproveitar do trabalho forçado e gratuito fornecido pelos homens vencidos. Isso constitui a base das primeiras sociedades de exploração escravistas [4] [93].
A)
Instauração
Este tipo de modo de produção foi identificado
por Marx na Ásia, mas não estava limitado a esta região geográfica.
Historicamente, correspondeu a sociedades megalíticas e a egípcia, etc. indo
até 4000 anos AC, como a culminação de um processo lento da divisão das
sociedades em classes.
Este sistema econômico ainda mal conhecido é geralmente o resultado da necessidade de algumas comunidades no enfrentamento dos problemas colocados pela natureza em certas regiões (aridez do solo, inundações, monção, etc.). Em tais regiões, as comunidades tiveram a obrigação premente de estudar os ciclos da natureza, de empreender obras de controle das águas, etc., para assegurar sua sobrevivência. A complexidade das obras, os conhecimentos técnicos que tiveram que mobilizar, assim como a necessidade de uma autoridade para coordenar o trabalho engendraram uma camada de especialistas (os sacerdotes, mais predispostos ao estudo e à observação da natureza muitas vezes estiveram na formação destas castas). Encarregados de uma tarefa específica a serviço da comunidade, estes especialistas (que aparecem como os criadores de riquezas novas) tendem a se constituir em casta dominante. Eles se apropriam progressivamente do excedente social em detrimento da coletividade. Desta maneira, o desenvolvimento das forças produtivas transformou estes servidores da sociedade em exploradores. A diferenciação social que se desenvolveu levou à criação de um poder político constituído em Estado numa sociedade real ou imperial. O modo de produção asiático, entretanto, deixa subsistir relações de tipo comunitário no seio das células de produção próprias. Mas uma primeira ultrapassagem do comunismo primitivo é realizada. O aparelho de Estado central, que agrupa o conjunto da classe dominante, apropria-se do sobre-trabalho das comunas aldeãs que ainda viviam da terra, essencialmente segundo as tradições imemoriais da vida tribal. A escravatura existia neste modo de produção, mesmo num nível considerável através da existência de serventes, trabalhadores de grandes obras públicas, etc., mas só raramente se encontrava no trabalho agrícola e não era a forma dominante de produção.
Marx deu uma definição muito clara sobre isto n’O Capital:
B) Decadência e ultrapassagem
A necessidade de aplicar técnicas de produção
provocou a passagem para novas relações de produção e o abandono das velhas. A
introdução de novas técnicas acabou por sua vez com os restos de relações
comunistas no seio destas sociedades, notadamente no seio das comunas aldeãs
que ainda viviam, essencialmente, segundo as tradições imemoriais da vida
tribal. Assim, por exemplo, a fertilização da terra e a necessidade de criar
uma relação mais estreita entre o trabalhador e a terra, resultaram na maioria
dos casos no abandono dos costumes de redistribuição sistemática das terras por
acaso ou em função das necessidades das famílias. A necessidade de assumir uma
maior continuidade no cuidado da terra, às vezes os excessos da pressão fiscal provocaram
a passagem da propriedade comum à propriedade privada. E com esta, a
desigualdade lentamente se desenvolve obrigando uma parte da sociedade a
trabalhar sobre as terras dos mais ricos em contrapartida de uma porção do
resultado da produção. A sociedade se hierarquiza inteiramente tomando a forma
de sociedades de servidão ou feudalismo.
Todas estas sociedades desapareceram entre 1000 e 500 AC. A sua decadência manifestou-se nas recorrentes revoltas camponesas, no desenvolvimento gigantesco dos gastos improdutivos do Estado e nas guerras incessantes entre estados tentando através da pilhagem encontrar uma solução para os bloqueios internos da produção. Os conflitos políticos intermináveis e as rivalidades intestinas no seio da casta dominante levaram os recursos da sociedade à exaustão, e os limites geográficos dos impérios mostraram o máximo nível de desenvolvimento compatível com as relações de produção a que podiam chegar.
A) Instauração
O escravismo foi o resultado do desenvolvimento
das forças produtivas em regiões onde um povo tinha conquistado um outro.
Nestas circunstâncias, o escravismo permite a apropriação por um grupo social
do trabalho excedente realizado pelo resto da sociedade.
Em Roma, a nova força constituída pelos proprietários rurais, que se apropria da terra segundo um modo de propriedade privada, impõe-se pelo combate contra a classe dos príncipes da sociedade régia etrusca, que ainda sobrevivia graças ao tributo extorquido de um conjunto de coletividades produzindo ainda segundo relações comunitárias herdadas das sociedades pós-neolíticas.
Os donos de escravos, classe dominante ávida de lucro e de privilégios tornam-se os motores do desenvolvimento das forças produtivas. Entretanto, este desenvolvimento estreitamente ligado às guerras de conquista, manifesta-se em todos os lugares sob a forma do aumento do número dos escravos e da construção de obras facilitando a pilhagem dos países conquistados. A Grécia antiga e Roma se edificaram e se desenvolveram sobre estas bases.
A economia escravista romana é fundada sobre a pilhagem e a exploração dos povos conquistados que fornecem a Roma o essencial de seus meios de subsistência (comida, tributos e escravos). Acontece freqüentemente que bens "importados" sejam produzidos sob modos de produção diferentes como o modo de produção asiático. Mas a metrópole continua existindo no escravismo que considera essencialmente as explorações agrícolas extensivas (oliveiras, criação de gado) e grandes obras.
Desta forma, o poder político muitas vezes se confunde com o poder da casta militar triunfante. Da mesma maneira, a prosperidade econômica se confunde com as capacidades belicosas da metrópole.
O grande desenvolvimento da civilização latina corresponde ao período das grandes vitórias e conquistas de Roma. Seu apogeu é o de Roma dominando o mundo mediterrâneo que ela saqueia.
B) Decadência
O começo da decadência romana é marcado pelo
fim da expansão (no século II DC) e pelas primeiras derrotas do império (no
século III). Em 251, o imperador Decius é vencido e executado pelos
Godos; em 260, o imperador
Valeriano é preso e depois humilhado pelo rei dos Persas. Durante o século III,
revoltas estouraram em várias partes do império, pela primeira vez de maneira
simultânea.
A dificuldade de manter a dominação sobre um império tão gigantesco, com os meios da época, explica em parte o fim da expansão de Roma. Mas é sobretudo a diferença entre a produtividade econômica débil da Roma escravista e das suas colônias (que várias vezes tiveram uma produtividade superior com modos de produção asiáticos) que tornava inevitável a revolta vitoriosa destas últimas.
As relações de produção escravistas só são compatíveis com uma produtividade baixa do trabalho. Nas condições da época, um aumento desta última necessitava um aperfeiçoamento do trabalho da terra, a utilização da charrua,[5] [94] o desenvolvimento da fertilização da terra e da irrigação sistemática, quer dizer a criação de uma ligação íntima entre o trabalhador e a terra, permitindo a utilização destas técnicas novas de produção. Um tal progresso necessitava a renúncia ao trabalho escravo, em que o trabalhador é sustentado por seu dono, qualquer que seja sua produtividade, e cuja principal motivação para produzir é o medo da punição.
O escravismo era rentável só como meio de explorar os povos conquistados. Quando estas conquistas param ou se reduzem, tem como resultado o esgotamento da fonte do espólio, do tributo e dos escravos, provocando além disso o aumento do valor dos escravos, então o escravismo se torna um sistema não rentável , um obstáculo ao desenvolvimento da produção.
As crescentes necessidades do império, a pressão demográfica, a gestão de um território cada vez maior impuseram a Roma que se estendesse além dos limites permitidos por suas relações de produção. A apropriação privada da terra e a pequena produtividade do escravismo obrigaram Roma a pilhar trigo para se alimentar e a importar escravos para trabalhar a terra. Chegou a um estágio de sua expansão em que Roma não tinha mais a capacidade de se alimentar : as conquistas eram cada vez mais distantes e difíceis de manter, o escravo era mais e mais caro. Na ausência de inovações tecnológicas, a agricultura sofre a lei do rendimento decrescente, a fome se desenvolve, a natalidade baixa, a população decresce, é a decadência romana.
Quando analisaram a evolução do modo de produção escravista, Marx e Engels chamaram a atenção, n’ A Ideologia Alemã (1845-46) para as características gerais da decadência neste sistema:
C) Ultrapassagem
Ultrapassar a ínfima produtividade do
escravismo necessitava de outras relações de produção mais elevadas . Mas isso
implicava necessariamente uma revolução social, a perda do poder da antiga
classe dominante vinculada a estas relações de produção.
A necessidade da passagem para um novo tipo de relações de produção provocou na metrópole o aparecimento de explorações agrícolas de tipo feudal, nas quais grandes donos cediam quinhões de terra a famílias forras ou livres, em contrapartida de uma parte de sua produção. Mas a superação do escravismo tem também como conseqüência a negação dos privilégios da classe dominante. A "colisão" entre o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade e as relações de produção existentes precipita Roma na sua decadência. O desenvolvimento da produção afrouxa ou para:
D) O caso do escravismo como modo de
produção não dominante
O modo de produção das sociedades escravistas
que acabamos de estudar se apóia de maneira dominante sobre o escravismo. O
escravismo existiu em outras sociedades nas quais não constituiu, entretanto, o
modo de produção dominante.
Antes a Grécia antiga :
Assim, o período micênico (século XV e XIII antes da nossa era) deixou testemunhos da existência de escravos :
Do mesmo modo, apesar de ter sido suplantado por um modo de produção mais produtivo, o escravismo continuou existindo na Idade Média:
O desenvolvimento do capitalismo na Europa e a conquista dos continentes africanos e americanos impulsionaram a exploração por meio do escravismo que jogou um papel essencial na fase de acumulação primitiva do capital;
A importância dos escravos é tão grande que, para 1860, no sul dos Estados Unidos, existe "uma relação de um para três entre o número de escravos e a população total", a mesma proporção de que foi estimada em Atenas em 317 antes AC.
Os escravos, vítimas de seqüestros coletivos ou comprados na África, são empregados essencialmente, num primeiro tempo, na cultura da cana de açúcar:
a extração mineira, a cultura do café e, por fim e sobretudo, a cultura do algodão:
Marx sublinha, por ocasião de sua polêmica com Proudhon em Miséria da filosofia, a importância do escravismo no desenvolvimento do capitalismo:
Rosa Luxemburgo, na sua Introdução à economia política, dá conta do mesmo fenômeno:
Em O Capital, Marx descreve os traços característicos do escravismo e do feudalismo sob a dominação do modo de produção capitalista:
A barbárie da acumulação primitiva não é mais poupada ao escravo do que ao operário na Inglaterra do século XIX:
Como entender então o fim do escravismo no seio do mundo dominado pelo capitalismo. A explicação dada, considerando os Estados Unidos, vale para o conjunto do mundo doravante dominado pelo capitalismo industrial moderno:
A) Instauração
O
feudalismo ocidental nasceu na decadência de Roma. Depois de dois séculos de
decadência, na periferia do império começaram a se instaurar novas relações de
produção: a servidão. Os antigos senhores romanos libertaram seus escravos que
então puderam cultivar um pedaço de terra e possuírem seus meios de produção em
contrapartida de uma fração de sua colheita. Foi preciso entre 4 e 6 séculos
para que estas relações se desenvolvessem e se generalizassem.
Depois de uma transição de 7 séculos, do ano 300 até o ano 1000, durante a qual a nova classe feudal e as novas relações de produção da servidão se instalaram, desenvolve-se a fase ascendente, do ano 1000 até o século XIII:
Depois do escravismo ou do modo de produção asiático, o sistema feudal permitiu durante séculos, um novo desenvolvimento das forças produtivas da sociedade.
Nas relações autárquicas feudais, o trabalho da terra chegou a um aperfeiçoamento sem igual até este momento: melhoria da charrua, ferragem dos animais, melhoria da atrelagem (pela cabeça ou pelo pescoço em lugar da barriga), desenvolvimento da irrigação e da fertilização da terra, etc. Mas o maior fator do desenvolvimento foi o arroteamento:
Além disso, e particularmente, o aperfeiçoamento do trabalho agrícola foi acompanhado por um potente desenvolvimento do artesanato. Entretanto, este existe como simples apêndice da economia agrícola através da produção de instrumentos de trabalho e de alguns bens de consumo para a classe dominante (essencialmente roupa e instrumentos de guerra). O artesanato beneficiou de novas necessidades de ferramentas, assim como do crescimento dos recursos da classe dos nobres resultando do aumento da produtividade agrícola. Este último fator é ainda mais importante devido ao fato que a classe dos nobres, que não conhece a acumulação para a extensão da produção (um objetivo especifico da burguesia), gasta todo seu lucro para seu consumo pessoal.
Deve-se notar, entretanto que o feudalismo não surge somente do desmoronamento da sociedade escravista romana, mas também das características especificas da comunidade tribal "germânica"; e a tradição das terras comunitárias foi mantida pelas classes camponesas várias vezes como questão, motivando suas revoltas e insurreições ao longo da época medieval.
A característica principal de todas estas formas sociais é que elas foram dominadas pela economia natural: a produção de valor de uso tinha o ascendente sobre a produção de valor de troca. E é justamente o desenvolvimento desta última que constitui o fator dissolvente da comunidade antiga.
B) Decadência
Mas, a partir do século XIII, o feudalismo se
choca com o limite das possibilidades de extensão das superfícies cultiváveis .
A superfície das terras cultiváveis cresce com menor rapidez que a população e não permite compensar a queda da produtividade do trabalho:
A sociedade não consegue encontrar no seu seio como compensar a insuficiência crescente da produção agrícola em relação a suas necessidades:
No século XIV, o feudalismo entrou na sua fase de decadência até o século 18:
A partir daí, a sociedade só pode sair do impasse por um novo desenvolvimento da produtividade do trabalho. Ora, esta última chegou quase a atingir seus limites extremos no contexto da exploração quer seja familiar artesanal ou baseado sobre o modo de produção feudal. Só a passagem do trabalho individual ao trabalho associando vários homens pode, nestas condições, pela divisão do trabalho e a otimização de meios de produção mais complexos, permitir o crescimento necessário da produtividade.
O desenvolvimento do artesanato provocado pelo feudalismo criou, entretanto, nas cidades que estavam renascendo, os embriões necessários para tal forma de trabalho.
Mas o modo feudal de organização é a própria negação das condições que permitiriam um real desenvolvimento desta forma econômica:
A sociedade feudal desrespeita o trabalho, considerado como aviltante. O senhor feudal faz questão de mostrar sua potência, consumindo integralmente suas rendas. A economia feudal ignora e condena a acumulação com objetivo de acrescentar a produção, privando assim a manufatura das condições de seu desenvolvimento.
Assim, limitado na sua expansão pela dificuldade de continuar acrescentando superfícies cultiváveis e impedindo ao mesmo tempo o desenvolvimento de uma nova forma de economia mais produtiva, o feudalismo depois de ter permitido um novo desenvolvimento das forças produtivas, torna-se por si, a partir do século XIV, uma barreira contra este desenvolvimento.
O que não conseguia atingir mais por via da dominação econômica e política sobre os camponeses, a nobreza feudal buscava cada vez mais pela violência. Confrontada com as crescentes dificuldades em extrair suficiente trabalho excedente através das rendas feudais (corvéia, etc.), a nobreza embrenhou-se em conflitos internos insanáveis que não teve outras conseqüências senão arruiná-la a si mesma e à sociedade feudal como um todo. A Guerra dos Cem Anos, que destroçou a população européia, e as incessantes guerras monárquicas são os exemplos mais evidentes:
Como a decadência do escravismo, a decadência do feudalismo provoca fomes, o crescimento das forças produtivas tornando-se claramente inferior ao crescimento da população. As fomes são geralmente acompanhadas por epidemias cuja expansão é facilitada pela baixa nutrição da população. Assim, de 1315 até 1317, uma fome terrível devastou a Europa inteira e, trinta anos mais tarde, a peste preta de 1347 até 1350, foi responsável pela perda de quase um terço de sua população.
C) Ultrapassagem
A decadência feudal, iniciada no século XIV,
continuou até a mudança de seus últimos rastros jurídicos pelas revoluções
burguesas na Inglaterra e na França. Mas, desde o início do século XIV, um novo
tipo de relação de produção começou a se impor no conjunto da sociedade: o
capitalismo. Desenvolvendo-se na luta contra os obstáculos feudais, ele foi o
grande beneficiário do marasmo do século XIV por ter permitido a retomada da
vida econômica.
Em 1884 Engels produziu um complemento ao seu estudo As Guerras Camponesas na Alemanha, com o objetivo de definir um quadro histórico global do período em que esses eventos tinham ocorrido. O título desse complemento, desse anexo é bem explícito: “Sobre o declínio do feudalismo e a emergência dos Estados nacionais”. Aqui estão alguns extratos significativos:
No seio desta decadência, começa a partir do século XVI, a transição para o capitalismo.
A burguesia nasceu no seio da decadência feudal:
Dois séculos de decadência feudal foram necessários para que aparecessem as relações de produção capitalistas e mais três séculos ainda para que se desenvolvessem e se generalizassem.
C – Algumas
caracterizações econômicas essenciais da entrada
em decadência de um modo de
produção
O desenvolvimento das forças produtivas é o resultado de dois fatores diferentes:
Um sistema em plena expansão combina geralmente os dois fatores e um sistema em crise é um sistema que se choca com limites relativos a estes dois fatores.
Assim, pode-se falar de um "limite exterior" à expansão do sistema (incapacidade de estender a dominação do sistema) e de um "limite interior" (incapacidade de ultrapassar um certo nível de produtividade).
Consideremos o caso do Império Romano no momento do fim do escravismo. O "limite exterior" é constituído pela impossibilidade material de continuar a estender a superfície do Império. O "limite interior" resulta da impossibilidade de aumentar a produtividade dos escravos sem mudar profundamente o próprio sistema social, sem eliminar o estatuto do escravo.
Considerando o feudalismo, é o fim do arroteamento, a incapacidade de encontrar novas terras cultiváveis que joga o papel de "limite exterior", o "limite interior" sendo constituído pela impossibilidade de aumentar a produtividade do servo ou do artesão individual sem transformá-los em proletários, sem introduzir o trabalho associado pelo capital, quer dizer sem mudar a ordem econômica feudal.
Estes dois tipos de limites são ligados dialeticamente. Roma não pode estender indefinidamente seu Império por conta de seus limites técnicos (produtividade). No inverso, sendo maiores são as dificuldades para se estender, ela tem a obrigação de aumentar sua produtividade, levando-a, assim, até seus limites extremos. Da mesma maneira, considerando o regime feudal, quanto mais as terras são raras, mais é preciso aumentar a produtividade feudal até levá-la aos confins do capitalismo.
A cada estágio no desenvolvimento das forças produtivas, quer dizer a cada nível global da produtividade, corresponde um determinado tipo de relações de produção. Quando a produtividade se aproxima de seus últimos limites dentro do sistema, se este último não for mudado então a sociedade entra numa fase de decadência econômica. Produz-se a partir deste momento uma espécie de fenômeno "bola de neve": as primeiras conseqüências da crise transformando-se em fatores aceleradores desta última. Por exemplo, tanto no fim de Roma como no declínio do feudalismo, a queda das rendas das classes dominantes impõe-lhes reforçar a exploração da mão de obra até o esgotamento. Disso resulta, em ambos casos, um descontentamento crescente dos trabalhadores e, por conseqüência, uma nova aceleração da baixa da renda extorquida aos explorados. Da mesma maneira, a impossibilidade de incorporar novos trabalhadores na produção obriga a sociedade a sustentar uma camada de inativos que só podem constituir uma nova carga sobre o sobre-trabalho extorquido. Aconteceu uma desvalorização rápida das moedas tanto no Império Baixo[8] [97] Romano como no fim da Idade Média.
Paralelamente a estas conseqüências econômicas, a crise provoca uma série de convulsões sociais que vêm agravar a atividade econômica já debilitada. O desenvolvimento da produtividade se choca sistematicamente contra as estruturas sociais, impedindo cada vez mais qualquer novo desenvolvimento das forças produtivas. A superação da velha sociedade está colocada na ordem do dia, ilustrando assim estas palavras de Marx:
Na realidade, deve-se notar que nenhum sistema jamais chegou a desenvolver TODAS – no sentido próprio do termo – as forças produtivas que teoricamente pode conter. Por um lado, as conseqüências econômicas que expomos e a série de catástrofes sociais resultado das grandes dificuldades econômicas, constituem obstáculos impedindo o sistema de realmente chegar a seus limites. Antes do último instrumento de produção tiver aparecido, se a produção começa a decrescer, a existência do sistema perde sua justificação histórica e tudo na sociedade tende a agir no sentido de sua superação.
Sob a pressão das forças produtivas, as bases da nova sociedade começam a se desenvolver no seio da antiga. O feudalismo aparece no próprio seio do Império Romano escravista. As primeiras explorações feudais em Roma eram lideradas, muitas vezes, por ex-membros do Senado municipal que tinham fugido do Estado que os culpava por ter recolhido impostos. Da mesma maneira, no fim do feudalismo, homens membros da nobreza se tornam homens de negócio e, nas cidades – várias vezes em luta contra os senhores feudais – estão se desenvolvendo as primeiras manufaturas anunciando o capitalismo.
Estes primeiros "centros do sistema futuro" (grandes explorações romanas, cidades burguesas) nascem na maioria dos casos como o resultado da desagregação do sistema antigo. Encontra-se, naqueles, todo tipo de elementos tentando fugir do sistema. Produtos da decadência, eles constituem rapidamente, por sua vez, fatores aceleradores desta.
As condições materiais permitindo a passagem para um tipo novo de sociedade já existem no seio da sociedade antiga e a pressão que exercem já é forte o bastante para que comece a germinar um novo sistema, ilustrando assim que :
Não basta a produção se aproximar de seus últimos limites na sociedade antiga. É preciso ainda que os meios de ultrapassá-la já existam ou estejam em formação. Quando estas duas condições são historicamente realizadas, a adoção pela sociedade de novas relações de produção chega à ordem do dia. Mas a resistência da sociedade antiga (resistência das antigas classes privilegiadas, inércia dos costumes e hábitos ideológicos, religião, etc.) e a eventual diferença entre a realização destas duas condições, impedem que a passagem seja efetuada segundo uma progressão contínua.
A fase de decadência de um sistema é este período no qual o salto histórico que deve ser realizado ainda não foi feito; é a expressão de uma contradição crescente entre as forças produtivas e as relações de produção. É o mal-estar de um corpo que cresce numa roupa que está se tornando estreita demais.
Presa por suas contradições, a sociedade conhece uma série de fenômenos característicos traduzindo o crescente mal-estar. São estes fenômenos que vamos tentar de evidenciar agora.
D – A mudança na superestrutura
Quando a economia estremece, o conjunto da superestrutura entra em crise e se desagrega através manifestações típicas da decadência de um sistema. Tanto na decadência do escravismo como na do feudalismo, existem quatro fenômenos sintomáticos desta decadência que não têm nada a ver com coincidências históricas:
A) Os fundamentos da ideologia dominante no
seio da sociedade
A ideologia dominante no seio de uma sociedade dividida em classes é
obrigatoriamente a ideologia da classe dominante. A capacidade de enriquecer e
desenvolver estas formas ideológicas depende da capacidade real desta classe
fazer admitir sua dominação ao conjunto da sociedade. Uma sociedade só pode
aceitar uma ideologia quando o sistema correspondente pode satisfazer suas
necessidades.
No mais, quando um sistema econômico assegura a prosperidade e a segurança, os homens adotam as idéias que justificam sua existência como sistema dominante. Em condições de extensão econômica, as injustiças das relações econômicas podem aparecer como "maus necessários". A convicção que "cada um pode encontrar seus interesses" permite o desenvolvimento de idéias democráticas – em particular no seio da fração que se beneficia mais desta situação, a classe dominante. Assim, o regime da república corresponde ao período mais próspero da economia romana; no feudalismo em expansão, o rei é somente o soberano primeiro eleito entre seus pares.
O próprio direito é relativamente pouco desenvolvido pois o sistema corresponde suficientemente às necessidades objetivas das sociedades para que a maior parte dos problemas possa se resolver "pela própria força das coisas".
As ciências tendem a se enriquecer, as filosofias tendem para o racionalismo, ao otimismo e à confiança no homem.
A cara hedionda de toda sociedade de exploração tende espontaneamente a ser dissimulada atrás da cara de prosperidade e, por conta disso, as ideologias ficam menos presas na sua elaboração pela necessidade de mascarar a realidade e de justificar o que não pode ser. A própria arte reflete este otimismo e conhece geralmente seus momentos mais altos nos períodos econômicos mais prósperos. O que era chamado "a idade de ouro" da arte latina corresponde ao período de grande expansão do Império, por exemplo. Da mesma maneira, na prosperidade dos séculos XI e XII, o feudalismo conhece um imenso renascimento artístico e intelectual. As catedrais góticas constituem um testemunho disso.
B) O enfraquecimento da ideologia dominante
Mas, basta que as relações de produção se transformem numa canga para a vida da
sociedade e todas as formas ideológicas correspondentes ao passado ficam desenraizadas,
privadas de conteúdo, contraditas abertamente pela realidade. No Império Romano
decadente, a ideologia do poder político só pode tomar um caráter cada vez mais
sobrenatural e ditatorial. Da mesma maneira, a decadência feudal é acompanhada
pelo reforço do caráter divino da monarquia e das fontes dos privilégios da
nobreza, ameaçados pelas relações mercantis introduzidas pela burguesia.
Filosofias e religiões expressam um pessimismo crescente. A confiança no homem dá lugar à resignação diante da realidade e ao obscurantismo crescente: desenvolvimento do estoicismo (elevação do homem pela dor) e do neoplatonismo (incapacidade do homem a apreender por sua razão os problemas do mundo) no Império Baixo Romano. O fim da Idade Média conhece o mesmo fenômeno:
Tudo isso expressa a diferença crescente entre as relações que regem a sociedade e as idéias que os homens tinham daquelas até este momento.
As únicas formas ideológicas que podem tomar um real impulso nestas épocas são, de um lado, o direito e, por outro lado, as ideologias anunciando a nova sociedade.
O direito numa sociedade dividida em classes só pode ser a expressão dos interesses e da vontade da classe dominante formalizados sob a forma de leis. É o conjunto da regras que permitem o bom funcionamento do sistema de exploração. O direito conhece assim um desenvolvimento no começo da vida de um sistema social, quando são estabelecidas as "novas regras do jogo", mas também no fim de um sistema quando a realidade o faz cada vez mais inadequado e impopular, e a vontade da classe dominante vira um elemento cada vez mais importante para manter suas relações vivas. Nestas circunstâncias, o direito traduz a necessidade de reforçar o quadro opressivo necessário à vida de um sistema que se torna caduco. É a razão pela qual o direito se desenvolve tanto na decadência romana quanto na do feudalismo. Diocleciano, o maior imperador do Império Baixo foi também aquele que redigiu o maior número de editos e de rescritos.[9] [98] Da mesma maneira, a partir do século XIII, começam a aparecer as primeiras compilações de direto consuetudinário.
C) O aparecimento das idéias revolucionárias
Paralelamente ao reforço do direito da sociedade antiga na sua decadência, as
idéias revolucionárias que preconizam um novo tipo de relações sociais começam
a aparecer. Elas tomam a forma de críticas, contestatórias pois
revolucionárias. É a justificação da nova sociedade. Este fenômeno é
particularmente evidente a partir do século XV na Europa ocidental.
O protestantismo (e particularmente o de Calvino), religião opondo-se ao catolicismo, admite o empréstimo com juro (condição de vida do capital); preconiza a elevação espiritual pelo trabalho; glorifica do ponto de vista da religião cristã "o homem bem sucedido" (por oposição aos privilégios "de fonte divina" da nobreza e justificando assim a nova situação do plebeu burguês novo-rico); questiona o papel sobrenatural da igreja católica (principal senhor feudal) para preconizar a interpretação da bíblia pelo homem por si, sem intermediário. Assim, esta nova religião constitui um elemento ideológico anunciando e favorecendo o capitalismo.
Da mesma maneira, o desenvolvimento do racionalismo burguês, cuja expressão última terminará com os filósofos e economistas dos séculos XVII e XVIII, traduz o elemento revolucionário do conflito no qual a sociedade é submersa
Dissolução da ideologia antiga dominante, reforço da ideologia da nova sociedade, obscurantismo contra racionalismo, pessimismo contra otimismo, direito coercitivo contra direito construtivo, encontramos como o diz Marx:
A prosperidade de um sistema de exploração permite uma harmonia relativa entre exploradores. Quando a rentabilidade do sistema diminui, quando o lucro entra em queda, a harmonia dá lugar às guerras entre aproveitadores. Assim, paralelamente a pilhagem que caracteriza o fim do Império Romano e da Idade Média, assistimos à multiplicação das guerras entre frações da classe dominante.
A partir do século II, em Roma, assistimos às guerras entre cavaleiros, burocratas, comandantes de armadas contra os senadores e patrícios:
No fim da Idade Média, as guerras entre os "coligados" tomam proporções tão importantes que os reis ocidentais são obrigados proibi-las e Luis IX irá até impor a interdição do porte de arma. A guerra de Cem anos também é uma expressão deste tipo de fenômeno.
Quando a classe dominante não pode mais controlar o quadro geral das contradições do sistema que provocam a queda dos lucros, a solução que se impõe o mais imediatamente é aquela que consiste, a cada fração, em apoderar-se do lucro das outras ou, pelo menos, apoderar-se dos meios de produção permitindo a criação de lucro (por exemplo, os feudos da época feudal).
A decadência de um sistema é caracterizada pelo desenvolvimento da miséria e a intensificação da exploração:
O agravamento da miséria e da exploração tem por efeito acentuar a luta dos explorados contra os exploradores enquanto, ao mesmo tempo, desenvolve-se a luta da classe portadora da nova sociedade. As reações dos trabalhadores são violentas e finalmente tão nefastas para o crescimento da produtividade que, tanto no fim do Império quanto no fim da Idade Média, houve tentativas de substituir as punições por medidas destinadas a interessar os explorados na produção (alforria de escravos ou de servos)[10] [99].
Paralelamente às revoltas de uma nova classe (grandes proprietários feudais, no fim do Império, burguesia no fim do feudalismo), a classe portadora da nova sociedade começa a estabelecer as bases do seu próprio sistema de exploração, arruinando assim as bases do antigo sistema.
Assim, a velha classe privilegiada deve assumir um combate permanente ao mesmo tempo contra as classes exploradas e contra a classe portadora da nova sociedade.
Estas lutas de classes se desenvolvem várias vezes no seio de um clima social feito de caos que é o próprio produto da decadência.
Durante esta luta, a futura classe dominante sempre encontrou nas revoltas dos produtores a força que lhe faltava para derrubar as estruturas antigas que passaram a ser reacionárias. É só no caso da revolução proletária que a classe portadora da nova sociedade é ao mesmo tempo portadora da nova sociedade e classe explorada.
Todos estes elementos explicam o fato que a decadência de uma sociedade provoca necessariamente um renascimento decisivo da luta de classes.
Assim no Império Romano:
Da mesma maneira no fim da Idade Média:
As revoluções de Cromwell em 1649 na Inglaterra e a revolução de 1789 serão o resultado espetacular das lutas que provocam o declínio da sociedade feudal e o nascimento do capitalismo.
O desenvolvimento, a conservação e a superação de uma sociedade dada são obra de grupos de homens com a determinação de agir segundo sua posição econômica no seio do sistema. A força de conservação de um sistema é, antes de tudo, a força da classe que tira daquele o maior lucro. A força de uma nova sociedade também é a força da classe que encontra o maior interesse na sua instauração.
Assim, é na ação das classes sociais que se concretizam todas as forças objetivas que mergulham a sociedade numa contradição. No momento dado, o conflito de classes nada mais é que o conflito que opõe, na realidade, o desenvolvimento das forças produtivas às relações de produção existentes.
Se o direito expressa os interesses e a vontade da classe dominante sob a forma de leis, o Estado representa a força armada encarregada de fazê-los respeitar. Ele é o que garante a ordem necessária à exploração de uma classe por outra. Diante das desordens econômicas e sociais que caracterizam a fase de decadência de um sistema, o Estado só pode se reforçar. O desenvolvimento da função provoca o desenvolvimento do órgão.
A) Contra a desordem social
Nascido como uma força armada da classe dominante, o Estado é essencialmente o
servidor de uma classe. Entretanto, todos os interesses da classe dominante se
cristalizam da maneira mais perfeita neste servidor. Sua tarefa é de manter a
ordem global. Neste sentido, ele tem uma visão mais ampla do funcionamento do
sistema – e de suas necessidades – do que a dos indivíduos que constituem a
classe privilegiada. Separado do conjunto da sociedade, porque ele é um órgão
de opressão a serviço de uma minoria, ele se distingue também desta minoria por
seu caráter de órgão único diante da diversidade dos interesses fracionais ou
individuais dos exploradores. Além disso, os privilégios da burocracia estatal
são estreitamente ligados ao bom funcionamento do sistema no seu conjunto.
Assim, nos períodos de decadência, o Estado se reforça porque ele deve enfrentar um número crescente de revoltas da classe oprimida, mas também porque ele é o único capaz de assegurar a coerência da classe dominante levada ao despedaçamento e à desintegração.
O desenvolvimento do poder do imperador romano, particularmente a partir do século II, assim como o da monarquia feudal, encontrou uma justificação real tanto nas suas lutas respectivas contra as revoltas dos oprimidos como no seu papel de agente da "ordem reinante" para frear as lutas entre frações da classe dominante. O imperador Septime Sévère (193-211) chegou a confiscar "as propriedades de senadores e de homens de negócio para reunir os recursos necessários para pagar os soldados que asseguravam sua segurança e seu poder" (Clough). A monarquia Capeciana se desenvolveu em detrimento dos grandes senhores feudais.
Na maioria dos casos, as guerras constituem também um fator importante no processo de reforço do aparelho de Estado. Só a autoridade estatal pode realizar o agrupamento das forças necessárias para a guerra. Assim, o Estado sai sempre reforçado da prova. Este fator jogou um papel muito importante no reforço do poder monárquico, particularmente na França.
B) Contra a desordem econômica
Os privilégios da burocracia estadual sendo estreitamente ligados à boa saúde
econômica do sistema, o Estado é não somente o único capaz de chegar a uma
visão bastante global da economia nacional, mas também é o único que encontra
um real interesse imediato e vital nesta economia.
Constatamos o desenvolvimento muito importante do intervencionismo do Estado tanto no declínio do Império Romano como no do feudalismo:
Quanto à realeza feudal, ela se reforçou pela criação de uma administração potente.
Quando as relações econômicas de uma sociedade se tornam uma calamidade para os que as praticam, só a força armada pode fazê-las sobreviver. A força armada é a cristalização última das leis do sistema. O Estado tende então a tomar a economia nas suas mãos. Numa sociedade em decadência, tudo faz pressão neste sentido. As despesas parasitárias para manter em serviço uma economia que não é mais rentável impõem o desenvolvimento dos encargos fiscais. Só um Estado forte pode então chegar a extorquir estes impostos de uma população com fome e pronta para a revolta. Imperadores do Império Baixo e reis feudais encontraram nesta função uma das bases do reforço de seu poder. A economia não correspondendo mais às necessidades impostas pela realidade social, as iniciativas econômicas não encontraram mais o guia natural que constitui a procura da prosperidade e da harmonia com o resto da sociedade. A intervenção do Estado e sua força viram então o único meio para tentar impedir a paralisia da economia na desordem maior. Uma tendência à burocratização da sociedade e à arregimentação dos indivíduos se desenvolve tanto no fim do escravismo como no declínio feudal.
Esta tendência chegou a atingir proporções particularmente apavorantes no período do Império Baixo Romano:
Alguns trabalhadores são marcados com ferro quente para impedi-los de abandonar seu trabalho. O direito de perseguição é generalizado.
Encontramos esta necessidade de um intervencionismo do Estado no fim do feudalismo. Mas existe uma diferença importante entre a ação econômica da realeza feudal e a do Império Baixo.
Quando o escravismo se decompôs, deu lugar a um sistema baseado na autarcia caracterizada por uma vida econômica particularmente desmembrada. As tentativas de reforço e de centralização do Estado por um lado e, por outro lado, o desenvolvimento do feudalismo, constituíram dois fenômenos simultâneos totalmente opostos. O feudalismo, quanto a ele, será ultrapassado pelo capitalismo, quer dizer por um sistema que necessita sempre mais concentração e integração da vida econômica. A centralização e o intervencionismo do Estado feudal que resultam da necessidade de salvaguardar o feudalismo em decomposição, constituem assim objetivamente um meio de desenvolver as bases do capitalismo.
Vários fatores fundamentais obrigam a monarquia a se impregnar deste papel histórico duplo:
As medidas econômicas tomadas por Eduardo II e Eduardo III, a política mercantil de Henrique VII na Inglaterra, a recuperação econômica realizada por Luis XI na França, a ação protecionista e favorável ao desenvolvimento de uma indústria levada à bem pela maioria dos reis franceses e ingleses a partir do século XIV, assim como a aceitação dos parlamentos burgueses pelas duas monarquias, atestam do papel eminente jogado pela monarquia feudal no processo de acumulação primitiva do capitalismo.
Mas seria absurdo ver a monarquia somente sob este aspecto. A monarquia permanece essencialmente feudal, ela constitui a última muralha de defesa do feudalismo. É o que atestam fatos como, por exemplo, a luta constante entre o rei e os parlamentos burgueses; a defesa do regime das corporações; a luta na França contra o protestantismo, religião da burguesia; por fim, o fato da burguesia na Inglaterra e na França precisar revoluções para permitir o verdadeiro desenvolvimento do capitalismo.
Apesar deste duplo papel jogado pela monarquia feudal, para assegurar a sobrevivência do sistema, encontramos inexoravelmente o reforço do Estado, característica própria à decadência de uma sociedade.
Se a imagem da decadência de uma sociedade é a de um corpo que procura crescer dentro de uma roupa que acabou sendo estreita demais, o desenvolvimento do aparelho de Estado é somente a tentativa deste corpo a resistir à pressão que o faz rebentar.
D – A decadência do capitalismo
Com o capitalismo, a força de trabalho se torna uma mercadoria:
- Ele está separado
de seus meios de produção e estes estão atados pelas mãos por aqueles que não
trabalham;
-
A
produtividade do trabalho é elevada, quer dizer que é possível de fornecer um
sobre-trabalho;
-
A economia
mercantil é dominante, quer dizer que a criação de um sobre-trabalho sob a
forma de mercadorias para vender é o objetivo da compra da força de trabalho." (Rosa Luxemburgo, Introdução à economia política :
Capítulo V (o trabalho assalariado; sub-capítulo 1 (logo depois do começo deste
sub-capitulo) ; página 83 sobre 105)
Disso resulta para o proletariado uma qualidade nova levando seu desprovimento a um paroxismo:
O Manifesto comunista sublinha o papel eminentemente revolucionário da burguesia que ultrapassou todas as formas antigas "paroquiais" e limitadas da sociedade, e as substituiu pelo modo de produção mais dinâmico e expansivo nunca conhecido; um modo de produção que, por ter conquistado e unificado o planeta e impulsionado forças produtivas tão enormes, estabeleceu as bases de uma forma superior de sociedade que, seja livre dos antagonismos de classe.
O comunismo torna-se uma possibilidade material permitida pelo desenvolvimento, como nunca, das forças produtivas pelo próprio capitalismo.
Uma sociedade baseada sobre a produção universal de mercadorias está inevitavelmente condenada, pela própria lógica de seu funcionamento interno, ao declínio e ao desmoronamento último. No Manifesto, as contradições internas que devem levar à derrubada do capitalismo já estão identificadas:
Os escritos posteriores de Marx analisaram mais precisamente a relação entre a extração da mais-valia e sua realização, e as crises periódicas de superprodução que aconteciam aproximadamente a cada dez anos, abalavam os fundamentos da sociedade capitalista. Revelar o segredo da mais-valia é demonstrar que o capitalismo é marcado por contradições que o levam inevitavelmente a seu declínio e a sua queda final. Estas contradições são baseadas sobre a própria natureza do trabalho assalariado:
Apesar de seu incrível caráter expansivo e da submissão do planeta inteiro a suas leis, o capitalismo é só um modo de produção historicamente transitório, do mesmo modo que o escravismo romano ou o feudalismo medieval. o capitalismo está assim condenado a desaparecer, não por conta de sua falência moral, mas por conta de suas contradições internas que o levam à autodestruição e porque ele fez surgir uma classe capaz realizar sua substituição por uma forma superior de organização social.
As contradições do capitalismo indicam também a solução: o comunismo. Uma sociedade mergulhada no caos pela dominação das relações mercantis só pode ser ultrapassada por uma sociedade capaz de abolir o trabalho assalariado e a produção para a troca, uma sociedade de "produtores livremente associados" para a satisfação das necessidades humanas, na qual as relações entre seres humanos não serão mais escuras, pelo contrário, mais simples e claras.
Durante os últimos anos de sua vida, Marx dedicou uma boa parte de sua energia intelectual ao estudo das sociedades arcaicas. A publicação de A sociedade arcaica de Morgan e as questões que o movimento operário russo[11] [100] lhe colocava, considerando as perceptivas para a revolução na Rússia, levaram-no a iniciar um estudo intensivo conhecido com o título e forma de Notas etnográficas, apesar de incompletas, extremamente importantes. Estes estudos alimentaram também o grande trabalho antropológico de Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado.
O trabalho de Morgan sobre os índios de América constitui, para Marx e Engels, uma confirmação brilhante da sua tese sobre o comunismo primitivo: ao contrário da concepção burguesa convencional segundo a qual a propriedade privada, a hierarquia social e a desigualdade dos sexos seriam inerentes à natureza humana, o estudo de Morgan revelava que quanto mais a formação social era primitiva, mais a propriedade era comunitária, mais o processo de tomada de decisão era coletivo, mais as relações entre homens e mulheres eram baseadas sobre o respeito mutuo.
O método de Marx diante da sociedade primitiva era fundado sobre seu método materialista que considerava que a evolução histórica das sociedades era determinada, em última instância, por mudanças na sua infra-estrutura econômica. Estas mudanças implicaram o fim da comunidade primitiva e abriram a via à aparição de formações sociais mais desenvolvidas. Mas sua visão do progresso histórico era radicalmente oposta à do evolucionismo burguês trivial para quem existia uma ascensão puramente linear, vindo da sombra e indo para a luz, ascensão que culminava no esplendor brilhante da civilização burguesa. A visão de Marx era profundamente dialética: longe de descartar o comunismo primitivo porque não seria uma sociedade ainda realmente humana, as Notas expressam um respeito profundo para as qualidades da comunidade tribal: sua capacidade de se auto-governar, o poder de imaginação de suas criações artísticas, seu igualitarismo sexual. As limitações concomitantes da sociedade primitiva – em particular as restrições impostas aos indivíduos e a divisão da humanidade em unidades tribais – foram necessariamente ultrapassadas pelo progresso histórico. Mas o lado positivo destas sociedades se perdeu com este processo e deverá ser restaurado a um nível superior no comunismo futuro.
A descoberta do fato que os seres humanos tinham vivido, durante centenas de anos, numa sociedade sem classes e sem Estado, constituiu um instrumento potente nas mãos do movimento operário e serviu de contrapeso para todas as proclamações segundo as quais o amor à propriedade privada e à necessidade da hierarquia constituiriam uma parte intrínseca da natureza humana.
No momento em que O manifesto comunista foi escrito, as crises cíclicas de superprodução ainda podiam ser superadas "pela conquista de novos mercados e pela exploração mais profunda de antigos mercados" e o capitalismo tinha a sua frente uma fase de expansão considerável.
Nos anos 1870 e 1880, uma nova fase da vida do capitalismo está se abrindo. O sistema capitalista estava entrando na sua última fase de expansão e de conquistas mundiais, não mais através da luta de classes burguesas nascentes procurando estabelecer Estados nacionais viáveis, mas através do método do imperialismo, das conquistas coloniais. As três últimas décadas do século XIX foram o teatro da conquista da totalidade do globo e de sua partilhada pelas grandes potências imperialistas.
Com a aproximação dos primeiros sinais da fase de decadência do capitalismo, as tensões crescentes entre as grandes potências e os conflitos sem fim na periferia, Engels, com muita presciência, escreveu em 1891-92:
Quais seriam as conseqüências de uma tal guerra? Engels continua:
Antes da catástrofe social da Primeira Guerra mundial, encontravam-se várias vozes influentes no seio do movimento operário tentando convencer a classe operária da possibilidade da transformação pacifica do capitalismo através de reformas.
Felizmente, nessa época, a Esquerda marxista percebeu como falsos os sinais da uma saúde sem igual do capitalismo que eram indicados através das estatísticas econômicas. Na realidade, quando a guerra estourou, o capitalismo estava no cimo de sua prosperidade econômica e, inspirada pelo exemplo de Engels, a Esquerda marxista é capaz de levar um combate implacável contra o reformismo no seio da social-democracia e de tomar em conta a exacerbação das contradições do sistema.
A compreensão da fase do imperialismo, da decadência do capitalismo, foi desenvolvida pelos sucessores de Marx, notadamente por Rosa Luxemburgo.
Apesar de não ser homogênea na explicação das causas profundas que explicavam o nível das contradições na vida do capitalismo que resultou na guerra mundial, fenômeno qualitativa e quantitativamente novo na vida da sociedade, a Esquerda marxista foi, entretanto, capaz de estar em acordo sobre sua causa imediata: tratava-se de uma guerra para uma nova partilha do mundo pelas grandes potências imperialistas. Evidentemente eram as potências mais desfavorecidas do ponto de vista da posse de colônias, a Alemanha em particular, que tinhan maior interesse nesta nova partilha do mundo e, para isso, preparavam-se para a guerra. Quanto às outras (Grã-bretanha, França), elas também estavam dispostas para a guerra para não perder seu império colonial.
No momento em que a onda internacional de indignação em reação à barbárie da Primeira Guerra Mundial toma a forma de uma onda revolucionária, colocando na ordem do dia da História o derrubamento da burguesia para instaurar uma sociedade comunista, elevaram-se vozes no seio do movimento operário que, apoiando-se sobre a "ortodoxia marxista", decretaram prematura a tomada de poder pela classe operária na Rússia porque a etapa da tomada do poder político pela burguesia não tinha ainda sido ultrapassada. Esta polarização sobre uma pretendida imaturidade das condições da revolução na Rússia, não somente se apoiava sobre um pretendido nível insuficiente do desenvolvimento industrial e da classe operária neste país, mas, sobretudo criava um impasse sobre o fato que as condições da revolução mundial já estavam reunidas.
Ganhando existência a partir dos movimentos revolucionários que colocaram um ponto final na Primeira Guerra Mundial, a Internacional Comunista foi fundada em 1919 com o pressuposto de que a burguesia já não era mais uma classe progressiva:
O fato de que a revolução foi derrotada não pode ser invocado para decretar a imaturidade das condições objetivas da revolução nessa época. Por conta do desenvolvimento das forças produtivas, não somente as condições da abundância já estavam presentes, mas, por duas vezes, em 1905 na Rússia e a partir de 1917 num conjunto significativo de países industrializados, a classe operária tinha demonstrado sua capacidade de lutar para derrubar o poder da burguesia tendo com objetivo a instauração de seu poder político em escala mundial.
Esta derrota, imputável em primeiro lugar à derrota da revolução na Alemanha, só fez traduzir a imaturidade das condições subjetivas para a revolução, e que expressavam notadamente as ilusões consideráveis persistentes no seio de uma fração significativa do proletariado alemão em relação à social-democracia que, contudo, tinha traído no momento da guerra.
A guerra mundial, esta primeira manifestação brutal da entrada do capitalismo na sua fase de decadência, não é evidentemente um fenômeno independente das contradições que se desenvolvem na base econômica da sociedade. Ela é o produto próprio destas.
A) As causas econômicas, em última
instância, das guerras da decadência
Assim como já evocamos, Marx demonstrou a
necessidade absoluta, para o capitalismo, de realizar uma parte de sua
mais-valia na troca com o mundo ainda não capitalista, necessidade que resulta
do modo de apropriação da mais-valia que o caracteriza especificamente, através
do trabalho assalariado. Com efeito, este último impõe ao capitalista reduzir
ao mínimo o salário do operário, a tal ponto que este não pode constituir, pela
aquisição de mercadorias que não são estritamente necessárias à reprodução de
sua força de trabalho, um fator de expansão do mercado solvável[12] [101]
no seio do capitalismo. A partir daí existe a necessidade do capitalismo
procurar permanentemente mercados solváveis exteriores à esfera de suas
relações de produção:
A necessidade do capitalismo global de desenvolver relações comerciais com o mundo pré-capitalista se repercute sobre cada potência capitalista, com mais ou menos força, e leva-as a desejar dispor de seu próprio império colonial para ter acesso a estes mercados. A conseqüência disso é que, antes da Primeira Guerra Mundial, o mundo e os mercados coloniais já estiveram sob a dominação das maiores potências econômicas. O acesso de um país a novas colônias só pode doravante ser efetuado em detrimento de seus rivais.
Assim, apesar de não ser o resultado direto de uma crise econômica conseqüência das contradições econômicas insuperáveis que assaltam o sistema, a Primeira Guerra Mundial é, entretanto, o produto destas, em última instância. O mesmo é considerado em relação à Segunda Guerra Mundial e às guerras que a sucederam.
Entretanto, com o afundamento do capitalismo na suas contradições, operou-se também uma modificação qualitativa das guerras que adquiriram uma irracionalidade econômica crescente. Uma tal irracionalidade econômica já era um fato óbvio considerando a Primeira Guerra Mundial, na medida em que, longe de permitir um desenvolvimento do capitalismo, ela deu uma parada brutal em seu desenvolvimento. A economia da maioria dos protagonistas diretos que pertenceram ao campo vencedor ou ao campo vencido foram duramente afetados pela guerra, com exceção dos Estados Unidos que melhoraram sua posição econômica.
Assim, depois da Primeira Guerra Mundial, os objetivos econômicos da guerra, que consistem para cada país apropriar-se dos mercados de seus rivais, tendem a desaparecer em benefício de motivações meramente estratégicas, permitindo melhorar a relação de força com os rivais. O exemplo das guerras atuais em Afeganistão e Iraque é uma ilustração brilhante disso, a questão do petróleo intervindo, fundamentalmente, só como uma motivação estratégica e não econômica. Assim, de maneira geral, é hoje a ausência de qualquer solução num plano econômico que empurra cada Estado no sentido do militarismo e da guerra.
B) A crise de 29, dos anos trinta e a
explosão do desemprego massivo e permanente
Na realidade, a história do próprio capitalismo
é a história de sua conquista do planeta. Seu desenvolvimento é indissoluvelmente
ligado à história de seu comércio com as economias pré-capitalistas que ele
integra no seio das relações de produção capitalista:
Desta dinâmica resulta a diminuição da quantidade de mercados extracapitalistas sem que a necessidade destes pelo capitalismo tenha diminuído: absorver uma parte de sua produção para que possa continuar a acumulação em condições "normais".
A crise de 1929 vai constituir a primeira manifestação direta, ao nível estritamente econômico, desta contradição insuperável da decadência do capitalismo. Assim como as crises cíclicas da fase ascendente, ela é uma crise de superprodução. Mas, diferentemente destas, não existe solução na abertura de novos mercados permitindo uma retomada durável do crescimento. Ela é a expressão da tendência global e crescente à saturação dos mercados extracapitalistas, em relação às necessidades de realização da mais-valia capitalista para novos ciclos de acumulação.
A melhora muito fraca da situação econômica nos anos trinta é, na realidade, o produto da adoção de medidas capitalistas de Estado destinadas a enquadrar, controlar a economia, e colocá-la integralmente a serviço da produção de guerra em projeção do Segundo conflito mundial que se preparava. Longe de constituir uma solução das contradições insuperáveis do capitalismo, tais medidas só fazem adiar o problema para um momento posterior.
Medidas de capitalismo de Estado já tinham sido brutalmente impostas ao capitalismo diante das necessidades da Primeira Guerra Mundial. Uma vez terminado o conflito, iludida sobre as perspectivas, a burguesia tinha imaginado poder voltar à idade de ouro do capitalismo. Evidentemente, ela caiu na realidade quando esta tendência irreversível se impôs mais uma vez diante de si com a necessidade de enfrentar o conjunto das contradições do sistema.
Fora do período de prosperidade depois da Segunda Guerra Mundial, que constituiu uma exceção na época pós-Primeira Guerra Mundial, sobre a qual voltaremos a falar, a crise de 29 abre uma época de crise econômica permanente. Esta época é marcada em particular pelo desenvolvimento de um desemprego massivo, sem esperança de redução senão pelas manipulações administrativas e estatísticas da burguesia.
Este fenômeno é, quantitativa e qualitativamente, diferente da forma que tomava o desemprego no século XIX através da existência de um exercito industrial de reserva para as necessidades do capital. Por um lado, ele é a manifestação da crise de superprodução permanente que afeta a economia mundial. Na ausência de possibilidades de desenvolvimento suficiente do conjunto da economia mundial, cada capital nacional e cada capitalista é obrigado, diante da concorrência, de dispensar operários para manter sua competitividade. Esta manifestação da superprodução permanente exprime, no seu ponto mais alto, a amplitude das contradições do capitalismo, sobre dois planos:
C) A prosperidade depois da Segunda Guerra
Mundial: signo de uma nova vitalidade ou última reação de um organismo doente?
A taxa de crescimento durante mais de duas
décadas depois da Segunda Guerra Mundial, superior aos melhores anos da
ascendência do capitalismo, serviu como argumentação que permitiu aos
defensores do capitalismo pretender que este sistema tinha definitivamente
ultrapassado suas crises. Esta situação de "prosperidade" alimentou
dúvidas enormes no seio do campo revolucionário sobre a realidade da fase de
decadência do capitalismo.
Um fator suplementar de desorientação resultou do fato que o crescimento foi permitido por um aumento importante da produtividade do trabalho acompanhado, numa certa medida, por uma melhoria das condições de vida da classe operária.
Apesar dos primeiros alertas da crise econômica reaparecerem no fim dos anos sessenta, os anos setenta conheceram também taxas de crescimento relativamente importantes.
Mas, quando se observa o conjunto do século XX com o recuo permitido pelo momento atual, no começo do século XXI, é muito mais fácil entender o período dito dos "Trinta anos de ouro" como uma exceção no seio de um curso irreversível para o declínio da economia capitalista na crise.
Na realidade, a decadência do capitalismo ilustra fenômenos já presentes na decadência dos modos de produção anteriores :
É possível dar um esboço de explicação ao fenômeno dos "Trinta anos de ouro".
Para começar, temos de restituir suas dimensões reais que não expressam os mitos do crescimento. Com efeito, estas devem ser relativizadas na medida em que elas consideram, de maneira importante e crescente, uma proporção de capital improdutivo, correspondendo em particular à produção de armamento.
Assim, se a burguesia pôde aproveitar um aumento significativo da produtividade do trabalho (resultado em boa parte do encargo da economia nacional pelo Estado), estes ganhos de produtividade foram parcialmente "perdidos" pela acumulação capitalista por conta de uma esterilização importante de capital improdutivo.
Por outro lado, convém colocar em evidência os fatores seguintes que foram a base deste período de prosperidade:
Quando os fatores específicos na origem dos "Trinta anos de ouro" se esgotaram, o desenvolvimento do crédito tomou muita importância para constituir um paliativo crescente à insuficiência dos mercados solváveis. Longe de constituir um remédio milagroso às contradições do capitalismo, ele só podia desembocar numa série longa de falências dos países endividados, começando por um número significativo de países africanos nos anos 1970, até uma boa parte dos Tigres e Dragões asiáticos em 1998. A lista é longa e não é exaustiva nem definitiva.
Até os apologistas mais obstinados do modo de produção capitalista são obrigados a reconhecer que o século XX foi um dos mais sinistros da História humana.
A História da humanidade não é avarenta em crueldades de todo tipo, em torturas, em massacres, em deportações ou exterminações de populações inteiras sobre a base de diferenças religiosas, de linguagem, de raça. Cartago arrasada do mapa pelas legiões romanas, as invasões de Átila na metade do século V, a execução por Charlemagne de 4500 reféns saxões num único dia de 1782, as câmaras de torturas e as fogueiras da Inquisição, a exterminação dos índios na América, o comércio de milhões de negros da África entre o século XVI e o século XIX: são somente alguns exemplos que todo aluno pode encontrar nos livros escolares. A História também conheceu épocas particularmente trágicas: a decadência do Império Romano, a Guerra de Cem Anos na Idade média entre a França e a Inglaterra, a Guerra de Trinta Anos que devastou a Alemanha no século XVIII. Entretanto, mesmo se passássemos em revista todas as outras calamidades deste tipo que afligiram os homens, estaríamos longe de encontrar o equivalente daquelas que se desencadearam durante o século XX:
Na realidade, um dos maiores aspectos da barbárie atual não é só a acumulação de aflições humanas que ela gera, é o contraste enorme que existe entre o que poderia ser a sociedade com as riquezas que ela criou na sua história e sua realidade. Foi o sistema capitalista que permitiu a eclosão destas riquezas, particularmente a maestria da ciência e o aumento formidável da produtividade do trabalho. Graças evidentemente a uma exploração feroz da classe operária, ele criou as condições de sua superação por uma sociedade que não seja mais orientada pelo lucro ou pela satisfação das necessidades de uma minoria, mas orientada para a satisfação da totalidade dos seres humanos. Estas condições materiais existem desde o começo do século XX. Depois de ter acabado sua tarefa histórica de desenvolver sem precedente as forças produtivas, e a primeira entre elas, a classe operária, o capitalismo devia deixar a cena histórica como fizeram as sociedades que o precederam, notadamente a sociedade escravista e a sociedade feudal. Mas evidentemente não pode desaparecer por si mesma: é responsabilidade do proletariado, já como dizia O Manifesto comunista, executar a sentença de morte que a História pronunciou contra a sociedade burguesa.
[1] [102] Para fazer isso, apoiar-nos-emos significativamente (considerando as partes B, C e D desta apresentação) sobre um artigo de Revolução Internacional n° 4 publicado em 1975, nessa época sob a forma de revista.
[2] [103] É o que Labriola explica nos seus Ensaios sobre a concepção materialista da história (1899): "(...) Em nossa doutrina, não se trata de traduzir de novo em categorias econômicas todas as manifestações complicadas da história mas se trata só de explicar em "ultima instância" (Engels) todos os fatos históricos pelo meio da "estrutura econômica subjacente" (Marx) : o que necessita análise e redução, e depois mediação e composição, (...) A estrutura econômica subjacente, que determina todo o resto, não é somente um mecanismo simples do qual emergem, como se fossem efeitos automáticos e maquinais imediatos, as instituições, as leis, os costumes, os pensamentos, os sentimentos, as ideologias. O processo de derivação e mediação entre esta infra-estrutura e o resto é muito complicado, várias vezes sutil e tortuoso, não sempre decifrável."
[3] [104] É porque Engels disse: "Segundo a concepção materialista da história, o fator determinante na história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx, nem eu, nunca afirmamos mais do que isso. Se depois, alguém vem torturar esta proposição para atribuí-la a significação de que o fator econômico é o único fator determinante, ele a transforma numa frase vazia, abstrata, absurda. A situação econômica é a base, mas os diversos elementos da superestrutura (as formas políticas da luta das classes e seus resultados), as constituições estabelecidas depois da classe vitoriosa ter vencido, etc., as formas jurídicas, e até o reflexo de todas estas lutas reais no cérebro dos participantes, teorias políticas, jurídicas, filosóficas, concepções religiosas, e seu desenvolvimento ulterior em sistemas dogmáticas, exercem também sua ação sobre o curso das lutas históricas e, em vários casos, determinam de maneira preponderante sua forma. Há ação e reação de todos estes fatores no seio dos quais o movimento econômico acaba por abrir seu caminho como uma necessidade através da multidão infinita das possibilidades. (...) Senão a aplicação da teoria a qualquer período histórico seria ainda mais fácil de que a resolução de uma simples equação do primeiro grau. (...) Marx e eu temos parcialmente a responsabilidade do fato que, às vezes, os jovens dão mais importância de que necessário ao fator econômico. Diante de nossos adversários, precisávamos sublinhar o princípio essencial negado por eles enquanto a gente não encontrava sempre o tempo, o lugar e também nem a oportunidade de dar seu lugar aos outros fatores que participam na ação recíproca. (...) Mas, infelizmente, acontece demais vezes que alguém pensa ter perfeitamente entendido uma teoria nova e que pode manejá-la sem dificuldade logo depois ter adquirido seus princípios essenciais, e não é sempre certo." (Engels ; Carta do 21 de setembro 1890 para J. Block).
[4] [105] O desenvolvimento das guerras é um fator agindo no senso do abandono das relações sociais comunistas: a vida em guerra quase permanente exige a formação de uma camada de especialistas guerreiros que tendem a aparecer como os fornecedores das riquezas da coletividade e a estabelecer relações hierárquicas no seio da comunidade, e sendo sustentados pelo resto da comunidade. Mas, este fator toma importância só quando o acréscimo da produtividade é suficiente para permitir a passagem para o escravismo.
[5] [106] Arado grande com um jogo de rodas adiante e uma só aiveca (Dicionário Michaelis).
[6] [107] Ato de romper terreno inculto (Dicionário Michaelis)
[7] [108] Sociedade economicamente auto-suficiente,
que procura produzir tudo o que necessita; governo independente (Dicionário
Priberam)
[8] [109] "Roma tinha esperado cobrir as despesas do governo por meio de uma taxação maior, mas quando o processo se revelou insuficiente, foi preciso recorrer à inflação (no fim do século II). Este primeiro expediente foi repetido de vez em quando durante o século III, algumas moedas desvalorizando-se até duzentos por cento do valor nominal. Por conta disso, a unidade monetária do Império foi destruída, cada cidade e cada província emitindo sua moeda própria." (Shepard e B. Glough opus)
[9] [110] Deliberações, ordens, resoluções de um soberano, por escrito (Dicionário Michaelis)
[10] [111] Este fenômeno tem uma significação particularmente importante: quando um sistema econômico está "sem fôlego", várias vezes ele é obrigado a abandonar alguns aspetos jurídicos que o caracterizam para permitir a sobrevivência do essencial, as relações de produção.
[11] [112] Uma carta de Vera Zassoulich (membro daquela fração do populismo revolucionário que, mais tarde, com Plekhanov, Axelrod e outros formou o grupo Emancipação do trabalho, a primeira corrente realmente marxista na Rússia) datada do dia 16 de fevereiro de 1881, pedia a Marx para esclarecer sua posição sobre o futuro da comuna rural, a Obschina: devia ser dissolvida pelo avanço do capitalismo na Rússia ou era capaz, "libertada dos impostos exorbitantes, dos pagamentos à nobreza e a uma administração arbitrária ... de se desenvolver numa direção socialista, quer dizer organizar gradualmente sua produção e sua distribuição sobre uma base coletiva." Ele resumiu sua reflexão, em primeiro lugar pela rejeição da idéia que seu método de analise levaria à conclusão que cada país ou região estava condenado a passar pela fase burguesa de produção; e em segundo lugar pela conclusão que "o estudo especial que eu fiz da comuna, inclusive uma pesquisa sobre suas origens materiais originais, convenceu-me que ela é o centro da regeneração social na Rússia. Mas para poder jogar este papel, as influências nefastas que a assaltam de todas as partes devem em primeiro lugar ser eliminadas, e depois ela deve ser assegurada das condições normais para um desenvolvimento espontâneo" (8 de Março de 1881).
[12] [113] Que pode pagar o que deve; solvente. (Dicionário Michaelis)
Pp. 11-13. Mehring cita o famoso Prefácio à Crítica da Economia Política de Marx: “A conclusão a que cheguei e que, uma vez atingida, se tornou o princípio diretor dos meus estudos, pode ser resumida como se segue. Na produção social da sua existência, os homens entram inevitavelmente em relações definidas, que são independentes da sua vontade, a saber, as relações de produção que se adequam a um dado estágio do desenvolvimento das forças materiais de produção. A totalidade destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, os verdadeiros alicerces sobre que se ergue a superestrutura legal e política e a que correspondem formas definidas de consciência social. O modo de produção das condições da vida material condiciona o processo geral da vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina a sua existência, é a existência social que determina a consciência. Em determinado estádio do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em conflito com as relações de produção existentes ou—o que apenas exprime a mesma coisa em termos legais—com as relações de propriedade em cujo quadro até ao operaram. De formas de desenvolvimento das forças produtivas tais relações transformam-se em seus freios. Inicia-se então uma era de revolução social. As transformações de base econômica levam mais tarde ou mais cedo à transformação de toda a imensa superestrutura. Sempre que se estudam tais transformações há que estabelecer a distinção entre a transformação das condições econômicas da produção, que podemos determinar com a precisão da ciência natural e das formas legais, jurídicas, religiosas, artísticas ou filosóficas—em resumo, ideológicas—pelas quais os homens ganham consciência desse conflito e o vencem. Tal como não julgamos um indivíduo pelo que ele pensa de si próprio, também não podemos julgar um tal período de transformação pela sua própria consciência; pelo contrário, essa consciência é que tem de ser explicada pelas contradições da vida material, a partir do conflito existente entre as forças sociais de produção e as relações de produção. Nenhuma ordem social é destruída antes que todas as forças produtivas que pode conter em si se tenham desenvolvido, e nunca novas e superiores relações de produção substituem outras mais antigas antes que as condições materiais da sua existência tenham amadurecido no quadro da velha sociedade. Assim, a humanidade só se coloca missões que é capaz de levar a cabo; com efeito, uma análise mais aprofundada mostra sempre que o próprio problema só se levanta quando as condições materiais da sua solução já existem, ou pelo menos se estão a formar. Em traços gerais, podem apontar-se os modos de produção Asiático, antigo, feudal e burguês moderno como épocas que marcaram o progresso do desenvolvimento econômico da sociedade. O modo burguês de produção é a última forma antagônica do processo social de produção—antagônico não no sentido do antagonismo individual, mas de um antagonismo que emana das condições sociais de existência dos indivíduos—mas as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam também as condições materiais para a resolução desse antagonismo. Assim, a pré-história da sociedade é encerrada por esta formação social.”
Em primeiro lugar, o que deve ser salientado é que se trata de uma síntese, aliás, talvez a mais imponente e genial já feita, não de um período da História, mas da própria História como um todo; e não de uma síntese do devir da História, mas das mais gerais leis de seu devir. É de sínteses como esta que os “descosturadores” não gostam, mas é exatamente de sínteses como esta—que fundamentam as grandes narrativas e os grandes cenários—que a ciência e a sociedade necessitam. E quais são, então, os traços distintivos dessas leis mais gerais da História?
Traço 1: Os homens, ao nascerem e, daí por diante, durante toda sua vida, entram em relações que são e seguem sendo definidas independentemente de sua vontade. Trata-se de relações que são objetivadas pelos próprios homens, mas não de qualquer modo. Os homens objetivam o ser social por meio de uma infinidade de atos de trabalho—atos teleológicos, portanto—, que desembocam numa realidade que, como totalidade, que se coloca para além da simples soma de tais atos de trabalho, passa a ter leis próprias que derivam de sua estrutura em (seu) movimento. A totalidade social já não se move por um ato teleológico, mas pela causalidade.
Traço 2: A História não se desenvolve por meio de um processo evolutivo linear; ao contrário, ela se desenvolve por meio de períodos, de duração variável, qualificados por modos de produção e formações sociais. Essas formações sociais não seguem necessariamente uma seqüência linear, como também nem todos os povos tiveram de passar por todas as formações sociais conhecidas; nem todos os povos conheceram a formação asiática ou a feudal; e mais, existem povos que persistiram até os dias atuais como povos primitivos e só agora começam a se dissolver como tais—o que equivale a dizer que o capitalismo é a única formação social capaz de dissolver todas as demais que subsistiram até a sua vigência.
Traço 3: Os períodos qualitativamente distintivos da História, as formações sociais, se sucedem através de saltos produzidos por rupturas—o que equivale dizer que elas se transformam por conta de contradições fundamentais e irreconciliáveis que se aninham em seu seio. Essas contradições são exatamente as que se colocam entre as relações sociais de produção e as forças produtivas que cada formação social comporta. O mais impressionante é como pôde Marx formular tal quadro de movimento das formações sociais e, dentre elas, a do capitalismo, quando o capitalismo ainda não dava mostra de crise agônica como é a de agora. Aqui, o capital foi traído por si próprio: ao incorporar gigantescas possibilidades tecnológicas numa produção limitada pela estreiteza das relações de produção capitalistas, o capital terminou por pôr diante de si seus limites definitivos—de onde se deduz o acerto da afirmação de Marx que as relações de produção entram, a partir de certo momento, em contradição com as forças produtivas.
Traço 4: Toda formação social possui uma base—o modo de produção—que determina, por muitos fios diretos e indiretos, mediatos e imediatos, a larga e variada superestrutura social. A razão, em última instância, dessa determinação reside no fato de que é nas relações de produção—instância nuclear do modo de produção e, por extensão, da própria formação social—que se define a condição essencial da vida social: é ali que os homens se relacionam entre si e com a natureza para produzirem e distribuírem os meios materiais de sua própria reprodução como espécie. Isso não significa que as superestruturas não interfiram no movimento da base, ou que se coloque as determinações da base à superestrutura como linha de mão única. De que se trata é de verificar em que instância se encontra a condição fundante, onto-genética, da totalidade social. Compreendida esta gênese, podemos compreender o intrincado movimento de relações mútuas entre base e superestrutura e vice-versa.
Traço 5: As rupturas são todas elas promovidas pelas das lutas de classes, personas que correspondem socialmente às condições materiais: a contradição entre o capital (trabalho morto) e o trabalho (trabalho vivo) se manifesta por classes que personificam subjetivamente essa mesma contradição: burguesia de um lado, proletariado de outro. A contradição estrutural está aqui: na relação antinômica entre o capital constante e o variável na c/v, na m/v e na Tl, enquanto a esfera subjetiva dessa contradição na luta de classe entre a persona do capital e a do trabalho. Tampouco significa que as duas ordens de contradição—a objetiva e a subjetiva—se dêem no mesmo compasso ou ocorra como um automático. De modo que se o trabalho se coloca como categoria fundante de toda sociedade humana, a luta de classes se coloca como luta fundante das transformações por rupturas da História.
Marx não procede, nesta exposição, como já foi aventado, a uma análise de conjuntura ou de períodos específicos da História. Ao contrário, ele desenha os passos mais largos, numa visão panorâmica ancha, da História como totalidade. Por isso na sua exposição não tem lugar a multidão de mediações que, nas análises contextualizadas, constituem meios obrigatórios para a caracterização e a compreensão de períodos específicos do devir histórico e social.
Afirma Marx: “Em determinado estádio do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em conflito com as relações de produção existentes ou—o que apenas exprime a mesma coisa em termos legais—com as relações de propriedade em cujo quadro até ao operaram. De formas de desenvolvimento das forças produtivas tais relações transformam-se em seus freios.” Análise premonitória, perfeitamente adequada para expressar a crise atual do capital, que tornou os seus pressupostos de crescimento em pressupostos de sua crise: a potencialização da extração da mais-valia levou, no âmbito da crise atual, a uma brusca redução do trabalho vivo vis-à-vis a expansão do trabalho morto e, por aí, a uma queda da taxa de lucro pela redução do exército ativo de produtores de mais-valia e de consumidores de mercadorias. Existem análises que tomaram o enunciado amplo de Marx como um absoluto num momento em que as condições acima formuladas por Marx ainda não estavam dadas.
Marx escreveu: “Nenhuma ordem social é destruída antes que todas as forças produtivas que pode conter em si se tenham desenvolvido, e nunca novas e superiores relações de produção substituem outras mais antigas antes que as condições materiais da sua existência tenham amadurecido no quadro da velha sociedade.” As sociedades de classes, afirmam Marx e Engels, nasceram necessariamente em função da escassez e só terão se tornado supérfluas e desnecessárias quando não se colocar mais o bloqueio da escassez.
Acerca desse desenvolvimento Marx/Engels afirmam que “... esse desenvolvimento das forças produtivas (que contêm simultaneamente uma verdadeira existência humana empírica, dada num plano histórico-mundial e não na vida puramente local dos homens) é um pressuposto prático absolutamente necessário, porque, sem ele, apenas generalizar-se-ia a carência e, portanto, com a penúria, recomeçaria novamente a luta pelo necessário e, toda a imundice anterior seria restabelecida...” Só num tal contexto, que implica a extensão da revolução e a construção do socialismo como fato internacional, o comunismo seria possível. Teoricamente—e também historicamente—foi a escassez que obrigou os homens a se associarem, nos termos de uma sociedade comunista primitiva, como pressuposto social de sua própria sobrevivência e reprodução também social. Se a escassez nunca aparecesse, ou seja, se todos possuíssem tudo o quanto necessitassem, a divisão da sociedade em classes seria desnecessária. Demais, a escassez e o excedente—o excedente em circunstâncias gerais de escassez—é que levaram à sociedade de classes, verbi gratia a sociedade asiática, uma forma de produção que dissolveu as milenares sociedades gentílicas antigas. Uma vez inaugurada a sociedade de classes, uma vez repostas as condições de escassez para toda a humanidade, as demais formas de sociedade de classes apareceram, inclusive o capitalismo.
Não obstante, numa passagem do Anti-Dühring, Engels escreveu que as condições de abastança, que tornavam a sociedade burguesa uma desnecessidade, já estavam dadas em 1875. Com a palavra, Engels: “... a abolição das classes nas sociedades pressupõe um grau de evolução histórica, no qual a existência não simplesmente desta ou daquela classe dominante, mas de qualquer classe dominante como um todo e, por conseguinte, a existência da própria diferença de classe se torne um anacronismo [...] Esta etapa foi agora alcançada... A possibilidade de segurança para cada membro da sociedade através da produção socializada, promove uma existência não só plenamente suficiente em termos materiais, que se completa dia a dia, mas também uma existência que garanta para todos o livre desenvolvimento e exercício das faculdades físicas e mentais... esta possibilidade está aberta, pela primeira vez, concretamente”. Engels não se limita a afirmar que, com o advento da produção capitalista, tais possibilidades estariam abertas como perspectiva—como possibilidade lógica; ao contrário, sua afirmação é feita no sentido de esta etapa foi alcançada, que tais possibilidades já estariam dadas, “pela primeira vez, concretamente”, e que “se completam dia após dia” já no final do século XIX. A primeira parte da passagem de Engels trata das possibilidades teóricas, a segunda, das concretas. Na primeira, a análise sobra de justeza, na segunda, sobra em equívoco—porque aqui Engels confunde os dois âmbitos: o das possibilidades teóricas com o das concretas.
Com efeito, parece-nos que as possibilidades materiais para viabilizar o comunismo, dadas pelo estágio da produção capitalista no entorno de 1875—e isso mesmo trabalhando com o pressuposto de que a maior parte dos países avançados do mundo tivessem realizado suas revoluções socialistas—, eram possibilidades apenas teóricas e lógicas, e isso porque o capitalismo em 1875 não só estava apenas começando, portanto, circunscrito em apenas uma parte pequena do globo, como ainda porque tinha alcançado um nível de forças produtivas de longe insuficiente para proporcionar a abastança das amplas massas sociais da Terra, que tornassem supérfluas as classes e o Estado. Estamos convencidos de que só agora, mais particularmente da década de 1970 em diante, com um capitalismo desenvolvido e mundializado à l’outrance, estaria dada concretamente a possibilidade de produzir meios de subsistência com abundância para toda a humanidade. Agora sim, em condições nas quais a classe dominante—a burguesia—não cede seus privilégios e a classe do trabalho tem de tomar o poder como insuportável (até aqui estamos colocando a questão em termos teóricos bem gerais), é possível inaugurar uma sociedade na qual a abundância torne de novo supérflua a divisão da sociedade em classes e o Estado.
Parece que Engels não logrou descobrir as mediações que poderiam revelar que tais condições não estavam ainda dadas—mas apenas iniciando a sua aparição. O equívoco de Engels deu-se a uma ligação linear da situação do capitalismo no final do século XIX com uma fase que só pôde ser alcançada nos anos 1970 para cá. De fato, só hoje o capitalismo: a) acumulou uma capacidade de produção compatível com as necessidades de toda a população do globo; b) completou a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção. Esta contradição não estava presente antes das décadas de 1970 a 2010—e tanto não estava completada antes que foi possível ao capital realizar um ciclo de onda longa com seus dois momentos: um de crescimento, do pós-guerra aos anos 1970, quando avançou na mundialização da sua ordem como acumulação ampliada à escala mundial, e outro de decadência, dos anos 1970 aos dias de hoje; c) acumulou todas as contradições que, por outro lado, tornam possível uma era de revoluções—em meio a grandes dificuldades, é certo—como previa Marx em sua síntese magistral. Por outro lado, parece-nos também evidente que o malogro da Revolução Russa se deveu à imaturidade do processo como Marx o formula: como as premissas não estavam dadas no plano internacional, como não estavam dadas na Alemanha e na Europa em geral, a revolução mundial não ocorreu e a Revolução Russa, isolada, malogrou. A própria Alemanha, de que Lênin e Trotsky tanto esperavam, deu provas de que poderia ainda crescer, por não estar no limite a contradição básica entre as forças produtivas e as relações de produção. Só de umas duas ou três décadas para cá é que tais condições estão a amadurecer—o que também não quer dizer que esse amadurecimento ocorra de um dia para outro. E mais: as condições materiais de abastança que tornam desnecessárias as classes sociais não podem, por si sós, por termo às classes sociais; elas precisam ser liberadas por um ato político que ponha termo nas sociedades de classes: a revolução.
Num outro texto (O método da Economia Política, Grundrisse), Marx assinala que a sociedade burguesa pressupõe sociedades passadas das quais carrega, revê e reintegra vestígios. Por outro lado, naquelas sociedades podiam existir sinais de elementos que se tornariam imprescindíveis (pelo seu caráter, pela sua universalidade, pelas suas funções) para a sociedade burguesa, mas que só vieram a se desenvolver plenamente na própria sociedade burguesa, sendo este, por exemplo, o caso do dinheiro e do trabalho assalariado. Neste sentido e, ademais, dentro de certos limites, é que se pode, a partir da sociedade burguesa, compreender as sociedades anteriores—e é aqui que entra o cum grano salis lembrado por Marx. Não é que as categorias de umas e outras sejam as mesmas e que possam ser igualmente empregadas para a leitura igual e simultânea de todas elas, mas que, dentro de certos limites, a partir da sociedade burguesa—de suas categorias e em “marcha a ré”—pode-se compreender o significado pleno das categorias das sociedades anteriores que ganharam universalidade nas sociedades burguesas. Podemos compreender como certas categorias passadas correspondem a certas categorias presentes e vice-versa (da corvéia à mais-valia, etc.), o que é diferente de considerá-las iguais e igualmente chaves para a compreensão simultânea das diversas formações. Seja como for, o essencial está aqui: a partir da sociedade burguesa, vale dizer, de suas categorias, leis, traços e processos característicos, pode-se compreender mais nitidamente traços e categorias de sociedades passadas, até porque aquelas sociedades, tomadas num plano amplíssimo, com alguns de seus traços e de suas categorias, são como “jornadas” que levaram ao surgimento da própria sociedade burguesa. Pode-se, de um lado, perceber formas embrionárias de formas atuais em formações passadas e, de outro, formas que antes existiam e que foram eliminadas, estioladas, subsumidas, etc. O que não se pode, afinal, é tomar as categorias explicativas de cada formação social como paradigmas para o estudo e a compreensão das demais. E é exatamente este princípio que permite e dá legitimidade ao campo de investigação do materialismo histórico, mas que, ao mesmo tempo, proíbe que se faça dele um corpo uno de teoremas e postulados pretensamente válidos para todas as épocas e formações, ou dotado de um sistema de causações absolutamente único e linear pretensamente capaz de enfeixar, como numa matriz, todas as transformações num modelo concebido de antemão. O materialismo histórico—essencialmente um método que procura compreender a história materialística e dialeticamente—explica as articulações, as passagens, a transformação de umas formações em outras, etc., mas não oferece o mesmo elenco de categorias para explicar a todas a um só tempo. O essencial é a diferença essencial.[1] [114]
Mas existe um outro momento no qual o abstrato vem à tona a partir do real concreto. Referimo-nos à análise dos fatos históricos, à reconstituição teórica de reais concretos passados. Um fato histórico que aconteceu, por exemplo, na Grécia antiga ou, se quisermos, muito antes disso, no mesozóico, foi e continua a ser, para o intelecto, um real concreto, só que um real concreto que já aconteceu, que deixou vestígios de sua passagem pelo universo humano—vestígios que podem permitir a sua reconstituição histórica, descritiva e/ou conceitual. Trata-se de um real concreto não presente, já acontecido, objetivado em momentos passados da história, sendo que as emanações que dele saíram, que seriam captáveis pelo intelecto sob a forma de percepções diretas, por estudiosos coetâneos àqueles fatos, só podem ser alcançadas, posteriormente, por meio de registros superpostos e indiretos; emanações apanhadas no passado por estudiosos e observadores contemporâneos dos referidos fatos ou apanhadas em tempos posteriores por estudiosos e observadores que viveram ou que ainda vivem, e que constituem apenas uma maneira indireta de chegar ao intelecto atual dos estudiosos vividos ou viventes depois em cada momento ulterior ao fato. Aqui pode ocorrer que se trate de registros meramente descritivos—como os relatos de Marco Polo sobre o velho Oriente ou a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal acerca da descoberta do Brasil—, que representem a percepção na sua forma mais fenomênica, como pode acontecer que se trate de registros interpretativos, como muitos elaborados por Aristóteles, Newton, Darwin e outros tantos deixados por muitos outros filósofos e cientistas do passado, os quais, de certa forma e em certa medida—e isto independentemente do grau de validade científica que possam conter–, trazem até os intelectuais dos tempos mais presentes, materiais com quais os conceitos podem ser elaborados ou re-elaborados.
Nesse caso, o investigador atual—e aqui já estamos a falar de um investigador que opere com o método dialético—teria um duplo e difícil trabalho: de um lado, levar a efeito uma abordagem acompanhada de uma imprescindível triagem das impressões (registros) empiristas e idealistas (ou metafísicas, como em Homero, Platão, no próprio Aristóteles e em inúmeros outros pensadores), com vistas a separar os conteúdos poéticos e metafísicos das inspeções mais ou menos concretas; de outro, proceder a uma análise crítica dos instrumentos conceituais com os quais foram elaboradas, nas vezes antecedentes e mais ou menos remotas, as interpretações daqueles fatos—o que só é possível, nesse segundo caso, na medida em que o analista se apropria de um mínimo de relações universais registradas que existiam e que contextualizavam os fatos e as relações particulares acontecidos no referido tempo passado. Assim, as interpretações feitas nas diversas épocas anteriores recebem uma espécie de “teste (dialético) de consistência”, porque são postas à prova no seio de relações sociais igual e mutuamente resgatadas e reinterpretadas pela investigação teórica da história.[2] [115],[3] [116]
Marx escreveu também: “Sempre que se estudam tais transformações há que estabelecer a distinção entre a transformação das condições econômicas da produção, que podemos determinar com a precisão da ciência natural e das formas legais, jurídicas, religiosas, artísticas ou filosóficas—em resumo, ideológicas—pelas quais os homens ganham consciência desse conflito e o vencem.” Não se pode concordar com passagens como esta, de feitio claramente positivista (“ ... com a precisão da ciência natural...”) que não expressam o conjunto da obra de Marx. O próprio Engels, numa carta feita a Mehring, na qual chancela o livro desse, faz uma auto-crítica de um defeito em formulações passadas, suas e de Marx, a respeito desta questão: “À parte isto, só falta um ponto que, a bem dizer, nunca foi suficientemente realçado nos escritos meus e de Marx, relativamente ao qual ambos somos responsáveis. Trata-se do seguinte: de início, empenhamo-nos em por a tônica na dedução das representações ideológicas—políticas, jurídicas e outras—bem como nas ações por ela condicionadas, a partir dos fatos econômicos que lhe estão na base, e tivemos razão ... Isso geralmente é acompanhado pela seguinte noção estúpida dos ideólogos, segundo a qual, como nós negamos que a diversas esferas ideológicas que desempenham qualquer papel na História possuam um desenvolvimento histórico independentemente, negamos também que possuam qualquer eficácia histórica. A base disto reside na concepção trivial não dialética da causa e efeito como pólos opostos rígidos, na ignorância absoluta dessa interação. Estes senhores esquecem com freqüência, deliberadamente, que logo que um elemento histórico é gerado em última análise por outras causas econômicas, reage também por sua vez e pode reagir sobre o seu meio e até sobre as suas próprias causas...”
Passemos à transcrição de uma fala de Engels, junto ao túmulo de Marx: “Tal como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da natureza orgânica, também Marx descobriu a lei do desenvolvimento da História humana; o simples fato, que até se encontrava oculto pela enorme confusão da ideologia, de que a humanidade, antes que possa dedicar-se à política, à ciência, à arte, à religião etc., tem primeiro que comer, beber, ter um abrigo e vestir-se; de que, portanto, a produção dos meios de subsistência imediatos e, por conseguinte o grau de desenvolvimento atingido por determinado povo ou durante uma determinada época forma a base sobre que se desenvolvem as instituições estatais, as concepções legais, as idéias sobre a arte e até sobre a religião do povo em questão e de que conseqüentemente, é à luz desse desenvolvimento que aquelas terão que ser explicadas e não ao contrário, como até aí se fazia.”
É pela premência da necessidade de comer, beber, abrigar-se, vestir-se em condições de escassez desses meios, que o âmbito da produção material se torna a mais decisiva—e decisiva nos seguintes termos: 1) os homens são compelidos a produzirem, antes de qualquer coisa e em condições de escassez, os bens materiais de que necessitam para não morrerem de fome, sede, frio, etc.—vale dizer, tomam prioridade um, acima de todas as demais, esta produção das condições materiais de sobrevivência; e de tal maneira que é a partir daí que ele deduz todas as demais necessidades, formas de vida, valores, expressões e representações ideacionais; 2) et pour cause, alguns, constituindo-se em agrupamentos sociais—castas ou classes—, organizam-se com vistas a acumularem mais meios do que os demais, vale dizer, centralizam, em suas mãos, os meios de produção desses meios de sobrevivência, fazendo com que o que já era mais decisivo passe a ser mais decisivo ainda e a tal ponto que, pra garantirem a posse e a propriedade desses meios mais fundamentais, estabelecem relações de produção que impliquem em relações de dominação, de exploração e de poder que lhe garantam o monopólio de tal domínio. O mais decisivo precisa ser privado; o mais decisivo precisa de ser defendido como tal; o mais decisivo precisa ser dissimulado. E é a partir dessa instância que eles, agora como castas e classes, organizam os meios e mecanismos que garantam a prevalência dessa base—daí, por ela, em defesa dela e em nome dela criam e articulam os meios secundários para a garantia—pela força e pela persuasão—desse núcleo básico da sociedade, agora de classes, e daí derivam o Estado e todas as demais instâncias superestruturais ideológicas.
Na pág. 17, Mehring transcreve um outra passagem do Ludwig Feurbach: “Mas, enquanto nos períodos anteriores, a investigação destas causas motoras da história era quase impossível—devido às inter-relações complicadas e encobertas que se estabeleciam entre tais causas e os seus efeitos—o período em que nos encontramos simplificou tanto essas inter-relações que o enigma pôde ser resolvido. Deixou de ser segredo para quem quer que seja na Inglaterra que, desde o aparecimento da grande indústria, quer dizer, pelo menos desde a paz européia de 1815, toda a luta política se centrava sobre as pretensões à hegemonia de duas classes: a aristocracia terratenente e a burguesia (classe média) ... E a partir de 1830, tem-se reconhecido nos dois países que a classe operária, o proletariado, é um terceiro pretendente ao poder. As condições simplificaram-se tanto que seria preciso fechar deliberadamente os olhos para não ver que na luta entre essas três classes e no conflito entre os seus interesses reside a força motriz da história moderna—pelo menos nos países mais avançados.”
Em que consiste a simplificação entre as causas motoras da História e os efeitos dessas causas que, segundo Engels, permitiu a visibilidade dos interesses e das respectivas posições de classes modernas? Em que essa nova visibilidade era mais simplificada e, portanto, mais visível do que as inter-relações, nos mesmos termos de classes, do que as existentes nas sociedades da Antiguidade greco-romana entre Nobreza e escravos ou, na Alta Idade Média, entre Nobreza e servos? Temos dúvidas se a polarização entre burguesia/proletariado é mais “simplificada”—portanto mais visível—de que a polarização nobreza/escravo ou senhor/servo; e se as “inter-relações” das socialidades pré-capitalistas—alienação religiosa, etc.—eram mais opacas do que as da capitalista. Talvez o que aconteceu no capitalismo é que o confronto entre as duas classes fundamentais—burguesia/proletariado—tenha sido mais forte, mais presente, portanto mais visível, de que os confrontos anteriores. Aí sim, e a própria Comuna—fato que nenhuma classe dominada da História logrou (até porque nenhuma delas poderia ter um projeto desse calibre)—deu essa visibilidade. Não há dúvidas de que no capitalismo as relações sociais—como as que envolvem o fetiche, o estranhamento, etc.—são muito mais opacas do que as anteriores. Essa visibilidade, que permitiu a Marx desvelar os segredos da ordem do capital, advém da qualidade e da dimensão da classe operária vis-à-vis às das classes dominadas nas formações anteriores. Talvez não se trate de “simplificação”, mas da densidade das situações contemporâneas.
Mehring, p. 28: “Mais fácil de compreender, embora seja também um erro grosseiro, é a confusão entre o materialismo histórico e o materialismo das ciências naturais. Este último menospreza o fato de o homem não viver apenas na natureza, mas também na sociedade, e de que não existe apenas ciência natural, de que existe também ciência social. O materialismo histórico engloba também o materialismo das ciências sociais, mas o contrário não se passa. O materialismo das ciências naturais vê o homem como uma criação da natureza que age conscientemente, mas não estuda a forma como a consciência do homem é determinada também no seio da sociedade humana...”
A primeira questão posta é a que foi antecipada por Engels: os homens agem, individualmente, em grupos ou em classes sociais e, ao agirem assim, fazem a sua história, mas eles não agem, como pretendem alguns teóricos, na base de um livre arbítrio absoluto, e sim obedecendo a pautas que já encontram socialmente postas e que enquadram os seus atos. A segunda questão é que essas pautas emergem da sociedade (ser social) que os próprios homens objetivam por intermédio de seus atos de trabalho. Os atos de trabalho são atos teleológicos, porém atos que dão por resultado um ser social que já não se move teleologicamente, mas por causalidade—ou seja, uma infinidade de atos de trabalho conscientemente articulados e realizados para alcançarem produtos e resultados imediatos também conscientemente almejados, desembocam numa totalidade social, regida por leis, agora impressas por essa totalidade enquanto tal, que anulam os objetivos deliberados, trocando-os por resultados que, não obstante serem continua e necessariamente reproduzidos pelos mesmos atos deliberados, se dão por causas não mais conscientes, mas cegas, cujo movimento não obedece a nenhum plano traçado nem pelos homens e nem por qualquer entidade supra-humana. Em terceiro lugar, entre essas pautas, as leis sociais são as que detêm as forças de determinação mais importantes e mais decisivas para o devir do ser social reiteradamente produzido e reproduzido pelos mesmos homens, pois são elas que estabelecem as condições fundamentais para o equilíbrio estrutural da sociedade—o que equivale a dizer que a sociedade, agora agindo sem o comando consciente e geral dos homens, cria, em si e para si, seus próprios mecanismos de equilíbrio, sem os quais ela seria um caos que anularia, no ato mesmo da sua emergência, a sua possibilidade de existência. A quarta questão consiste em que na composição tanto das leis sociais como na das demais pautas da ação humana, as determinações da Natureza (incluindo as leis naturais) jogam um papel de destaque—papel minimizado por pensadores do próprio campo do marxismo que reagiram e reagem às posturas deterministas de uma dialética materialista vulgar. De fato, por mais nobres que sejam as reações e as aversões às versões dogmáticas das visões ou concepções dos marxismos de manuais, não se justificam as concepções que defenestraram as determinações da natureza em nome de um marxismo que se estiolou no erro oposto: o da celebração de uma sociedade humana produzida e reproduzida só pela ação humana. Já é hora de repor as coisas nos seus devidos lugares. A questão seguinte consiste em considerar que essas pautas de que se fala mais acima são produtos também da convivência entre os homens, da mesma maneira vista como totalidade social e ainda que nelas não se façam presentes as determinações naturais—como esta: um homem só, não age ou reage socialmente da mesma maneira que o faz em grupos e classe sociais. Mais ainda, mesmo numa esfera na qual não se encontre nenhuma determinação direta das leis naturais, a ação humana coletiva, ou por outra, a ação humana vista como totalidade, impõe pautas imanentes e que diferem das pautas individuais. Uma outra questão se impõe: para que as sociedades humanas não deságüem em caos, faz-se necessário que essas sociedades não se bastem nas forças estruturais de manutenção do equilíbrio, isto é, que estabeleçam pautas de ordem complementar, pautas superestruturais: as normas consuetudinárias e jurídicas de comportamento e convivência social—de que dão testemunho as Constituições, desde os códigos e as leis gerais da Antiguidade (Hamurabi, Drácon, Sólon) até as atuais, seguidas de suas regulamentações complementares. Uma outra questão merece ser lembrada; trata-se de que, nas diversas formações sociais de classe que permearam o caminho da História, todas as pautas, tanto as estruturais como as superestruturais, têm o selo das relações de produção, portanto, das relações de dominação de uma classe sobre outra(s); e que, em adendo, não obstante esteja o núcleo do poder e da dominação de uma classe sobre a outra nas relações sociais de produção, essas relações não esgotam toda a necessidade e toda a possibilidade de manutenção da ordem—daí a necessidade da complementação da dominação política por meio das formas e pautas superestruturais, que implicam o Estado, as leis, as ideologias, a cultura etc. Neste remate, falta uma última questão a ser levada em consideração: essas pautas só têm validade no âmbito das formações sociais nas quais emergiram ou foram criadas, sendo tão transitórias quanto o são as próprias formações sociais que as contêm. Sua vigência, como sua superação, já não dependem dos atos de trabalho, mas de rupturas revolucionárias que se dão no processo de luta de classes que, inaugurando uma nova formação social, vão criar novas pautas sociais, que seguem sendo pautas de equilíbrio e ainda que emerjam de sociedades onde não mais existam as classes sociais e o Estado.
Para compreender as relações que se estabelecem, mediante o trabalho em primeiríssimo plano, entre o homem e a Natureza não basta ater-se a uma formulação tão esquemática e simples como, por exemplo, esta aqui: a sociedade se baseia, em primeira instância, em leis naturais, só que a essas leis naturais são adscritas, modificando-as e tornando-as mais flexíveis e mais elásticas—portanto não tão exatas como as leis que regem os fenômenos da Natureza (gravitação universal, transformação dos estados dos corpos, etc.)—, um sem-número de contingências de tipos variados e a intervenção humana. Esta, a nosso ver, é ainda uma formulação de caráter mecanicista. O corte ontológico que, em última instância lhe é subjacente, parte do pressuposto de que a sociedade humana é tão natural quanto, por exemplo, o sistema solar; que, portanto, é regida endogenamente por leis tão naturais quanto as que regem, ainda, por exemplo, a gravitação universal, com a diferença de que contingências numerosas e intervenções humanas “apenas” intercederiam, “modificando” o curso natural daquelas leis. Esse tipo de formulação, que esteve no Aristóteles da Polis e da Política seria, hoje, de corte expressamente positivista, ainda que, muitas vezes, apresentada sob o manto de um insustentável disfarce. Nela, a ação humana não produz os fatos sociais, limita-se a interferir sobre eles, sendo este o seu defeito essencial.
Mesmo considerando que a humanidade e a sociedade humana não são nada metafisicamente supra-naturais, e que, portanto, constituem um segmento da manifestação da Natureza—a Natureza munida de consciência—, a sociedade humana não é um sistema ou uma sociedade natural como são os sistemas siderais, ou dos átomos, ou mesmo as sociedades dos outros animais (que agem por instinto ou por meio de uma inteligência apenas rudimentar), mas exatamente uma sociedade humana. O homem tornou-se um ser natural especial (ou seja, um ser especificamente consciente e social) porque pertencia a uma categoria de hominídios que pôde desenvolver, num particular processo de adaptação social a condições e circunstâncias do meio natural, os pressupostos da eclosão da consciência: uma formação corpórea—a locomoção bípede, a mão liberada e em forma de pinça—que o capacitou a construir artefatos de caça, ao exercício de uma forma embrionária de trabalho, obrigando-o a pensar, de que resultou o crescimento do cérebro e, ainda, num tal processo, também, ao desenvolvimento de uma cultura conexa. Ou seja, houve um momento, que deve ter durado milhares de anos, no qual ele se diferenciou dos demais seres naturais e, ao diferenciar-se, tornou-se humano, consciente, um momento em que ele deixava passava de um ser social instintivo para ser um ser social consciente. Em outras palavras, o homem tornou-se homem, isto é, ser especialmente consciente, inteligente e social, por uma senda particular dentre as inúmeras transformações da Natureza. Foi dessa maneira que o homem pôde desenvolver a inteligência—e se não tivesse dessa forma se desenvolvido, o homem jamais poderia compor a Nona Sinfonia.
Portanto, a História dos homens inclui a Natureza e sua história, assim como a história da Natureza inclui a história dos homens, porque a história dos homens, a história social deles, não só foi gerada dentro da história da Natureza, como se desenvolve no interior da história da Natureza e tem, ainda, por tudo isso, um pressuposto: o homem se nutre de sua relação de dominação parcial e gradativa sobre a Natureza pela mediação do trabalho, sendo que é exatamente pela porta do trabalho que o elemento consciente, especificidade da ação humana, entra na relação com a Natureza, vai dar caráter diferenciado e específico à “natureza humana” e, portanto, às leis que a regem dentro da totalidade Natureza.
A mera produção de puros valores de uso ou, inversamente, a produção de mercadorias ou, num plano mais geral ainda, a própria produção e reprodução da vida humana dá-se mediante um processo de produção assentado sobre relações sociais historicamente determinadas, que pressupõem o processo de trabalho como mediação da relação do homem com a Natureza, oferta original de meios e objetos de trabalho. Nesta relação, o próprio homem também aparece como um ser dotado de consciência, atributo que lhe confere uma especificidade de longe diferenciada de todos os demais seres naturais—daí porque os atos sociais dos homens não podem ser vistos como fatos naturais, mas sociais—, o que também não quer dizer que as sociedades humanas estejam por isso isentas de leis, exatamente de leis sociais. A reprodução da própria vida e sociabilidade humanas constitui um processo de co-produção, no qual a Natureza não está ausente e a sua necessária presença jamais pode ser considerada um processo passivo, ainda que cego. É da ligação Homem-Natureza, posta nestes termos, que nascem as leis sociais. Isso nos obriga a compreender o que significam e como são geradas estas leis sociais.
A organização social, como a história social (a organização social em seu movimento específico) é, por sua vez, a organização e a história que os homens desenvolvem, mas que o fazem não como fatos subjetivos e sociais puros, mas sim a partir de elementos naturais incluídos, não meramente adscritos. Se esta base natural for excluída, eliminada, a organização e a história sociais também o serão. As leis sociais também são produto desta ligação.
Para exemplificar, a lei do valor—que é uma lei, e uma lei social, já que o valor é, ele próprio, uma relação produzida pela ação dos homens numa relação social de produção—leva em conta, quer na sua forma imediata, tal como se manifesta numa relação mercantil simples, quer na forma em que aparece mediada pelo preço de produção (quando então o preço se diferencia do valor), na forma mercantil complexa da produção/circulação capitalista desenvolvida, os elementos naturais que estão incluídos na produção da mercadoria e, portanto, na própria mercadoria, como tais ou quais materiais, para cuja transformação são exigidos—e devem ser levados em consideração—tempos de trabalho em quantidades diferenciadas. Com efeito, o valor de cada mercadoria, que constitui a essência do valor de troca (esta última, mera proporção como base para a troca de valores de uso distintos, portanto, forma que representa apenas a aparência, que encobre a primeira, o valor, forma essencial), é representado por trabalho abstrato nela objetivado, e este trabalho abstrato é, no caso de cada mercadoria, a objetivação dos trabalhos abstratos de todos os componentes que entram na sua produção. A grandeza de valor de uma mercadoria é medida, portanto, pela quantidade de trabalho nela objetivado—e tal grandeza só pode ser medida pelo tempo de trabalho nela cristalizado.[4] [117] Naturalmente, dado determinado padrão de técnica produtiva, que representa sempre um determinado estágio da evolução social da produção, a transformação, por exemplo, de uma barra de ferro de uma tonelada em, digamos, parafusos de uma mesma dimensão contém, em função das qualidades físicas do ferro, portanto qualidades naturais (resistência ao atrito, ao corte etc.), mais tempo de trabalho do que, completando o exemplo, a transformação de uma tonelada de alumínio também em parafusos de mesma dimensão. Vê-se claramente, por esse exemplo, que o valor de troca (forma aparente do valor) e o próprio valor, apesar de constituírem relações sociais—e não formas naturais—, todavia não podem fazer abstração, na sua constituição, das qualidades naturais dos valores de uso enquanto suportes materiais das mercadorias. Como todas as mercadorias possuem, por este ângulo de observação, processos constitutivos semelhantes, todas elas possuem, como elemento comum, trabalho abstrato objetivado. Se, entre as diversas formas de valores de uso produzidos pelo homem, não existissem distinções naturais, como as acima comentadas, ou seja, se todos os produtos possuíssem as mesmas características naturais (o mesmo peso, a mesma durabilidade, etc.) e pudessem ser encontrados, coletados, transportados etc., da Natureza, em iguais condições, todos os produtos socialmente produzidos teriam, por unidade de massa, o mesmo tempo de trabalho: 1 grama de ferro, 1 grama de milho, 1 grama de pão, etc., encerrariam a mesma quantidade de trabalho e os tempos de trabalho só difeririam no que respeitasse às diferenças de quantidade—1 grama de pão = 1 grama de ferro, da mesma forma que 10 gramas de pão = 10 gramas de ferro ou 20 gramas de pão = 20 gramas de ferro.
De modo que aquele que pensa a sociedade sem levar em consideração a Natureza e as ligações dela (com suas leis) com a atividade social dos seres humanos, não estará produzindo nada mais do que pura especulação idealista. Quando Marx lembra que uma jornada de trabalho humano possui um limite inferior a vinte e quatro horas, ele está trabalhando com um fator natural que se liga a uma atividade em relação social, na medida em que ninguém pode trabalhar ininterruptamente durante vinte e quatro horas sem que possa dispensar um tempo mínimo para alimentar-se e, pelo descanso, repor forças. De modo inverso, todo aquele que não considerar a autonomia relativa da organização e da história social consciente dos homens, reduzindo-as ao elemento e às leis naturais pura e simplesmente, como se esses processos fossem regidos por leis exclusivamente naturais e mecanicamente estabelecidas, estará agindo, pelo modo oposto, também idealisticamente. .
É esta autonomia relativa que ofusca a mente de determinados pensadores, levando-os a considerar a história e a organização sociais por si mesmas, sem qualquer ligação com as leis e determinações naturais.
Se os seres humanos, agindo socialmente, atuassem desligados da Natureza e, conseqüentemente, das leis da Natureza, aí sim, a sua práxis seria produto de atos exclusivamente volitivos, subjetivos, conscientes—ou inconscientes, inclusive. Mas os seres humanos agem ligados à Natureza; essa ligação se dá, basicamente, por meio do processo de produção e reprodução das condições sociais de subsistência e, portanto, através do processo de trabalho, que é, como Marx o definiu com exatidão, o que media as relações dos seres humanos com a própria Natureza. É desta ligação, mediada pelos processos, também interligados, de produção e trabalho, que nascem as leis sociais—as quais subtraem das sociedades humanas, da práxis humana e da subjetividade humana, a pretensa autonomia absoluta que alguns autores, mesmo entre os marxistas, querem atribuir.
As leis da Natureza são leis cegas e a própria Natureza se movimenta cegamente, vale dizer, sem ação ou plano consciente. O que mantém e preserva a ordem e a evolução da Natureza—e, por extensão, de todo o Universo (a Natureza no seu sentido mais amplo)—são as suas leis, sem as quais qualquer ordem, qualquer sucessão, desta forma sem nexo ou relação causal, não passaria de um caos e de uma indeterminação que tornaria impossível, nos termos e de partida, a possibilidade de existência da própria Natureza e, por extensão, de qualquer tipo de sociedade, a humana incluída. No que diz respeito à sociedade humana, ela seria da mesma forma inviável se constituída apenas de contingências (surpresas em toda a linha) ou de atos e ações puramente subjetivos. No conjunto de uma dada formação social futura, tais ações e iniciativas crescerão enormemente de importância—com elas, a liberdade—, mas não a um ponto em que as leis naturais e (outras) leis sociais deixem de existir. A existência e a transformação da Natureza dependem de uma ordem, e essa ordem só é possível por conta das leis naturais. Aliás, pode-se antecipar a idéia e o princípio mais geral de que qualquer ordem de existência—que pressupõe a sua transformabilidade (por evolução e por ruptura) em outra ordem—pressupõe leis. Sem elas, como já foi dito, não existiriam contingências e nem a ação humana (consciente). A própria revolução, a luta de classes em estado de paroxismo, que é o único método de transformação qualitativa da sociedade e da história, é um processo de mudança, também radical, de leis sociais—ou, se se quiser, de uma ordem por outra ordem. A seguir, pretendemos deixar mais claro porque, a nosso juízo, estas assertivas estão implícitas na seguinte afirmação de Marx, fixada já nos parágrafos iniciais de O 18 Brumário: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.
Voltemos às sociedades humanas. Dizíamos, mais atrás, que as leis sociais, que diferem, obviamente, das leis naturais, são constituídas, com a distinção e a especificidade que lhes são características, como produto da ligação das atividades humanas, através do processo de produção e trabalho, com a Natureza, seus processos e suas leis.
Os homens praticam a agricultura; os homens agem conscientemente ao plantarem, semearem e colherem. São atos, sem dúvida, conscientes, de caráter volitivo, subjetivo, atos que contêm, como disse Engels, uma “finalidade desejada”, como colher trigo, centeio, arroz, milho, frutas, etc., quer para serem imediatamente consumidos como puros valores de uso, quer para serem comercializados como mercadorias e serem consumidos (consumo pessoal ou consumo produtivo) depois. Mas, após plantada a semente, depois de encerrado um determinado lapso de tempo, no qual também se encerra a intervenção do ser humano através do processo de trabalho, o processo de produção continua, agora não só sem a intervenção humana, como totalmente sujeita a leis exclusivamente naturais, como acontece com a germinação da semente ou com a fermentação de bebidas, processos que, por sua vez, estão sujeitos a condições e leis naturais como clima, entre outros, que marcam o ciclo sazonal da produção agrícola. Esse fato foi verdadeiro desde a sociedade primitiva até a sociedade capitalista atual: em todas elas a germinação da semente, por exemplo, requer um tempo destinado ao “trabalho” dos processos e leis naturais.Temos aqui um exemplo mais do que evidente de que a ação de intervenção humana, ao ligar-se com a Natureza, através do processo de trabalho (e produção), assume, na ligação, ritmos, tempos e leis específicas, agora leis sociais, constituídas na imbricação da atividade humana do trabalho (consciente) com leis naturais (cegas). É desta ligação que nascem as determinações e leis sociais da produção e a especificidade das mesmas: são leis e processos objetivados e estruturados porque adquirem necessidade e regularidade em função do elemento natural incluído, e são, ao mesmo tempo, processos e leis especificamente humanas porque adquirem, exatamente por conta da atividade humana, uma esfera que não se caracteriza pela rigidez e exatidão dos processos e das leis naturais. Esta diferença, que não é algo nem simples e nem destituído de importância, se deve a que a ação humana pode mudar e muda, dentro de determinadas condições, circunstâncias e limites—historicamente determinados (pela técnica, pela organização)—, as leis naturais. E muda porque compreende tais leis a age sobre elas.
A intervenção humana crescentemente monitorada pela ciência aplicada aumenta, tendencialmente, a força de determinação da ação consciente e planejada em casos como os atrás examinados, enquanto que, corolariamente, diminui, na razão inversa, a força de determinação das leis naturais, mas certamente não a ponto de redundar numa anulação completa da totalidade desses processos e dessas leis—os quais, de resto, são, como foi dito, processos e leis da produção presentes, conquanto variáveis em função do desenvolvimento da técnica, em todos os modos de produção e estágios de desenvolvimento da humanidade. Em muitos casos, a evolução da ciência e de sua aplicação no processo de trabalho e produção pode até anular a força de determinação desses tipos de processos e leis, aumentando, com isso, o grau de liberdade que deve acompanhar a intervenção consciente dos homens, mas de nenhum modo deve-se esperar que o progresso da técnica leve à anulação de todas as leis e processos, como os examinados mais atrás, na sua totalidade. Com a evolução da técnica, nos termos aqui colocados, o grau de liberdade da ação humana na produção—portanto na esfera do domínio das forças naturais—cresce, mas crescerá muito mais, indubitavelmente, numa formação social futura lastreada em relações sociais de produção e sociabilidade já sem a presença das classes sociais e do Estado. Mas, mesmo nesse caso, que se coloca como perspectiva, a Natureza, sob crescente regime de dominação pelo homem, renovará, em frentes cada vez mais novas e mais amplas de exploração, a sua força de resistência traduzida por novas leis e novos processos a serem igualmente conhecidos para serem domados. Convém não esquecer, por fim, que muitos outros tipos de leis presentes no processo de produção, são tipos de leis especificas do modo de produção capitalista, e que, portanto, desaparecerão com ele—como a lei do valor, a lei da queda tendencial da taxa de lucro, a lei absoluta da acumulação capitalista etc.; mais ainda, que muitas dessas leis tendem a ser parcial ou totalmente anuladas com a crescente desorganização endógena do próprio sistema capitalista em exaustão.
[1] [119] Excerto do Livro, em fase de acabamento, O Processo de Produção do Conhecimento, de nossa autoria (E.C.)
[2] [120] Nesses termos
tem toda procedência a seguinte observação feita por István Mészáros: “O
desenvolvimento da consciência histórica está centrada em torno de três grupos
fundamentais de problemas: 1) a determinação da ação histórica; 2) a percepção
da mudança não como simples lapso de tempo, mas como um movimento de caráter
intrinsecamente cumulativo, implicando alguma espécie de avanço e
desenvolvimento; 3) a oposição implícita ou consciente entre a universalidade e
a particularidade, visando obter uma síntese de ambas, de modo a explicar
historicamente eventos relevantes em termos de seu significado mais amplo que,
necessariamente, transcende sua especificidade histórica imediata”. In, Para
Além do Capital, Editora da UNICAMP e Boitempo Editorial, São Paulo, 2002,
pág. 59. De conformidade com a análise levada a efeito no presente estudo,
todos os “três grupos fundamentais de problemas” que implicam no
“desenvolvimento da consciência histórica”, são da maior pertinência para a
pesquisa histórica como a entendemos, mas, para caracterizar o enquadramento
estrutural dos fatos singulares apropriados pela pesquisa histórica, o terceiro
grupo de problemas é de fundamental importância para exatamente definir a que
formação social tais ou quais fatos recolhidos pelos registros pertenceram—ou
seja, a que universalidade pertenciam
dadas “especificidades históricas imediatas relevantes” passadas, recolhidas
pela “percepção indireta”, isto é, por meio dos registros recolhidos por
descobertas arqueológicas, meras descrições ou análises teóricas feitas por
pensadores do passado.
[3] [121] Excerto, Op. Cit. (E.C.).
[4] [122] Marx, Carlos, El Capital, I, Sección Primera, Capítulo I, Fondo de Cultura Económica, México-Buenos Aires, 1966, pág. 7.
[5] [123] Lukács, G., Posfácio de 1967, Op. Cit., pág. 356.
(Resposta da CCI a alguns argumentos dos comentários sobre O materialismo histórico de Franz Mehring)
Concordamos com a exposição detalhada dos princípios do materialismo histórico, feita pelos "comentários". Estimamos varias insistências e nuances no seu desenvolvimento que demonstram um conhecimento profundo dos conceitos marxistas. Nosso propósito, nesta contribuição, não é de fazer novos comentários[1] [124], mas de exprimir discordâncias considerando a aplicação – feita através dos comentários - do conceito de decadência, no caso do capitalismo.
Para nós, a caracterização desta fase da vida da sociedade é baseada, de maneira restritiva no texto de OPOP, sobre manifestações estritamente econômicas das contradições do capitalismo agindo na sua infra-estrutura, enquanto não são únicas e nem sempre as mais importantes como o ilustra o caso das guerras mundiais. Alem disso, não são todas as contradições econômicas, nem as mais fundamentais, que são evidenciadas pelos comentários.
Tal procedimento resulta numa definição da fase de decadência do capitalismo que não permite levar em conta a ocorrência, no inicio do século XX, de uma simultaneidade de eventos, portanto típicos da abertura de uma fase de decadência:
Ao restringir o conjunto das contradições do modo de produção capitalista, os comentários são levados a concluir que as condições materiais não estavam ainda presentes na época da onda revolucionaria mundial. Ora, nada vem comprovar tal situação nos principais países de Europa, na Alemanha em particular, no momento da primeira onda revolucionaria mundial.
Na realidade, os argumentos empregados deixam pensar que não é principalmente o início da decadência que eles procuram determinar, mas quais são as condições mais favoráveis para a revolução. A propósito disso, é com toda razão que eles colocam em evidência que a crise econômica iniciada há mais de trinta anos é sem retorno possível. Nestas circunstancias, um processo revolucionário se encontraria radicalizado pelo agravamento da crise, o que constitui uma vantagem em relação a onda revolucionaria mundial de 1917-23 cujo desenvolvimento mundial foi freado quando a burguesia colocou um termo final às hostilidades guerreiras.
Alem destas questões, os comentários colocam que o desenvolvimento das forças produtivas é hoje suficiente para satisfazer as necessidades imediatas da humanidade, enquanto não era o caso no momento da onda revolucionaria mundial. Esta questão merece ser discutida à luz do que significa, segundo o marxismo, um desenvolvimento suficiente das forças produtivas que permita a edificação de uma nova sociedade sem escassez.
Junto com uma insistência totalmente justificada, considerando a luta de classe como fator de transformação social – e não, por si, as forças produtivas – a exposição restringe as contradições do capitalismo entre o capital constante e o variavel.
“As rupturas são todas elas promovidas pelas das lutas de classes, personas que correspondem socialmente às condições materiais: a contradição entre o capital (trabalho morto) e o trabalho (trabalho vivo) se manifesta por classes que personificam subjetivamente essa mesma contradição: burguesia de um lado, proletariado de outro. A contradição estrutural está aqui: na relação antinômica entre o capital constante e o variável na c/v, na m/v e na Tl, enquanto a esfera subjetiva dessa contradição na luta de classe entre a persona do capital e a do trabalho”.
A identificação do antagonismo entre o capital constante e o variável é essencial, pois permite colocar em evidência a exploração do operário, a oposição entre o capitalismo e a sociedade comunista:
Mas esta contradição não é a única nem pode ser reduzida, como fazem os “comentários”, a uma proporção entre trabalho vivo e trabalho morto com intento dar ênfase à contradição econômica da queda da taxa de lucro.
É o conjunto das contradições fundamentais do capitalismo que deve ser tomado em conta, na suas inter-relações.
Segundo a tese dos comentários, a redução do trabalho vivo vis-à-vis a expansão do trabalho morto, se expressa de maneira qualitativamente diferente a partir dos anos setenta, determinando a fase final da crise do capitalismo, sob a forma da queda da taxa de lucro. “Análise premonitória, perfeitamente adequada para expressar a crise atual do capital, que tornou os seus pressupostos de crescimento em pressupostos de sua crise: a potencialização da extração da mais-valia levou, no âmbito da crise atual, a uma brusca redução do trabalho vivo vis-à-vis a expansão do trabalho morto e, por aí, a uma queda da taxa de lucro pela redução do exército ativo de produtores de mais-valia e de consumidores de mercadorias”
Mas isso não é verificado pela própria historia do capitalismo, como o ilustram todas as manifestações abertas de suas contradições, crise e guerra, ocorridas entre a Primeira Guerra mundial e os anos setenta.
Não corresponde também à obra de Marx (Ler o nosso artigo Marx, a questão dos mercados e a queda tendêncial da taxa de lucro), nem na letra nem no espírito.
Não vamos desenvolver de novo o assunto aqui. É só lembrar que foi Marx que colocou em evidencia a incapacidade do Capitalismo de constituir o mercado suficiente para a realização da massa crescente de mais-valia correspondendo a sua produção. Ele explicou que, isso, longe de constituir uma contradição exterior ao sistema, resulta fundamentalmente das características da exploração capitalista: o capitalismo paga o trabalho vivo no mínimo que corresponde às necessidades da reprodução da força de trabalho, se bem que as “relações antagônicas de distribuição, [] reduzem o consumo da grande massa da sociedade a um mínimo só modifìcável dentro de limites mais ou menos estreitos.” (O Capital, Livro III)
Não é por acaso se a expressão se, nessa parte da obra de Marx publicada quando era vivo, a crise do capitalismo é materializada pelas crises cíclicas do século XIX resultando da superprodução de mercadorias[2] [125], no Manifesto em particular:
Segundo “os comentários”, a abertura da crise final do capitalismo a partir dos anos setenta corresponde à conclusão de um ciclo na dinâmica econômica : “O equívoco de Engels deu-se a uma ligação linear da situação do capitalismo no final do século XIX com uma fase que só pôde ser alcançada nos anos 1970 para cá. De fato, só hoje o capitalismo (...) completou a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção. Esta contradição não estava presente antes das décadas de 1970 a 2010—e tanto não estava completada antes que foi possível ao capital realizar um ciclo de onda longa com seus dois momentos: um de crescimento, do pós-guerra aos anos 1970, quando avançou na mundialização da sua ordem como acumulação ampliada à escala mundial, e outro de decadência, dos anos 1970 aos dias de hoje”
No século XIX, as crises cíclicas encontram uma saída na abertura de novos mercados, exteriores à esfera das relações de produção capitalista. A crise perde este caráter cíclico desde que chegamos a uma situação de saturação crônica do mercado mundial. Foi Engel o primeiro a colocar em evidência esta modificação da dinâmica econômica. Ele tinha um conhecimento perfeito dos analises econômicos de Marx, notadamente por ter trabalhado durante anos sobre os manuscritos dos Livros II e III do Capital. Quando, no prefácio da edição inglesa do livro I do Capital (1886), ele sublinha o impasse histórico do modo de produção capitalista, ele não se refere à queda tendêncial da taxa de lucro, é sim à esta contradição sublinhada permanentemente por Marx considerando, de um lado “o desenvolvimento absoluto das forças produtivas” e por outro lado “a limitação no crescimento do consumo final da sociedade”:
E este “lamaçal sem solução de uma depressão permanente e endêmica” a qual se refere, não é outro de que o anuncio premonitório da entrada do capitalismo na sua fase de decadência. Momento que se caracteriza por “uma superprodução crônica”, como diz o próprio Engels no mesmo ano, numa carta para F.K. Wischnewtsky:
Mais uma vez, os comentários não falam, não tomam em conta e nem explicam:
Qualquer que seja a análise das raízes do imperialismo e da guerra mundial, a de Lênin ou a de Rosa, ambas tinham em comum de considerá-los como a expressão das contradições insuperáveis do capitalismo caracterizando uma nova época da vida do capitalismo:
A burguesia de todas as grandes potências tinha plenamente consciência de que suas perspectivas econômicas eram estreitamente ligadas à posse de um império colonial, a fonte de matérias primas baratas e de mercados extracapitalistas. Ora, a repartição não igualitária do bolo imperialista só podia arrastar à guerra potencias como Alemanha que era muito mal dotada, de maneira absoluta e ainda mais em relação a seu potencial comercial. Isso só podia desembocar numa guerra mundial. O cenário da Segunda Guerra mundial não é muito diferente com a diferença que, os mercados sendo mais raros de que da época da Primeira, ela foi principalmente motivada pela pilhagem das riquezas e meios de produção das outras potencias.
De novo, com a aproximação dos primeiros sinais da fase de decadência do capitalismo, manifestadas notadamente pelas tensões crescentes entre as grandes potências e pelos conflitos sem fim na periferia, foi Engels que, com muita presciência, teve a capacidade de perceber a perspectiva de uma Guerra mundial e destacar todas suas implicações. Assim ele escreveu em 1891-92:
“( Comentário 4) ... Estamos convencidos de que só agora, mais particularmente da década de 1970 em diante, com um capitalismo desenvolvido e mundializado à l’outrance, estaria dada concretamente a possibilidade de produzir meios de subsistência com abundância para toda a humanidade. Agora sim, em condições nas quais a classe dominante—a burguesia—não cede seus privilégios e a classe do trabalho tem de tomar o poder como insuportável (até aqui estamos colocando a questão em termos teóricos bem gerais), é possível inaugurar uma sociedade na qual a abundância torne de novo supérflua a divisão da sociedade em classes e o Estado.”
“De fato, só hoje o capitalismo (...) acumulou uma capacidade de produção compatível com as necessidades de toda a população do globo”
Não há dúvida que o contraste enorme existente entre, dum lado, o grau extremamente alto do desenvolvimento das forças produtivas – enquanto existe um desperdício escandaloso destas – e, por outro lado, o desprovimento crescente de uma parte crescente da população mundial, constitui um fator de tomada de consciência da necessidade da revolução comunista.
Estas palavras de Engels, feitas nos “comentários”, são deste ponto de vista, luminosas:
E indubitável que as força produtivas são hoje em dia mais desenvolvidas, de maneira absoluta, de que nunca. Será que disso resulta o caráter mais propício do período atual para a revolução? Isso não tem nada evidente visto que, desde um século, o desenvolvimento das forças produtivas ocorre a preço de danos que chegam ameaçar a vida humana no planeta.
Na realidade, a satisfação das necessidades humanas, imediatas e vitais, pela utilização das forças produtivas desenvolvidas pelo capitalismo, não tem como condição primeira um nível absoluto destas forças produtivas pré-existentes.
O capital criou o potencial para a abundância, mas isso não significa que a abundância apareça, magicamente, no dia seguinte da revolução. Ao contrario, a revolução é uma resposta a uma profunda desorganização da sociedade e, na sua fase inicial, tenderá a intensificar esta desorganização. Como dizem as notas, “torna possível uma era de revoluções—em meio a grandes dificuldades, é certo—como previa Marx em sua síntese magistral.”
O proletariado vitorioso tem à sua frente um enorme trabalho de reconstrução, de educação e de reorganização. É por isso que O Manifesto comunista tem toda razão de falar da necessidade, através proletariado vitorioso, de “multiplicar o mais rapidamente possível a massa das forças de produção”.
Assim, o comunismo torna-se uma possibilidade material permitida pelo desenvolvimento, como nunca, das forças produtivas pelo próprio capitalismo. Mas Marx nao fixa um limite inferior da quantidade destas forças produtivas a ser atingida para pretender a possibilidade de desenvolver uma sociedade comunista. Marx não oferece a visão utópica da abolição imediata de todas as categorias da produção capitalista. Ao contrario, ele sublinha a necessidade de distinguir a fase inferior e a fase superior do comunismo. Falando da fase inferior, ele diz:
Nesta fase, existe ainda a escassez assim como todos os vestígios da normalidade capitalista. É unicamente na fase superior do comunismo, quando for realizada a abundancia para cada um que a sociedade poderá escrever na suas bandeiras “de cada um segundo suas capacidade, a cada um segundo suas necessidades” (Carta circular a Bebel, a propósito do programa de Gota.)
Para o marxismo, uma das diferenças fundamentais entre a revolução burguesa e a revolução proletária, consiste no fato que a primeira acontece só depois de um processo de transformação econômica entre o feudalismo e o capitalismo, transformação que a revolução vem ratificar e celebrar na esfera política. Ao contrario disso, a revolução proletária é necessariamente o início da transformação econômica entre o capitalismo e o comunismo. Nessa transformação econômica, as forças produtivas são desenvolvidas em função das necessidades humanas, enquanto é abolida toda propriedade e suprimida a exploração.
Tal afirmação vem contradizer a análise clássica do movimento operário considerando o significado da Primeira Guerra mundial e da primeira onda revolucionaria mundial que personificaram, não só a indignação e a revolta do proletariado mundial contra a barbárie desta primeira, mas também a sua determinação revolucionaria para derrubar um sistema que, doravante, só pode ser a fonte de uma barbárie crescente. Todas as palavras revolucionárias mais famosas da época vêm colocar em evidência o fato de que a classe burguesa não era mais uma classe progressista. Assim a Internacional comunista :
Já vimos que “os comentários” não consideram as duas guerras mundiais e a crise dos anos trinta como elementos significativos de uma mudança profunda na vida da sociedade, resultado do fato que o desenvolvimento das forças produtivas se encontrou travado como nunca pelas contradições na superestrutura. Com a mesma lógica e ao contrario do movimento revolucionário nessa época, “os comentários” não atribuem à Primeira Guerra a significação de colocar em questão a própria capacidade da burguesia de manter seu sistema de exploração.
Contras as objeções “clássicas” (não necessariamente partilhadas pelos “comentários”) feitas à análise clássica do movimento operário, achamos essencial fundar esta análise através das respostas às três questões seguintes:
O uso da coerção, embora seja uma condição indispensável para manter uma relação de dominação de classe, não é suficiente. Há necessidade de uma ideologia, a da classe dominante, que seja capaz de dar um fundamento a esta dominação diante do conjunto da sociedade. Ora, quanto mais um sistema econômico assegura uma prosperidade e uma segurança crescentes, os homens adotam as idéias que justificam sua existência como sistema dominante. Em condições de extensão econômica, as injustiças das relações econômicas podem aparecer como “maus necessários”. A burguesia se encontrou em tal situação na segunda metade do século XIX e no começo do século 20, com a combinação do desenvolvimento das forças produtivas e das melhoras das condições operárias no seio do próprio sistema.
É fundamentalmente a mesma idéia que é exprimida pelo Manifesto comunista (embora quando foi escrito, em 1848, houve uma sub-estimação da capacidade da burguesia de fortalecer sua dominação sobre a sociedade graças à fase de desenvolvimento econômico que ocorreu depois, durante mais de 50 anos):
Como pensar que a guerra de 1914, pelo horror, a barbárie e a miséria que ela espalhou no planeta não tinha mudado profundamente as condições de manutenção da exploração, exatamente como o comprovou a tentativa revolucionaria mundial. E o fato da guerra acabar, não implicou uma dinâmica econômica, nem uma evolução da situação da classe operaria comparáveis à que prevaleceu antes da guerra.
Pelas conseqüências da Primeira Guerra mundial, a burguesia deixou de aparecer como uma classe progressista. Apesar de intensas campanhas ideológicas da sua parte apoiando-se em particular sobre a exceção constituída pela fase de prosperidade depois da Segunda Guerra mundial, ela não conseguiu voltar aos anos de ouro que precederam a Primeira Guerra mundial, ilustrando assim que o desenvolvimento das forças produtivas estava doravante freado pelas relações de produção capitalista.
No mesmo tempo, a evolução da classe operaria, esta força produtiva encarregada do papel de coveiro do capitalismo, comprovava a abertura de uma “época de guerras e revoluções”. Assim, essa época foi a do surgimento do proletariado no cenário social mundial, como uma força capaz de derrubar o poder da burguesia. Já em 1893 Engels tinha colocado em evidencia a importância do desenvolvimento da classe operária:
Um pouco mais de 10 anos depois, aconteceu a revolução de 1905 na Rússia. Pela primeira vez, o proletariado faz surgir os órgãos unitários de seu poder político, os conselhos operários. Ele comprova assim que seu processo de conformação tinha acabado, ao existir como classe que não tinha mais nada ver com suas origens camponeses e pequeno-burgueses, dotada da consciência de si, capaz de se auto-organizar por si mesma.
A partir de 1917, foi de maneira mais maciça, consciente e na escala internacional que esta classe se manifestou de novo como ator social capaz de mudar a sociedade, se organizado em conselhos operários em vários países, principalmente Rússia de novo, Alemanha, Hungria, ..e conseguindo tomar o poder político na Rússia.
O fato de o proletariado ter sido derrotado não comprova , a posteriori, a imaturidade das condições objetivas para a revolução. Nenhum elemento de analise desta derrota vem ilustrar e comprovar esta tese. A situação na Rússia era contrastada com um proletariado avançado, concentrado e uma industria moderna com unidades de produção enormes, mas também, por outro lado, uma multidão de camponeses incultos. Mas é mundialmente que se avaliam as condições da revolução, e principalmente nos países mais desenvolvidos como Alemanha. E é justamente na Alemanha que a revolução mundial sofreu uma derrota que se revelou fatal. Na realidade, esta derrota foi o produto da imaturidade das condições subjetivas que se expressou notadamente sob a forma da subestimação, nas massas operárias, da natureza de classe da social-democracia depois de sua traição do internacionalismo proletário em 1914. Foi por conta desta falta de lucidez nas fileiras do proletariado alemão, que a social-democracia pôde se encarregar de infligi-lo uma derrota fatal.
Diante do fracasso da onda revolucionária, o fatalismo foi o método da corrente conselhista (que nao é o dos “comentários”), quando dizia “se a revolução russa passou a ser capitalismo de estado, é porque não podia resultar em outra coisa”. O fatalismo sempre tem como função a aceitação da ordem existente. O marxismo sempre combateu simultaneamente tal submissão diante da realidade e as concepções voluntaristas e idealistas. Na sua análise da derrota da comuna de Paris, por exemplo, Marx soube perceber o peso da imaturidade das condições materiais que o capitalismo tinha desenvolvido em 1871. Entretanto, seria errado considerar que todos os acontecimentos sociais podem ser explicados necessariamente “pelas condições materiais”. Em particular, a consciência que os homens e mais particularmente as classes sociais têm destas condições materiais não são um simples “reflexo”, mas passam a ser um fator ativo da sua transformação. Assim, como diz o próprio Marx no prefácio do Capital:
Por conta dos acontecimentos históricos serem os produtos, não somente das condições econômicas da sociedade, mas também do conjunto dos fatores “superestruturais”, da interação complexa entre estas diversas determinações nas quais até o “azar” (quer dizer os elementos arbitrários e não previsíveis) entram em consideração, a história não pode ser concebida como o simples desencadeamento de um “destino” que seria escrito uma vez por todas.
Neste sentido, apoiamos totalmente a idéia que: “Segundo a concepção materialista da história, o fator determinante na história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida real” (Engels ; Carta do 21 de setembro 1890 para J. Block). Encontramos a mesma insistência nos “comentários”: “O próprio Engels, numa carta feita a Mehring, na qual chancela o livro desse, faz uma autocrítica de um defeito em formulações passadas, suas e de Marx, a respeito desta questão:
No processo histórico, a consciência pode agir como uma força material.
Quais são a circunstancias mais favoráveis da revolução:
a guerra ou a crise econômica aberta?
Embora o período dos anos setenta não possa, de nosso ponto de vista, ser caracterizado pela abertura da fase de decadência do capitalismo, isso não significa que ele não apresenta especificidades que devam ser tomadas em conta para analisar o desenvolvimento da luta de classes. A derrota do proletariado que colocou um termo final à primeira onda revolucionaria mundial foi tão importante que abriu um período de contra-revolução tão profunda que lhe impediu qualquer nova tentativa revolucionária diante da crise econômica de 1929 e dos anos trinta, e frente à Segunda Guerra mundial. O fim deste período de contra-revolução foi celebrado pela retomada da luta de classe internacional, iniciado pelo maio de 68 na França. Esta retomada da luta foi o produto da volta da crise aberta do capitalismo, no fim dos anos sessenta. A perspectiva atual é o produto da existência simultânea destes dois fatores:
A burguesia não pode parar a fase atual da crise econômica. Ela nem pode dominá-la momentaneamente por meio de medidas de capitalismo de estado que utilizou nos anos trinta e esgotou nos anos pós-guerra mundial. É A grande diferença entre a situação atual e a da Primeira Guerra mundial, em que o processo revolucionário resultou da guerra, mas perdeu sua dinâmica de extensão mundial quando a burguesia colocou um termo final à guerra. Deste ponto de vista, hoje em dia, as condições da futura revolução (se houver) são mais favoráveis de que depois da Primeira Guerra mundial. Mas, só deste ponto de vista, pois outros fatores, que são a conseqüência de um século de decadência, constituem obstáculos importantes no caminho da edificação de uma sociedade comunista.
Com efeito, o declínio de uma sociedade não é o fim de toda evolução. A decadência é um movimento, que se caracteriza por deslizamento em direção da catástrofe e da autodestruição. Como duvidar que a sociedade capitalista do século 20, que consagrou mais forças produtivas com finalidades da guerra e da destruição de que qualquer formação social anterior, não tenha chegado a constituir uma ameaça para a perpetuação da vida na Terra.
Esta conclusão não é motivada pelos “comentários” mas por algumas preocupações que se expressaram nas discussões com a Oposição Operária.
O começo do século XX corresponde à mudança de um conjunto de fatores determinantes na vida da sociedade, todos típicos da entrada na fase de decadência de um sistema:
O período iniciado com os anos setenta é uma fase particular no seio da decadência do capitalismo. Ela corresponde globalmente à volta da crise econômica aberta do sistema (que na realidade voltou a se manifestar no fim dos anos sessenta, o que explica o desenvolvimento da classe a partir de 1968).
Os revolucionários precisam fundamentar todos os aspectos da sua intervenção, considerando particularmente a mudança da natureza dos sindicatos, a impossibilidade continuar utilizando o parlamento, etc., sobre uma coerência histórica sólida. Ora, confundir uma fase particular da decadência com o período da decadência só pode enfraquecer uma tal coerência. Para podermos extrair todos os ensinamentos da maior experiência revolucionária do proletariado, que foi a onda revolucionária mundial de 1917-23, temos que entendê-la plenamente como uma tentativa que obrigou a burguesia mundial a mobilizar todas as suas forças para salvar o seu sistema de dominação. Para poder plenamente colocar em evidência as causas reais que explicam a derrota e ultrapassá-las nos futuros combates revolucionários, longe de considerar essa tentativa revolucionaria como um ato prematuro da luta de classe que não podia ter êxito por conta da imaturidade das condições objetivas, temos que procurar sem preconceito essas causas nas fraquezas da consciência da classe operária naquela época.[1] [126] Numa próxima discussão, tal vez seja necessário discutir mais a fundo desta proposição do "comentário 9": "Em que consiste a simplificação entre as causas motoras da História e os efeitos dessas causas que, segundo Engels, permitiu a visibilidade dos interesses e das respectivas posições de classes modernas? Em que essa nova visibilidade era mais simplificada e, portanto, mais visível do que as inter-relações, nos mesmos termos de classes, do que as existentes nas sociedades da Antiguidade greco-romana entre Nobreza e escravos ou, na Alta Idade Média, entre Nobreza e servos? Temos dúvidas se a polarização entre burguesia/proletariado é mais “simplificada”—portanto mais visível—de que a polarização nobreza/escravo ou senhor/servo; e se as “inter-relações” das socialidades pré-capitalistas—alienação religiosa, etc.—eram mais opacas do que as da capitalista. Talvez o que aconteceu no capitalismo é que o confronto entre as duas classes fundamentais—burguesia/proletariado—tenha sido mais forte, mais presente, portanto mais visível, de que os confrontos anteriores. Aí sim, e a própria Comuna—fato que nenhuma classe dominada da História logrou (até porque nenhuma delas poderia ter um projeto desse calibre)—deu essa visibilidade. Não há dúvidas de que no capitalismo as relações sociais—como as que envolvem o fetiche, o estranhamento, etc.—são muito mais opacas do que as anteriores."
Para nós, as respostas dadas no Manifesto comunista a estas dúvidas são luminosas: "A burguesia desempenhou na história um papel altamente revolucionário. A burguesia, lá onde chegou à dominação, destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Rasgou sem misericórdia todos os variegados laços feudais que prendiam o homem aos seus superiores naturais e não deixou outro laço entre homem e homem que não o do interesse nu, o do insensível "pagamento a pronto". Afogou o frêmito sagrado da exaltação pia, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia pequeno-burguesa, na água gelada do cálculo egoísta. Resolveu a dignidade pessoal no valor de troca, e no lugar das inúmeras liberdades bem adquiridas e certificadas pôs a liberdade única, sem escrúpulos, de comércio. Numa palavra, no lugar da exploração encoberta com ilusões políticas e religiosas, pôs a exploração seca, direta, despudorada, aberta. A burguesia despiu da sua aparência sagrada todas as atividades até aqui veneráveis e consideradas com pia reverência. Transformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência em trabalhadores assalariados pagos por ela. A burguesia arrancou à relação familiar o seu comovente véu sentimental e reduziu-a a uma pura relação de dinheiro. A burguesia pôs a descoberto como a brutal exteriorização de força, que a reação tanto admira na Idade Média, tinha na mais indolente mandriice o seu complemento adequado. Foi ela quem primeiro demonstrou o que a atividade dos homens pode conseguir. Realizou maravilhas completamente diferentes das pirâmides egípcias, dos aquedutos romanos e das catedrais góticas, levou a cabo expedições completamente diferentes das antigas migrações de povos e das cruzadas." O que obscurece no capitalismo, é o fetichismo da mercadoria. Sem subestimar sua força, ele tem na sua frente a teoria revolucionária, em particular sob a forma do Capital.
[2] [127] A contradição, bem real, constituída pela queda tendêncial da taxa de lucro aparece somente nos textos reconstituídos por Engels a partir das notas de Max.
Publicamos abaixo a declaração de princípios básicos de um novo grupo proletário na Turquia, Enternasyonalist Komünist Sol, (EKS,Esquerda Comunista Internacionalista). No sítio da CCI nós publicamos seu panfleto por ocasião do 1° de Maio, que ajudamos a distribuir. Futuramente, publicaremos nossos comentários sobre a declaração.[1] [128]
As posições do EKS são pontos básicos de adesão. Foram escritas muito rapidamente com vistas a evoluir de um grupo que se reuniu para fazer e distribuir panfletos para manifestações específicas para ser um grupo político, e como tal são abertas à mudanças futuras. Elas carregam o que nós vemos como as quatro posições básicas que os revolucionários têm hoje:
Elas não nos definem como um grupo
"marxista", ou como um grupo "anarquista". Embora a maioria
de nossos membros se considerem comunistas, nós não descartamos o
trabalho comum na mesma organização política em relação aos anarquistas que
aderirem às posições básicas da classe trabalhadora. Nós percebemos que na
situação atual na Turquia, onde virtualmente ninguém tem posições
revolucionárias, seria um erro enorme excluir as pessoas, que têm bàsicamente
as mesmas posições que nós hoje, na base de argumentos históricos sobre as
coisas que aconteceram no começo do último século. Isso não significa
entretanto, que estas são questões que nós não discutimos, nem que nós não
estamos tentando desenvolver uma maior clareza sobre elas.
1) A rejeção do parlamentarismo, e da social-democracia.
A idéia de que a ordem existente pode ser mudada com os meios parlamentares ou democráticos é o obstáculo principal que o movimento operário confronta a cada passo. Quando esta ilusão é conscientemente criada pela classe dominante, ela também é defendida e proposta como uma solução pelos grupos esquerdistas, que são incapazes de compreender a natureza de classe do parlamento, que é baseado na idéia de que a classe trabalhadora tem uma participação na nação, mas na realidade, não é não mais do que um circo que tenta impor a idéia de que um movimento baseado na classe é tanto sem sentido, quanto inútil, a fim de mobilizar o proletariado atrás dos interesses da burguesia. A social-democracia também não se priva de fazer parte desse circo. A social-democracia, que defende a ideologia dos direitos e liberdades democráticas, e a mudança do equilíbrio existente a favor da classe trabalhadora através de reformas, que já não são possíveis sob o capitalismo, é por causa da sua posição que é uma ferramenta para criar um ponto médio entre a classe dominante, e a classe trabalhadora, que ela defende os interesses da burguesia. Enquanto a social-democracia não constitui um obstáculo à classe dominante, ela é anti-classe trabalhadora, e tem uma posição contra-revolucionária nas épocas em que os movimentos proletários surgem, e constitui uma ideologia colaboradora com a classe inimiga a serviço da burguesia.
2) A rejeção do sindicalismo.
Exatamente como o parlamento, os sindicatos também organizam os trabalhadores como uma parte do capital. Além disso por causa de sua posição no coração da classe trabalhadora, constituem o primeiro obstáculo à luta do proletariado. Quando a classe trabalhadora parece ser passiva, e sua luta face ao capital não está clara, radicalizada ou generalizada, os sindicatos organizam a classe trabalhadora como capital variável, e como escravos assalariados, também como generaliza a ilusão de que há modos tanto honrosos como justos de viver desta maneira. Os sindicatos não são somente incapazes de empreender a ação revolucionária, mas também são incapazes de defender as condições básicas de vida do trabalhador, aqui e agora. Esta é a principal razão pela qual os sindicatos usam as táticas burguesas, pacifistas, chauvinistas, e estatistas. Quando o movimento da classe trabalhadora se radicaliza, e se desenvolve, os sindicatos propõem slogans democráticos e revolucionários, e desta maneira tentam manipular o movimento, como se os interesses da classe trabalhadora não fossem a emancipação do próprio trabalho assalariado, mas continuá-lo em diferentes formas. Os métodos do sindicalismo de base e da autogestão são usados em lugares e em situações diferentes, tendo por resultado nada mais que a própria aceitação voluntária da dominação do capital pelos trabalhadores. Na realidade, a única coisa que os sindicatos fazem é dividir os trabalhadores em diferentes grupos setoriais, e arrastar os interesses da classe como um todo atrás dos slogans social-democratas.
3) A rejeção de todas as formas de nacionalismo, e a defesa do internacionalismo.
O nacionalismo é um slogan básico usado pela burguesia para organizar a classe trabalhadora nos interesses capitalistas. A reivindicação de que, independente de sua posição da classe, cada membro de uma nação está no mesmo barco, só serve para destruir o potencial revolucionário da classe trabalhadora juntando em um nível ideológico duas classes antagônicas . A partir desta premissa, chega a dizer que cada pessoa tem que trabalhar para a "sua" própria nação, para sua própria classe capitalista, e a luta pelos seus próprios interesses de classe resultaria no naufrágio do barco. Ao contrário das reivindicações de toda a esquerda tanto no caso do nacionalismo turco quanto do curdo, eles não têm diferentes características.
A realidade básica negada pelos que falam sobre libertação nacional, lutas contra o imperialismo, é que a característica da luta da classe trabalhadora por sua libertação está acima das nações. A libertação da classe trabalhadora somente pode ser conseguida levantando-se a bandeira da luta de classes contra cada tipo de luta de libertação nacional, de demagogia, e de guerra imperialista. Hoje, os que falam de uma "frente nacional" contra os imperialistas, de independência nacional, competem com os liberais,dos quais pensam ser opostos, para negar as contradições de classe. O nacionalismo curdo, chamado de oposto ao nacionalismo turco, do qual ele também se alimenta, realiza a completa separação da classe trabalhadora desempenhando o mesmo papel que o nacionalismo turco para os trabalhadores na sua própria região.
4) A luta comunista, e a natureza do comunismo.
O comunismo não é uma bela utopia que poderá ser alcançada um dia, nem uma teoria cuja necessidade é cientificamente comprovada, mas é a luta dos trabalhadores por seus próprios interesses como um movimento. Nesse sentido, o comunismo não tem nenhuma relação com a sua definição esquerdista. Nasceu particularmete da luta dos trabalhadores por seus interesses cotidianos, ele é a expressão de sua necessidade de emancipação do trabalho assalariado, do capital, e do estado. Em conseqüência disso, é a negação de todas as separações entre intelectuais e trabalhadores, entre objetivos absolutos e interesses cotidianos,entre consciência "sindical" e "consciência socialista", entre objetivos e meios. Sempre que os trabalhadores começam a lutar pelos seus próprios interesses autonomamente dos sindicatos e dos auto-proclamados partidos dos trabalhadores, então o comunismo floresce dentro da luta. Da mesma maneira, a organização comunista é formada organicamente dentro desta luta, e é nascida da união internacional das intervenções das minorias mais radicais e mais determinadas na luta de classes, que expressam o antagonismo entre os trabalhadores e o capital.
(junho de 2006)
[1] [129] Para contatar o EKS, escreva para solkomunist @anti-spam@ yahoo.com.
A conjuntura mundial vai ser abordada sobre os planos da guerra e das lutas sociais. Dentro deste contexto, examinaremos como as eleições podem influenciar esta conjuntura.
O mundo viveu durante 40 anos sob a ameaça de uma guerra mundial que, com certeza, se tivesse ocorrido, teria devastado o planeta e provavelmente acabado com a espécie humana.
Este cenário prevaleceu durante o período entre o fim da Segunda Guerra mundial e o desmoronamento do bloco do Leste, em 90.
O que foi que descartou esta alternativa mórbida? Foi o fim da rivalidade entre dois blocos imperialistas, pois, pouco tempo depois do desmoronamento do bloco do Leste, o bloco do Oeste se dissolveu.
Mas este acontecimento de alcance mundial, ao descartar o risco de guerra mundial, não significou o fim das tensões imperialistas e das guerras.
Com efeito, o fim da Guerra fria não significou a abertura de um período de paz e prosperidade, como tinha afirmado o presidente Bush pai, nessa época.
Desde a Primeira Guerra do Golfo, cada dia que passa inicia um novo conflito no planeta. E, ao contrario do período anterior, estes conflitos tiveram como motivação principal as rivalidades imperialistas entre os Estados-Unidos e seus ex-aliados do bloco do Oeste. Na realidade, enquanto os Estados-Unidos estão tentando, com cada vez menos sucesso, manter sua dominação mundial, seus ex-aliados, fazem tudo para enfraquecer esta dominação.
Isso não significa, entretanto, que existiria de novo, uma bi-polarização entre, de um lado, um campo imperialista constituído pelos Estados-Unidos e alguns aliados e, por outro lado, um campo oposto aglutinando o resto do mundo, e que seria menos imperialista, porque menos potente.
Com efeito, os ex-aliados do Estados-Unidos não atuam no seio de uma aliança crescente contra o imperialismo americano, mas dentro de alianças efêmeras, circunstanciais, em função de seus próprios interesses imperialistas, que podem até incluir acordos circunstanciais com os Estados-Unidos.
Vale a pena dar alguns exemplos ilustrando esta volatilidade das alianças, que na realidade pode ser caracterizada pelo “cada um por si”:
Outras características dos conflitos do período depois dos blocos imperialistas devem ser evocadas.
Em primeiro lugar, a barbárie crescente que engendram. Citemos dois exemplos:
Se a maior parte das vítimas se conta nos países que constituem os objetivos estratégicos destas guerras, a população das maiores potências econômicas não é poupada:
Na realidade, podemos dizer que a erupção do terrorismo, num grau desconhecido até agora, constitui a maior característica das guerras atuais, por parte de todos os protagonistas dos conflitos.
Os atentados terroristas do 11 de setembro 2001 em New York foram uma ilustração brilhante disso. Não somente por conta do objetivo dos terroristas, destruir duas torres cheias de gente, e sim da manobra da burguesia americana que deixou acontecerem os preparativos e o atentado, já que ela estava informada de tudo isso desde o início.
Para que? Utilizar a indignação criada na população para fazê-la aceitar as intervenções militares no Afeganistão e no Iraque.
O procedimento não é novo, foi mais bárbaro ainda de que outras vezes. Já foi utilizado em 1941, pelo estado americano, para mobilizar a população americana na Segunda guerra mundial. O bombardeio do porto militar de Pearl Harbor pela aviação japonesa, na realidade, não foi uma surpresa, como o fingiu o governo americano nessa época. Seus serviços de informação tinham interceptado e interpretado as informações cifradas japonesas, relativas ao bombardeio da frota militar americana baseada neste porto.
Desde a segunda guerra mundial, e durante toda a época da guerra fria, as guerras locais, conseqüência do antagonismo Leste Oeste, nunca pararam.
As tensões guerreiras, ampliadas pelo agravamento da crise econômica mundial, expressaram, ao nível dos blocos, a rivalidade crescente entre nações capitalistas, tendo como objetivo a supremacia militar sobre o mundo.
Quando existe cada vez menores possibilidades de um desenvolvimento econômico, a sobrevivência só pode passar pela submissão dos rivais.
Os conflitos atuais expressam esta mesma contradição e o impasse do capitalismo mundial. Mas, pelo fato do desaparecimento dos blocos imperialistas e do agravamento da crise econômica, eles são mais numerosos e bárbaros, e criam um caos mundial maior.
Apesar do agravamento das guerras, estas não desembocaram numa guerra frontal entre duas grandes potências, assim como as tensões entre os blocos não tinham desembocado numa Terceira Guerra mundial.
Uma Guerra mundial e também uma confrontação direta entre duas grandes potências, precisam a mobilização de todas as forças da nação e principalmente da que produz o essencial das riquezas, o proletariado. Ora o proletariado não está disposto a aceitar os sacrifícios de uma exploração decuplicada pela necessidade da produção de guerra e, ainda menos, o sacrifício supremo de sua vida na participação direta nos combates.
Suas reações diante do ataques econômicos atuais o comprovam.
Assim, a luta de classe mundial, nas grandes concentrações industriais em particular, constitui um freio na tendência à guerra.
Mas a luta de classe não constitui somente isso. O proletariado tem a capacidade, como o demonstrou a onda revolucionaria mundial de 1917-23, de entrar em luta, internacionalmente, contra a ordem capitalista para derrubá-la.
O fato desta tentativa ter sido derrotada não prova que uma próxima tentativa será necessariamente derrotada.
Assim, no seio de toda esta barbárie sangrenta do mundo atual, a única centelha de esperança para a humanidade reside na retomada dos combates do proletariado em escala mundial, notadamente há cerca de um ano.
Pelo fato que a crise econômica se desenvolve em escala mundial e não poupa nenhum país, nenhuma região do mundo, a luta do proletariado contra o capitalismo tende cada vez mais a se desenvolver em escala universal. Ela carrega consigo a perspectiva futura da derrubada do capitalismo.
Neste sentido, o caráter simultâneo dos combates do proletariado nesses últimos meses, tanto nos países industrializados como no “Terceiro-Mundo”, é indicativo da retomada atual da luta de classe.
Depois das greves que paralisaram o aeroporto d´Heathrow e os transportes de Nova York em 2005, são os trabalhadores da fabrica Fiat em Barcelona, depois os estudantes na França, seguidos pouco depois pelos metalúrgicos de Vigo na Espanha, que entraram maciçamente em luta na última primavera européia. No mesmo momento, nos Emirados Árabes Unidos, em Dubaï, estourou uma onda de luta de classe por parte dos operários imigrantes da construção civil. Diante da repressão, os trabalhadores do aeroporto de Dubai entraram espontaneamente em greve em solidariedade com os da construção civil. Em Bengladesh, são perto de dois milhões de operários da industria têxtil na região de Daka que se engajaram numa série de greves selvagens maciças no final do mês de maio, em protesto contra os salários de miséria e as condições de vida insustentáveis que lhes impõem o capitalismo.
Em todos os lugares do mundo, seja nos países mais desenvolvidos como os Estados-Unidos, Grã-Bretanha, França e anteriormente Alemanha e Sueca, ou seja, nos países entre os menos desenvolvidos como o Bengladesh, o proletariado está de novo levantando a cabeça.
Assim são dois mundos que se encaram: o mundo da burguesia e o mundo do proletariado. A primeira, apesar de ter personificado, diante do feudalismo, o progresso da humanidade, passou a ser, hoje, a personificação da barbárie, da bestialidade e do desespero que oprime a espécie humana. Por outro lado, o proletariado, apesar de não ter ainda consciência disso, representa o futuro, um futuro que será definitivamente livre da miséria e da guerra.
As consultas eleitorais são apresentadas como momentos em que “se joga o futuro social dos explorados”, desde que saibam “votar a favor dos que os defendem”, quer dizer os partidos de esquerda. Alguns vão até dizer, como os trotskistas na extrema esquerda, que as eleições constituem um momento da defesa da independência de classe do proletariado e de seu projeto histórico, o socialismo.
Convém aí colocar a questão seguinte: Qual foi o benefício para os proletários das vitórias eleitorais dos pretendidos defensores dos explorados em todos os países do mundo?
Benefício nulo. A esquerda, quando está no governo, não age de maneira diferente da direita.
E é normal, porque ela é eleita com a mesma missão, nem sempre reconhecida: defender os interesses do capital nacional, o que só pode ser realizado em detrimento do proletariado.
Eleição depois de eleições, quer seja a direita ou a esquerda a vencedora, as condições de vida do proletariado não deixam de piorar.
Não pode ser diferente no seio do capitalismo, pois:
Mas além de ser uma ferramenta ineficaz nas mãos dos proletários, as eleições constituem uma instituição muito eficaz a serviço da burguesia contra o proletariado.
A burguesia nos apresenta sua democracia como a melhor forma de organização que pode existir. Com efeito:
Assim, se os eleitores querem o "socialismo", ou o "comunismo", é só votar pelos representantes destes programas políticos. Na realidade, e como já o vimos no passado, nenhuma formação política que pretenda defender tal programa, jamais agiu no sentido de defender os interesses do proletariado.
Assim, as eleições são uma arma ideológica da burguesia contra a consciência e a unidade do proletariado.
A democracia burguesa é na realidade o biombo ideológico que serve para dissimular o antagonismo entre duas classes com interesses irreconciliáveis, a burguesia exploradora e o proletariado explorado.
A democracia é uma mera mistificação, cuja função é a de mascarar a ditadura da classe dominante, a burguesia, sobre o conjunto da sociedade. E o instrumento desta ditadura não é outro senão o Estado, seja ele governado pela direita ou pela esquerda.
A Terceira Internacional tinha razão, quando não ainda degenerada, dizia que não existia mais possibilidades para o proletariado de utilizar as eleições. Assim, em 1920, durante seu segundo congresso, ela declara: "A atitude da terceira Internacional não é determinada por uma nova doutrina mas pela modificação do próprio papel do parlamento. Na época precedente, o parlamento como instrumento do capitalismo ainda em processo de desenvolvimento, de uma certa maneira trabalhou a favor do pregresso histórico. Mas, nas condições atuais, na época do desencadeamento imperialista, o parlamento passou a ser ao mesmo tempo um instrumento de mentira, de engano, de violência e uma exasperante conversa fiada. Atualmente, o parlamento não pode ser, de maneira nenhuma, para os comunistas, o teatro de uma luta para reformas e para a melhoria das condições do proletariado, como foi no passado. O centro de gravidade da vida política saiu definitivamente do parlamento."
Corrente Comunista Internacional
Ligações
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